Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
300/04.0GBBCL.G2
Relator: CRUZ BUCHO
Descritores: PROVA DACTILOSCÓPICA
IMPRESSÕES DIGITAIS
VALOR PROBATÓRIO
PROVA INDICIÁRIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/25/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I - A importância e transcendência da dactiloscopia radica na circunstância de as impressões digitais serem universais, permanentes, singulares ou inconfundíveis, indestrutíveis e mensuráveis.
II - Em função daquelas características das impressões digitais, o valor probatório da perícia dactiloscópica deve ser encarado numa tripla perspectiva:
a) A aparição de uma impressão digital de uma pessoa faz prova directa do contacto dessa pessoa com o objecto onde foi detectada aquela impressão;
b) Se a impressão digital faz prova directa do contacto dessa pessoa com o objecto onde foi detectada aquela impressão ou que aquela pessoa esteve no local onde ela foi colhida, já não faz prova directa da participação do sujeito no facto criminoso (até porque aquele contacto com a coisa pode ser posterior à prática do crime ou meramente ocasional).
c) Embora não faça prova directa da participação do sujeito no facto criminoso, a impressão digital pode ser encarada como um indício que, conjugado com outros indícios, pode fundamentar uma decisão condenatória.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães:
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I- Relatório
No 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Barcelos, no âmbito do Processo Comum Colectivo nº 300/04.0GBBCL, por acórdão de 29 de Janeiro de 2008, a arguida Maria B..., com os demais sinais dos autos, foi condenada:
a) pela prática de 1 (um) crime de furto qualificado p. e p. pelos artigos 203º, n.º1 e 204º, n.º2, al. e) do Código Penal, ocorrido no dia 3 de Março de 1004, na pena de 3 (três) anos e 2 (dois) meses de prisão;
b) pela prática de 1 (um) crime de furto qualificado p. e p. pelos artigos 203º, n.º1 e 204º, n.º2, al. e) do Código Penal, ocorrido no dia 18 de Dezembro de 2004, na pena de 2 (dois) anos e 10 (dez) dez meses de prisão;
c) em cúmulo jurídico, na pena única de 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de prisão
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Inconformada com tal decisão, a arguida dela interpôs recurso, rematando a sua motivação com as seguintes conclusões que se transcrevem:
«1- O acórdão agora objecto de recurso valeu-se única e exclusivamente da recolha dos vestígios lofoscópicos encontrados em ambas as residências - v. Fls. 11 dos autos e fls. 7 do apenso - corporizada nos exames periciais, cujos relatórios se encontram juntos a fls. 19 a 24 do processo principal e fls. 21 a 25 do processo apenso, para alicerçar a decisão final condenatória da arguida. Não existe outra prova documental nem testemunhal. Será essa única prova suficiente para condenar a arguida e envia-la para a prisão?
2 - Nessa busca do convencimento sobre o caso submetido a julgamento, funciona, ainda, a regra básica, (herdada do sistema de prova livre), consagrada no artigo 127º, do CPP, da livre apreciação da prova, a qual comporta algumas "excepções", que se prendem com aspectos particulares da prova testemunhal, das declarações do arguido e das provas pericial e documental.
3 - A ideia da livre apreciação da prova, «uma liberdade de acordo com um dever», assenta nas regras da experiência e na livre convicção do julgador.
Mas, esse critério de apreciação da prova, implica que o julgador proceda a uma valoração racional, objectiva e crítica da prova produzida, valoração essa que, por isso, não se pode confundir com qualquer "arte de julgar".
Com efeito, como tem vindo repetidamente a afirmar a nossa jurisprudência, a livre apreciação da prova não significa "apreciação arbitrária, discricionária ou caprichosa da prova", nem apreciação subjectiva do julgador, o que, aliás, está de acordo com a posição defendida, entre outros, por Figueiredo Dias e Germano Marques da Silva.
4 - Do exposto decorre, por outro lado, uma «íntima conexão existente entre o princípio da livre apreciação da prova, o princípio da presunção de inocência, o dever de fundamentação das sentenças, o direito ao recurso, e o direito à tutela efectiva».
5 - O direito processual penal português, ao afastar-se do sistema das provas tarifadas ou do sistema da prova legal, reafirmou o princípio da livre convicção do julgador.
Este princípio exige que o julgador, na sua tarefa de apreciação dos meios de prova produzidos, atenda às circunstâncias concretas de cada caso.
6 - A prova pericial tem uma especial importância quando, através dos seus juízos técnicos, científicos ou artísticos, se apuram factos novos com interesse para a decisão da causa, factos esses que de, outra forma, não seriam trazidos para o processo.
Esses factos novos (mesmo que sejam instrumentais), introduzidos pela prova pericial, podem ser imprescindíveis na resolução do caso a submeter ou submetido a julgamento penal.
7 - Com isto não se quer significar que, a prova pericial, só por si seja suficiente para, em sede de inquérito, permitir uma acusação ou um arquivamento ou para, em sede de instrução, permitir uma pronúncia ou uma não pronúncia ou para, em fase de julgamento, permitir uma condenação ou uma absolvição.
É que, os factos apurados decorrentes da prova pericial terão sempre de ser complementados por outros elementos de prova.
8 - Por outro lado, se o contributo da cientifização probatória se revela fundamental e decisiva, - « os exames hematológicos oferecem uma prova muito segura da realidade em causa, sendo de elevado grau de rigor - tal não é significante, contudo, da irrefutabilidade (unteugbar) de uma prova científica absolutizante e esgotante, afastando as demais provas. O tribunal, «com os olhos postos na realidade social», segundo as regras da experiência e sensível aos avanços científica e aos seus contributos na área jurídica, não é indiferente perante as duas tipologias probatórias.
9 - No entanto, a decisão do juiz sustentada num resultado científico e no parecer dos peritos (sich auf sachverstandig berufen) é, à luz da experiência da rechspraxis, razoável mas não afastando a observação globalizante e ponderada de todos os condicionalismos envolventes.
Será esta livre apreciação da prova que, mesmo em face de resultados suficientes científicos que direccionam a decisão, não cessará de persistir, um «resíduo incómodo», um inevitável risco da arbitrária decisão humana?
O seu papel (juiz) poderá estar a ser cada vez mais condicionado pelos resultados das perícias e pelos depoimentos das porta-vozes da prova científica.
10 - Complementarmente, a prova científica não pode - nem deve - ser vista como um perito (sachverstandige) substituiria, naturalmente, o juiz e o resultado científico ficaria tutelado com uma pré-valorização probatória, num neo-retorno à presunção legal de provas e á sua supra - infra - ordebação. Considera-se que a prova laboratorial deve ser complementada pelas restantes meios de prova existentes, pois aquela carece de força probatória plena. É que o exame ou perícia por maior grau de certeza que se obtenha, não é lucipotente, em termos absolutos, situa-se no mencionado grau que atinge a raia da certeza, sem contudo lá chegar. Assim, sempre a probabilidade laboratorial deve ser complementada pela restante prova produzida. É certo que, no sistema vigente, o resultado laboratorial acaba por fornecer um juízo de probabilidade que é apreciado e valorado livremente pelo tribunal, quase da mesma maneira que a prova testemunhal.
11 - Ora, no presente processo o tribunal da 1.ª Instância serviu-se única e exclusivamente da prova pericial a qual não se encontra complementada por outros elementos de prova porque simplesmente não existem!!!
12 - Há uma configuração factual que, sem outros apoios, é manifestamente insuficiente para alcançar uma solução jurídica que esteja devidamente sustentada, pelo que estamos perante uma insuficiência da matéria de facto que impede a decisão da causa, vício previsto na alínea a) do n.º2, do art.º 410.º, do CPP, o qual determina o reenvio para novo julgamento no Tribunal da Relação, nos termos do art.º 426.º, n. °2. Ac. de 6-5-2004;
O vício de insuficiência da matéria de facto provada verifica-se quando há uma lacuna, deficiência ou omissão no apuramento e investigação da matéria de facto. Este vício influencia e repercute-se na «decisão justa que devia ter sido proferida». Ac. da Rei. do Porto de 23.5.2001. estes acedidos em www.dgsi.pt
13 - Pois bem.
14 - Face ao que se disse, existe claramente no acórdão proferido e no texto o vício de decisão - insuficiência da matéria de facto para a decisão, repercutindo-se na decisão justa que deveria ter sido proferida.
15 - Por outro lado, verifica-se do texto do Acórdão agora objecto de recurso, nomeadamente na motivação da decisão de facto que o tribunal não fez uma análise crítica da prova.
16 - A exigência de fundamentação é antes de tudo uma questão de transferência, mas é muito mais do que isso, visa também o autocontrolo das autoridades judiciárias e o direito de defesa a exercer através dos recursos.
17 - O autocontrolo, que a exigência de fundamentação representa também, manifesta-se a níveis diferentes: por um lado à comissão de possíveis erros judiciários, evitáveis precisamente pela necessidade de justificar a decisão; por outro lado, implica a necessidade de utilização pela autoridade decidente de um critério racional de valoração da prova, já que se a convicção se formou através de meras conjecturas ou suspeitas a fundamentação será impossível. A fundamentação actua assim como garantia de apreciação racional da prova legalmente admitida no processo.
Finalmente, a motivação é imprescindível para efeitos de recurso, sobretudo quando tenha por fundamento o erro na valoração da prova; o conhecimento dos meios de prova e do processo indutivo são absolutamente necessários para poder avaliar-se da correcção da decisão sobre a prova dos factos, pois só conhecendo o processo de formação da convicção do julgado se poderá avaliar da sua legalidade e razoabilidade
18 - A formulação do art.º 374.º, n.º2 foi alterado com a reforma de 1998, a lei não se basta agora, com a indicação das provas, mas exige ainda que a fundamentação expresse um exame crítico das mesmas.
19 - O "exame crítico" a que se alude no art.º 374.º, n. °2 CPP configura-se como reforço das garantias da defesa situando-se na esteira da antiga pela transparência da decisão de modo a que ela se construa não tanto em obediência a uma noção de puro vencimento mas de convencimento e também como elemento conducente e uma melhor ou mais cabal consciencialização pelo julgador tudo possibilitando um conhecimento mais autêntico da situação pelo tribunal de recurso.
Se o tribunal recorrido apenas elencou as provas em que se estribou para formar a sua convicção não procedem ao "exame crítico" que a Lei exige cometendo a nulidade prevista no art.º 379.º, n. °1, al. a) do CPP.
Acedido em www.dgsi.pt Ac. da Relação de Lisboa de 24.10.2002
20 - Assim também por este lado, o Acórdão deve ser anulado, por faltar na fundamentação o exame crítico da prova para formar a convicção do tribunal, acarretando consequentemente a nulidade da sentença - artigos 374.°, n. °2 e 379.º, n. °1, al. a) do CPP.
Foram violados os art.ºs 127º, 374.°, n. °2 e 379.º, n. °1, al. a) do CPP.»
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O Ministério Público junto do tribunal recorrido respondeu ao recurso, pugnando pela manutenção do julgado.
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O recurso foi admitido, para o Tribunal da Relação de Guimarães, por despacho constante de fls. 425.
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Nesta Relação, o Exmo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, pronunciando-se no sentido de o recurso não merecer provimento.
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Cumprido o disposto no art. 417º, n.º2 do CPP, foram colhidos os vistos legais e realizada a conferência.
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II- Fundamentação
1. É a seguinte a factualidade apurada no tribunal a quo:
A) Factos provados (transcrição)
1. «No dia 3 de Março de 2004, a hora não concretamente apurada, mas antes das 19,30 horas, a arguida dirigiu-se à residência de Miquelina L..., sita no Lugar de A..., A..., Barcelos, com intenção de daí retirar e fazer seus os objectos que ai encontrasse;
2. Chegada à referida residência, a arguida forçou a fechadura da porta de entrada, que danificou, utilizando um objecto em alumínio de características não concretamente apuradas e penetrou no seu interior;
3. Daí retirou os seguintes bens:
- a quantia de €2.700,00 em notas e moedas do BCE;
- um cordão em ouro, com cerca de dois metros de comprimento, com medalhão em esmalte e fotografia, com rebordo em pedras azuis, no valor aproximado de € 3.000,00;
- uma pulseira em ouro trabalhado, com cerca de 7 mm de largura, no valor de € 1.000,00;
- uma anel de senhora em ouro amarelo, com desenho de um coração, no valor de € 500,00;
- um anel de senhora em ouro amarelo, constituído por três alianças juntas, com pedras brancas e vermelhas na parte superior, no valor de € 500,00;
- uma garrafa de Whisky de marca Cutty Sark, no valor de € 10,00;
- um par de luvas de senhora em pele de cor preta, no valor de € 30,00;
- oito pacotes de Ice Tea de limão, no valor total de € 4,00;
- um perfume de senhora da marca “Escada”, no valor de € 50,00;
- um telemóvel da marca Motorola, avariado, de valor não determinado;
- uma sapatilhas no valor de € 100,00;
4. Após se ter apoderado dos referidos objectos e dinheiro, a arguida levou-os consigo, abandonando a referida residência;
5. A arguida agiu de forma deliberada, livre e consciente, com intenção de fazer seus os mencionados objectos e dinheiro, bem sabendo que os mesmos lhe não pertenciam e que agia contra a vontade e sem o consentimento da sua proprietária, a referida Miquelina ;

6. Sabia ainda que a sua conduta era proibida e penalmente censurada;
7. No dia 18 de Dezembro de 2004, entre as 13,30 horas e as 18,30 horas, a arguida dirigiu-se á residência de Sérgio C..., sita no Lugar B..., C..., Barcelos;
8. Aí chegada, utilizando um objecto de características não apuradas, a arguida forçou a janela que dá acesso à sala da referida habitação, janela essa que dista do solo cerca de 90 cm, transpô-la, assim se introduzindo na habitação e aí apropriou-se de um televisor no valor de € 1.050,00 e um leitor de DVD e restantes aceesórios, incluindo as respectivas colunas, no valor de € 580,00;
9. Seguidamente, a arguida percorreu os restantes aposentos da residência, tendo recolhido num quarto de arrumos um ferro de engomar no valor de € 150,00;
10. Após, abandonou o local pela janela por onde havia entrado, levando consigo os aludidos objectos, com intenção de os fazer seus, bem sabendo que lhe não pertenciam e que agia contra a vontade e sem o consentimento do seu legítimo dono, Sérgio António M. Campos;
11. Agiu a arguida de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei;

12. A arguida sofreu já as seguintes condenações:
a) por acórdão proferido em 03.07.96 no Proc. Comum Colectivo nº 57/96 do 2º Juízo do Tribunal de Círculo de Coimbra na pena de 18 meses de prisão pela prática de um crime de furto qualificado p. e p. nos artºs 203º e 204º nº 2 al. e) do Cód. Penal, ocorrido em 15.04.96;
b) por acórdão proferido em 27.11.96 no Proc. Comum Colectivo nº 453/93 do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Esposende na pena de um ano e quatro meses de prisão pela prática de um crime de furto qualificado p. e p. nos artºs 203º e 204º nº 2 al. e) do Cód. Penal, ocorrido em 08.08.92.»


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B) Factos não provados (transcrição)

«1. Que no dia 18 de Dezembro de 2004, a arguida se tivesse dirigido à residência do ofendido Sérgio na companhia de um indivíduo de identidade não apurada;

2. Que nessa residência, a arguida tenha recolhido dos quartos diversas peças de roupa de valor não apurado;

3. Que a arguida sofra, desde jovem, de artrose grave nos joelhos, locomovendo-se mal, e que tal facto a impossibilitasse fisicamente de praticar os factos supra descritos;

4. Que a arguida viva há 15 anos em Sevilha e que à data dos factos não se encontrasse no Norte do País ou em Vigo.»

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C) Convicção (transcrição):

«A convicção do tribunal relativamente à matéria de facto provada alicerçou-se na análise crítica da prova, quer testemunhal quer documental, produzida.

Assim, tomou-se em consideração o depoimento das testemunhas Miquelina L... e Sérgio C..., ambos proprietários de cada uma das residências assaltadas, que referiram de forma isenta e objectiva, o modo como “o assaltante” se introduziu nas respectivas residências.

No que respeita à casa sita no Lugar de A..., A..., Barcelos, propriedade da testemunha Miquelina, a introdução efectuou-se através da destruição da fechadura da porta em alumínio que dá acesso ao interior da residência, provavelmente com o auxílio de um “pé de cabra”, tendo ficado danificada toda a parte esquerda da referida porta onde se localiza a respectiva fechadura e tendo sido remexido todo o interior da residência, designadamente armários e gavetas, cujo conteúdo foi deitado no chão e subtraídos diversos objectos que identificou como sendo os constantes da acusação no valor global no valor global de cerca de € 8.000,00, jamais tendo recuperado qualquer desses objectos. Mais referiu esta testemunha que no dia seguinte àquele em que ocorreram os factos foram recolhidas, pela polícia, impressões digitais e que, mais tarde, soube por um vizinho que, cerca das 15 horas do mesmo dia, tinha visto a transitar pela rua que dá acesso à sua residência, um veículo automóvel de marca Seat, de cor vermelha, de matrícula espanhola.

Quanto à residência sita no Lugar B..., C..., desta comarca, foi relevante o depoimento da testemunha Sérgio , que descreveu a forma como o/os assaltante/s se introduziram na sua residência, através da janela da sala, que dista do solo exterior cerca de 90 cm, tendo para o efeito sido destruída a fechadura daquela janela, e tendo sido subtraídos os objectos que descreveu como sendo os supra identificados, no valor global de € 2.500,00, que ainda não recuperou.

De realçar que, pese embora nenhuma das referidas testemunhas tenha identificado o autor dos aludidos assaltos, em virtude de não terem presenciado os factos, o certo é que, efectuada recolha de vestígios lofoscópicos em ambas as residências (cfr. fls. 11 destes autos e fls. 7 do apenso), e realizados os competentes exames periciais, cujos relatórios se encontram juntos a fls. 19 a 24 do processo principal e e 21 a 25 do processo apenso, concluiu o Departamento de Investigação Criminal da Polícia Judiciária de Braga que os mesmos foram produzidos pela região hipotenar da palma da mão esquerda da arguida (na residência de Airó) e pelo dedo médio da mão direita daquela (na residência de Courel), apresentando em ambos os casos treze pontos característicos coincidentes, o que corresponde a “certeza absoluta”, quanto à identidade do autor dos referidos vestígios.

Quanto aos antecedentes criminais da arguida, o tribunal baseou-se no teor do CRC junto aos autos.

Relativamente à matéria de facto não provada, nenhuma prova foi produzida em audiência que pudesse alicerçar um juízo positivo sobre os mesmos, quer no que respeita à circunstância de a arguida ter actuado acompanhada de outra pessoa, quer quanto à alegada doença de que a arguida padecia, em especial, nas ocasiões a que se reportam os factos.»


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2. Conforme é sabido, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, as conclusões do recurso delimitam o âmbito do seu conhecimento e destinam-se a habilitar o tribunal superior a conhecer as razões pessoais de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida (artigos 402º, 403º, 412º, n.º 1, todos do Código de Processo Penal e, v.g., Ac. do STJ de 19-6-1996, BMJ n.º 458, pág. 98)
Nestes autos, são as seguintes as questões a apreciar:
· Nulidade da sentença por falta de exame crítico da prova;
· Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
· Erro de julgamento.
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3. A questão da nulidade da sentença por falta de exame crítico das provas.
§1. De acordo com o n.º1 do artigo 205º da Constituição da República, as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.
Na lição de Gomes Canotilho “A exigência da motivação das sentenças exclui o carácter voluntarístico e subjectivo da actividade jurisdicional, possibilita o conhecimento da racionalidade e coerência da argumentação do juiz e permite às partes interessadas invocar perante as instâncias competentes os eventuais vícios e desvios dos juízes (Direito Constitucional 5ªed., Coimbra 1992, pág. 768).
Nos termos do n.º2 do artigo 374º do CPP, “ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”
Como bem salienta o Consº Marques Ferreira, num texto já clássico, “Estes motivos de facto que fundamentam a decisão não são nem os factos provados (thema decidendum) nem os meios de prova (thema probandum), mas os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substracto racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de forma determinada os diversos meios de prova apresentados em audiência (Meios de Prova, in Jornadas de Direito Processual Penal, O Novo Código de Processo Penal, Coimbra, 1988, págs. 229-230).
Este sistema de fundamentação fáctica não constituiu verdadeiramente uma qualquer limitação ao funcionamento da princípio da livre apreciação da prova antes pelo contrário, “teve em vista garantir maior credibilidade ao princípio em causa e à Justiça em última análise”(Marques Ferreira, op. cit., pág.229) uma vez que não só permite aos sujeitos processuais e ao tribunal de recurso o exame do processo lógico ou racional que subjaz à convicção do julgador, como assegura a inexistência de violação do princípio da inadmissibilidade das proibições de prova (Ac. do S.T.J. de 29-6-1995, Col. de Jur.-Acs do STJ III, tomo 2, pág. 254)
Assim, a partir da indicação e exame das provas que serviram para formar a convicção do tribunal este enuncia a razões de ciência extraídas destas, o porquê da opção por uma e não por outra das versões apresentadas, se as houver, os motivos da credibilidade em depoimentos, documentos ou exames que privilegiou na sua convicção, em ordem a que um leitor atento e minimamente experimentado fique ciente da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção (Ac. STJ de 30 de Janeiro de 2002).
Simplesmente, “a motivação da decisão de facto não pode ser um substituto do princípio da oralidade e da imediação, no que tange a actividade de produção de prova, transformando-a em documentação da oralidade da audiência, nem se propõe reflectir nela todos os factores probatórios, argumentos, intenções que fundamentam a convicção ou resultado probatório” (Ac. do STJ de 30-6-1999, in SASTJ, n.º32, 92).
Por isso, também, o artigo 374º, n.º 2 do Código de Processo Penal não obriga o tribunal a fazer qualquer extracto dos depoimentos prestados em audiência ou o seu resumo.
A fundamentação não é uma assentada em que o tribunal reproduz os depoimentos das testemunhas ouvidas, ainda que de forma sintética (cfr. vg. Acs do STJ de 7 de Outubro de 1998, Col. de Jur. ano VI, tomo 3, pág. 183, 12 de Abril de 2000, proc.º n.º 141/2000-3ª, SSSTJ n.º 40, 48), 12 de Outubro de 2000, proc,º n.º 2253/2000-3ª, SASTJ n.º44,70, de 7 de Fevereiro de 2001, proc.º n.º 3998/00-3ª, SASTJ n.º 48, 50 e o Ac. do Tibunal Constitucional n.º 258/2001, in www.tribunalconstitucional.pt) .
Por outro lado, como se salientou no Ac. da Rel de Évora de 16-10-2007, proc.º n.º 1238/07-1, rel. António João Latas, in www.dgsi.pt, a motivação da decisão sobre a matéria de facto “não pode confundir-se com a exposição sobre todo e qualquer detalhe, levando amiúde a motivações redundantes e substancialmente inúteis, nem como a explanação e desconstrução de todo o processo dedutivo, nomeadamente quando se trata da avaliação, de cariz essencialmente subjectivo, de certas características da prova pessoal, como sucede no caso presente coma referência à isenção – e falta dela - das testemunhas.
Pretende-se que o tribunal e o comum dos cidadãos possam compreender com clareza o porquê da decisão à luz das regras das regras da experiência comum pertinentes, bem como das normas lógicas e científicas, e não a explanação exaustiva do processo psicológico que conduz à convicção pois, em boa verdade, para além das dificuldades e limitações ao nível da sua expressão verbal, não pode sequer considerar-se sindicável o processo de formação da convicção em toda a sua extensão e profundidade, desde logo por falta de parâmetros lógicos e científicos que o permitam.
Finalmente, o citado artigo 374º, n.º2, alínea b) não exige a explicitação e valoração de cada meio de prova em relação a cada elemento de facto dado como assente (cfr. v.g. os Acs. do STJ de 9-1-1997, Col. de Jur-Acs do STJ ano V, tomo 1, pág. 181e de 30-6-1999, in SASTJ, n.º32, 92) sendo certo que o Tribunal Constitucional já afirmou que tal interpretação não viola os artigos 205º, n.º1 e 32º, n.ºs 1 e 5 da Constituição da República -cfr. Ac. n.º 258/01,in www.tribunalconsttitucional.pt), como “também não exige que em relação a cada fonte de prova se descreva como a sua dinamização se desenvolveu em audiência, sob pena de se transformar o acto de decidir numa tarefa impossível” (ac. do STJ de 30-6-1999, in SASTJ, n.º32, 92).
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§2. É, pois, neste quadro de fundo que deverá ser apreciada e decidida a arguida nulidade.
A este respeito e salvo o devido respeito, a argumentação da recorrente expressa quer na motivação quer nas conclusões, não obstante ser prolixa na afirmação de princípios e no seu desenvolvimento doutrinal e jurisprudencial, é de uma pobreza franciscana, ficando-se pela afirmação dogmática de que o acórdão recorrido “deve ser anulado por faltar na fundamentação o exame crítico da prova para formar a convicção do tribunal”.
Não pode, obviamente, sufragar-se este entendimento.
Basta um breve relance pela motivação da matéria de facto constante do acórdão recorrido, acima transcrita, para logo se concluir que o acórdão recorrido Juiz deu suficiente cumprimento ao disposto no n.º2 do artigo 374º do CPP, indicando claramente os meios de prova em que fundou a sua convicção e procedendo ao exame crítico daquelas provas, expondo as razões da opção efectuada, justificando os motivos que levaram a dar credibilidade à versão da acusação e permitindo aos sujeitos processuais e a este tribunal de recurso proceder ao exame do processo lógico ou racional que subjaz à convicção do julgador.
Especificamente quanto à imputação dos furtos à arguida recorrente, compreende-se com suficiente clareza que na convicção do tribunal teve papel preponderante o facto de em ambas as residências assaltadas terem sido detectados vestígios digitais que, após a realização dos competentes exames periciais se apurou, com um grau de “certeza absoluta”, pertencerem à arguida.
Embora a este respeito o acórdão recorrido não possa considerar-se modelar, porquanto não concretiza onde foram localizados aqueles vestígios o que, como adiante se referirá, se revela de grande importância, não é menos certo que remete expressamente quer para os autos de recolha de vestígios lofoscópicos quer para os respectivos exames periciais onde aquela localização vem referida.
Improcede, pois, a invocada nulidade.
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4. A questão da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada
§1. Segundo a recorrente no “presente processo o tribunal da 1.ª Instância serviu-se única e exclusivamente da prova pericial a qual não se encontra complementada por outros elementos de prova porque simplesmente não existem!!!”(conclusão 11ª)
Existira, assim, “uma configuração factual que, sem outros apoios, é manifestamente insuficiente para alcançar uma solução jurídica que esteja devidamente sustentada, pelo que estamos perante uma insuficiência da matéria de facto que impede a decisão da causa, vício previsto na alínea a) do n.º2, do art.º 410.º, do CPP, o qual determina o reenvio para novo julgamento no Tribunal da Relação, nos termos do art.º 426.º, n. °2. Ac. de 6-5-2004”(conclusão 12ª).
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§2. Como é sabido o conceito de “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada” constante da alínea a) do n.º 2 do citado artigo 410º, foi já suficientemente trabalhado pela doutrina e pela jurisprudência do nosso mais Alto Tribunal.
À luz de tais ensinamentos é hoje pacífico que só existe insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quando se faz a formulação incorrecta de um juízo em que a conclusão extravasa as premissas ou quando há omissão de pronúncia pelo tribunal, sobre os factos alegados ou resultantes da discussão da causa que sejam relevantes para a decisão, ou seja, a que decorre da circunstância de o tribunal não ter dado como provados ou como não provados todos os factos que, sendo relevantes para a decisão, tenham sido alegados pela acusação e pela defesa ou resultado da discussão.
Como se observou no Ac. do S.T.J. de 20-4-2006 (proc.º n.º 363/03, rel. Cons.º R. Costa):
“A insuficiência da matéria de facto provada significa que os factos apurados são insuficientes para a decisão de direito, do ponto de vista das várias soluções que se perfilem - absolvição, condenação, existência de causa de exclusão de ilicitude, da culpa ou da pena, circunstâncias relevantes para a determinação desta última, etc. – e isto porque o tribunal deixou de apurar ou de se pronunciar sobre factos relevantes alegados pela acusação ou pela defesa ou resultantes da discussão da causa, ou ainda porque não investigou factos que deviam ser apurados na audiência vista a sua importância para a decisão, por exemplo, para a escolha ou determinação da pena”(cfr. no mesmo sentido o Ac. do STJ de 23-10-1997, proc.º 97P318, rel. Dias Girão, também reproduzido no Ac. do STJ de 18-3-2004, proc.º n.º 03P3566, Rel. Simas Santos).
Por outro lado, conforme resulta do n.º2 daquele artigo 410º, os vícios da matéria de facto enumerados no artigo 410º do Código de Processo Penal têm, de resultar “do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum”, por conseguinte, sem recurso a quaisquer elementos que lhe sejam externos não sendo admissível, designadamente, o recurso a declarações ou depoimentos exarados no processo, nem podem basear-se em documentos juntos ao processo (cfr., neste sentido, Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 5ª ed., Lisboa, 2002, pág. 71 os quais salientam “que não se pode ir fora da decisão buscar outros elementos para fundamentar o vício invocado, nomeadamente ir à cata de eventuais contradições entre a decisão e outras peças processuais, como por exemplo recorrer a dados do inquérito, da instrução ou do próprio julgamento”; no mesmo sentido Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. III, pág. 324 e a jurisprudência do STJ citada naquela primeira obra).
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§3. À luz dos ensinamentos doutrinais e jurisprudenciais que acima deixámos mencionados, é forçoso reconhecer que nenhuma lacuna existe ao nível da matéria de facto provada para fundamentar a decisão de direito a que o tribunal recorrido chegou.
Por outro lado, não pode dizer-se que o tribunal tenha deixado de investigar toda a matéria com interesse para a decisão final.
O tribunal investigou tudo o que podia e conseguiu investigar dentro do objecto do processo, tal como ele foi delimitado pela acusação e pela defesa, sendo que se não vislumbra que a prova produzida em audiência justificasse qualquer outra investigação suplementar,
Aliás, analisadas as conclusões bem com a respectiva motivação logo se conclui que o recorrente incorre numa confusão muito frequente. Na verdade o que recorrente questiona é o modo como o tribunal a quo valorou a prova produzida, ou seja, o uso que o tribunal recorrido fez do princípio da livre apreciação da prova.
O recorrente confunde, deste modo, o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada que invoca com o erro de julgamento, que existe “quando o tribunal considera provado um determinado facto, sem que tivesse sido feita prova do mesmo e como tal deveria ter sido considerado como não provado; ou quando se dá como não provado um facto, que em face da prova produzida, deveria antes ter sido considerado provado” (Vinício Ribeiro, Código de Processo Penal, Notas e Comentários, Coimbra, 2008, pág. 909, com numerosas referências jurisprudenciais).
Não ocorre, por conseguinte, o apontado vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
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5. O alegado erro de julgamento.
§1. Contrariamente ao que sustenta a recorrente a decisão recorrida não se valeu “única e exclusivamente da recolha dos vestígios lofoscópicos encontrados em ambas as residências”
Basta ler a motivação para logo se concluir que o tribunal se fundamentou em outros meios de prova, nomeadamente nos testemunhos dos ofendidos.
Como bem salienta o Exmo PGA, no seu esclarecido parecer, o que não existe nos autos é prova directa da autoria dos furtos.
Mas tal inexistência não obsta à condenação dado que esta pode ter por base apenas prova indiciária ou indirecta.
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§2. A argumentação aduzida pela recorrente centra-se no valor atribuído às suas impressões digitais, o que convoca o problema da valoração da prova dactiloscópica.
Importa deixar registado que há muito que a dactiloscopia portuguesa granjeou projecção nacional (o Posto Antropométrico da cidade do Porto foi o primeiro a incluir os registos dactiloscópicos nos boletins, remontando a 1902 o primeiro caso conhecido) e internacional (em 1904 o médico antropólogo Dr. Xavier da Silva realizou uma das primeiras identificações de cadáver por meio de impressões digitais - cfr. Nuno Luís Madureira, A Estatística do Corpo: Antropologia física e Antropometria na alvorada do século XX, in Etnográfica, vol. VII (2), 2003, págs. 283-303, também disponível in ghttp//ceas.iscte.pt/etnografia/docs/vol 07/Vol-vii-N2 283-304.pdf
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§3. É sabido que a importância e transcendência deste método de identificação criminal radica na circunstância de as impressões digitais serem:
· Universais, porque comuns a todas as pessoas
· Permanentes, porque são imutáveis desde que surgem no 4º mês de vida intra-uterina só desaparecendo com a putrefacção cadavérica (existem, porém, referências científicas no sentido de o desenho das impressões palmares pode sofrer e revelar a interferência de determinados estados mórbidos, como sejam, para além da lepra, o erctema toxicum bullosum, a hiperhidrose, o queratoma palmar de eczema tyloticum, o noevus verucosum striatus, o raquitismo, o nanismo, aacromegalia, a hemiplagia, o panarício a radiomermite, a esclerodermia com esclerodactilia, a acrocefalia-sindactilia e a ectodactilia- cfr. Pinto da Costa, Impressões Digitais: contribuição para o seu estudo médico-legal, Porto, 1972, págs. 387 e 385);
· Singulares ou inconfundíveis, porque únicas: jamais são idênticas em dois indivíduos, não havendo, de resto, duas impressões digitais iguais feitas por dedos diferentes (nos finais do século XIX, mais concretamente na década de 1890, o cientista britânico Francis Galton demonstrou que a probabilidade de a impressão digital de um dedo de uma pessoa ser exactamente igual à impressão do mesmo dedo de outra pessoa era de um para sessenta e quatro mil milhões. Esta demonstração probabilística foi posteriormente popularizada em 1924, com a frase da autoria de J. A. Larson “não há duas impressões digitais iguais”);
· Indestrutíveis, porque não são modificáveis, nem pela acção do sujeito nem patologicamente; nessa medida, não podem ser falsificadas;
· Mensuráveis, porque susceptíveis de comparação.

A bibliografia sobre a prova dactiloscópica é quase inabarcável. Em português destacam-se os estudos dos médicos Rodolfo Xavier da Silva, Identificação de impressões digitais, Boletim do Instituto de Criminologia, Lisboa, série 4, ano 5, vol. 8-9 (1927-1928) págs. 421-438 e A impressão dos dedos, Boletim do Instituto de Criminologia, Lisboa, série 9, ano 12, vol. 16 (1º semestre 1932), págs. 77-106, de Luís de Pina, Dactiloscopia: Identificação Policial Científica, Lisboa, 1938, e de Pinto da Costa, Impressões Digitais: contribuição para o seu estudo médico-legal, Porto, 1972 e História da Dactiloscopia em Portugal, separata de O Médico, 1469 (1993), págs. 174-175. Na jurisprudência portuguesa, destaca-se o Ac. do STJ de 18-4-1996, proc.º 048908, rel. Cons.º Ferreira Rocha, in www.dgsi.pt. Na literatura jurídica estrangeira pode verse, v.g., Luís Alfredo de Diego Diez, La prueba dactiloscópica, Barcelona, 2001, Bosch, e Renaat de Veltere, La dactyloscopie, in Anne Leriche (dir.), La Criminalistique: du mythe à la realité quotidienne, Bruxelas, 2002, Kluwer, págs. 129-149. Pode ainda aceder-se a vasta e actualizada documentação no sítio da Interpol (www.interpol.int/Public/Forensic/fingerprint).
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§4. Em função daquelas características das impressões digitais, o valor probatório da perícia dactiloscópica deve ser encarado numa tripla perspectiva:
a) A aparição de uma impressão digital de uma pessoa faz prova directa do contacto dessa pessoa com o objecto onde foi detectada aquela impressão. Devido à grande fiabilidade da prova dactiloscópica impõe-se, porém, especiais cuidados na sua recolha [quem efectuou a recolha e quando, por ordem de quem, em que objecto e lugar se encontrava depositada, e especificamente em que zona (vidro exterior ou interior) e na sua transmissão (não estando, naturalmente afastada a existência de erro do perito na comparação)].
b) Mas se a impressão digital faz prova directa do contacto dessa pessoa com o objecto onde foi detectada aquela impressão ou esteve no local onde foi colhida, já não faz prova directa da participação do sujeito no facto criminoso (até porque aquele contacto com a coisa pode ser posterior à pratica do crime ou meramente ocasional).
c) Embora não faça prova directa da participação do sujeito no facto criminoso, a impressão digital pode ser encarado como um indício que, conjugado com outros indícios, pode fundamentar uma decisão condenatória.
Este tema do valor probatório da prova dactiloscópica, especialmente no âmbito da prova indiciária e no confronto com o princípio da presunção de inocência, tem merecido particular atenção na doutrina e jurisprudência espanhola a qual é unânime em considerar que o facto de a presença das impressões digitais do arguido no objecto furtado ou no local do furto não ter sido contraditada nem explicada pelo acusado ilide a presunção de inocência, justificando uma condenação (cfr., v.g., António Pablo Rives Seva, La Prueba en el Processo Penal-Doctrina de la Sala Segunda del Tribunal Supremo, 2ª ed., Pamplona, Aranzadi, 1996, págs. 171-174, Huertas Martin, El sujeto pasivo del proceso penal como objeto de la prueba, Barcelona, Bosch, 1999, págs. 224-231, Miguel Angel Montañes Pardo, La Presuncion de Inocência,Pamplona, Aranzadi, 1999, págs. 220-221 Javier Cajal Alonso, La Prueba Pericial, in Pedro Martin Garcia y otros, La prueba en el proceso penal, Valência, Revista General de Derecho, 2000, págs. 855-862, Luís Alfredo de Diego Diez, La prueba dactiloscópica, Barcelona, Bosch, 2001, págs. 39-53).
Também entre nós, ao contrário do que por vezes se pensa e se ouve a todo o tempo, de há muito que se aceita que a prova indiciária, devidamente valorada, permite fundamentar uma condenação (cfr., v.g., Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, vol. II, reimp. Lisboa, 1981, págs. 288-295, Id., Curso de Processo Penal, 2º vol., Lisboa, 1986, págs. 207- 208, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Lisboa/ S. Paulo, 1993, vol. II, pág. 83, Sérgio Gonçalves Poças, Da Sentença Penal-Fundamentação de Facto, in Julgar, n.º3, Set-Dez. 2007, págs. 27-29 e 42-43, Acs. do S.T.J. de 8-1-1995, B.M.J. n.º 451, pág. 86 e de 12-9-2007, proc.º n.º 4588/07, rel. Cons.º Armindo Monteiro in www.dgsi.pt, Acs. da Rel. de Coimbra de 6-3-1996, Col. de Jur. ano XXI, tomo 2, pág. 44 e de de 9-2-2000, Col. de Jur. ano XXV, tomo 1, pág. 51, de 11-5-2005, proc.º n.º 1056/05, rel. Oliveira Mendes, de 9-7-2008, proc.º n.º 501/01.3TAAGD, rel. Ribeiro Martins, in www.dgsi.pt, o Ac. da Rel. de Lisboa de 7-1-2009, proc.º n.º 10639/2008-3, rel. Carlos Almeida, os Acs da Rel. de Évora de 24-6-2008, proc.º n.º 437/08-1 e de 17-9-2009, proc.º n.º 524/05.3GAABF.E1, ambos relatados por João António Latas, o Ac. da Rel. do Porto de 28-1-2009, proc.º n.º 0846986, rel. Isabel Pais Martins, todos disponíveis na mesma base de dados, e os Acs da Rel. de Guimarães de 9-10-2006, proc.º n.º 2429/05-1, de 29-1-2007, proc.º n.º 2053/06-1, e de 25-6-2007, proc.º n.º 537/07-1, e 19-1-2009, proc.º n.º 2025/08, todos relatados pelo relator do presente, o último dos quais disponível in www.dgsi.pt).
Ponto é que os indícios sejam graves, precisos e concordantes, como se exprime o artigo 192º, n.º2 do Código de Processo Penal Italiano.
Segundo Paolo Tonini, são graves os indícios que são resistentes às objecções e que, portanto, têm uma elevada capacidade de persuasão; são precisos quando não são susceptíveis de diversas interpretações, desde que a circunstância indiciante esteja amplamente provada; são concordantes quando convergem todos para a mesma direcção (La prova penale, 4ª ed., Pádua, 2000, apud Eduardo Araújo da Silva, Crime Organizado-procedimento probatório, editora Atlas, São Paulo, 2003, pág. 157).
Como lapidarmente se consignou no citado Ac. do STJ de 12-9-2007, relatado pelo Sr. Cons.º Armindo Monteiro “A prova indiciária é suficiente para determinar a participação no facto punível se da sentença constarem os factos-base (requisito de ordem formal) e se os indícios estiverem completamente demonstrados por prova directa (requisito de ordem material), os quais devem ser de natureza inequivocamente acusatória, plurais, contemporâneos do facto a provar e, sendo vários, estar interrelacionados de modo que reforcem o juízo de inferência”
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§5. Quanto à imputação dos furtos à arguida escreveu-se na motivação da sentença recorrida:
“De realçar que, pese embora nenhuma das referidas testemunhas tenha identificado o autor dos aludidos assaltos, em virtude de não terem presenciado os factos, o certo é que, efectuada recolha de vestígios lofoscópicos em ambas as residências (cfr. fls. 11 destes autos e fls. 7 do apenso), e realizados os competentes exames periciais, cujos relatórios se encontram juntos a fls. 19 a 24 do processo principal e e 21 a 25 do processo apenso, concluiu o Departamento de Investigação Criminal da Polícia Judiciária de Braga que os mesmos foram produzidos pela região hipotenar da palma da mão esquerda da arguida (na residência de Airó) e pelo dedo médio da mão direita daquela (na residência de Courel), apresentando em ambos os casos treze pontos característicos coincidentes, o que corresponde a “certeza absoluta”, quanto à identidade do autor dos referidos vestígios.”
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§6. Efectivamente, conforme resulta dos autos, depois de os proprietários das residências assaltadas terem apresentado as competentes denúncias por furto, em ambas as residências foi efectuada uma recolha de vestígios lofoscópicos pela equipe de Núcleo de Apoio Técnico da GNR de Braga (fls. 2 e 5; 1 e 4 dos autos em apenso).
Em 4 de Março de 2004, na residência de Miquelina Loutreiro, foi recolhido um vestígio de cristas papilares numa lata de Whisky “Cutty Stark” que se encontrava na sala (relatório de inspecção de fls. 11).
Efectuada o competente exame, de acordo com o relatório de informação pericial elaborada pelo Serviço de Polícia Técnica do Departamento de Investigação de Braga da Polícia Judiciária, junto a fls. 19 a 25, assinala-se que comparado o vestígio digital que assentava naquela lata, com as impressões digitais existentes naquela polícia, se verificou que aquele vestígio se identifica com a região hipotenar da palma esquerda da arguido, existindo treze particularidades ou pontos característicos comuns entre o vestígio recolhido e o quirograma correspondente à palma da mão esquerda da arguida o que, segundo as regras formuladas por Locard, internacionalmente aceites, equivale à certeza absoluta.
Em 19 de Dezembro de 2004, na residência de Sérgio C..., foram recolhidos seis vestígios digitais, no lado direito da parte superior de um arranjo de flores em vidro, na parte inferior do lado exterior do vidro da janela arrombada, e no tampo da mesa de centro da sala (relatório de inspecção de fls. 7 dos autos em apenso).
Efectuada o competente exame, de acordo com o relatório de informação pericial elaborada pelo Serviço de Polícia Técnica do Departamento de Investigação de Braga da Polícia Judiciária, junto a fls. 22 a 25 dos autos em apenso, assinala-se que comparado o vestígio digital que assentava naquele arranjo de flores em vidro, com as impressões digitais existentes naquela polícia, se verificou que aquele vestígio se identifica com o dactilograma correspondente ao dedo médio da mão direita da arguida, existindo treze particularidades ou pontos característicos comuns entre o vestígio recolhido e o dactilograma correspondente da arguida o que, segundo as regras formuladas por Locard, internacionalmente aceites, equivale à certeza absoluta.
Está, assim, feita a prova de que as impressões digitais recolhidas naquelas duas residências pertencem à arguida.
Note-se que revestindo a prova dactiloscópica a natureza de prova pericial, o juízo técnico-científico inerente a tal perícia presume-se subtraído à livre apreciação do juiz, devendo a divergência (no caso inexistente) ser fundamentada (artigo 163º, n.1 e 2 do Código de Processo Penal).
Consequentemente foi feita a prova directa do contacto da arguida com objectos que se encontravam no interior das duas residências assaltadas em Barcelos.
Embora, como vimos, aqueles vestígios não façam prova directa da participação da arguida no facto criminoso, cada uma daquelas impressões digitais deve ser encarada como um indício de tal participação.
Note-se que cada uma daquelas impressões digitais recolhidas, constitui simultaneamente indicio na participação no furto ocorrido na outra residência.
Por outro lado, como também vimos, cada uma das impressões digitais foi localizada em objecto que se encontrava no interior da residência assaltada.
Este facto reveste-se de particular importância uma vez os vestígios digitais não foram recolhidos de superfícies onde a arguida pudesse tê-los aposto de forma que, pelo menos lançasse qualquer dúvida no espírito do julgador quanto ao facto de ter sido ou não, o autor do crime, como poderia eventualmente ser o caso de os vestígios se encontrarem no exterior das residências.
Como bem assinala o Exmo PGA, no seu douto parecer, o local da recolha é um pormenor muito importante: “no interior da residência é muito mais forte a carga indiciária, dado que pressupõe que o agente penetrou na habitação; se no exterior da mesma (v.g. no vidro exterior de uma porta ou de uma janela que deitem para a via pública) sempre se poderá dizer que qualquer pessoa que passe na rua ali pode deixar vestígio.”
A arguida já fora anteriormente, e por duas vezes, condenada em Portugal, pela prática de crimes de furto qualificado.
Acresce, ainda, que a arguida optou por não comparecer em audiência pelo que não ofereceu qualquer explicação para a existência das suas impressões digitais naqueles objectos.
Todos estes indícios são graves, precisos e concordantes e, devidamente conjugados e ponderados à luz das regras da experiência comum permitem concluir, sem margem para dúvidas, já que se não vislumbra qualquer outra possibilidade alternativa razoável, que a arguida/recorrente foi a autora dos furtos em causa nestes autos.
Neste circunstancialismo existiria até erro notório na apreciação da prova se se desse como não provado que a arguido fosse a autora dos furtos em causa, apesar de serem suas as impressões digitais recolhidas do interior das residências assaltadas (cfr. neste sentido o Ac. da Rel. do Porto de 10-12-2003, proc.º n.º 0210897, rel. Matos Manso, in www. dgsi.pt e o Ac. da Rel. de Guimarães de 25-6-2007, proc.º n.º 537/07, rel. Cruz Bucho).
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III - Decisão
Em face do exposto, acordam os juízes desta Relação em negar provimento ao recurso, confirmando o douto acórdão recorrido.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 7 UC
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Guimarães, 25 de Janeiro de 2010.