Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
908/08.5TBVCT.G1
Relator: ANTÓNIO SOBRINHO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
ACIDENTE DE TRABALHO
PRESCRIÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
JUROS DE MORA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/14/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1. O prazo de prescrição dos créditos reclamados à seguradora do acidente de viação pela seguradora do acidente de trabalho é o prazo ordinário.
2. Ainda que se entenda que o prazo de prescrição é o previsto no artº 498º, do Código Civil, com base em responsabilidade por facto ilícito, o prazo mais longo contemplado no seu nº 3 é aplicável às situações consagradas no seu nº2, por via da sub-rogação legal do direito do sinistrado de que a seguradora se encontra investida, ao reclamar os créditos pagos à seguradora do acidente de viação.
3. No processo de acidente de viação, quando à indemnização, por danos patrimoniais, fixada na sentença e a satisfazer pela seguradora do acidente de viação, é possível a dedução das prestações pagas ao sinistrado pela seguradora do acidente de trabalho que naquele as reclamou, por foca do estatuído no artº 31º, nºs 4 e 5, da Lei nº 100/97, de 13.09.
4. Os juros de mora relativos aos danos não patrimoniais contam-se desde a sentença que fixou estes e não desde a citação, sob pena de se exceder o prejuízo efectivamente sofrido.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:


I – Relatório;

Recorrentes/recorridos: Abel (autor) e “Companhia de Seguros T.. SA” (ré);
Recorrida: “Companhia de Seguros Z… S.A.” (interveniente);

*****

Pedido:
Abel demandou a seguradora Companhia de Seguros T… S.A., pedindo a sua condenação a pagar-lhe, a título de indemnização por acidente de viação, a quantia de € 613.609,00, acrescida de juros à taxa legal de 4% desde a citação até integral pagamento, e o valor, a liquidar em execução de sentença, relativa a danos futuros resultantes do mesmo acidente.

Causa de pedir:

As partes apresentaram nos articulados a sua versão sobre quem deu causa ao acidente e a que título, assim como os danos que dele resultaram para o Autor e que a Ré deva indemnizar.

Foi admitida a intervenção principal provocada de “Z…, S.A.”, que, na qualidade de seguradora de acidente de trabalho, veio pedir a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de € 41.366,01, acrescida de juros de mora.
Este último pedido veio a ser ampliado em sede de audiência de julgamento, no valor de € 23.157,22, pretendendo a interveniente a condenação da Ré no reembolso das pensões que se vierem a vencer, na medida em que forem sendo pagas ao Autor.


Saneado o processo e seleccionados os factos provados e a provar, realizou-se a audiência de julgamento, decidindo-se, a final, sobre a matéria de facto.
Seguidamente foi proferida sentença em que se julgou a acção parcialmente procedente, condenando-se a Ré “COMPANHIA DE SEGUROS T…, S.A.” a pagar ao Autor ABEL, a título de indemnização por acidente de viação, a quantia de € 105.519,79 (cento e cinco mil quinhentos e dezanove euros e setenta e nove cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal aplicável às obrigações civis, desde a citação sobre € 70.519,79 e desde a presente data sobre o restante, tudo até integral pagamento.
Mais se condenou a Ré “COMPANHIA DE SEGUROS T…, S.A.” a pagar ao Autor o custo, a liquidar em execução de sentença, que este terá de suportar até ao fim da vida em consequência das sequelas do acidente, com medicamentos e com a substituição da tala de contenção na perna esquerda.
Foi ainda condenada a Ré “COMPANHIA DE SEGUROS T…, S.A.” a pagar ao CENTRO DISTRITAL DE SEGURANÇA SOCIAL DE VIANA DO CASTELO, DO INSTITUTO DE SEGURANÇA SOCIAL, I.P., a quantia de € 1.405,17 (mil quatrocentos e cinco euros e dezassete cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal aplicável às obrigações civis, desde a notificação do pedido até integral pagamento.
Julgou-se o pedido da interveniente “Z…S.A.” procedente, por provado e, em consequência, condenou-se a Ré “COMPANHIA DE SEGUROS T…, S.A.” a pagar à interveniente a quantia de € 66.916,03 (sessenta e seis mil novecentos e dezasseis euros e três cêntimos), acrescida de juros, à taxa legal aplicável às obrigações civis, sobre € 41.366,01 desde a notificação do primeiro pedido, sobre € 23.157,22 desde a notificação da ampliação e sobre o vencimento de cada uma das pensões (de Julho a Novembro de 2011), tudo até integral pagamento.

Inconformada com tal decisão, dela interpuseram recurso o Autor e a Ré, de cujas alegações se extraem, em súmula, as seguintes conclusões:
A – Apelação do Autor:
1. A quantia de 35.000,00 €, fixada ao autor a título de indemnização/compensação pelos danos de natureza não patrimonial, sofridos pelo Recorrente, é insuficiente, sendo justa e equitativa a quantia de 150.000,00 €, que se reclamou, na petição inicial.
2. A quantia de 107.650,00 € é insuficiente para ressarcir o Autor/Recorrente dos danos sofridos pela IPP de 67% - total (100,00%) — para a sua profissão de armador de ferro, é manifestamente insuficiente, sendo justa e equitativa a quantia de 415.000,00 €, reclamada na petição inicial.
3. O Autor/Recorrente, após o acidente, nunca mais trabalhou, sendo-lhe, pois, devida a indemnização pela perda de rendimentos do trabalho, até ao dia 31-03-2008, no valor de 31.914,00€.
4. Jamais o Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo” podia ter deduzido à indemnização global fixada ou a fixar, as quantias relativas a indemnização por acidente de trabalho.
5. Apenas assiste à Seguradora de Acidentes de Trabalho o direito de reclamar, pela via extra-judicial ou pela via judicial, o reembolso das quantias que houver pago aos Autores, tão-só e somente quando: l. — o Autor vier a receber a indemnização definitiva e global, a fixar na presente acção, por sentença transitada em julgado; 2°. — se, nessa altura, se constatar duplicação, entre as duas (2) indemnizações — de acidente laboral e de acidente de viação;
6. O meio processual próprio, porém, é a acção de regresso, a instaurar, directamente pela seguradora de Acidentes de Trabalho contra o Autor/Recorrente Abel de Jesus Pinho Rodrigues; esse expediente, apenas poderá ser exercido pela seguradora de Acidentes de Trabalho, a partir da altura em que o Autor, na presente acção, Abel de Jesus Pinho Rodrigues vier a receber a indemnização global e definitiva por acidente de viação e na medida em que se verificar real e efectiva duplicação de indemnizações -— cfr. artigo 31°, nº 2, da Lei nº 100/07, de 13 de Setembro.
7. A sentença recorrida apenas atribuiu ao Autor/Recorrente, indemnização por Incapacidade Temporária Absoluta para o trabalho, relativamente a 10 meses e 15 dias, até à data do consolidação médico-legal, ou seja, até ao mês de Março de 2006, mas deduziu ao Autor o que recebeu de acidente de trabalho, a título de salários e subsídios de férias e de Natal, até ao mês de Setembro de 2008.
8. Os juros de mora são devidos desde a data da citação sobre todas as quantias indemnizatórias e compensatórias, quer relativas a danos de natureza patrimonial, quer relativas a danos de natureza não patrimonial, o que se reclama.
9. Fez o tribunal de primeira instância má aplicação do direito aos factos alegados e provados e violou, além outras, as normas dos artigos 496°., n°. 1, 562°, 564°. e 805°., do Código Civil, e 31°., nº.. 2, da Lei 100197, de 13 de Setembro.


Termos em que deve revogar-se a sentença recorrida em conformidade com as formuladas conclusões.


B – Apelação da Ré:

1- Em depoimento de parte, o autor/recorrido respondeu à matéria dos artigos 96º, 7º, 98º e 99º - cfr. Acta de Audiência de julgamento de 15.06.2011, depoimento registado em sistema “Habilus Media Studio” com a duração de 00:08:10.
2- A testemunha José Alberto respondeu à matéria dos artigos 7º, 10º, 2º e 26º - cfr. Acta de Audiência de julgamento de 15.06.2011, depoimento registado em sistema “Habilus Media Studio” com a duração de 00:47:15; a testemunha Bruno respondeu à matéria dos artigos 26º, 96º, 97º, 98º, 99º e 106º - cfr. Acta de Audiência de julgamento de 15.06.2011, depoimento registado em sistema “Habilus Media Studio” com a duração de 00:21:41; a testemunha Carlos respondeu à matéria dos artigos 7º, 10º, 12º, 26º,96º, 97º, 98º, 99º e 106º - cfr. Acta de Audiência de julgamento de 15.06.2011, depoimento registado em sistema “Habilus Media Studio” com a duração de 00:19:08; a testemunha Augusto respondeu à matéria dos artigos 7º, 10º, 12º e 26º - cfr. Acta de Audiência de julgamento de 13.07.2011, depoimento registado em sistema “Habilus Media Studio” com a duração de 00:12:57; a testemunha Hilário respondeu à matéria dos artigos 96º, 97º, 98º, 99º e 106º - cfr. Acta de Audiência de julgamento de 13.07.2011, depoimento registado em sistema “Habilus Media Studio” com a duração de 00:08:35; a testemunha José Manuel respondeu à matéria dos artigos 96º, 97º, 98º, 99º e 106º - cfr. Acta de Audiência de julgamento de 13.07.2011, depoimento registado em sistema “Habilus Media Studio” com a duração de 00:12:57.
3- A análise crítica aos depoimentos do autor e testemunhas acima indicadas, conjugada com a prova documental junta aos autos, impõe, do ponto de vista da recorrente, a alteração das respostas aos artigos 7º, 10º, 12º, 26º, 96º, 97º, 98º, 99º e 106º, todos da Base Instrutória, nos seguintes termos:
- Artigos 7º e 97º: provado que, à data do acidente, na confluência da Rua do Cais com a EN 203, existia um sinal de STOP que havia sido vandalizado e se encontrava no chão.
- Artigo 10º da Base Instrutória: provado que, no local onde a Rua do Cais entronca pelo lado direito da EN 203, atento o sentido de marcha Ponte de Lima/ Viana do Castelo, a visibilidade para o lado de Ponte de Lima é pelo menos de 100 metros.
- Artigo 12º da Base Instrutória: provado que, à data do acidente, quem circulava pela EN 203 vindo de Ponte de Lima conseguia avistar o entroncamento com a Rua do Cais a pelo menos 100 metros.
- Artigo 26º da Base Instrutória: não provado.
- Artigo 96º da Base Instrutória: provado que, à data do acidente, na confluência da Rua do Cais com a EN 203, existia um sinal de STOP que havia sido vandalizado e se encontrava no chão.
- Artigo 98º da Base Instrutória: provado.
- Artigo 99º da Base Instrutória: provado.
- Artigo 106º da Base Instrutória: provado que o condutor do JD entrou na EN 203 sem se certificar da presença do AQ que se encontrava a cerca de 30 metros de distância.
4- O autor/recorrido reconheceu, em sede de depoimento de parte, existir actualmente um sinal de STOP no local em questão; a testemunha José Barros reconheceu ter existido um sinal de STOP no local; a testemunha Bruno afirmou ter visto o sinal de STOP no dia anterior ao acidente; a testemunha Carlos Lima afirmou ter visto uns ferros no local; a testemunha Hilário afirmou que no local existiu um sinal de STOP, que tanto estava em cima como me baixo, por força da prática de actos de vandalismo; a testemunha José Manuel afirmou ter constatado a existência do sinal de STOP, no chão, aquando da averiguação que realizou ao local do acidente.
5- Do documento de fls 711 ressalta a existência actual de um sinal de STOP no local em questão e a referência a intempéries, acidente ou actos de vandalismo que não permitem certificar ou comprovar a existência de sinais de trânsito devidamente colocados em determinado local.
6- Do documento nº 4 junto com a contestação resulta a declaração emitida pelo Presidente da Junta de Freguesia de Deocriste – a testemunha Hilário– passada em 21 de Março de 2006, de que no local existe um sinal de STOP, tendo no entanto o mesmo sido vandalizado e encontrando-se no chão há cerca de 3 anos.
7- Do documento nº 3 junto com a contestação – fotografias superior e inferior – constata-se a existência de um sinal de STOP pousado no pavimento da Rua do Cais e um pedaço de ferro que serviria de suporte ao mesmo. Refira-se que estas fotografias, tal como todas as outras juntas com a contestação, foram tiradas pela testemunha José Pontes.
8- Do documento nº 5 junto com a contestação – fotografia superior – constata-se a existência de um sinal de cedência de passagem: sinal B8 do Regulamento de Sinalização de Trânsito, a indicar cruzamento com via sem prioridade, colocado na berma que ladeia a EN 203 pelo lado direito, atento o sentido de marcha Ponte de Lima/Viana do Castelo, sendo que o cruzamento que o mesmo visa regular é aquele que engloba o entroncamento da Rua do Cais na EN 203.
9- Ainda a propósito deste sinal de cruzamento com via sem prioridade, cabe aqui afirmar e reconhecer que o mesmo não poderia existir – e em momento algum a sua existência no local foi posta em causa por quaisquer das partes ou por qualquer uma das testemunhas – sem que na confluência da Rua do Cais com a EN 203 não existisse também um sinal de STOP, vandalizado ou não, pois tal imperativo resulta da legislação que regulamenta a circulação estradal no nosso país.
10- A testemunha Carlos afirmou que a visibilidade para o lado de Ponte de Lima, considerando a Rua do Cais, era de cerca de 60 metros. No entanto, esta testemunha não calculou tal distância em função do posicionamento do veículo do autor, apenas e só o fez em relação à Rua do Cais que, como provado ficou, era ampla no local e acabava, até, por se confundir com a zona de estacionamento do restaurante lá existente.
11- A testemunha Augusto, perito da interveniente/recorrida que se deslocou ao local, afirmou que a visibilidade em causa era de cerca de 150 metros.
12- Os depoimentos testemunhais prestados, conjugados com as fotografias do local juntas como documentos nºs 1 e 2 com a contestação, permitem assim concluir que a visibilidade para Ponte de Lima, do local onde o JD se encontrava antes de aceder à EN 203, era de pelo menos 100 metros.
13- A mesma análise permite concluir que à data do acidente, quem circulava pela EN 203 vindo de Ponte de Lima conseguia avistar o entroncamento com a Rua do Cais a pelo menos 100 metros de distância;
14- Não ficou apurada a velocidade a que circulava o veículo AQ antes do embate, o que se concluiu da absoluta ausência de prova quanto à velocidade a que circulava o veículo em causa.
15- Da mesma análise se conclui que era e sempre foi do conhecimento geral que no local do entroncamento os veículos que circulassem pela EN 203 tinham prioridade de passagem sobre os veículos que circulassem pela Rua do Cais se pretendessem aceder à EN 203.
16- E que em toda a sua extensão, os condutores dos veículos que circulam na EN 203 gozam de prioridade de passagem sobre os condutores que circulam pelas estradas que com ela entroncam ou cruzam.
17- E que o condutor do JD entrou na EN 203 sem se certificar da presença do AQ que se encontrava a cerca de 30 metros de distância, conclusão que resulta, para além do mais, da resposta dada aos artigos 12º, 18º, 19º, 21º e 29º da Base Instrutória.
18- Conclui-se assim que da matéria de facto apurada e relativa à dinâmica do acidente o condutor do JD, desrespeitando a prioridade de passagem do AQ, invadiu a hemi-faixa de rodagem por onde este circulava e quando este último se encontrava a uma distância de 30 metros.
19- E que perante o aparecimento do JD a cortar a sua linha de marcha, o condutor do AQ accionou os órgãos de travagem do veículo que conduzia, não conseguindo, no entanto, evitar o embate no JD, que ocorreu a cerca de um metro do eixo da via mas ainda na metade direita da estrada, atento o sentido de marcha do AQ.
20- A responsabilidade na produção do acidente é, pois, única e exclusiva do condutor do JD.
21- Ainda que se considere não ser de alterar a matéria de facto dada como provada na douta sentença recorrida, nos termos acima requeridos – o que não se concede - mesmo assim a responsabilidade na produção do acidente não pode ser atribuída ao condutor do veículo seguro na recorrente.
22- A análise à matéria de facto provada demonstra que imediatamente antes do acidente o veículo AQ circulava pela EN 203 e o veículo JD pela Rua do Cais, a qual entronca na EN 203 pelo lado direito, atento o sentido de marcha Ponte de Lima/ Viana do Castelo.
23- A mesma análise demonstra que, no local, a EN 203 configura um sector de recta, com uma extensão superior a 230 metros, e que a sua faixa de rodagem tem uma largura de 7,40 metros, apresentando piso pavimentado a asfalto, limpo, seco e conservado, ladeado por bermas, também pavimentadas a asfalto.
24- Por seu turno, à data do acidente, a Rua do Cais tinha piso em pedra e terra, a sua largura ultrapassava a dezena de metros e, atento o sentido rio Lima/Deocriste, era ladeada por um muro de uma propriedade pelo lado esquerdo e, pelo lado direito, por uma zona ampla onde existia um restaurante, sendo que o espaço existente entre esse restaurante e a EN 203 era utilizado como zona de estacionamento e como forma de acesso àquela estrada.
25- A inexistência de qualquer sinal de trânsito indica que, em princípio, o condutor do JD gozava de prioridade de passagem.
26- Dizemos em princípio porque, como vem sendo afirmado à saciedade – e dimana claramente do nº 2 do art.º 29º do CEstrada – o direito de prioridade não é um direito absoluto, impondo-se temperá-lo com as cautelas necessárias à segurança do trânsito.
27- Poder-se-á dizer que o condutor do JD fez preceder e acompanhar a sua entrada na EN 203 das precauções e prudência aconselhadas pelas concretas circunstâncias? Os factos demonstram claramente que não.
28- Com efeito, da análise aos factos resulta que o condutor do JD, antes de iniciar a marcha pela EN 203, não se certificou se por esta estrada circulava algum veículo, em qualquer um dos seus sentidos – cfr. respostas negativas aos artigos 18º, 19º e 21º da Base Instrutória, matéria cujo ónus da prova pertencia ao autor/recorrido.
29- Aliás e sabendo-se, como se sabe, que a faixa de rodagem da EN 203 mede 7,40m de largura e que o embate ocorreu quando o JD se encontrava com a sua parte central sobre o eixo da via – cfr. g) dos Factos Assentes e resposta ao artigo 24º da Base Instrutória – então tem forçosamente de se concluir que o JD, na altura do embate, havia penetrado na área do entroncamento cerca de 3,7m, pelo que o seu condutor não se certificou de que à sua esquerda não se apresentava qualquer veículo, pois, face a essa tão escassa distância percorrida, certamente que teria avistado o AQ, então, necessariamente, visível e já próximo dele – no mínimo a 30 metros de distância, cfr. resposta ao artigo 29º da Base Instrutória.
30- E essa falta de diligência não pode deixar de se reputar altamente censurável, pois, estando a ingressar, como estava, numa estrada nacional, por natureza muito movimentada e destinada ao trânsito rápido e fluente, a probabilidade de interferir com a marcha de outro(s) veículo(s) era latíssima.
31- Este acrescido dever é indiscutível que o condutor do JD não observou, tanto mais ainda que, residindo no local, como resulta dos autos, as condições estático-dinâmicas do entroncamento não lhe eram certamente desconhecidas, o que desde logo lhe retira, em conformidade com o supra exposto, o direito de prioridade em princípio e abstractamente inerente ao seu posicionamento à direita no entroncamento.
32- Sendo assim de imputar responsabilidade, com fundamento em comportamento negligente, ao condutor do JD, cabe apurar se alguma responsabilidade pode ser imputada ao condutor do AQ.
33- Na douta sentença recorrida concluiu-se ter sido o condutor do AQ responsável pela produção do acidente por haver desrespeitado a regra a prioridade e por exceder a velocidade permitida no local.
34- Ora, quanto à regra da prioridade, como vimos, o respectivo direito não pode ser reconhecido ao condutor do JD, por isso que o mesmo é incompatível com um exercício abusivo, verdadeiramente discordante com a sua própria finalidade (art.º 334º do CCivil).
35- Precisamente porque para qualquer automobilista que circule em estrada nacional é expectável, na ausência de sinal contrário – e no caso dos autos ao condutor do AQ deparava-se-lhe, até, um sinal de indicação de cruzamento sem prioridade, cfr. doc. nº 5 junto com a contestação – que sobre todas as vias que na mesma vão desembocar lhe assiste preferência de passagem, não lhe sendo demandável procedimento diverso, não se vislumbra qualquer facto relativo à prioridade de passagem que possa fazer responsabilizar também o condutor do AQ pela produção do acidente.
36- Resta pois a questão da velocidade para se apurar se o condutor do AQ pode, também ele, ser responsabilizado pela produção do acidente.
37- Ora, se é certo que se deu como provado que o condutor do AQ circulava a velocidade excessiva porque superior a 50 km/hora, a velocidade, por si só, não constitui causa do acidente.
38- Isso mesmo, de resto, é realçado na douta sentença recorrida, na qual se conclui que a velocidade do AQ foi relevante para a eclosão do acidente na medida em que se conjugava com a regra da prioridade de passagem.
39- Mas se, como vimos, o direito de prioridade não pode, no caso dos autos, ser reconhecido ao condutor do JD, inexiste então nexo de causalidade entre a produção do acidente e a velocidade a que circulava o AQ.
´40- Também por aqui se conclui, assim, que a responsabilidade exclusiva na produção do acidente é de imputar ao condutor do JD.
41- Alegou a recorrente, no artigo 25º da contestação, que a EN 203 é uma estrada nacional com piso em asfalto em bom estado de conservação, regularmente sujeita a obras de conservação e beneficiação, quer pela Junta Autónoma de Estradas, quer pelo Instituto de Estradas de Portugal; alegou a recorrente, no artigo 26º da contestação, que a EN 203 liga Ponte de Lima a Viana do Castelo e tem, como sempre teve e tinha à data do acidente, um grande fluxo de trânsito; alegou a recorrente, no artigo 27º da contestação, que pelo menos na zona do acidente dos autos não existem propriedades com acesso directo à EN 203; alegou a recorrente, no artigo 49º da contestação, que o condutor do JD não só é natural de Deocriste como ali reside e residia à data do acidente; alegou a recorrente, no artigo 50º da contestação, que o condutor do JD conhece perfeitamente a Rua do Cais e a EN nº 203.
42- Os factos acima descritos, pese embora relevantes para a boa decisão da causa, não foram levados à Base Instrutória, tendo por isso sido objecto da reclamação à Base Instrutória apresentada pela recorrente a fls.
43- Reclamação que, por douto despacho de fls, veio a ser indeferida, despacho que aqui e agora se impugna, no sentido de o mesmo ser revogado e substituído por decisão que defira a reclamação apresentada.
44- Haverá pois que ampliar a matéria de facto, aditando-se à Base Instrutória os artigos 25º, 26º, 27º, 49º e 50º,todos da contestação e repetindo-se o julgamento, nos termos do nº 4 do art.º 712º do CPCivil.
45- Recorrendo aos critérios de equidade, o valor a atribuir ao recorrido, a título de perda de capacidade aquisitiva, não deverá ser superior a € 87.000,00, pela aplicação de uma taxa de juro de 3%, perfeitamente adaptada e consentânea com a conjuntura económico-financeira que se vive desde pelo menos o ano de 2008 e o factor 15,936, que corresponde a um período de vida activa de 22 anos.
46- É na justa medida dos danos não patrimoniais sofridos que o recorrido tem o direito a ser compensado, e a justa medida dos danos concretizados nos autos permite concluir que o montante arbitrado de € 35.000,00 é inadequado, por excessivo, para compensar esses danos.
47- Porém, se os danos não patrimoniais em causa nos presentes autos merecem, indiscutivelmente, a tutela do direito, já a dimensão que os mesmos revestem não justifica o arbitramento daquela indemnização, mas antes que sejam compensados com quantia não superior a € 25.000,00, aliás no seguimento do que vem sendo decidido pelos nossos tribunais no âmbito dos cálculos das compensações devidas a título de danos não patrimoniais ocasionados por acidente de viação.
48- Como decorre da matéria de facto dada como provada na douta sentença de fls, a interveniente/recorrida Z…SA pagou ao autor/recorrido, para além do mais, quantias várias no decurso do ano de 2005 e ainda antes do dia 21 de Novembro de 2008.
49- Tendo o acidente de viação a que se reportam os presentes autos ocorrido no dia 2 de Maio de 2005, e o articulado da interveniente/recorrida deu entrada em tribunal no dia 21 de Novembro de 2008, encontram-se parcialmente prescritos os créditos reclamados pela interveniente/recorrida, por aplicação do disposto nos art.ºs 323º e 498º, nº 1, ambos do CCivil.
50- Devem assim os mesmos como tal ser declarados e, em consequência, ser a recorrente, nesta parte, absolvida do pedido formulado pela interveniente/recorrida, nos termos dos nºs 1 e 3 do art.º 493º e do art.º 496º, ambos do C.P.Civil.
51- Interpondo o presente recurso, a recorrente pretende ainda fazer subir o recurso intercalar de fls, também por si interposto, do despacho que indeferiu a realização de perícia médica em moldes colegiais.
52- Na douta sentença fez-se incorrecta valoração dos factos, menos acertada apreciação da prova produzida e menos acertada interpretação e aplicação da Lei, designadamente, dos art.ºs 655º do CPCivil, 323º, 483º, 496º, 498º. 562º, 563º e 566º, todos do CCivil, e dos art.ºs 27º, 29º e 30º, todos do CEstrada.
Deve a douta sentença ora recorrida ser revogada nos termos supra descritos.

Houve contra-alegações.

II – Delimitação do objecto do recurso; questões a apreciar;

O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das alegações, nos termos dos artigos 660º, nº 2, 664º, 684º, nºs 3 e 4 e 685º-B, todos do Código de Processo Civil (doravante CPC).

As questões suscitadas pelos Recorrentes radicam no seguinte:
A – Apelação do Autor:
1. Montante da indemnização pelos danos patrimoniais, não patrimoniais;
2. Dedução da indemnização por acidente de trabalho;
3. Montante da indemnização por incapacidade temporária absoluta para o trabalho;
4. Momento de contagem dos juros, quanto aos danos morais;
B – Apelação da Ré:
1. Alteração da matéria de facto;
2. Imputação da culpa exclusiva ao autor pelo acidente de viação;
3. Reclamação da base instrutória;
4. Montantes indemnizatórios, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais;
5. Prescrição dos créditos reclamados pela interveniente “Z…SA”;
6. Conhecimento de recurso intercalar;

Colhidos os vistos, cumpre decidir.


III – Fundamentos;


1. De facto;

A factualidade dada como assente na sentença recorrida é a seguinte:

A) - No dia 2 de Maio de 2005, pelas 20 horas, ocorreu um acidente de trânsito na Estrada Nacional n.º 203, na freguesia de Deocriste, Viana do Castelo.
B) - Nesse acidente foram intervenientes os veículos automóveis ligeiros de passageiros de matrículas JD-60-65 e 67-10-AQ.
C) - O JD era propriedade do Autor e na altura do acidente era por ele conduzido.
D) - O AQ era propriedade de Maria de Fátima, residente no lugar de S. Gonçalo, freguesia de Arcozelo, Ponte de Lima, e na altura do acidente era conduzido por Bruno.
E) - Pela margem direita da Estrada Nacional n.º 203, tendo em conta o sentido nascente – poente, ou seja, Ponte de Lima – Darque, no local do sinistro, conflui com a E.N. n.º 203 a estrada (via pública) denominada rua do Cais, a qual, no sentido sul – norte, dá acesso da Estrada Nacional n.º 203 à margem esquerda do rio Lima.
F) - A Estrada Nacional n.º 203, no local do sinistro, configura um sector de recta, com uma extensão superior a 230 m.
G) - A faixa de rodagem da Estrada Nacional n.º 203 tem uma largura de 7,40 m, o seu piso era, como é, pavimentado a asfalto, limpo, seco e conservado.
H) - Pelas suas duas margens, a faixa de rodagem da Estrada Nacional n.º 203 apresentava e apresenta bermas, também pavimentadas a asfalto.
I) - O Autor desenvolvia a sua marcha no sentido norte – sul, ou seja, margem esquerda do rio Lima – Estrada Nacional n.º 203.
J) - O Autor pretendia penetrar, com o ligeiro de passageiros de matrícula JD, na Estrada Nacional n.º 203, proceder ao atravessamento da faixa de rodagem desta via e prosseguir a sua marcha, através da via pública que conflui pela margem oposta da
Estrada Nacional n.º 203, no sentido norte – sul, em direcção ao lugar de Aldeia, freguesia de Deocriste, Viana do Castelo, com destino à sua casa de residência.
L) - Momentos antes da ocorrência do acidente, o veículo AQ transitava pela E.N. n.º 203, desenvolvendo a sua marcha no sentido Ponte de Lima – Darque.
M) - Bruno conduzia de forma a circular com o AQ pela metade direita da faixa de rodagem da E.N. n.º 203, tendo em conta o sentido nascente – poente.
N) - Bruno travou a fundo o AQ e deixou marcados na faixa de rodagem da E. N. n.º 203 rastos de travagem.
O) - No termo desse rasto de travagem, embateu com o AQ contra o JD, embate que ocorreu entre a parte frontal daquele e a parte lateral esquerda deste.
P) - O JD é de marca “Rover”, modelo “213”, propulsionado a gasolina.
Q) - O JD tinha sido aprovado na inspecção periódica de 24 de Maio de 2004.
R) - Em consequência do acidente, o JD sofreu danos ao nível da sua parte lateral esquerda.
S) - O Autor nasceu no dia 18 de Janeiro de 1963.
T) - O Autor é o beneficiário n.º 11140586889 do Centro Distrital de Segurança Social de Viana do Castelo.
U) - O Centro Distrital de Segurança Social de Viana do Castelo processou e pagou ao Autor no período de 2 de Maio de 2005 a 11 de Outubro de 2005, a título de subsídio de doença, o montante de € 1.450,17.
V) - Por contrato de seguro titulado pela apólice n.º 0900187437, válido e em vigor à data do acidente, encontrava-se transferida para a Ré “T…SA” a responsabilidade civil por danos causados a terceiros com a circulação do veículo de
matrícula 67-10-AQ, tendo por limite de capital seguro o montante de € 1.250.000,00.
X) - A firma “Agostinho…, Lda.”, entidade patronal do Autor, transferiu para a “Z…SA” a respectiva responsabilidade civil emergente de sinistros laborais ocorridos com os seus empregados, titulado pela apólice n.º 002850914.
Z) - A retribuição auferida pelo Autor, no estrito âmbito do referido contrato de seguro, ascendia, à data do sinistro, ao montante anual de € 8.275,00, pagos em 14 prestações mensais de € 496,00, e mais 11 prestações mensais de € 121,00.
AA) - O Autor pertencia ao quadro de pessoal da referida firma, tendo a categoria de armador de ferro de primeira, e executava as suas tarefas sob as ordens, direcção e fiscalização da entidade patronal.
AB) - Na ocasião do sinistro, o Autor fazia o seu trajecto habitual do trabalho para casa.
AC) - O sinistro foi participado à interveniente “Z…SA”.
AD) - Correm termos pelo Tribunal de Trabalho de Viana do Castelo autos emergentes de acidente de trabalho (processo n.º 230/06.1TTVCT), nos quais, por sentença de 2 de Julho de 2008, já transitada em julgado, foi a (aqui interveniente) “Z…SA” condenada a pagar ao ora Autor o seguinte:
- a pensão anual vitalícia de € 524,35, com início no dia 18 de Março de 2006, actualizada para € 5.382,75 em 2007 e € 5.511,94 em 2008;
- a quantia de € 4.496,40 a título de subsídio de elevada incapacidade;
- a quantia de € 19,00 em deslocações.
5.º,100.º - À data do acidente, a rua do Cais tinha piso em pedra e terra.
6.º - Tal piso encontrava-se seco.
7.º - À data do acidente, para quem circulava na rua do Cais em direcção à E.N. n.º 203, não existia, naquela via, qualquer sinal de trânsito que conferisse ou retirasse prioridade.
8.º - A E. N. n.º 203 era, à data do sinistro, ladeada por casas de habitação e estabelecimentos comerciais.
9.º - O local onde ocorreu o acidente situa-se entre as placas identificativas da freguesia de Deocriste.
10.º - Quem se encontra no local do cruzamento provindo da rua do Cais consegue avistar a faixa de rodagem da E. N. n.º 203, em toda a sua largura, ao longo de pelo menos 100 m para o lado de Viana, e ao longo de cerca de 40 m para o lado de Ponte de Lima.
12.º - À data do acidente, quem circulava pela E.N. n.º 203 vindo de Ponte de Lima conseguia avistar o entroncamento com a rua do Cais a cerca de 40 m.
14.º - Na ocasião do acidente, o JD vinha da rua do Cais.
16.º,17.º - Ao chegar à confluência da rua do Cais com a E.N. n.º 203, o Autor parou o JD, com a frente deste junto à linha da berma da Estrada Nacional.
22.º,23.º - Momentos antes do acidente, o Autor arrancou com o JD em execução da manobra referida em J).
24.º - Quando o JD se encontrava com a parte central sobre o eixo da faixa de rodagem da E.N. n.º 203, foi embatido pelo AQ.
26.º - Antes do embate, o AQ seguia a mais de 50 km/h.
27.º - O condutor do AQ sabia da existência do entroncamento da rua do Cais com a E.N. n.º 203.
28.º - Antes do embate, o condutor do AQ não buzinou.
29.º - O condutor do AQ deparou com o JD a atravessar a sua hemi-faixa de rodagem a cerca de 30 m.
1.º - À data do acidente, a E.N. n.º 203 formava um cruzamento com a rua do Cais e a estrada que dá acesso a Deocriste.
92.º - Na zona do entroncamento, a largura da rua do Cais ultrapassa a dezena de metros.
93.º - Na zona do entroncamento e atento o sentido rio Lima – Deocriste, a rua do Cais era ladeada por um muro de uma propriedade do lado esquerdo e, pelo lado direito, por uma zona ampla onde existia um restaurante.
94.º - O espaço existente entre esse restaurante e a E.N. n.º 203 era utilizado como zona de estacionamento e como forma de acesso àquela estrada.
96.º - O último registo das “Estradas de Portugal, S.A.” de colocação do sinal de “stop” na embocadura da rua do Cais com a E.N. n.º 203 data de 2 de Janeiro de 1991.
102.º - O local de acesso à E.N. n.º 203 pela estrada que dá acesso a Deocriste tem cerca de 30 m de largura.
109.º - Perante a entrada do JD na E. N. n.º 203, o condutor do AQ travou.
124.º - Os rastos de travagem referidos em N) tinham 21 m de comprimento.
112.º - Após o embate, a traseira direita do AQ ficou junto do eixo da via, e o restante a ocupar parte da metade esquerda da faixa de rodagem, atento o seu sentido de marcha.
113.º - No momento posterior ao embate, o JD ficou a ocupar parte da metade esquerda da E.N. n.º 203 e parte do acesso à estrada que vai para Deocriste, atento o sentido de marcha Ponte de Lima – Viana do Castelo.
114.º - Na ocasião do acidente, o Autor sabia que tinha de ceder a passagem aos veículos que circulassem na E.N. n.º 203, vindos do lado direito do JD.
30.º,110.º - O embate ocorreu na zona do cruzamento, na metade direita da faixa de rodagem, atento o sentido Ponte de Lima – Darque, a cerca de 1 m do eixo da via.
32.º - Em consequência do embate, o JD foi projectado cerca de 10 m para a frente e para o lado direito, ficando sobre a metade esquerda da faixa de rodagem, atento o sentido Ponte de Lima – Darque.
33.º - Após o embate, o AQ imobilizou-se a cerca de 10 m do local da colisão, sobre a mesma metade esquerda.
34.º - O JD tinha sido comprado pelo Autor, em 1997, por 600 000$00, já usado.
37.º - A matrícula do JD é de 1985.
38.º,39.º - No acidente, o JD sofreu danos ao nível da estrutura, sendo a reparação tecnicamente desaconselhável.
41.º - Em consequência do acidente, o Autor sofreu fracturas cominutiva do osso ilíaco esquerdo, acetábulo esquerdo e ramos isquio-púbicos superiores, hematoma pélvico extenso, laceração esplénica extensa, hematoma intra-parenquimoso, fracturas de arcos costais esquerdos, contusão pulmonar do lobo inferior do pulmão esquerdo, derrame pleural à esquerda e contusão do lobo inferior do mesmo pulmão.
42.º - O Autor foi transportado, de ambulância, para o Centro Hospitalar do Alto Minho, de Viana do Castelo, onde lhe foram prestados os primeiros socorros, no respectivo serviço de urgência.
43.º - No CHAM, o Autor foi submetido a exames radiológicos e foram-lhe prescritos analgésicos, anti-inflamatórios e antibióticos.
44.º,45.º - Por causa da gravidade das lesões, o Autor foi transferido para a unidade de cuidados intensivos do CHAM, onde esteve durante uma semana, tendo tido períodos com ventilação artificial e insuficiência renal transitória.
46.º,48.º - Em seguida, o Autor foi transferido para o serviço de ortopedia do mesmo hospital, donde teve alta a 22 de Junho de 2005.
47.º - Durante o internamento hospitalar, o Autor esteve de cama.
50.º - Após a alta hospitalar, o Autor passou a ser assistido no Centro de Saúde de Viana do Castelo.
51.º - Posteriormente, o Autor passou a ser consultado, assistido e medicado no Hospital de Santa Maria, no Porto, por conta da interveniente “Z…SA”.
54.º - A consolidação médico-legal das lesões sofridas pelo Autor no acidente foi fixada em 17 de Março de 2006.
55.º - No momento do acidente e nos instantes que o precederam, o Autor sofreu um susto.
56.º,62.º - Em consequência do acidente e das lesões dele resultantes, o Autor sofreu dores, avaliadas em 4, numa escala de 1 a 7.
57.º,58.º - Como sequelas do acidente, o Autor apresenta insuficiência respiratória pós
traumatismo da parede torácica e pulmonar, com restrição respiratória de grau III e cicatriz de 1x1 cm torácica esquerda mediana, fractura do acetábulo viciosamente consolidada, na perna esquerda, sequelas de paralisia do nervo ciático popliteo externo, com necessidade de usar tala de contenção, e claudicação na marcha.
59.º - O Autor tem desgosto pelas sequelas do acidente,
60.º - Antes do acidente, o Autor não demonstrava qualquer limitação na sua actividade laboral.
64.º,65.º,66.º - Pelas sequelas do acidente, o Autor tem uma incapacidade permanente parcial de 67%, que é absoluta para o seu trabalho habitual mas compatível com outras profissões da área da sua preparação técnico-profissional.
67.º - Antes do acidente, o Autor era armador de ferro por conta de “Agostinho …, Lda.”, com sede em Rebordões Santa Maria, Ponte de Lima.
68.º,69.º,70.º - À data do acidente, o Autor auferia o vencimento mensal de € 496,00, 14 meses por ano, acrescido de subsídio de alimentação de € 110,00, 11 meses por ano.
71.º - O Autor nunca mais trabalhou desde o acidente.
72.º,73.º - Nas horas vagas, o Autor agricultava, juntamente com a mulher, terrenos próprios, onde cultivava legumes vários e criava galinhas e patos.
75.º - Os produtos agrícolas que cultivava e os animais que criava destinavam-se ao consumo do agregado familiar do Autor.
77.º - Após o acidente, o Autor deixou de trabalhar na agricultura.
80.º - O Autor tem dificuldade em permanecer de pé.
81.º - O Autor toma medicamentos por causa das sequelas do acidente.
82.º - Em consequência do acidente, o Autor gastou € 10,00 na certidão da participação da GNR e € 15,00 numa certidão de nascimento.
83.º - Por causa do acidente, ficaram inutilizadas as calças, a camisa e os sapatos do Autor.
88.º,89.º - Por causa das sequelas do acidente, o Autor vai ter de tomar medicamentos
ao longo da vida, bem como de usar a tala de contenção na perna esquerda.
90.º - Essa tala de contenção tem duração limitada.
117.º - A título de indemnização por incapacidade temporária para o trabalho, a “Z…SA” pagou ao Autor € 5.129,52.
118.º - Para transportes de táxi para sessões de fisioterapia, deslocações a hospitais e alimentação, a “Z…SA” pagou ao Autor € 3.704,00, entre 10 de Novembro de 2005 e 30 de Julho de 2008.
119.º - A título de subsídio por elevada incapacidade, a “Z…SA” pagou ao Autor € 4.496,40.
120.º - A título de indemnização correspondente ao subsídio de Natal (2006 e 2007), subsídio de férias (2006 a 2008) e pensão fixada no Tribunal de Trabalho, e respectivas actualizações, a “Z…SA” pagou ao Autor, entre Março de 2006 e 30 de Setembro de 2008, € 15.914,50.
121.º - A interveniente pagou ao Autor € 1.834,34 de juros, em cumprimento da sentença referida em AD).
122.º - No processo referido em AD), a “Z…SA” pagou € 682,10 de encargos judiciais.
123.º - A interveniente pagou ao Hospital de Santa Luzia, ao Hospital de Santa Maria, a médicos, fisioterapeutas, por meios complementares de diagnóstico e por artigos ortopédicos o montante de € 9.605,15.
125.º,126.º,127.º,128.º - Desde Outubro de 2008 até 30 de Junho de 2011, a interveniente pagou ao Autor € 19.879,22 de pensões, suportou € 200,00 de despesas de hospital, € 1.014,00 de honorários de advogado e € 2.064,00 de despesas judiciais no processo laboral.
129.º - A interveniente continua a pagar ao Autor uma pensão mensal de € 478,56, 14 vezes por ano.

*****


2. De direito;

B – Apelação da Ré:
1. Alteração da matéria de facto;
2. Imputação da culpa exclusiva ao autor pelo acidente de viação;
3. Reclamação da base instrutória;
4. Montantes indemnizatórios, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais;
5. Prescrição dos créditos reclamados pela interveniente “Zurich”;
6. Conhecimento de recurso intercalar;

Por razões de metodologia começaremos por abordar as questões colocadas pela apelante Ré.
Suscita esta, desde logo, a modificação da matéria de facto com o fundamento de que a análise crítica aos depoimentos do autor e das testemunhas acima indicadas nas suas conclusões, conjugada com a prova documental junta aos autos, impõe a alteração das respostas aos artigos 7º, 10º, 12º, 26º, 96º, 97º, 98º, 99º e 106º, todos da Base Instrutória, nos seguintes termos:
«- Artigos 7º e 97º: provado que, à data do acidente, na confluência da Rua do Cais com a EN 203, existia um sinal de STOP que havia sido vandalizado e se encontrava no chão.
- Artigo 10º da Base Instrutória: provado que, no local onde a Rua do Cais entronca pelo lado direito da EN 203, atento o sentido de marcha Ponte de Lima/ Viana do Castelo, a visibilidade para o lado de Ponte de Lima é pelo menos de 100 metros.
- Artigo 12º da Base Instrutória: provado que, à data do acidente, quem circulava pela EN 203 vindo de Ponte de Lima conseguia avistar o entroncamento com a Rua do Cais a pelo menos 100 metros.
- Artigo 26º da Base Instrutória: não provado.
- Artigo 96º da Base Instrutória: provado que, à data do acidente, na confluência da Rua do Cais com a EN 203, existia um sinal de STOP que havia sido vandalizado e se encontrava no chão.
- Artigo 98º da Base Instrutória: provado.
- Artigo 99º da Base Instrutória: provado.
- Artigo 106º da Base Instrutória: provado que o condutor do JD entrou na EN 203 sem se certificar da presença do AQ que se encontrava a cerca de 30 metros de distância».
A factualidade em causa merecera a seguinte resposta pelo tribunal recorrido:
« 7.º - À data do acidente, para quem circulava na rua do Cais em direcção à E.N. n.º 203, não existia, naquela via, qualquer sinal de trânsito que conferisse ou retirasse prioridade.
10.º - Quem se encontra no local do cruzamento provindo da rua do Cais consegue avistar a faixa de rodagem da E. N. n.º 203, em toda a sua largura, ao longo de pelo menos 100 m para o lado de Viana, e ao longo de cerca de 40 m para o lado de Ponte de Lima.
12.º - À data do acidente, quem circulava pela E.N. n.º 203 vindo de Ponte de Lima conseguia avistar o entroncamento com a rua do Cais a cerca de 40 m.
26.º - Antes do embate, o AQ seguia a mais de 50 km/h.
96.º - O último registo das “Estradas de Portugal, S.A.” de colocação do sinal de “stop” na embocadura da rua do Cais com a E.N. n.º 203 data de 2 de Janeiro de 1991.
97º - O que consta da resposta ao quesito 7º.
98º, 99º e 106º - Não provado».

Encontrando-se gravados os depoimentos prestados na audiência de julgamento, importa reapreciar a decisão do tribunal a quo sobre a matéria de facto, à luz dos elementos de prova existentes no processo, nos termos do art.712º, nº1 alínea a) e nº2 do CPC.
Como vem sendo salientado pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores, a reapreciação da matéria de facto pela Relação, no âmbito dos poderes conferidos pelo artigo 712º do CPC, não pode confundir-se com um novo julgamento.
Destina-se, essencialmente, à sanação de manifestos erros de julgamento, de falhas mais ou menos evidentes na apreciação da prova.
Acresce que, em matéria de valoração das provas, nomeadamente dos depoimentos e dos documentos em questão nos autos, o tribunal a quo aprecia-os livremente, por força do disposto no artº 655º, nº1, do CPC, salvo o estatuído no nº 2, do mesmo preceito, como infra melhor analisaremos Vide.Ac.STJ,de14/3/2006,inCJ,XIV,I,pg.130;Ac.STJ,de19/6/2007,www.dgsi.pt;Ac.TRL,de9/2/2005, www.pgdlisboa.pt).
.
Além disso, o mesmo tribunal recorrido, na parte relativa à decisão sobre a matéria de facto, observou adequadamente o comando do nº 2 do artigo 653º do CPC, explicitando, de forma exaustiva e consistente, os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, analisando criticamente as provas produzidas (de forma detalhada e reportada às declarações de cada testemunha).
Neste particular, destaca-se o seguinte excerto:
“ (…) O depoimento de parte do Autor serviu para as respostas aos quesitos 100.º e 114.º, sendo que, à matéria dos quesitos 98.º e 99.º, o depoimento traduziu apenas uma opinião do Autor, e não qualquer regra geral, pelo que carece de valor confessório.
No que respeita à topografia do local (entretanto alterada), foram úteis as fotografias de fls. 176, 177 e 180, complementadas pelos depoimentos de José Barros (que viu o acidente), Bruno Ribeiro (condutor do AQ), Carlos Lima (agente da GNR participante), Augusto Lima e José Pontes (peritos averiguadores, respectivamente da interveniente e da Ré), bem como pelas informações de fls. 625/626 e 630 a 632.
Quanto à inexistência de sinalização vertical no entroncamento, apesar da sua anterior colocação (fls. 625/626), os depoimentos das testemunhas a esse respeito inquiridas foi unânime (os aludidos José Barros, que circulava no local habitualmente e foi confirmar a ausência de sinal no momento do acidente, Carlos Lima, Augusto Lima e José Pontes, além de Hilário Moreira, presidente da Junta de Freguesia de Deocriste, que subscreveu a declaração de fls. 179); o teor de fls. 711 é irrelevante, porque se refere à data da emissão do documento, e não à do acidente. A fotografia superior de fls. 178, além de não retratar claramente um sinal de "stop", só confirma, complementada pela inferior da mesma folha, aquela inexistência.
Relativamente à forma como ocorreu o acidente, foi de grande importância o depoimento detalhado, seguro e coerente da aludida testemunha presencial José Barros, que guiava o seu tractor no local, no sentido Darque - Ponte de Lima, bem como do condutor do AQ, Bruno Ribeiro (em audiência, e não o de fls. 780, prestado sem contraditório e extrajudicialmente ); a velocidade deste último veículo, não admitida pelo seu condutor, resulta do rasto de travagem deixado por ele e das violentas consequências do embate, quer para os veículos (descrita também pelo agente participante e por ele vertidas na participação de fls. 96/97 e 539/558) quer para a pessoa do Autor(…)”.

Ora, para justificar a sua discordância quanto à decisão de facto, designadamente os pontos de facto provados e não provados que enuncia, limita-se a indicar um resumo daquilo que para si concluiu do conteúdo das testemunhas ouvidas José Barros, Bruno Ribeiro, Carlos Lima, Hilário Moreira e José Manuel Pontes, no que concerne à existência e colocação de um sinal vertical de “STOP” no local em questão, mais propriamente no fim da Rua do Cais e na sua confluência com a estrada nacional nº 203.
Simplesmente, além de se tratar de uma mera convicção, na óptica voluntarista e subjectiva, da recorrente, enquanto parte, jamais qualquer desses depoimentos é de molde a concluir-se, com o necessário grau de certeza e segurança jurídica, que, no momento do acidente, existia tal sinal de “STOP”, pela simples razão de que nenhuma das referidas testemunhas afirmou tal.
Pelo contrário, a testemunha José Barros, que presenciou o embate, foi peremptório em afirmar que “havia ali um sinal de STOP”, mas “o sinal já há muito tempo que ali não existia”, “ Já tinha anos “, que ali não existia. E reiterou sobre esse ponto, quando inquirido, quanto ao momento do embate: “Tenho a certeza absoluta que ali não havia nenhum sinal STOP”.
Este relato – quanto à inexistência do dito sinal vertical de “STOP” colocado no local do acidente - não foi contrariado por qualquer outra testemunha.
Tão pouco o documento de fls. 711 e o documento nº 4 de fls. 179 infirmam esse testemunho e refutam a factualidade provada e vertida no ponto nº 7º supra.
Ao invés, do teor do documento de fls. 179, emitido em 21.03.2006, pode inferir-se que no local en causa, há mais de três anos, que ali não se encontrava colocado qualquer sinal vertical de “STOP”.
Já o conteúdo do documento de fls. 711, emitido em 20.04.2010, é inócuo, por assinalar o aludido sinal “STOP”, com referência à data da sua emissão. A indicação nele a factores como intempéries, acidentes ou vandalismo como causa da alteração de sinalização mais não é do que uma conjectura, com vista a excluir eventual responsabilidade.
Acresce que as fotografias de fls. 178 apenas confirmam a inexistência do referido sinal de “STOP” e, como tal, a falta de sinalização vertical na via onde circulava o autor, junto à intersecção com a dita estrada nacional nº 203.
Por seu turno, os depoimentos das testemunhas Carlos Lima e Augusto Lima, quanto ao grau de visibilidade da estrada nacional, na perspectiva do condutor do veículo “JD”, aqui autor, conjugada com a demais prova, nomeadamente com a narração feita pela testemunha José Barros, que assistiu ao embate, não infirma o factualismo provado e constante dos pontos nºs 10º e 12º supra, nem sequer o circunstancialismo fáctico atinente ao modo de produção do acidente e plasmado nos pontos 16º, 17º, 22º, 23º, 24º, 27º, 29º, 109º, 124º, 114º e alínea O) da matéria de facto provada.
Em síntese, da audição desses depoimentos e dos apontados documentos, a saber os constantes de fls. 711, 178 e 179, não se descortina qualquer erro de julgamento, inexactidão manifesta ou falha notória na apreciação dos meios de prova carreados para os autos, sendo certo que o julgamento da matéria de facto foi realizado no âmbito dos poderes de livre apreciação do Tribunal, nos termos do art.º 655º do CPC, como se disse.
De igual modo, não se mostra ocorrer violação ou preterição de prova vinculada ou legal imposta pelo n.º2 do citado preceito legal.
As respostas à matéria de facto, e, em particular, aos indicados artigos 7º, 10º, 12º, 26º, 96º, 97º, 98º, 99º e 106º da Base Instrutória, não enfermam de erro que se manifeste na apreciação da matéria de facto, tendo a Mª Juiz “ a quo “ procedido a correcta e justa valoração dos meios de prova produzidos, nos termos acima indicados, sendo que dos elementos fornecidos pelo processo não decorre, ainda, decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas, que determine a alteração da matéria de facto em causa, nos termos do artº 712º-n.º1-alínea.b) do CPC, resultando dos autos que a formação de convicção do julgador, de modo claro, lógico e criticamente explicitada no despacho de resposta à matéria de facto de fls.841 e sgs. dos autos, se adequa, total, correcta e consistentemente, com os meios de prova produzidos e, em particular, em que se baseou o julgador.
Ademais, mostra-se fundamentada e isenta de reparo, ante tais meios de prova e em análise, a opção do julgador por determinados meios de prova documental e testemunhal e a preterição de outros, inexistindo, portanto, erro de julgamento.
Ao invés, mais do que enunciar um possível erro de julgamento, que não se verifica, a recorrente sustenta toda a sua pretendida modificação da matéria de facto numa distinta óptica de valoração subjectiva dos elementos probatórios e, consequentemente, diferente desfecho sobre o modo de ocorrência do acidente.
Logo, não se demonstrando, nos termos expostos, ocorrerem irregularidades ou basear-se o julgamento em meios de prova não produzidos ou com violação de meios legais imperativos nos termos do n.º2 do art.º 655º do CPC, a valoração que o tribunal recorrido fez das testemunhas inquiridas, designadamente dos citados José Barros, Bruno Ribeiro, Carlos Lima, Hilário Moreira e José Manuel Pontes, em conjugação com os documentos juntos aos autos, com enfoque nos de fls. 178, 179 e 711, mostra-se correcta, crítica e conforme com o conteúdo global da matéria de facto considerada provada.

Improcede, nestes termos, a impugnação da matéria de facto, mantendo-se a mesma inalterada e definitivamente fixada.


A recorrente discorda, precisamente em sentido contrário, da definição de responsabilidades pela ocorrência do acidente estabelecida na sentença, sendo nesta atribuída ao condutor do veículo AQ e pretendendo imputá-la em exclusivo ao condutor do JD.
Na sentença recorrida decidiu a Mª Juiz “ a quo “ a responsabilidade exclusiva do condutor do AQ considerando, como aí consta, que: “Por seu lado, o Autor fez a prova de que, à data do acidente, para quem circulava na rua do Cais em direcção à E.N. n.º 203 (como era o caso do Autor) não existia, naquela via, qualquer sinal de trânsito que conferisse ou retirasse prioridade (vide resposta ao quesito 7.º). Tal conduz à análise do sinistro apenas à luz da regra geral da prioridade, prevista no art. 30.º, n.º 1, Cód. Estrada: “nos cruzamentos e entroncamentos o condutor deve ceder a passagem aos veículos que se lhe apresentem pela direita”; ora, perante esta norma e tendo em conta a posição relativa dos veículos, é evidente que o Autor tinha prioridade de passagem sobre o AQ, porque se lhe apresentava pela direita (vide alíneas E) e L)).
No que respeita ao Autor, ficou demonstrado que, antes de entrar na estrada nacional, parou o JD junto à linha da berma desta, o que é da mais elementar prudência, mesmo quando se tem prioridade; depois, entrou na faixa de rodagem da direita da estrada nacional, atento o sentido de marcha do AQ, para a atravessar em direcção a Deocriste. Sabe-se que, para quem vinha da rua do Cais, a visibilidade para o lado de Ponte de Lima (donde vinha o AQ) é de cerca de 40 m, embora tenha ficado por provar se, antes de arrancar novamente, o Autor olhou para ambos os lados, bem como a circunstância de, nessa altura, o AQ não lhe ser visível (vide respostas aos quesitos 18.º a 21.º). Ficou, porém, provado que o embate apenas ocorreu quando o veículo do Autor tinha a parte central no eixo da via da estrada nacional, ou seja, quando já tinha feito quase metade do atravessamento a que o Autor se propunha.
Tais elementos são escassos para se concluir pela ilicitude da actuação do Autor, pelo que têm de ser complementados pela factualidade provada em relação ao condutor do AQ. Ora, este último imprimia ao veículo uma velocidade superior à permitida no local, face ao teor do art. 27.º, n.º 1, Cód. Estrada e à definição do art. 1.º, j), do mesmo Código: havendo edificações e estando delimitada por placas identificativas, a zona do acidente é uma localidade, pelo que a velocidade máxima permitida era de 50 km/h, sabendo-se que o AQ seguia a mais do que isso (vide respostas aos quesitos 8.º, 9.º e 26.º).
No entanto, tal excesso de velocidade, por si só, não constitui causa do acidente, tendo de se analisar a restante actuação do condutor do AQ. Ora, este sabia da existência daquele entroncamento com a rua do Cais, que se apresentava pela sua direita (o que, como já se referiu, conferia prioridade a quem nela circulasse, face à ausência de sinalização em contrário); e deparou com o veículo do Autor a atravessar a sua hemifaixa de rodagem a cerca de 30 m. Se o AQ fosse a 50 km/h – velocidade permitida no local –, de acordo com os quadros de distância média de paragem2 e porque o piso estava seco, teria conseguido imobilizar o seu veículo, a partir do momento em que avistou o do Autor, em 29,6 m, o que lhe permitiria ter dado ao veículo do Autor a prioridade que assistia a este, assim evitando o embate; em vez disso, e apesar de ter travado a fundo, o AQ não só deixou um rasto de travagem de 21 m, como, em consequência do embate, ainda impulsionou o veículo do Autor 10 m para a frente, e o próprio AQ apenas parou também a 10 m do local da colisão. Não tendo sido a travagem e o embate suficientes para absorver toda a energia cinética do AQ, e dependendo esta do peso e da velocidade do veículo, sendo directamente proporcional ao primeiro mas quadruplicando se apenas se dobrar a velocidade (o que se pode traduzir pela fórmula Ec = massa x velocidade2/2), é evidente que a ocorrência do acidente é apenas de imputar ao condutor do AQ: circulasse este à velocidade permitida no local – e não a uma que, face ao que ficou provado e às consequências do embate, era seguramente superior àquela – e ter-lhe-ia sido possível obedecer à regra da prioridade que o obrigava, assim evitando o embate.
Quer dizer, além da inobservância desta última regra e de exceder a velocidade permitida, o condutor do AQ agiu com imperícia e manifesta falta de cuidado, o que o faz incorrer em actuação negligente.
Sendo este condutor o único responsável, em termos de ilicitude e de culpa, pelo acidente, tal constitui a Ré, como seguradora desse veículo, na obrigação de indemnizar (…)”.

Na verdade, “ (...) a culpa constitui um vínculo de natureza psicológica, ligando o facto ao agente e implica, ao mesmo tempo, um juízo normativo de reprovação ou censura.
Podendo e devendo fazer coisa diferente, o agente fez o que não devia” Dario Martins de Almeida, “Manual de Acidentes de Viação”, 3ª edição, pág. 62,.
O nexo existente entre o facto e a vontade do agente pode revestir duas formas distintas: o dolo e a negligência ou mera culpa.
Neste contexto, diremos que a negligência ou mera culpa consiste na “omissão da diligência exigível do agente” A. Varela, “Das Obrigações em Geral”, Vol. I, 5ª edição, pág. 525. .
A culpa é apreciada em abstracto, ou seja, “pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso” - art. 487, n.º 2, do Código Civil (CC).

Atentos os factos provados, designadamente os indicados nas alíneas J), N), O) supra e pontos nºs 7º, 8º, 12º, 16º, 17º, 22º, 23º, 24º, 26º, 27º,28º, 29º, 91º, 124º, 30º, 110º, deles resulta ter sido o comportamento do condutor do veículo automóvel AQ determinante e em exclusivo para o eclodir do acidente, por via, quer da omissão de cedência de passagem ao veículo JD (este gozava do direito de prioridade), quer da velocidade excessiva imprimida ao mesmo AQ, na aproximação ao local de cruzamento, violando, assim, as normas estradais contidas nos artºs 24º, nº1, 27º, nº1 (transitava a velocidade superior a 50 Kms/hora) e 30º, nº 1 (no cruzamento não cedeu passagem ao veículo que se apresentava pela direita), ambos do Código de Estrada (CE).
No caso em apreço, o que se apurou foi que o condutor do JD, aproximou-se do cruzamento formado pela Rua do Cais, onde transitava, e a E.N. 203, onde circulava o AQ, apresentando-se aquele pela direita deste (inexistindo aí sinalização a conferir ou a retirar prioridade) e parou junto à linha da berma da E.N. 203.
De seguida, quando o JD atravessava o dito cruzamento, com a parte central sobre o eixo da faixa de rodagem da E.N. 203, foi embatido do lado esquerdo pelo AQ, que seguia a velocidade superior a 50 km/hora, havia avistado o JD a cerca 30m e deixou rastos de travagem de 21 metros de comprimento.
É, pois, forçoso concluir, como sufragado na 1ª instância, que - dada a circunstância de o AQ não ter cedido a passagem ao JD, que se lhe apresentava pela direita (gozando assim de prioridade), quando este já estava a atravessar o dito cruzamento, com a parte central sobre o eixo da via, avistando-o a 30 metros, mas circulando a velocidade (superior a 50 Km/hora) que, apesar de travar, não o impediu de o imobilizar no espaço que o separava daquele, indo embater-lhe na parte central com a respectiva parte frontal) – o acidente ocorreu por culpa exclusiva do condutor do AQ.
É consabido, como refere a apelante, que o direito de prioridade não é absoluto.
Como prescreve o artº 29º, nº 2, do CE, o condutor com prioridade deve observar as cautelas necessárias à segurança do trânsito.
Ora, ante a realidade fáctica provada, não obstante o condutor do JD gozar de prioridade, não deixou de ser cauteloso, já que parou ao chegar à confluência da Rua do Cais com a E.N. 203, junto à berma desta, e só depois avançou para prosseguir a marcha, vindo a ser embatido pelo AQ quando se encontrava com a parte central sobre o eixo da via, cujo condutor seguia em excesso de velocidade, havia avistado o JD a 30 metros e não buzinara sequer.
Ao agir conforme descrito, o condutor do AQ violou ainda o dever geral de cuidado, consagrado no artº 3º, n.º 2 do CE.
Dito de outro modo, o condutor do JD não contribuiu por qualquer forma para a produção do embate, porquanto se provou que não existia qualquer sinal de trânsito a conferir ou retirar prioridade para quem circulava pela rua do Cais em direcção à E.N. 203, como o JD, que este se apresentava pela direita, em relação ao AQ, que parou quando se aproximou do dito cruzamento e que quando já se encontrava a atravessar este, a meio, foi abalroado pelo AQ, que transitava em velocidade excessiva.
Constituiu-se, assim, o condutor do AQ na obrigação de indemnizar os danos sofridos
pelo A..

Mostra-se, assim, correcto o juízo de atribuição única de responsabilidade na produção do acidente ao condutor do veículo AQ, tal como fixado em 1ª instância.

Pretende a recorrente a ampliação da matéria de facto, no sentido de ser aditada à base instrutória o que alegou nos artigos 25º, 26º, 27º, 49º e 50º da contestação, repetindo-se o julgamento, nos termos do nº 4 do art.º 712º do CPC, por se tratar de factualidade relevante para a decisão da causa.
Trata-se de factualidade atinente às características da estrada onde ocorreu o acidente, seja quanto ao piso, ao trânsito e ao traçado, e à informação que dela tinha o condutor do JD.
A recorrente havia já reclamado da base instrutória sobre essa matéria, tendo a Srª. Juiz a quo indeferido essa pretensão por considerar que se tratava de matéria conclusiva e irrelevante para a decisão da causa ou era meramente impugnatória.
Perfilhamos a mesma opinião.
Com efeito, quanto às características da via e com relevo para definir os seus contornos não deixou de ser alegado e provado o factualismo vertidos nas alíneas F), G), H), e pontos nºs 5º, 100º, 6º, 9º, 10º, 12º, 91º, 92º, 93º, 94ºe 102ºsupra.
Nos termos do artº 511º do CPC, o juiz, ao fixar a base instrutória, selecciona a matéria de facto relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, que deva considerar-se controvertida.
E a questão da relevância reconduz-nos ao problema de saber se determinado facto é essencial para a decisão do pleito ou se, pelo contrário, se trata apenas de um facto instrumental.
Na noção dada por CASTRO MENDES (Direito Processual Civil, II, p. 208), factos instrumentais são os que interessam indirectamente à solução do pleito por servirem para demonstrar a verdade ou falsidade dos actos pertinentes.
Já para LOPES DO REGO (Comentário ao CPC, p. 201), "factos instrumentais definem-se, por contraposição aos factos essenciais, como sendo aqueles que nada têm a ver com substanciação da acção e da defesa e, por isso mesmo, não carecem de ser incluídos na base instrutória, podendo ser livremente investigados pelo juiz no âmbito dos seus poderes inquisitórios de descoberta da verdade material", enquanto que "factos essenciais, por sua vez, são aqueles de que depende a procedência da pretensão formulada pelo autor e da excepção ou da reconvenção deduzidas pelo réu".
Em Ac. de 27.04.2004 (proc. 204/04, Des. Rui Barreiros, dgsi.pt), a Relação de Coimbra decidiu que "para que os factos sejam instrumentais é necessário que tenham uma relação com os factos principais, de tal maneira que, a partir daqueles, se possa chegar a estes. Assim, determinados factos podem ser instrumentais numa acção e não o serem numa outra - serem até os factos principais ou serem factos irrelevantes".
No questionário deverão inserir-se tão só os factos sobre os quais pode e deve desenvolver-se utilmente a instrução, tendo em conta as regras do ónus probatório, sendo certo que a base instrutória não deve ter natureza bifronte, ou seja, plasmar a versão pura e simples das duas partes em confronto.
Portanto, não deverão ser quesitados os factos instrumentais que embora possam facilitar a fundamentação das respostas do Tribunal ao questionário, tornam este demasiado extenso e dificultam a produção de prova, sem vantagens reais para a decisão da causa (cf. Ac. RP de 17.02.94, itij).
Assim, a matéria contida naqueles artigos 25º, 26º, 27º, 49º e 50º da contestação, além de terem a natureza de factos instrumentais, pois que da sua verificação não depende a procedência da pretensão formulada pela autora, nem, por si só, obsta àquela, traduzem sobretudo uma repetição da configuração da via já objecto de quesitação.
Ademais, a ampliação da matéria de facto, com repetição do julgamento pressupõe, nos termos do citado artº 712º, nº4, do CPC, que haja deficiência, obscuridade ou contradição, o que não é manifestamente o caso.
Improcedem, assim, os fundamentos da apelação nesta parte.

Cuidemos agora de apreciar os montantes indemnizatórios.
Diz a apelante seguradora que os valores indemnizatórios, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais são excessivos.
Quanto aos primeiros aponta o valor de € 87.000,00, com referência à aplicação de uma taxa de juro de 3% e o período de vida de 22 anos.
Quanto à perda da capacidade de ganho, decidiu o tribunal a quo aplicar a já assinalada taxa de juro de 3%, mas teve ainda em conta elementos como a progressão profissional, a taxa de inflação de 2% (por via da necessidade de cumprimento do pacto de estabilidade europeu) e tomando como referência, a título indicativo, uma fórmula matemática composta Vide Ac. RC de 04.04.1995, in CJ, 1995, II, ´pág. 23..
Além disso, a apelante estriba-se num período de vida activa até aos 65 anos, quando a perspectiva futura aponta já para os 67-70 anos, sem olvidar que a esperança média de vida se situa entre os 75 e 80 anos Segundo as Tábuas de Mortalidade para o triénio 2006/2008, divulgadas pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), os valores definitivos da esperança média de vida à nascença para o referido período foram de 75,49 anos para os homens, 81,74 para as mulheres e 78,70 para ambos os sexos.
, o que contribuirá para um acréscimo do dano futuro no caso de sinistro.
É, assim, de desatender a peticionada redução, por contender com a indemnização fixada na sentença, a qual se mantém, por se mostrar devidamente fundamentada, fazendo apelo a critérios de equidade, sem descurar os citados elementos indiciadores, como seja a dita fórmula matemática, em que tem em conta as diversas variáveis que melhor fundamentam a fixação justa da indemnização.
A recorrente seguradora escuda-se ainda na invocação da Portaria nº 377/2008, de 26 de Maio (alterada pela Portaria nº 679/2009, de 25.06), para justificar a alteração do montante indemnizatório, com o “samaritano” argumento de se uniformizar critérios legais de avaliação dos danos e haver celeridade na atribuição de indemnizações aos sinistrados.
Simplesmente, como é jurisprudência uniforme Veja-se, entre outros, o Acórdão do STJ de 07-06-2011, Proc.160/2002.P1.S1 , in dgsi.pt, os valores aí indicados sobre a indemnização do dano corporal têm um âmbito específico de aplicação extrajudicial (regularização eventual de sinistros entre a seguradora e os lesados) e não substitui os critérios legais previstos no Código Civil – diploma este que se sobrepõe àquele na hierarquia das leis.
Daí que não estejam os tribunais limitados nem vinculados aos valores indemnizatórios ali previstos.

Também no que concerne ao dano não patrimonial pugna a recorrente pela redução para valor não superior a € 25.000,00 com o argumento genérico e simplista de que assim vem sendo decidido pelos tribunais portugueses.
Os danos não patrimoniais sofridos pelo autor são aqueles que não atingem os bens materiais do lesado ou que, de qualquer modo, não alteram a sua situação pa­trimonial – formulação negativa -, ou seja, aqueles danos que têm por objecto um bem ou interesse sem conteúdo patrimonial, insusceptível, em rigor, de avaliação pecuniária). A indemnização não visa propriamente ressarcir, tornar indemne o lesado, mas oferecer-lhe uma compensação que contrabalance o mal sofrido – ver De Cupis, Il Dano, Teoria Generale della Ressponsabilità Civile, Milano, 1966, pags. 44 e segs., e Antunes Varela, Das Obriga­ções em Geral, 4ª edição, pag. 560 .
Segundo o artigo 496º nº 1 do Código Civil (doravante CC), na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito. O montante da in­demnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção o grau de culpa do lesante, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso – artigos 496º nº 3 e 494º do C.C. – e também aos padrões de indemnização geralmente adoptados na jurisprudência (devendo o dano ser valorado por referência ao valor que seria achado se o bem violado tivesse sido a vida do lesado – ver o Ac. S.T.J. de 28/10/92, in C.J. Ano XVII, Tomo IV, pag 29 ).
Quanto aos danos não patrimoniais arbitrados ao lesado Abel Rodrigues o seu montante indemnizatório é também consentâneo, quer com a natureza, duração e gravidade das lesões e sequelas por si sofridas, afectando-o a nível de incapacidade permanente (IPP de 67%), de dano estético (grau 2/7), de quantum doloris relevante (grau 4/7), quer com os reditos padrões jurisprudenciais em casos similares,
Basta realçar, como provado nos pontos nºs 41º a 48º, 50º, 51º, 54º, 56º a 59º, 60º, 62º, 64º, 65º e 66º, supra, que o lesado teve fracturas múltiplas na bacia e costelas, hematomas, e contusão dos pulmões, foi submetido a vários exames, e teve como sequelas «insuficiência respiratória pós traumatismo da parede torácica e pulmonar, com restrição respiratória de grau III e cicatriz de 1x1 cm torácica esquerda mediana, fractura do acetábulo viciosamente consolidada, na perna esquerda, sequelas de paralisia do nervo ciático popliteo externo, com necessidade de usar tala de contenção, e claudicação na marcha».
Por tais razões, revela-se, pois, ajustado o montante arbitrado - motivo por que se mantém nesta instância.

Arvora ainda a recorrente que se encontram parcialmente prescritos os créditos reclamados pela interveniente/recorrida “Z…SA”, no que concerne aos pagamentos entre 02 de Maio de 2008 e 21.11.2008, em virtude de o acidente ter ocorrido em 02.05.2005 e o articulado superveniente da interveniente ter dado entrada em juízo em 21.11.2008.
Ou seja, pretende fazer valer o prazo de três anos previsto no artº 498º, nº 1, do CC, que cita.
Apreciando..
Salvo o devido respeito, os prazos de prescrição a que alude o artº 498º, do CC, reportam-se às situações de direito de indemnização com base em responsabilidade extracontratual.
Ora, o facto gerador dos créditos reclamados pela interveniente emerge do acidente de trabalho e não do acidente de viação.
A interveniente “Z…SA” não é responsável, à luz desse facto ilícito – o acidente de viação em causa – e, como tal, nem sequer lhe é aplicável o disposto no artº 498º, nº2, do CC.
O prazo prescricional em questão, na relação seguradora do trabalho versus seguradora do acidente de viação, é assim o ordinário – artº 309º, do CC, pelo que o direito da interveniente ao reembolso dos pagamentos efectuados ao sinistrado ainda não prescreveu.
Mas, sem conceder, ainda que assim não se entenda, aquilatando da invocada prescrição na perspectiva da responsabilidade civil por facto ilícito e à luz do apontado artº 498º, do CC, também o reclamado direito da interveniente “Zurich” não se mostra prescrito.
Com efeito, nos termos do art. 18.º, n.º 1, D.L. n.º 522/85 (relativo ao seguro automóvel obrigatório), de 31 de Dezembro, quando o acidente for simultaneamente de viação e de trabalho aplicar-se-ão as disposições deste diploma, tendo em atenção as constantes da legislação especial de acidentes de trabalho”.
Não se discutindo a caracterização do acidente em causa como sendo também de trabalho, preceitua o art. 31.º, n.º 1, da Lei n.º 100/97, de 13.09 [Lei de Acidentes de Trabalho (LAT)]: que “quando o acidente for causado por outros trabalhadores ou terceiros, o direito à reparação não prejudica o direito de acção contra aqueles, nos termos da lei geral”.
O seu nº 4 estabelece que “a entidade empregadora ou a seguradora que houver pago a indemnização pelo acidente tem o direito de regresso contra os responsáveis referidos no nº 1, se o sinistrado não lhes houver exigido judicialmente a indemnização no prazo de um ano a contar da data do acidente” – o que verificou, uma vez que a presente acção só deu entrada em juízo em 26.03.2008, tendo o acidente ocorrido em 02.05.2005.
Já o seu nº 5 estatui que “a entidade empregadora e a seguradora também são titulares do direito de intervir como parte principal no processo em que o sinistrado exigir aos responsáveis a indemnização pelo acidente a que se refere este artigo”.
Há, assim, um direito de reembolso (seja ele um direito de regresso ou mais propriamente um direito de sub-rogação) por parte da seguradora da entidade patronal do sinistrado, aqui interveniente, em relação à seguradora do terceiro lesante, aqui apelante/ré.
Sendo este art. 31º similar à Base XXXVII da Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965, tem-se entendido maioritariamente, a nível jurisprudencial, que o direito que se pretende exercer, previsto no nº 4, apesar da letra do preceito, não constitui um verdadeiro direito de regresso, mas de sub-rogação legal da entidade patronal ou da seguradora nos direitos do sinistrado contra o causador do acidente, na medida em que tiver pago a indemnização Neste sentido, Vaz Serra, RLJ 111-67, Antunes Varela, RLJ 103-30 e, entre outros, o Ac. do STJ de 4.10.2004, CJ STJ XII, 3, 39..
A sub-rogação, sendo uma forma de transmissão das obrigações, coloca o sub-rogado na titularidade do mesmo direito de crédito (conquanto limitado pelos termos do cumprimento) que pertencia ao credor primitivo.
O direito de regresso é um direito nascido ex novo na titularidade daquele que extinguiu (no todo ou em parte) a relação creditória anterior ou daquele à custa de quem a relação foi considerada extinta.
Apesar de realidade jurídicas distintas, a sub-rogação e o direito de regresso apresentam grandes afinidades, estando subordinadas ao elemento comum de prévio pagamento da obrigação e destinando-se ao seu reembolso total ou parcial Neste sentido Ac. do STJ de 1.6.99: BMJ 488º-244..
O terceiro que paga pelo devedor só se sub-roga nos direitos do credor com o pagamento; enquanto não o fizer não é sub-rogado e, consequentemente, não pode exercer os direitos de credor.
Defende a recorrente que os créditos reclamados e relativos ao período de 02 de Maio de 2008 a 21.11.2008 estão prescritos, em virtude de o acidente ter ocorrido em 02.05.2005 e o articulado da interveniente ter dado entrada em juízo em 21.11.2008, tendo decorrido mais de três anos, por força do disposto no artº 498º, nº1, do CPC.
Discorda-se deste entendimento.
Aplicável ao caso será então o prescrito no seu nº2, no qual se prevê o prazo de três anos, a contar do cumprimento (pagamento), quando está em causa o direito de regresso entre responsáveis.
Por outro lado, perfilhamos o entendimento de “o alargamento do prazo previsto no nº 3 do art. 498º se aplica a qualquer das hipóteses previstas nos nºs. anteriores. Trata-se de solução que decorre claramente da letra do preceito, sendo que o único requisito para aplicação desse nº 3 é o de o facto ilícito constituir crime sujeito a prazo mais longo do que o dos nºs 1 e 2 da mesma disposição” , Veja-se o Ac. RP de 17.09.2009, in dgsi.pt. – o que sucede in casu, dado tratar-se de lesões graves Neste sentido, o Ac. do STJ de 07.07.2010, in dgsi.pt.
Os defensores da tese contrária – a de que o nº3 não se aplica às situações do nº 2 – argumentam que as razões para alargar o prazo de prescrição, nos termos do nº 3, não colhem quando já não está em causa o direito de indemnização ao lesado, mas o reembolso a terceiros que o indemnizaram, assente e definido que está o direito.
Na acção já não está em causa o direito do lesado a ser indemnizado (para que dispõe o artigo 498º/1 e 3), nem a apreciação da responsabilidade extracontratual de quem quer que seja, mas apenas do eventual direito da seguradora se reembolsar do que àquele pagou, estando já definido o crédito.
Ora, se é assim para as situações de exercício do direito de regresso no âmbito do disposto no artº 19º, do Dec.Lei nº 522/85 (em que já está definida a responsabilidade do causador do acidente e satisfeita a indemnização), no caso, como o presente, a seguradora atinente ao acidente de trabalho está obrigada legalmente ao pagamento das prestações por incapacidade (e sendo temporária se vence no dia seguinte ao do acidente), independentemente de estas ainda não se encontrarem sequer judicialmente assentes e definidas, no âmbito laboral, aquando desse pagamento iniciado em 2005 ( a sentença é de 02.07.2008 – cfr. 364 dos autos).
De salientar que o início do curso da prescrição só se verifica quando o direito (do prejudicado) puder ser exercido – artº 306º, nº1, do CC.
Tão pouco no âmbito do acidente de viação, no que aos presentes autos diz respeito, o direito de regresso da interveniente está determinado. Ele só se consolida com a atribuição da responsabilidade extracontratual (a terceiro, de forma exclusiva ou concorrente) derivada do acidente de viação, ou seja, da definição dos responsáveis pelo sinistro rodoviário e que a decisão final, transitada em julgado, há-de proclamar.
Isto é, nesta óptica, também aqui o direito de regresso da responsável pelo acidente de trabalho está dependente e conexo com a definição do direito do lesado à indemnização e em que moldes.
Tudo isto para dizer que as razões de alargamento do prazo prescricional também se justificam em situações, como a presente, enquadradas no assinalado nº 2 do artº 498º.

Por último, como se disse, mesmo a seguir-se a posição de que o prazo de prescrição dos créditos ora reclamados é inexoravelmente de três anos, a contar do cumprimento, o que releva para esse efeito é o momento posterior à sentença que definiu o direito, seja por via da sentença laboral proferida em 02.07.2008, seja por via da sentença destes autos.

Como quer que seja, porquanto se deixa exposto, não se precludiu, mesmo parcialmente, o crédito da interveniente “Z…SA”.

Finalmente, quanto ao pedido de conhecimento de recurso intercalar por indeferimento de realização de perícia médica colegial, compulsados ao autos não se descortina a interposição de qualquer recurso da apelante – o que prejudica a enunciada pretensão.

Improcede, portanto, a apelação da Ré.

B – Apelação do Autor:
1. Montante da indemnização pelos danos patrimoniais, não patrimoniais;
2. Montante da indemnização por incapacidade temporária absoluta para o trabalho;
3. Dedução da indemnização por acidente de trabalho;
4. Momento de contagem dos juros, quanto aos danos morais;

O autor pretende também a fixação de montantes indemnizatórios superiores ao arbitrados na sentença com o singelo argumento, quanto ao danos não patrimoniais, de que a quantia de €: 35.000,00 é insuficiente.
Independentemente do teor conclusivo de tal alegação, como acima se referiu, tal tipo de indemnização visa atribuir uma compensação que contrabalance o mal sofrido pelo lesado e não a restauração do dano em si.
Como se frisa na sentença, nesta vertente, teve-se em conta os padecimentos físicos do lesado, o sofrimento psicológico, a natureza e graduação das dores que padeceu, o desgosto pelas sequelas, nomeadamente a dificuldade em permanecer de pé.
Aquilatando-se também os padrões de indemnização geralmente adoptados na jurisprudência e valorando-se o dano em função do valor-referência quando o bem violado é a vida do lesado, afigura-se-nos que o quantum indemnizatório atribuído de €: 35.000,00 é equitativo e adequado.

No que respeita aos danos patrimoniais, discorda o recorrente da indemnização fixada, contrapondo essencialmente que devia ter sido levado em linha de conta no seu cálculo o trabalho agrícola do autor, que computa em € 250,00/mês e uma incapacidade de 100%.
Porém, como ressalta dos factos apurados, o autor ficou a padecer de uma incapacidade parcial permanente de 67% e não de uma incapacidade total, podendo desenvolver uma actividade no âmbito de outras profissões da área da sua preparação técnico-profissional. Daí que não se encontre impossibilitado em definitivo e de modo absoluto de trabalhar.
No que tange aos invocados proventos oriundos da agricultura, além de não provar, como lhe competia, o seu valor, designadamente os indicados € 250,00/mês, também não ficou demonstrado a regularidade desse rendimento.

Insurge-se ainda o recorrente quanto ao quantitativo atribuído a título de incapacidade temporária absoluta (ITA), argumentando que o mesmo, desde o acidente nunca mais trabalhou, durando o período de doença de 34 meses.
Não tem razão.
Como se apurou, a consolidação das lesões por si sofridas ocorreu em 17.03.2006 (ponto de facto provado nº54º supra) e não 31.03.2008. A circunstância de nunca mais ter trabalhado desde o acidente não equivale a deixar de auferir qualquer rendimento, como se alcança da resposta restritiva ao quesito 71º da base instrutória.

Questiona também o autor, na indemnização fixada, a dedução das prestações a si pagas, no âmbito do acidente de trabalho, com o argumento de que o direito da interveniente de reclamar o reembolso das quantias que houver pago ao Autor só existe, por um lado, quando este vier a receber a indemnização definitiva e global, a fixar na presente acção, por sentença transitada em julgado e se se constatar duplicação, entre as duas indemnizações — de acidente laboral e de acidente de viação e, por outro, através de acção de regresso própria a instaurar contra o autor.
Além disso, argui que apenas foi atribuído ao Autor/Recorrente indemnização por Incapacidade Temporária Absoluta para o trabalho, relativamente a 10 meses e 15 dias, até à data do consolidação médico-legal, ou seja, até ao mês de Março de 2006, mas foi-lhe deduzido o que recebeu de acidente de trabalho, a título de salários e subsídios de férias e de Natal, até ao mês de Setembro de 2008.

Carece de fundamento o recorrente.
O direito que a interveniente pretende exercer, previsto no artº 31º, nºs 4 e 5 da Lei nº100/97, de 13.09, não constitui, apesar da letra do preceito, um verdadeiro direito de regresso, mas de sub-rogação legal da seguradora do acidente de trabalho nos direitos do sinistrado contra o causador do acidente, na medida em que tiver pago a indemnização.
Nada impede, antes se impõe por razões de economia processual e de efectivo exercício desse direito de sub-rogação, que a seguradora, ao intervir como parte principal neste processo em que o sinistrado exige ao responsável a indemnização pelo acidente, por força do nº 5 daquele preceito, possa reclamar, como reclamou, o montante pago das prestações ao sinistrado, com vista a evitar a duplicação da indemnização (apenas no tocante aos danos patrimoniais), procedendo-se às deduções respectivas nestes autos.
De outro modo, aquele direito de intervenção como parte principal contemplado no mencionado nº 5 deixaria de ter efeito útil se fosse necessário instaurar contra o sinistrado uma acção autónoma.
Já quanto à dedução das prestações pagas entre Março de 2006 e Setembro de 2008, apesar de o período de ITA ter sido fixado até 17 de Março de 2006, nada obsta à mesma, em virtude de o abatimento abranger não só as quantias recebidas pelo sinistrado a título de indemnização por incapacidade temporária absoluta (ITA), como também por incapacidade parcial permanente (IPP), após Março de 2006. Tudo isso são danos patrimoniais.

Por último, insiste o recorrente que lhe são devidos juros de mora, desde a citação, quanto ao quantitativo arbitrado, a título de danos não patrimoniais, por se tratar de indemnização baseada em facto ilícito – artº 805º, nº 3, do CC.
Mais discorda o recorrente da contagem dos juros, a partir da prolação da decisão em 1ª instância, relativamente à indemnização por danos morais, com o fundamento de que a lei não distingue entre danos patrimoniais e danos patrimoniais, no tocante aos juros moratórios e de que é inaplicável ao caso o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 4/2002, de 9 de Maio de 2002 (Diário da República, I Série A, de 27 de Junho de 2002).
A sentença procedeu a um cálculo dessa indemnização por danos não patrimoniais, tendo em conta a data da decisão, como nesta se refere expressamente, a fls. 866, justificando assim o vencimento de juros de mora a partir da sua prolação e não da citação.
Em suma, tais danos foram fixados de forma actualizada, com base nesse momento, e não qualquer intenção de correcção monetária [questão que estava em causa no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 4/2002, de 9 de Maio de 2002 (Diário da República, I Série A, de 27 de Junho de 2002), segundo o qual “Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do nº 2 do artigo 566º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806º, nº 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação”].
No sentido de que os juros apenas são devidos desde a data da sentença da 1ª Instância, se a indemnização foi calculada com referência a esse momento, veja-se o acórdão do S.T.J., de 18 de Dezembro de 2007, e mais recentemente o acórdão deste Tribunal, de 12.02.2009, in www.dgsi.pt.
Neste aresto, citando-se o acórdão do mesmo S.T.J. ,de 23 de Outubro de 2008 (proc. nº 08B2318, em www.dgsi.pt), afirma-se “pois que a compensação pelos aludidos danos não patrimoniais terá sido – tal como agora o é aqui – concebida de forma actualizada, resultando num cúmulo injustificado a contagem dos juros de mora a partir da citação, já que a respectiva obrigação pecuniária agora em causa cobre todo o dano verificado”.
Do mesmo modo, no acórdão desse STJ de 25/10/2007 – Pº 07B3026 (…), refere-se “… se no momento da prolação da decisão, o juiz actualiza o montante do dano liquidado para reparar o prejuízo que o lesado efectivamente sofreu, os juros moratórios, a serem concedidos desde a citação para a acção, representarão uma duplicação de parte do ressarcimento, e este excederá o prejuízo efectivamente verificado.”

Já quanto aos danos patrimoniais, a sentença recorrida computa os respectivos juros de mora, a contar da citação.

Em conclusão, confirma-se a decisão recorrida também nesta parte.


Sintetizando:

1. O prazo de prescrição dos créditos reclamados à seguradora do acidente de viação pela seguradora do acidente de trabalho é o prazo ordinário.
2. Ainda que se entenda que o prazo de prescrição é o previsto no artº 498º, do Código Civil, com base em responsabilidade por facto ilícito, o prazo mais longo contemplado no seu nº 3 é aplicável às situações consagradas no seu nº2, por via da sub-rogação legal do direito do sinistrado de que a seguradora se encontra investida, ao reclamar os créditos pagos à seguradora do acidente de viação.
3. No processo de acidente de viação, quando à indemnização, por danos patrimoniais, fixada na sentença e a satisfazer pela seguradora do acidente de viação, é possível a dedução das prestações pagas ao sinistrado pela seguradora do acidente de trabalho que naquele as reclamou, por foca do estatuído no artº 31º, nºs 4 e 5, da Lei nº 100/97, de 13.09.
4. Os juros de mora relativos aos danos não patrimoniais contam-se desde a sentença que fixou estes e não desde a citação, sob pena de se exceder o prejuízo efectivamente sofrido.


*****

IV – Decisão;

Em face do exposto, improcedência de ambas as apelações, acordam os Juízes desta 1ª secção cível em confirmar a sentença recorrida.


Custas pelos apelantes.


Guimarães, 14.06.2012
António Sobrinho
Isabel Rocha
Manuel Bargado