Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | ANSELMO LOPES | ||
Descritores: | CONTRA-ORDENAÇÃO COIMA PAGAMENTO VOLUNTÁRIO REJEIÇÃO DE RECURSO | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 07/12/2007 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | JULGADO PROCEDENTE | ||
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Sumário: | I – Apesar do pagamento voluntário, pode-se sempre discutir a existência da contra-ordenação quando for aplicada uma sanção acessória, atento o disposto no nº 4 do art.°175° do C. Estrada, que estabelece que o pagamento voluntário da coima não impede o arguido de apresentar a sua defesa, restrita à gravidade da infracção e à sanção acessória aplicável. II – Com efeito, o pagamento voluntário determina o arquivamento do processo, salvo se à contra-ordenação for aplicável sanção acessória, caso em que, mantendo-se o “arquivamento” quanto à coima, o processo prossegue restrito à aplicação da sanção acessória - artº 172º, nº 5 do Código da Estrada. III – Por outras palavras, o pagamento voluntário não faz nascer qualquer presunção de comissão indiscutível da materialidade da infracção, mas antes, deixando tal questão arrumada sobre a coima, permite discutir a infracção no que toca à gravidade da mesma, e quanto à sanção de inibição de conduzir, em toda a sua extensão, incluindo sobre a existência ou não da infracção. IV – De facto, no momento do pagamento (ou depósito) da coima, ainda nem sequer existe processo ou procedimento contra-ordenacional, pelo que aquele acto não pode ter reflexos na posterior instauração de processo para aplicação da medida acessória. V – O pagamento (ou depósito) nas situações em que à infracção é também aplicável sanção acessória mais não é do que, por um lado, um modo de o Estado arrecadar imediatamente a respectiva receita e, por outro, o aproveitamento por parte do indiciado infractor do mínimo da coima aplicável, confiante que está em que lhe é lícito discutir a alegada infracção para efeitos de sanção acessória. VI – Se, indiscutivelmente, no caso de depósito do montante (mínimo) da coima, não há “confissão” dos factos, não fazia sentido que tal se considerasse no caso de pagamento imediato, que ocorre, como vimos, no interesse do Estado e do próprio (ainda só) autuado. VII – Aliás, se não fosse possível discutir-se a existência da infracção, estaríamos em face de norma violadora do n.° 1 do artº 32° da CRP e, por isso, inconstitucional já que se estariam a restringir direitos fundamentais. VIII – A impugnação judicial das decisões administrativas não é um verdadeiro recurso em sentido técnico-processual, antes devendo ser vista como um expediente impugnatório de defesa. IX – Com efeito, como regime geral, para controlo das decisões administrativas em processos de contra-ordenação, o legislador optou pela jurisdição comum e por virtude de tal opção, nem o acto de impugnação equivale a um recurso ordinário nem a jurisdição comum funciona como segunda instância. X – Considerando a autonomia e características próprias de cada uma das jurisdições, a passagem da fase administrativa à fase judicial, sem prejuízo de regras próprias do regime geral, potencia a aplicação imediata do regime legal da jurisdição comum, em especial do Código de Processo Penal. XI – Porém, como se diz no artº 41º, nº 1 do regime próprio, o RGCO, os preceitos reguladores do processo criminal são aplicáveis sempre que o contrário não resulte deste diploma, e, no caso, existe a regra do artº 63º, nº 1 que, repete-se, estabelece que o juiz rejeitará, por meio de despacho, o recurso feito fora do prazo ou sem respeito pelas exigências de forma; XII – As regras próprias do meio processual de impugnação das decisões das entidades administrativas são as estabelecidas nos artºs 59º a 72º do RGCO, que não prevê a figura da rejeição por manifesta improcedência, a qual é exclusiva dos recursos ordinários, tanto mais que no artigo 73.º, nº 4 do RGCO se diz expressamente, que o recurso seguirá a tramitação do recurso em processo penal, tendo em conta as especialidades que resultam deste diploma e que a deliberação de rejeição exige a unanimidade de votos, ou seja, pressupõe composição colegial do Tribunal. (NB: Em sentido contrário, cf. Pº nº 1036/07, relatado por Filipe Melo, in trg.pt) | ||
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Decisão Texto Integral: | Após conferência, acordam no Tribunal da Relação de Guimarães: ARGUIDO/RECORRENTE R RECORRIDO O Ministério Público. OBJECTO DO RECURSO O recorrente, depois de ter pago a respectiva coima, foi condenado na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 30 dias, pela prática, em 05-10-05, de uma contra-ordenação p. e p. no artº 4º, nº 3 do Código da Estrada. Deduziu impugnação judicial, mas a mesma foi rejeitada liminarmente, com invocação do disposto no artº 420º, nº 1 do C.P.Penal. MOTIVAÇÃO/CONCLUSÕES É dessa decisão que o arguido recorre, dizendo que aqui não se aplica o regime do citado artº 420º, não sendo necessário ultrapassar o campo do RGCO, onde apenas se prevê, no artº 63º, nº 1, a rejeição quando o recurso seja interposto fora de prazo ou quando não se respeitem as exigências de forma. De todo o modo, diz, a decisão em apreço entrou no conhecimento de mérito, em particular sobre a nulidade da decisão administrativa, sobre a inconstitucionalidade e sobre a não suspensão da sanção acessória, sendo certo que acabou por se tratar de decisão por mero despacho, sem que fosse observado o disposto no nº 2 do artº 64º do RGCO. Por fim, o arguido também põe em causa a afirmação da decisão recorrida, de que o pagamento voluntário implica o reconhecimento de que se praticou a infracção, podendo apenas discutir-se a aplicação da sanção acessória. RESPOSTA O Mº Pº do Tribunal a quo respondeu para defender o julgado. PARECER Nesta instância, o Ilustre PGA adere à invocação do arguido de que a rejeição, nas impugnações judiciais, apenas é possível, nos termos do artº 63º, nº 1 do RGCO, aos casos de extemporaneidade do recurso e de falta de respeito das exigências de forma. Ora, no caso, o juízo que foi feito sobre as pretensões do recorrente não se inscreve dentro daqueles pressupostos de rejeição, pelo que o recurso deve ser julgado procedente. FUNDAMENTAÇÃO Assiste plena razão ao recorrente, é o que, sem mais, tem que se afirmar. É discutível se a impugnação judicial das decisões administrativas é um verdadeiro recurso em sentido técnico-processual - No artigo 59.º do RGCO diz-se assim, com excepção dos sublinhados: 1 - A decisão da autoridade administrativa que aplica uma coima é susceptível de impugnação judicial. 2 - O recurso de impugnação poderá ser interposto… 3 - O recurso será feito por escrito… A redacção dos nºs 2 e 3, a seguir à do nº 1, que chama a este meio de defesa impugnação judicial, dá o mote para o entendimento de que se trata exactamente disso mesmo, ou seja, de um apelo para uma entidade jurisdicional, com competência e poderes de cognição relativamente amplos, quer de facto quer de direito. Já será um verdadeiro recurso o da reacção às decisões, despachos e medidas tomadas no decurso do processo administrativo, nos termos do artº 55º, em cujo nº 3 se diz que é competente para decidir do recurso o tribunal previsto no artigo 61.º que decidirá em última instância. ou se não deve ser antes visto como um expediente impugnatório de defesa. Vejamos. Consagrando a necessidade de descriminalização (não desjudicialização, adiante-se já) de determinadas condutas que não se revestiam da ressonância moral característica do direito penal, o legislador português introduziu na ordem jurídica o “direito de mera ordenação social”, definindo o respectivo regime. Tal introdução foi inicialmente efectuada com o DL nº 232/79, de 24 de Julho, que não chegou a entrar em vigor, mas de cujo preâmbulo constava que “para obviar, contudo, a quaisquer perigos ou abusos (...), ressalva-se, sem reservas, um direito de defesa e audiência e um inderrogável direito de recurso para as instâncias judiciais”. O regime (geral) veio a ser definitivamente consagrado através do DL nº 433/82, de 17 de Outubro, entretanto alterado pelo DL nº 356/89, de 17 de Outubro e pelo DL nº 244/95, de 14 de Setembro. Justificando-se a transferência daquelas infracções para aquele novo ramo do direito, haveria que se criar um regime geral, tanto no plano substantivo como no processual - Sobre este assunto, veja-se o acórdão do Tribunal Constitucional, de 12/05/1993, DR, II Série, nº 187, de 11/8/1993, relatado pelo Venº Consº Antero Monteiro Dinis. Diz-se nele o seguinte, exceptuando os sublinhados: Hoje é pacífica a ideia de que entre os dois ramos de direito medeia uma autêntica diferença: não se trata apenas de uma diferença de quantidade ou puramente formal, mas de uma diferença de natureza. A contra-ordenação "é um aliud que se diferencia qualitativamente do crime na medida em que o respectivo ilícito e as reacções que lhe cabem não são directamente fundamentáveis num plano ético-jurídico, não estando, portanto, sujeitas aos princípios e corolários do direito crimina1" (Eduardo Correia, «Direito penal e direito de mera ordenação social», Boletim da Faculdade de Direito, Coimbra, 1973, p. 268)». Mais se consignou em tal aresto: Com o material carreado podemos formular o juízo de que o direito de mera ordenação social pretende ser entre nós um ramo de direito sancionatório público com autonomia legal (...). De tudo o exposto pode dizer-se, acompanhando Figueiredo Dias (...), que são diferentes (...) os princípios jurídico-constitucionais, materiais e orgânicos, a que se submetem entre nós a legislação penal e a legislação das contra-ordenações (...)». E conclui-se: Aqui chegados e adquirido que está a distinta e diversa natureza do ilícito criminal e do ilícito de mera ordenação social, há-de dizer-se que semelhante distinção não deixará de se reflectir no regime processual próprio de cada um desses ilícitos, bem como no "estatuto" dos sujeitos processuais que neles podem intervir. (...) A distinção entre crime e contra-ordenação não esquece que estas duas categorias de ilícito tendem a extremar-se quer pela natureza dos respectivos bens jurídicos quer pela desigual ressonância ética. Mas, tal distinção terá, em última instância, de ser jurídico-pragmática e, por isso, também necessariamente formal., sem prejuízo de se manterem de fora, por excepção, algumas condutas ilícitas com características próprias, como sucedeu, por ex., com as infracções laborais e fiscais. Atenta a natureza do direito de mera ordenação social, a função da sua aplicação teria que caber a órgãos da administração pública, mas garantindo-se sempre, e até por imperativo constitucional (cf. artº 268º, nº 4 da C.R.P.), o direito de impugnação. Como ensina Baptista Machado (Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 148), “todas aquelas questões que são susceptíveis de decisão jurisdicional em sentido material devem, num Estado de Direito, ser deixadas à decisão dos Tribunais ou ser, pelo menos, sujeitas a controle jurisdicional. Pois é justamente a Jurisdição que, não só pela sua imparcialidade e independência, mas ainda pela sua específica competência para (num processo em que a ambas as partes são garantidas todas as possibilidades de alegação e defesa) decidir os litígios do estrito ponto de vista da juridicidade e sem se deixarem influenciar por considerações de qualquer natureza, oferece a maior garantia de objectividade e correcção jurídica da decisão”. Ora, neste particular, conforme se diz no preâmbulo do citado Decreto-Lei nº 232/79, “após algumas hesitações, optou-se por atribuir aos tribunais comuns a competência para conhecer do recurso de impugnação judicial”. Reconhece-se de boamente, acrescenta-se, que a pureza dos princípios levaria a privilegiar a competência dos tribunais administrativos. Ponderadas, contudo, as vantagens e desvantagens que qualquer das soluções irrecusavelmente comporta, considerou-se mais oportuna a solução referida, pelo menos como solução imediata e eventualmente provisória. E isso por ser a solução normal em direito comparado. E ainda por se revelar mais adequada a uma fase de viragem tão significativa como a que a introdução do direito de mera ordenação social representa. Além do mais, afiguram-se mais facilmente vencíveis as naturais resistências ou reservas da comunidade dos utentes do novo meio de impugnação judicial”. O legislador teve perfeitas noções das consequências da inovação introduzida e acautelou a sua minimização através da opção da deferência aos Tribunais comuns da competência para conhecimento das (eventuais) impugnações das decisões das entidades administrativas. E, ao fazê-lo, teria necessariamente que distinguir as fases processuais de cada uma das jurisdições - a administrativa e a judicial - e subordiná-las, no todo, às regras de cada uma dessas jurisdições: na fase administrativa valeria a “ordem jurisdicional administrativa”; na fase judicial valeria a “ordem jurisdicional comum”. Como elemento intermediário de ligação entre as duas jurisdições, foi eleita a figura da impugnação, definindo-se-lhe regras exclusivas que nada têm a ver com os recursos ordinários – cf. artºs 59º a 72º do RGCO. As diversas jurisdições de uma ordem jurídica, apesar de poderem ter pontos substantivos e adjectivos comuns e mecanismos processuais complementares entre si, repelem-se naturalmente umas às outras, reivindicando-se cada uma como um “sistema” próprio. Os domínios dos direitos de defesa e da prova são aqueles em que mais se fazem sentir as exigências próprias da natureza de cada uma das jurisdições, não havendo identidade entre as normas respectivas. Cada jurisdição tem, pode dizer-se, uma morfologia e uma sintaxe jurídicas próprias cuja unidade e autonomia há que preservar. Em coerência, o legislador definiu uma série de preceitos tendentes a acentuar a absoluta autonomia da fase judicial, sem prejuízo do aproveitamento, por economia, mas com o acordo do Ministério Público e/ou do arguido, de elementos processuais da fase administrativa - cf. artºs 64º, nº 2 e 68º. Saliente-se, aliás, que só nestes dois casos é que há alguma ligação à fase administrativa, pois em tudo o mais ela fica totalmente afastada e a própria decisão deixa de subsistir (cf. ac. S.T.J., de 04-07-00), já que não faria qualquer sentido que um “produto” administrativo passasse a ser objecto e a ter relevância noutra jurisdição. Foi exactamente isto que o legislador não quis ao eleger a jurisdição comum como local de conhecimento da impugnação. “Local” e não “instância”, pois, conforme se vem aduzindo, não pode um Tribunal de uma determinada jurisdição funcionar como instância de recurso de outra jurisdição. A primeira atitude denunciadora do corte com a fase administrativa, e que melhor esclarece a resposta à questão aqui em análise, é a da natureza da apresentação dos autos pelo Ministério Público ao Juiz, dizendo expressamente o artº 62º, nº 1 que tal acto vale como acusação. As consequências disto são a aplicação imediata, e salvo no que respeita a regras próprias, das regras do processo criminal - Neste sentido, dizem Simas Santos e Lopes de Sousa, op. cit., 335: “Não se refere neste artº 59.º a necessidade de o arguido indicar no requerimento de interposição do recurso as provas que pretende ver produzidas perante o tribunal, ao contrário do que se prevê expressamente no n.º 2 do artº 213.º do C.P.T., para os processos de contra-ordenações fiscais não aduaneiras. Esta omissão de tal exigência nos processos a que é aplicável o R.G.C.O, parece ter de considerar-se como intencional, designadamente porque não foi incluída neste artº 59º uma referência idêntica à contida naquela norma do C.P.T., apesar de a redacção actual ser posterior à vigência deste Código. Sendo assim, por força do preceituado no n.º 1 do art.º 41.º deste R.G.C.O, será aplicável o regime do processo criminal, em que há a possibilidade de o arguido indicar a prova a produzir na audiência de julgamento nos 20 dias posteriores à notificação do despacho que designa dia para audiência de julgamento (art. 315.º, n.º 2, do C.P.P.).. No artº 59º, nº 3 apenas se exige (mesmo através de acto do próprio arguido, note-se bem) que o recurso deve constar de alegações e conclusões, podendo ou não ser indicada a prova respectiva. O arguido limita-se a manifestar a sua discordância quanto à decisão e a pedir, fundamentando, que o seu caso seja apreciado por via judicial, isto é, noutra jurisdição e não noutra instância. A remessa do processo ao Ministério Público e não directamente ao juiz, anotam Simas Santos e Lopes de Sousa (op. cit., 352), visa possibilitar àquele promover a prova dos factos que considere relevantes para a decisão (artº 72.º,n.º 1, do R.G.C.O.), para além de lhe proporcionar tomar conhecimento do processo em que irá ter intervenção na fase judicial, e apreciar da legalidade da condenação. Ao fazer esta apreciação, o Ministério Público pode chegar à conclusão de que a condenação é ilegal. Porém, não pode deixar de apresentar o processo ao juiz, como resulta dos termos imperativos do n.º 1 deste art. 62.º. Depois da entrada dos autos em juízo - isto é, na fase judicial comum -, tudo decorre de acordo, como já se disse, com as regras adaptadas ao R.G.C.O. e com as do Código de Processo Penal, com a particularidade de a entidade administrativa, nos termos do artº 70º, dever ser notificada da data da audiência e de aí levar “os elementos que reputem convenientes para uma correcta decisão do caso, podendo um representante daquelas autoridades participar na audiência”, ou seja, a autoridade administrativa também pode contrariar a defesa que o arguido apresentar. O mesmo se passa com as impugnações de medidas das entidades administrativas previstas no artº 55º e cujos trâmites têm que ser iguais aos da impugnação da decisão final - Neste sentido, cf. Simas Santos e Lopes e Sousa, op.cit., 316, nota 3.. Assim, e sem que haja necessidade de mais justificações, decorre do exposto que: 1º - Como regime geral, para controlo das decisões administrativas em processos de contra-ordenação, o legislador optou pela jurisdição comum; 2º - Por virtude de tal opção, nem o acto de impugnação equivale a um recurso ordinário nem a jurisdição comum funciona como segunda instância; 3º - Considerando a autonomia e características próprias de cada uma das jurisdições, a passagem da fase administrativa à fase judicial, sem prejuízo de regras próprias do regime geral, potencia a aplicação imediata do regime legal da jurisdição comum, em especial do Código de Processo Penal; 4º - Porém, como se diz no artº 41º, nº 1 do regime próprio, o RGCO, os preceitos reguladores do processo criminal são aplicáveis sempre que o contrário não resulte deste diploma, e, no caso, existe a regra do artº 63º, nº 1 que, repete-se, estabelece que o juiz rejeitará, por meio de despacho, o recurso feito fora do prazo ou sem respeito pelas exigências de forma; 5º - As regras próprias do meio processual de impugnação das decisões das entidades administrativas são as estabelecidas nos artºs 59º a 72º do RGCO, que não prevê a figura da rejeição por manifesta improcedência; 6º - Esta figura é exclusiva dos recursos ordinários, tanto mais que no artigo 73.º, nº 4 do RGCO se diz expressamente, que o recurso seguirá a tramitação do recurso em processo penal, tendo em conta as especialidades que resultam deste diploma e que a deliberação de rejeição exige a unanimidade de votos, ou seja, pressupõe composição colegial do Tribunal. *** No caso em presença, pois, não podia o Mmº Juiz rejeitar o recurso de impugnação nos termos em que o fez, pois a lei aplicável apenas lhe permite os dois já assinalados motivos de rejeição.Esta questão poderia vir a ser ultrapassada, uma vez que, afinal, até houve conhecimento de mérito. Simplesmente, sucede que a decisão teria que ser considerada como proferida por mero despacho e, como não foi observado o disposto no artº 64º, nº 2, sempre haveria que a anular, como, pelos motivos analisados se anulará. Sobre a questão dos efeitos do pagamento da coima, sempre se dirá que, apesar dele ocorrer voluntariamente, pode-se discutir a existência da contra-ordenação quando for aplicada uma sanção acessória, atento o disposto no nº 4 do art.°175° do C. Estrada, que estabelece que o pagamento voluntário da coima não impede o arguido de apresentar a sua defesa, restrita à gravidade da infracção e à sanção acessória aplicável. O pagamento voluntário determina o arquivamento do processo, salvo se à contra-ordenação for aplicável sanção acessória, caso em que, mantendo-se o “arquivamento” quanto à coima, o processo prossegue restrito à aplicação da sanção acessória - artº 172º, nº 5 do Código da Estrada. Por outras palavras, o pagamento voluntário não faz nascer qualquer presunção de comissão indiscutível da materialidade da infracção, mas antes, deixando tal questão arrumada sobre a coima, permite discutir a infracção no que toca à gravidade da mesma, e quanto à sanção de inibição de conduzir, em toda a sua extensão, incluindo sobre a existência ou não da infracção - A devolução ou não da quantia da coima tem a ver, depois, com o regime em que a mesma foi assumida pelo infractor, ou seja, não o será se houve pagamento e sê-lo-á se apenas foi prestada garantia nos termos do artº 173º, nºs 2 e 3 do Código da Estrada.. Saliente-se, até, que no momento do pagamento (ou depósito) da coima, ainda nem sequer existe processo ou procedimento contra-ordenacional, pelo que aquele acto não pode ter reflexos na posterior instauração de processo para aplicação da medida acessória. O pagamento (ou depósito) nas situações em que à infracção é também aplicável sanção acessória mais não é do que, por um lado, um modo de o Estado arrecadar imediatamente a respectiva receita e, por outro, o aproveitamento por parte do indiciado infractor do mínimo da coima aplicável, confiante que está em que lhe é lícito discutir a alegada infracção para efeitos de sanção acessória. Que isto é assim no caso de depósito do montante (mínimo) da coima, parece que não suscitará dúvidas a ninguém. Ora, se em caso de depósito não há “confissão” dos factos, não fazia sentido que tal se considerasse no caso de pagamento imediato, que ocorre, como vimos, no interesse do Estado e do próprio (ainda só) autuado. Aliás, se não fosse possível discutir-se a existência da infracção, estaríamos em face de norma violadora do n.° 1 do artº 32° da CRP e, por isso, inconstitucional já que se estariam a restringir direitos fundamentais. ACÓRDÃO Pelo exposto, acorda-se em se julgar o recurso procedente, revogando-se a decisão recorrida, que deverá ser substituída por outra que designe dia para audiência ou que, para o caso de decisão por simples despacho, observe o disposto no artº 64º, nº 2 do RGCO. Sem custas. * Guimarães, 12 de Julho de 2007 |