Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | ESPINHEIRA BALTAR | ||
Descritores: | LEI INTERPRETATIVA | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 03/06/2008 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | 1 – Nas acções comuns com forma sumária, quando seja suscitada alguma excepção peremptória, o autor pode usar da resposta, nos termos do artigo 785 do CPC.. Se o não fizer, são admitidos por acordo os factos integradores da excepção, que não estejam em oposição com a petição no seu conjunto. 2 – Formulada uma proposta negocial no sentido da alteração dum contrato, se vier a ser aceite pela outro contraente, a proposta vincula as partes logo que chegue à sua esfera jurídica ou seja conhecida a aceitação por parte do proponente, nos termos do artigo 224 n.º 1 do C.Civil. 3 – E só deixa de ser eficaz se porventura o aceitante invocar vícios da vontade como o erro na declaração e provar os seus elementos constitutivos. 4 – A lei interpretativa, por natureza, visa interpretar uma norma existente e que venha a ser revogada pela lei nova. O que a identifica é a solução que apresenta que confirme uma posição já dominante e pacífica na jurisprudência ou na doutrina, quando haja controvérsia sobre uma determinada interpretação; ou consagre uma solução a que a jurisprudência, pelos seus próprios meios, poderia ter chegado no domínio da legislação anterior. 5 – Se a solução encontrada pelo legislador para o caso, perante a nova lei, for no sentido oposto, ou fora dos quadros da controvérsia anteriormente estabelecida e não for possível conseguir-se pelo julgador ou intérprete, então estamos perante uma lei inovadora, que só se aplica para o futuro e não retroactivamente nos termos do artigo 13 do C.Civil. 6 – No caso em apreço a lei não revogou expressamente a anterior e na parte que a atingiu é inovadora. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam em Conferência na Secção Cível da Relação de Guimarães A, residente no Lugar do Pinheiro, Alvelos, Barcelos, intentou a presente acção comum com forma sumária contra Banco B, com sede na Avenida dos Aliados, ..., Porto, pedindo a condenação deste no pagamento da quantia de 3.815,20 euros acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a interpelação judicial para cumprimento – carta registada de 07/12/2006 – e até efectivo e integral pagamento. Subsidiariamente, pede a condenação do R. a pagar os juros desde 03/10/2005 relativos à diferença de spread de 1,3% para 1% que se vierem a liquidar até à sentença, bem como os restantes juros desde 31/10/2006 referente à diferença da penalização. Alega para o efeito que no contrato de mútuo celebrado com a R. para aquisição de habitação foi estabelecida uma cláusula de amortização antecipada de 5%, em violação do estabelecido na lei de 1%, exigindo, portanto a restituição da diferença paga, uma vez que ocorreu tal amortização. Mais alega ainda que lhe foi deferido um pedido de alteração do spread do negócio, não lhe tendo contudo sido paga a respectiva diferença desde a data de tal aprovação. Citado veio o R. contestar, alegando inexistir qualquer obrigação legal que fixe em 1% a comissão por amortização antecipada, não tendo chegado a ser aceite a proposta apresentada pelo A. de redução do spread do contrato, atenta a natureza do contrato de mútuo celebrado. * Foi proferido despacho saneador, onde se afirmou a validade e regularidade da instância, não se organizando a matéria de facto assente e a base instrutória, atenta a simplicidade, em termos de matéria de facto, da acção. * Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento com observância de todo o formalismo legal, tendo no início da mesma o A. liquidado o montante de juros devidos desde 03/10/2005 até á data da audiência em 499,33 euros – cfr. fls. 108 e os termos em que foi admitido o incidente. Após decidiu-se a matéria de facto controvertida pela forma constante do despacho de fls. 111 e segs., que não mereceu qualquer reclamação. A final foi prolatada sentença que decidiu nos seguintes termos: Pelo exposto, o Tribunal julga a acção parcialmente procedente e, em consequência: a) condena o R. a pagar ao A. a quantia que se liquidar em incidente ulterior relativa à redução do spread de 1,3% para 1% nos contratos referidos em a) e b) da matéria de facto provada, com efeitos desde 03/10/2005 e até ao termo dos referidos contratos; b) condena-o ainda a pagar juros de mora sobre a referida quantia desde 07/12/2006 até integral pagamento, á taxa de 4%, sendo aplicável qualquer alteração que venha a ser introduzida à taxa de juro civil; c) absolve-o quanto aos demais peticionado. Custas por A. e R., fixando-se o respectivo decaimento em 2/3 e 1/3. Inconformados com o decidido, o autor e o réu interpuseram recurso de apelação, o primeiro por via principal e o segundo subordinadamente, formulando conclusões. Colhidos os vistos cumpre decidir. Iremos decidir, em primeiro lugar, o recurso subordinado, porque nele é impugnada matéria de facto, o que convém decidir definitivamente, para sabermos quais os factos assentes. A – Recurso subordinado do réu. Das suas conclusões ressaltam as seguintes questões, a saber: 1 – Impugnação na vertente do facto 1.1– Alteração da resposta restritiva para positiva e de negativa para positiva aos artigos 31 e 40, respectivamente, da contestação. 2 – Impugnação na vertente do direito 2.1 – Se os despachos existentes no documento n.º 3 junto com a petição inicial, apostos pelos funcionários do banco réu, são idóneos para revogar o teor da nota 3, expressa nesse documento. 2.2 – Se o autor teve ou era-lhe exigível que não ignorasse que o banco não lhe alterava o spread, face ao erro na declaração. Iremos conhecer as questões enunciadas. 1.1– O réu pretende que sejam alteradas as respostas aos artigos 31 e 40 da contestação, porque incorporam matéria de facto integradora duma excepção peremptório ( erro na declaração suscitada pelo réu na sua contestação) e que não foi objecto de impugnação, uma vez que o autor não respondeu à contestação. Estamos perante um processo comum com forma sumária, que, nos termos do artigo 785 do CPC. o autor pode responder à matéria de alguma excepção deduzida na contestação. E, se o não fizer, os factos integradores das excepções são considerados admitidos por acordo nos termos do artigo 490 n.º 2 do mesmo diploma, desde que não estejam em oposição com os factos articulados na petição inicial, vista no seu conjunto. Pois pode acontecer que a matéria da excepção esteja em contradição com a posição tomada pelo autor na sua petição inicial, pelo que não se justifica responder em termos meramente formais, quando se possa deduzir que existe já uma oposição. No caso em apreço, os artigos 31 e 40 da contestação, que se referem a matéria do conhecimento da essencialidade do erro por parte do declaratário, está em oposição com o vertido nos artigos 10, 11, 12 e 13 da petição inicial. Na verdade, nestes artigos o autor reclama logo, a 21 de Agosto de 2006 que lhe seja creditado na sua conta a diferença do spread e a 6 de Dezembro do mesmo ano dirigiu uma outra carta a formular o mesmo pedido, acrescentando-lhe outro, quando a decisão superior, como consta do documento de fls. 67, foi apenas proferida a 23/08/2006, não se sabendo quando foi comunicada ao autor, porque o réu não o alegou. Mas o certo é que este comportamento está em oposição com o conhecimento ou cognoscibilidade por parte do autor de que o réu não lhe tinha autorizado a alteração do spread. Daí que não se tenha verificado a confissão ficta sobre a matéria dos artigos 31 e 40 da contestação. O que quer dizer que a Relação não pode alterar as resposta aos artigos em causa, ao abrigo do disposto no artigo 712 n.º 1 al. b) do CPC. Não havendo alteração à matéria de facto, vamos dar como assente a matéria da decisão recorrida que passamos a transcrever: 1 – O A. contratou com o R. dois mútuos para aquisição de habitação. 2 – Os referidos contratos de mútuo para aquisição de habitação foram celebrados em 30/04/2004, com os n.ºs 462600167406096 e 462600167984096, com o n.º de conta associado de 22276427001 que o R. classificou com hipoteca, nos termos juntos aos autos, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido. 3 – O prazo dos referidos contratos era de 360 meses contados da referida data. 4 – Os referidos contratos de mútuo prevêem na cláusula 7ª a amortização antecipada, especificando a sua alínea a) “se a amortização ocorrer até ao final do 3º ano de vida do empréstimo, a IC (o R.) cobrará uma comissão de 5% sobre o valor reembolsado”. 5 - Os mútuos subscritos pelo A. não foram em regime bonificado. 6 – Foram enquadrados na campanha “Super oferta Cheque”. 7 – No âmbito dessa campanha foi oferecido ao A. um cheque oferta de 4.500,00 euros. 8 – Verificou-se a amortização total da quantia mutuada ainda em dívida – 177.661,78 euros - por iniciativa do A.. 9 - Em Setembro de 2005, o A. solicitou ao R. a alteração das condições contratuais do crédito à habitação com um spread de 1%, nos termos do documento de fls. 27 e 28 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, que foi aceite pelo balcão do R. em Barcelos, teve parecer favorável da área comercial regional e foi autorizada, em 03/10/2005, pela área comercial competente para a aprovação da alteração. 10 - Por carta do A. de 21/08/2006 o mesmo reclamou ao R. que lhe fosse creditado o valor referente à diferença do spread desde 03/10/2005 (de 1,3% para 1%). 11 - O A. dirigiu à R. a carta referida, nas datas em causa (enviada em 06/12/2006 e recebida em 07/12/2006), e com o teor dela constante. 12 – A gerente do Balcão de Barcelos do R., após a solicitação da redução do spread, apresentou ao A o impresso que consta de fls. 27 e 28 que foi assinado pelo A. e, com a proposta de aprovação das alterações pelo balcão, foi submetido à hierarquia comercial para apreciação da pretensão do A.. 13 – O despacho à proposta apresentada pelo balcão de Barcelos foi de “favorável”. 14 - Compete à Divisão de Gestão de Carteira, integrada na Direcção de Crédito Hipotecário, verificar a conformidade da pretensão da área comercial com os normativos do banco em vigor para proceder ao carregamento informático das alterações aos contratos em vigor. 15 - Esta Divisão, em 23/08/2006 comunicou ao balcão de Barcelos do R. o que consta de fls. 67, cujo teor que se dá por integralmente reproduzido. 16 – Do documento de fls. 27 e 28, consta a nota 3, cujo teor se considera aqui reproduzido “As alterações constantes do presente impresso não são aplicáveis a produtos de campanha (… Super Oferta Cheque…). 17 – Nestas situações previstas na referida nota 3 visou o R. limitar a possibilidade de alterações contratuais quanto ao spread e comissão de reembolso. 18 - Internamente o R. limitou a possibilidade de alterações das condições contratuais nesse produto (super oferta cheque), condicionando-as a uma autorização de nível superior ou à devolução do montante do cheque oferta. 19 – A comunicação de fls. 67 foi levada ao conhecimento do A. pela gerente do balcão do R. em Barcelos. 20 – A gerente do Balcão de Barcelos quando recebeu a proposta assinada exclusivamente pelo A. não se apercebeu do tipo de produto em que se enquadrava o A.. 21 – De igual forma, a hierarquia comercial do banco que apreciou a proposta e despachou favoravelmente não se apercebeu que se tratava de um cliente “campanha”. 22 - Se a gerente do balcão de Barcelos da R. se tivesse apercebido que o A. era um cliente que beneficiara do cheque oferta não apresentaria o documento de fls. 27 e 28, tendo o pedido que seguir outra tramitação, exigindo-se outro tipo de parecer favorável que não apenas o da direcção comercial. 23 – Isto só é explicável por o crédito à habitação ser um produto massificado, com muitas centenas de milhares de clientes no banco e em que, anualmente, desde há vários anos, são postos à disposição do público, diversos produtos ligados a este tipo específico de crédito. 24 - É por existirem produtos de crédito à habitação no banco em que há limitações às alterações contratuais que foi aposta no documento de fls. 27 e 28 a nota 3. 25 – O A. assinou o documento de fls. 27 e 28 com a proposta de redução do spread com as cláusulas dela constante. 26 – O A. exercia funções de promotor do banco R.. 2.1 – A decisão recorrida entendeu que os despachos apostos pelos funcionários do réu, no documento n.º 3, junto com a petição inicial, revogaram o teor da cláusula inserta na nota do mesmo documento. O réu insurge-se contra esta decisão argumentando que a notificação do autor da comunicação da não alteração plasmada no documento 2 junto com a contestação está em oposição com o decidido. Porém, como o refere explicitamente a decisão recorrida, o que está em causa é a autorização expressa no documento 3 junto com a petição inicial, subscrita por funcionários da banco no exercício das suas funções, o que vincula o banco. E este documento, com a declaração nele expressa, produz efeitos jurídicos, porque estamos no domínio duma alteração dum contrato a pedido do autor que formulou uma proposta e que veio a ser aceite, e uma vez comunicada ao proponente ou dele conhecida, vincula as partes nos termos do artigo 224 n.º 1 do C.Civil. O que quer dizer que os contratos de mútuo, nesta parte, quanto ao spread, ficaram alterados a partir da aceitação do réu com as assinaturas dos seus funcionários no exercício das suas funções, que foram apostas em finais a 3 de Outubro de 2005, quando o documento de não aceitação junto com a contestação a fls. 67, está datado de 23 de Agosto de 2006, não se sabendo quando foi comunicado ao autor. O que quer dizer que esta declaração não pode afectar o já aceite no documento n.º 3 junto com a petição inicial, o que nos leva a concluir que não se verifica o disposto no artigo 235 n.º 2 do C.Civil. Para que isso acontecesse, isto é, que fosse revogatória, era necessário que a declaração fosse contemporânea ou chegasse ao conhecimento do autor antes da aceitação, o que não aconteceu. E esta autorização, enquanto válida, produz efeitos jurídicos, alterando, inclusive, o teor da nota 3 inserta no documento em que foi aposta a autorização por parte do banco, através das assinaturas dos seus funcionários. Esta, em face da aceitação da proposta de alteração do spread, deixou de produzir efeitos jurídicos entre as partes. Pois estamos perante uma cláusula anterior formulada pelo próprio banco num impresso da sua autoria, que ele próprio nega, no momento em que declara aceitar a alteração do spread, nas circunstâncias em que o fez. Daí que seja idónea a revogação da nota em causa por parte dos despachos dos funcionários do banco. 2.2 – Face à matéria provada, a decisão recorrida julgou improcedente a excepção peremptória traduzida em erro na declaração por parte do réu, ao abrigo do disposto no artigo 247 do C.Civil, porque entendeu que não ficou provado que o autor conheceu a essencialidade do erro nem lhe era exigível que o ignorasse. O réu insurge-se contra esta interpretação afirmando que o autor conhecia ou devia conhecer a essencialidade do erro para o réu, uma vez que assinou o documento em que consta a nota 3 que refere que o banco não aceitava as alterações propostas a produtos de campanha. Além disso, apoiando-se nas alterações às respostas aos artigos 31 e 40 da contestação, e na posição do autor perante o banco, ( promotor externo), conhecia ou pelo menos não devia ignorar que as alterações propostas não eram aceites, em regra, pelo banco réu, que lhe veio a transmitir através do gerente do balcão de Barcelos. Estes argumentos não procedem porque uma coisa é a regra que está expressa no documento que o autor assinou mas que o réu alterou através da autorização. E só veio a dar o dito pelo não dito cerca de um ano depois, devido a alguma pressão por parte do autor em fazer cumprir o contrato. Em face desta alteração, que lhe foi comunicada, e que veio a exigir o cumprimento da alteração do contrato, não se pode concluir que o autor não devia ignorar o erro. O facto de ser promotor ou agente, não significa que o réu não aceitasse abrir uma excepção. Pelo contrário, tudo leva a crer, que nestas circunstâncias, é possível a excepção, porque daí podem advir mais benefícios comerciais para o réu, com maior empenho de promotor. Seria um prémio ou um investimento, como hoje se fala na gestão empresarial. Assim, teremos de concluir, como o fez o julgador da 1.ª instância, que o réu não provou o erro, a quem lhe incumbia, como excepção peremptória que é, nos termos do artigo 342 n.º 2 do C.Civil, pelo que a declaração expressa no documento n.º 3 junto com a petição inicial, vincula as partes, alterando o spread dos contratos de mútuo. Pois, não houve a alteração da matéria de facto como o réu pretendia, e em face da existente, não pode ser outra a decisão, porque não está provado que o autor conhecia o erro ou devia conhecer, como fora alegado e não provado. B – Recurso do autor. Das conclusões do seu recurso ressalta a questão de saber se o artigo 29 n.º 2 do DL. 349/98 de 11 de Novembro é aplicável ao caso sub judice, por força do DL. 51/2007 de 7 de Março, como diploma interpretativo. A sentença recorrida decidiu no sentido de que a norma do artigo 29 n.º 2 do DL. 349/98 de 11 de Novembro não era aplicável ao caso porque esta contemplava uma situação de crédito bonificado à habitação, quando estamos perante um caso de regime de crédito geral à habitação, em que não está previsto qualquer limite às comissões por amortizações de capital ou transferência do contrato para outra instituição financeira. Além disso, a norma foi revogada pelo DL. 51/2007 de 7 de Março. O autor insurge-se contra esta interpretação, alegando, em síntese, que estamos no domínio dum lei interpretativa, porquanto a nova lei não revogou expressa ou tacitamente a lei antiga, apenas a interpreta no que tange, para o caso que nos interessa, aos limites das comissões no caso de amortização total ou parcial do capital ou transferência para outra instituição de crédito, aplicando-se tanto aos contratos novos como aos existentes, estando o reembolso em questão ainda em litígio, pelo que é de aplicação ao caso sub judice. A primeira questão que se coloca é saber o que é uma lei interpretativa, e qual o seu alcance. A lei interpretativa, pela sua própria natureza, visa interpretar uma norma existente que venha a ser revogada, pela nova lei. Porém, o que a identifica como tal, é a solução que apresenta que confirme uma posição já dominante e pacífica na jurisprudência ou doutrina, quando haja controvérsia sobre uma determinada interpretação. Pois, se a solução encontrada pelo legislador para o caso, perante a nova lei, for no sentido oposto, pondo em causa as legítimas expectativas dos interessados, não estamos perante uma lei interpretativa mas inovadora. E ainda o será interpretativa se “.. consagrar uma solução a que a jurisprudência, pelos seus próprios meios, poderia ter chegado no domínio da legislação anterior”. Se porventura a solução encontrada pela nova lei for fora dos quadros da controvérsia anteriormente estabelecida e não for possível conseguir-se pelo julgador ou intérprete, então estamos perante uma lei inovadora. O que caracteriza e fundamenta a lei interpretativa é a sua justificação retroactiva, porque a sua aplicação não ofende as legítimas e seguras expectativas dos interessados enquanto estes já podiam contar com a solução da nova lei que corresponde a um dos sentidos dominantes e pacíficos da jurisprudência ou doutrina na vigência da lei antiga. Tem aplicação retroactiva, dentro dos limites fixados no artigo 13 do C.Civil ( conferir - Baptista Machado, Sobre Aplicação no Tempo do Novo Código Civil, 1968, Almedina, pag. 285 a 294). Aplicando estes princípios ao caso sub judice, verificamos que o artigo 29 n.º 2 do DL. 349/98 de 11 de Novembro contempla uma situação de amortização antecipada total ou parcial referente a novos empréstimos contratados sobre o regime de crédito bonificado. E, para estes casos, a norma impõe, como limite às comissões ou outros encargos a suportar pelos mutuários, 1% sobre o capital a amortizar, desde que expressamente fixados no contrato. Este normativo visa atingir os créditos à habitação integrados no regime bonificado; que impliquem a constituição de novos créditos e que estejam fixados no contrato comissões para o caso de amortização antecipada do capital. Neste caso é imposto um tecto de 1% sobre o capital a amortizar. Acontece que em mais nenhum preceito deste diploma foi configurado um tecto no que tange às comissões a pagar pelo mutuário no caso de amortização antecipada do capital ou de transferência para outra instituição. O que quer dizer que no regime geral de crédito havia liberdade contratual no que concerne à estipulação de comissões para o caso de amortização antecipada ou transferência do crédito para outra instituição de crédito. E foi esta liberdade no regime geral de crédito, que levou as instituições financeiras a imporem aos mutuários comissões altamente penalizadoras no caso de tomarem a iniciativa de amortizarem o capital mutuado, diminuindo o prazo de vigência do contrato, ou de transferirem o seu crédito para outra instituição bancária. Este comportamento atingiu fortemente a concorrência entre as instituições financeiras e prejudicava os consumidores, pelo que levou a que a entidade reguladora da concorrência concluísse, num parecer que elaborou sobre o assunto, que as comissões fossem um fonte de receita e uma forma de fidelizar os clientes, afectando a concorrência. Em face disto e para uma melhor transparência no sector financeiro, no que tange à formação da TAE, ao cálculo dos juros, à publicidade dos produtos financeiros, comissões e encargos adicionais e promoções, o legislador tomou a iniciativa de intervir através do DL. 51/2007, de 7 de Março. Este diploma visou a sua aplicação a todos os contratos novos como aos existentes à data da sua entrada em vigor. Porém, foram ressalvados os efeitos já produzidos no que concerne ao cálculo da TAE ( taxa anual efectiva) o cálculo dos juros e os reembolsos antecipados já efectuados ( artigo 2.º). E impõe como limite às comissões a cobrar pelas entidades financeiras, no caso de amortização de capital ou transferência do crédito para outra instituição financeira, 0,5% ou 2%, conforme o contrato seja em regime de taxa variável ou fixa, respectivamente ( artigo 6.º). O limite da comissão tem agora a ver com a taxa de juro e não com o regime de crédito. E isto justifica-se porque o crédito bonificado desapareceu do sistema e já se encontrava regulado quanto a este ponto no artigo 29 n.º 2 do DL. 349/98 de 11 de Novembro. Agora o mercado financeiro sobre o crédito à habitação incide sobre contratos com taxas de juros variáveis ou fixas. Daí que o novo regime jurídico tenha tido o cuidado de visar estes contratos. Ponderando as linhas directrizes destes dois diplomas, constata-se que o DL. 349/98 de 11/11 define as regras de acesso e condições do crédito e o DL. 51/2007 de 7/3, regula a transparência e a concorrência das instituições financeiras na publicitação dos seus produtos financeiros, com vista a proteger os consumidores que se encontram sempre, neste segmento do mercado, numa situação de grande fragilidade, face à agressividade da publicidade desencadeada nos meios de comunicação. Estamos perante dois diplomas com objectivos diferentes, apesar de complementares. O mais recente não revogou expressamente o anterior. E, tacitamente, só atingiu o artigo 29 n.º 2 do DL. 489/98 de 11/11. E isto, porque a norma do artigo 6.º impõe-se a todos os contratos existentes, concluídos ao abrigo do DL. 349/98 de 11/11. Porém, a norma revogada aplicava-se apenas aos contratos do regime bonificado e não aos do regime geral. Daí que estando-se no domínio contratual, em que prevalece a vontade contratual e o regime jurídico contratual vigente à data da celebração do contrato, não é de aplicar ao caso sub judice o novo regime jurídico sobre um ponto que não estava previsto no DL. 348/98 de 11/11. Fazê-lo seria encontrar uma solução jurídica que não estava prevista aquando da celebração do contrato e não poderia ser encontrada pelo julgador ou doutrina, em termos normais, pelo que atingiria as legítimas expectativas seguras dos interessados. Não se justifica a retroacção da lei, pelo que somos levados a concluir que a mesma neste ponto é inovadora e não interpretativa. Além disso, a nova lei não abarca os reembolsos antecipados já efectuados, como o refere o artigo 2.º. Ora, quando a lei entrou em vigor, já os reembolsos se tinham consumado. E, como não é uma lei interpretativa, mas inovadora, não se pode aplicar o disposto no artigo 13 do C.Civil. O quer dizer que a situação jurídica em discussão terá de ser resolvida à luz do DL. 348/98 de 11/11, que permitia a fixação livre de comissões no regime de crédito geral. E, dentro do princípio da liberdade contratual, os contratos devem ser cumpridos nos termos em que foram celebrados, desde que não violem a lei. No caso em apreço, não havia limites para as comissões, caso houvesse reembolso antecipado do capital ou transferência de instituição financeira, pelo que a aplicação da sanção por parte do réu ao autor é legítima e não está sujeita a qualquer limite legal. E, se porventura fosse de aplicar o regime jurídico do artigo 6.º do DL. 51/2007 de 7 de Março, então o valor máximo da comissão seria de 0,5% e não o de 1%, com o defende o autor. Em síntese conclusiva: 1 – Nas acções comuns com forma sumária, quando seja suscitada alguma excepção peremptória, o autor pode usar da resposta, nos termos do artigo 785 do CPC.. Se o não fizer, são admitidos por acordo os factos integradores da excepção, que não estejam em oposição com a petição no seu conjunto. 2 – Formulada uma proposta negocial no sentido da alteração dum contrato, se vier a ser aceite pela outro contraente, a proposta vincula as partes logo que chegue à sua esfera jurídica ou seja conhecida a aceitação por parte do proponente, nos termos do artigo 224 n.º 1 do C.Civil. 3 – E só deixa de ser eficaz se porventura o aceitante invocar vícios da vontade como o erro na declaração e provar os seus elementos constitutivos. 4 – A lei interpretativa, por natureza, visa interpretar uma norma existente e que venha a ser revogada pela lei nova. O que a identifica é a solução que apresenta que confirme uma posição já dominante e pacífica na jurisprudência ou na doutrina, quando haja controvérsia sobre uma determinada interpretação; ou consagre uma solução a que a jurisprudência, pelos seus próprios meios, poderia ter chegado no domínio da legislação anterior. 5 – Se a solução encontrada pelo legislador para o caso, perante a nova lei, for no sentido oposto, ou fora dos quadros da controvérsia anteriormente estabelecida e não for possível conseguir-se pelo julgador ou intérprete, então estamos perante uma lei inovadora, que só se aplica para o futuro e não retroactivamente nos termos do artigo 13 do C.Civil. 6 – No caso em apreço a lei não revogou expressamente a anterior e na parte que a atingiu é inovadora. Decisão Pelo exposto, acordam os juizes da Relação em julgar improcedentes as apelações, e, consequentemente, confirmam a sentença recorrida. Custas pelos recorrentes na proporção do decaimento. Guimarães, |