Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | MARIA LUÍSA ARANTES | ||
Descritores: | OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA CONTRADIÇÃO INSANÁVEL DA FUNDAMENTAÇÃO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO DETERMINAÇÃO DA MEDIDA DA PENA | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 12/02/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
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Sumário: | I – Quem empurra outrem, causando-lhe desequilíbrio, sabe que ofende corporalmente essa pessoa, independentemente de lhe causar lesões. II – Existe contradição insanável (art. 410 nº 2 al. b) do CPP) ao dar-se como provado, por um lado, que um empurrão foi dado com o propósito de fazer a assistente sair da zona do corredor de acesso a um gabinete e, por outro, que tal empurrão ocorreu quando a assistente, após sair do gabinete, se dirigia para a porta. Se a assistente já abandonava o local, não era necessário empurrá-la para a afastar dali. III – Em caso de absolvição na primeira instância, concluindo a relação que há lugar à condenação, a pena deve ser aplicada pelo tribunal da primeira instância. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães: I – RELATÓRIO No processo comum (com intervenção do tribunal singular) n.º1374/11.0TAVCT a correr termos no 1ºJuizo Criminal do Tribunal Judicial de Viana de Castelo, por sentença proferida em 16/5/2013 e na mesma data depositada, o arguido José A... foi absolvido da prática de um crime de ofensa à integridade física simples p. e p. pelo art.143.º n.º1 do C.Penal, assim como do pedido de indemnização civil contra si deduzido pela assistente Diana A.... O Ministério Público inconformado com a decisão absolutória, interpôs recurso, extraindo da respectiva motivação, as seguintes conclusões [transcrição]: 1-Quando a assistente se dirigia para a porta de acesso à sala de espera, foi agarrado pelo arguido pelo braço esquerdo e empurrada (facto dado como provado); 2. E, logo de imediato, já na porta de acesso à sala de espera, o arguido abeirou-se da assistente Diana A..., pelas costas e empurra-a, impelindo-a em direcção à sala de espera (facto dado como provado); 3. A assistente Diana A..., assim impelida, em desequilíbrio e descontrolada, vai contra a parede da sala de espera - situada em frente da porta referida em 6. - onde embate com o ombro esquerdo (facto dado como provado); 4. Em consequência dos actos praticados pelo arguido, a assistente Diana A... sofreu algumas dores no braço e ombro esquerdos (facto dado como provado); 5. Tais factos constituem, objectiva e subjectivamente, a prática de um crime de ofensa à integridade física simples, tanto mais que, e conforme dado como provado, quando o arguido agarrou e empurrou a assistente, esta já se dirigia para a porta de acesso à sala de espera. TERMOS EM QUE deverá ser dado provimento ao presente recurso, devendo a douta sentença recorrida ser revogada e substituída por outra em que se condene o arguido pela prática de um crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelo art. 143°, n.º 1 do CP, pena essa que deverá ser de multa. Também a assistente Diana A... interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões [transcrição]: a.O primeiro ponto da matéria de facto não provada deve ser dado como provado, senão vejamos: b. Diz o arguido (Vide CD com gravação da Audiência de Discussão e Julgamento , sessão de 09 de Abril de 2013, registo de 00.00.00 ao 00.24.52), aos 9.38minutos, o seguinte: A- …a senhora faz o favor, saia, a senhora saia, porque assim não chegamos a lado nenhum, não é saio se quiser; é que sai mesmo…. o gabinete é meu! A instrução estou a fazer, está aqui a mais, está a perturbar, a senhora saia…(hãaa e não sei quê) …e então começou a pegar nas coisas e saiu. E eu abri-lhe a porta do gabinete. c. Mais à frente, entre os minutos 18.31m e 18-51m: MP- só um esclarecimento Sr. Doutora…Aqui sobre a situação das portas, e do que terá sucedido…, o senhor ordenou que a Diana A... se retirasse do gabinete e abriu a respectiva porta? A- Exactamente. MP- Como é que se passou aqui…. .Apontou-lhe a porta de saída? A- Abri a porta do gabinete para o corredor…. MP- E ela saiu? A- Saiu! ….. quer dizer, saiu, mas virada para trás… a barafustar…..(18.51minutos) d. A testemunha Júlia C... (Vide CD com gravação da Audiência de Discussão e Julgamento , sessão de 10 de Abril de 2013, registo de 00.00.00 ao 00.20.33) diz, entre os 17.47 m e os 19.43 minutos, a instâncias do Ilustre Advogado do arguido: AA - Durante esse tempo que a porta estava aberta, apercebeu-se, a Dra. Diana respondia? TE - Não(18.55 minutos). Eu acho que ficamos todos bloqueados, AA- Sim, mas vocês podiam estar bloqueados, mas podia-se falar… TE - Da nossa parte não…a única pessoa que falou foi o Dr. José A..., AA- Não da vossa parte… Da Dra. Diana…”estão-me a pôr pela porta fora?” TE - Não, não, não (19.15 minutos). AA - …”por amor de Deus; estou aqui bem” (referindo-se a palavras proferidas pela assistente). TE - Não, não, não, não, não. (19.17 minutos) AA- Não dizia nada? TE - Não. AA - E estava a sair voluntariamente, assim, “vamos embora”? “Deixa-me sair daqui…” ou estava …(19.26 minutos) TE - Eu acho que ela estava numa situação completamente fora do normal, eu acho que ela estava…ficou impotente, perante a situação que tinha acabado de acontecer. AA - Sim, mas saía? (19.37 minutos) TE- Sim. (19.38 minutos) AA - Ou retardava o passo? (19.39 minutos) TE - Não, não, não…, não, não, não.(19.40minutos), e eu ofereci-lhe o telemóvel (….) e. A testemunha Maria M... (Vide CD com gravação da Audiência de Discussão e Julgamento , sessão de 10 de Abril de 2013, registo que 00.00.00 ao 00.35.07) disse dos 11.05 aos 11.24 minutos, a instâncias da Advogada da ofendida/assistente: TE - …sei que eu levantei-me e ela veio atrás de mim. AO - A Dra. Diana veio logo atrás de si? TE - Veio atrás de mim, veio atrás de mim, eu segui e ela veio atrás de mim. (11.24minutos) f. Ou seja, tanto o próprio arguido como as testemunhas Júlia C... e Francelina M... confirmam que a assistente se dirigia para a saída, logo, deve ser dado como provado que a assistente se dirigia para a saída. g. Exactamente pelos mesmos motivos e estribado nos precisos depoimentos vindos de transcrever, deve ser dado como não provado o ponto 10 da matéria de facto julgada provada, porquanto o arguido não necessitava de forçar a saída da assistente, na medida em que esta já estava a sair do local. h. Também o terceiro ponto da matéria dada como não provada haveria de ser dado como provado, como se verá. i. A testemunha Vânia C... (Vide CD com gravação da Audiência de Discussão e Julgamento da sessão de 10 de Abril de 2013, registo de 00.00.00 ao 00.20.08), entre os 2.49m e os 4.14 minutos, na sequência da instância do M.P, diz: TE- ….tem um corredor….exactamente…entre a porta do gabinete dele e a porta da sala de espera, tem um corredor. Foi nesse corredor que ele puxou o braço contra a parede e depois empurrou-a para fora da porta desse corredor, ou seja: para a sala de espera contra a parede, da outra sala (referindo-se à parede já de sala de espera). MP- E a Dra. Diana chegou a bater nessa parede? TE - Na parede. Sim, sim, sim… MP- Recorda-se qual foi o braço que foi puxado? TE - É assim, eu acho que a 1ª vez ele amarrou o braço esquerdo e empurrou-a assim, e depois foi por trás…não sei se no braço, se nos ombros… isso também não conseguia ver, por que ele estava por….. MP- E a Dra. Diana? TE - Foi projectada para a frente, e acho que caiu assim, com o ombro direito na parede, ela amarrou-se num guarda-chuva para se segurar; porque senão tinha mesmo caído, até pelas escadas abaixo…(3.39 minutos) MP- O guarda-chuva que disseram, é o bengaleiro? TE - Sim, o bengaleiro (…) j. A testemunha Júlia C... (Vide CD com gravação da Audiência de Discussão e Julgamento , sessão de 10 de Abril de 2013, registo de 00.00.00 ao 00.20.33) diz, entre os 5.10 e os 5.36 minutos, a instâncias da Advogada da assistente, o seguinte: TE - (…) …. só depois é que vi a porta a abrir-se com brusquidão; a Dra. Diana ser amarrada por um braço e batida contra a parede e depois empurrada para fora, acompanhada de palavras menos dignas… k. Mais à frente, a instâncias da Mma. Juiz de Direito, entre os 17.47 m e os 19.43 minutos, a testemunha refere: JZ - Quando diz que viu o Dr. José A... amarrar a Dra. Diana pelo braço e batê-la contra a parede, é nessa porta? TE- É nessa porta. JZ - Não é no gabinete dele, ou é? TE – Não, naquela, nessa. Aliás eu não sei onde é o escritório do Dr. José A..., onde é o gabinete dele. l. Logo, atentos os depoimentos transcritos das testemunhas Vânia C... e Júlia C..., deverá ser dado como provado que o arguido empurrou a assistente contra a parede. m. O 4º ponto da matéria de facto não provada também teria de ser dado como provado, porquanto: n. O arguido (Vide CD com gravação da Audiência de Discussão e Julgamento, sessão de 09 de Abril de 2013, registo de 00.00.00 ao 00.24.52) disse, entre os minutos 19.25 m e 20.06 minutos: A- ……na porta que dá do corredor para a sala de espera, são 3 metros quer dizer…, de uma porta… MP- Onde diz que a tenha “afastado” é aí… A- ….exactamente. Senhor procurador, da saída, da porta do meu gabinete, à porta que dá para a sala de espera, são cerca de 3 metros, certo? Um espaço de 3 metros …. Vamos ali……ela vai assim, meia de lado, meia a andar (19.48minutos), …., quer dizer…. eu saio a apontar-lhe a porta, não é….. e depois chego à porta da sala de espera…abro a porta, e ela virada, que era uma via para sair (referindo-se à porta da sala de espera), continua…”vou-me queixar”… babab, … “queixe-se a quem quiser, saia”… e então ajudo-a, ajudo-a, chamemos-lhe assim …(…) – 20.05 minutos. o. Também a testemunha Vânia C... (Vide CD com gravação da Audiência de Discussão e Julgamento, sessão de 10 de Abril de 2013, registo de 00.00.00 ao 00.20.08) diz de 2.49m a 4.14 minutos, na sequência da instância do M.P: TE- ….tem um corredor….exactamante…entre a porta do gabinete dele e a porta da sala de espera, tem um corredor. Foi nesse corredor que ele puxou o braço contra a parede e depois empurrou-a para fora da porta desse corredor, ou seja: para a sala de espera contra a parede, da outra sala (referindo-se à parede já de sala de espera). MP- E a Dra. Diana chegou a bater nessa parede? TE - Na parede. Sim, sim, sim… MP- Recorda-se qual foi o braço que foi puxado? TE - É assim, eu acho que a 1ª vez ele amarrou o braço esquerdo e empurrou-a assim, e depois foi por trás…não sei se no braço, se nos ombros… isso também não conseguia ver, porque ele estava por….. MP- E a Dra. Diana? TE - Foi projectada para a frente, e acho que caiu assim, com o ombro direito na parede, ela amarrou-se num guarda-chuva para se segurar; porque senão tinha mesmo caído, até pelas escadas abaixo…(3.39 minutos) MP- O guarda-chuva que disseram, é o bengaleiro? TE - Sim, o bengaleiro (…) p. Afere-se pelo depoimento do arguido que este “ajudou” a assistente a sair da porta que dá acesso à sala de espera e pelo depoimento da testemunha Vânia C... que o arguido empurrou a assistente de tal forma, que se esta não se agarrasse ao bengaleiro, caía pela escada abaixo, escada essa que dá acesso à rua. q. Por conseguinte, deve ser dado como provado que o arguido impeliu a assistente em direcção ao exterior do escritório. r. O mesmo se diga relativamente ao 5º ponto da matéria de facto dada como não provada, porquanto vários testemunhos atestam a intenção do arguido: s. A testemunha Vânia C... (Vide CD com gravação da Audiência de Discussão e Julgamento, sessão de 10 de Abril de 2013, registo de 00.00.00 ao 00.20.08), aos 4.04 minutos do seu depoimento, descrevendo a conduta do arguido: MP - Depois disso? TE - E depois ele disse-lhe “atiro-te pelas escadas abaixo!”, “Dou-te duas chapadas!” “Canalha…vem para aqui lavrar protestos….(…) ” 4.04 minutos t. A testemunha Júlia C... (Vide CD com gravação da Audiência de Discussão e Julgamento, sessão de 10 de Abril de 2013, registo de 00.00.00 ao 00.20.33) diz, dos 5.10 aos 5.36 minutos, a instâncias da Advogada da assistente, que: TE- (…) …. só depois é que vi a porta a abrir-se com brusquidão; a Dra. Diana ser amarrada por um braço e batida contra a parede e depois empurrada para fora, acompanhada de palavras menos dignas… AO- Pode dizer ….. TE – “Sua canalha, não admito que venha para aqui lavrar protestos” e “dou-lhe duas chapadas na cara”; “isto se não te mandar pelas escadas abaixo” foi o que ele disse. Mais nada! (5.20 minutos) u. A testemunha Maria M... (Vide CD com gravação da Audiência de Discussão e Julgamento, sessão de 10 de Abril de 2013, registo de 00.00.00 ao 00.35.07) diz, entre os minutos 1.59 m e os 2.20 minutos, a instâncias do Digníssimo Procurador da República: TE - Começou a discutir com ela, começou a insultá-la, a dizer coisas que eu…dessas coisas não percebia, não é? MP- Podiam não ser insultos…podiam ser palavras… TE – Certas coisas que eu não percebia, só percebi que lhe chamou “canalhenta” (2.10minutos) M.P- Chamou-lhe? TE- Canalhenta. M.P.- Canalhenta?! TE- Canalhenta, Canalha (2.14minutos), e ofereceu-lhe na cara, mas não lhe deu, ofereceu-lhe na cara (2,18minutos) v. Mais adiante, entre os 4.22 e os 5.42 minutos: TE - Eu pus-me a pé, ela pôs-se a pé, estava ao meu lado, assim perto, eu ia na frente e ela ia atrás de mim (5.28m), não, não estava nada, não pegou em nada (….) tinha depois umas escadas a descer, e ele diz que lhe havia de atirar pelas escadas abaixo. w. Os depoimentos das testemunhas Vânia C..., Júlia C... e Francelina M... clarificam que a conduta do arguido foi acompanhada por ameaças de outras ofensas à integridade física, isto é, o arguido disse à assistente que lhe dava duas chapadas e que a atirava pelas escadas abaixo. x. Não pode, pois, deixar de se considerar provado que o arguido tenha agido com o propósito de lesar a integridade física da assistente. y. Exactamente pelos mesmos depoimentos transcritos, deveria ser acrescentado à matéria provada que o arguido disse à assistente que lhe dava duas chapadas e que a atirava pelas escadas abaixo. z. Devia ter sido dado como provado o seguinte facto: Todos quantos a si se referem, fazem-no dizendo tratar-se de uma pessoa séria fiel e cumpridora dos seus deveres para com os tribunais, colegas e constituintes, normas de conduta e princípios pelos quais sempre pautou a sua conduta profissional e pessoal, porquanto: a’ A testemunha Ana C... (Vide CD com gravação da Audiência de Discussão e Julgamento, sessão de 10 de Abril de 2013, registo de 00.00.00 ao 00.16.56), diz TE 8.23minutos - A Dra. Diana é uma pessoa normalíssima, bem disposta, muito bem humorada e normalmente simpatiza com toda a gente, agradável ao trato e onde quer que vá, colegas, amigos com quem trabalha, toda a gente se dá bem com ela. Portanto, não é uma pessoa que ande a arranjar conflitos com colegas e com magistrados, ou com quem quer que seja (…) AO - Algum dia desde que trabalha com a Drª Diana se lembra de algum despique com algum colega? Algum dia chegou ao escritório particularmente agitada? Para alguma reunião? TE- Nada, rigorosamente nada, zero (10.17minutos) TE – (….) 10.47 minutos - Já a conheço desde o estágio, que estagiámos na mesma sociedade, era um colega perfeitamente normal, sem conflitos com ninguém, portanto, isto foi uma coisa completamente inusitada. b’ Devia ser dado como provado que as agressões e ameaças de que foi alvo causaram à assistente, pela sua total, gratuita e deliberada vontade de ofender, fortes sentimentos de injustiça, indignação e repulsa, porquanto: c’ A testemunha Ana C... (Vide CD com gravação da Audiência de Discussão e Julgamento, sessão de 10 de Abril de 2013, registo de 00.00.00 ao 00.16.56), aos 4.03 Minutos diz: TE – (…) ela lá tomou o calmante, mas não consegui parar de chorar, e só perguntava “porquê eu?”; “porque é que isto me aconteceu”; “o que é que eu fiz”, “o que é que eu fiz”. 4. 26 minutos – Chorava e dizia “porquê eu, porquê eu?” 5.32 minutos - Ela é uma pessoa extremamente bem animada e nunca a vi naquele choro, naquele desespero(…) d’ Devia ser dado como provado que o arguido sabia, nem tinha como desconhecer, que através da sua conduta estava a causar dor física e medo à ofendida, como efectivamente causou, pelas seguintes declarações: e’ A testemunha Ana C... (Vide CD com gravação da Audiência de Discussão e Julgamento, sessão de 10 de Abril de 2013, registo de 00.00.00 ao 00.16.56), dos 13.20 aos 13.45 minutos diz: TE - Ela termia como varas verdes. E ficava…nem queria ouvir falar daquilo. Eu percebi…eu já evitava, quando vinha alguma carta de Viana, passava directamente ao Colega que aceitou o substabelecimento, sabia que era correspondência proibida. Não podia passar por ela, que ela ficava descontrolada. Nervosíssima, parecia que revivia tudo (13.45m). f’ A testemunha José M... (Vide CD com gravação da Audiência de Discussão e Julgamento, sessão de 10 de Abril de 2013, registo de 00.00.00 ao 00.05.51, diz: TE : Esta, a chorar…dizia “porque é que isto lhe tinha acontecido a ela”, “ que não tinha feito nada para isto lhe acontecer” 2.13 minutos (….)não compreendia - 3.26 m (…) aliás, ainda agora, ontem, estava a chorar em casa por causa disto, por estar a reviver esta situação toda (3.40 minutos),… acho que nunca vai ultrapassar, porque ficou com medo (3.48minutos) AO- ficou com medo? TE - Ficou com medo, ficou com medo de ir a escritórios de advogados…(…) g’ Existe ainda erro notório na apreciação da prova, nos termos do art. 410º n.º 2 do CPP quanto ao 6º ponto dos factos dados como não provados – Não provado que o arguido soubesse ser proibida e punida por lei tal conduta. h’ Com o devido respeito, é manifesto que a Mma. Juiz a quo apreciou a prova, neste particular, em oposição às regras básicas da experiência comum. I’ Ora, se foi dado como provado que o arguido agarrou a assistente pelo braço esquerdo e empurrou-a, abeirou-se dela pelas costas e empurrou-a, agiu livre, deliberada e voluntariamente e é advogado, j’ Dizem as regras da experiência comum que sabia que tal conduta não é permitida e é punida por lei. k’ Deve, pois ser dado como provado que o arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei. l’ O crime pelo qual o arguido vinha pronunciado era o de ofensa à integridade física simples, nos termos do art. 143º n.º 1 do Código Penal. m’ Entendeu a Mma. Juiz a quo que a conduta apurada do arguido não preenche a tipicidade objectiva do crime de ofensa à integridade simples, nem se encontra verificado o elemento subjectivo para a incriminação do arguido – o dolo, em qualquer das suas modalidades. n’ Em primeiro lugar, não é relevante para a verificação objectiva do crime a intensidade da dor, bastando que o comportamento ofenda o corpo ou a saúde de outrem. o’ O legislador previu textualmente qualquer ofensa no corpo ou na saúde da vítima, independentemente do seu resultado, deixando para a determinação da medida da pena a questão da aferição dos resultados da ofensa, nos termos do art. 71º do Código Penal. p’ Veja-se o Acórdão de uniformização de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça de 18.12.91, publicado na 1ª Série do Diário da República de 08.02.92: “Integra o crime do artigo 142º do Código Penal a agressão voluntária e consciente, cometida à bofetada, sobre uma pessoa, ainda que esta não sofra, por via disso, lesão, dor ou incapacidade para o trabalho.” q’ Está em causa a violação dum direito subjectivo: o direito à integridade pessoal, que é fundamental e está consagrado no n.º 1 do art. 25º da Constituição da República Portuguesa. r’ De facto, se a lei fundamental reconhece incondicionalmente o direito à integridade física, não faz sentido que o legislador ordinário, através do Código Penal, mitigue a protecção conferida ao referido direito e passe a penalizar apenas uma parte dos actos violadores do direito, determinando a criminalização da conduta pela produção dum resultado concreto. s’ No caso dos autos, não só ficou provado que o arguido empurrou duas vezes a assistente, como essa sua acção foi suficientemente forte para a impulsionar contra a parede, onde embateu, provocando-lhe dores, que também foram dadas como provadas. t’ O empurrão voluntário de outrem, não pode deixar de considerar-se objectivamente uma ofensa ao corpo de quem é empurrado, pelo que com a totalidade da matéria de facto dada como provada na sentença recorrida, impunha-se decidir no sentido da verificação do elemento objectivo do crime. u’ A Mma. Juiz de Direito deu igualmente por não verificado o elemento subjectivo do crime, porquanto, embora reconhecendo que o arguido actuou de forma livre, consciente e voluntária, entende que o mesmo não tinha o propósito de molestar fisicamente a assistente, mas apenas o de fazer a assistente sair do seu escritório. v’ Não pode a recorrente concordar, pois, ainda que o arguido tivesse necessidade de forçar a saída da assistente por esta não sair pelo seu próprio pé, o que, como se demonstrou aquando da impugnação da matéria de facto, não sucedeu, mesmo assim estaria preenchido o elemento dolo, sob a forma de dolo necessário. w’ É que se se admitir que o arguido tinha o propósito de fazer a assistente sair do escritório e fechar a porta, ao empurrá-la duas vezes, conforme resulta da matéria dada como provada, sempre representaria que a sua conduta redundaria necessariamente num crime. Y’ Ao praticar os factos da forma descrita, o arguido agiu sem que para tanto tenha ocorrido qualquer causa justificativa, seja de exclusão da ilicitude, seja de exclusão da culpa, nomeadamente do dolo, não podendo, assim, a sua conduta ser considerada penalmente irrelevante. Z’ Como foi amplamente alegado neste recurso, a Mma. Juiz incorreu em erro de raciocínio ao retirar dignidade penal à conduta do arguido, verificando-se, sem mais considerações, notoriamente uma conduta ilícita do arguido, prevista e punida pela lei penal, já que o preenchimento do tipo legal de crime é independente da dor, lesão ou incapacidade para o trabalho. A’’ Também foi erradamente entendido que não existia dolo na conduta do arguido, o que não corresponde à verdade, como já alegado relativamente à absolvição do crime de que vinha pronunciado o arguido, pelo que, por maioria de razão, haveria de estar preenchido o elemento culpa no pedido cível. B’’ Os danos sofridos e provados foram consequência directa e necessária da conduta ilícita e culposa do arguido. C’’ Mal andou o Tribunal recorrido ao absolver o arguido também do pedido cível, quando todos os pressupostos da responsabilidade civil se encontravam preenchidos. Em suma, D’’ É de concluir que o tribunal a quo não valorou de forma criteriosa e adequada a prova em sede de audiência e discussão de julgamento. E’’ Também se conclui que o Tribunal recorrido não aplicou correctamente o direito. F’’ Não o tendo feito, a sentença de que ora se recorre violou o disposto nos artigos 25º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, 143º, do Código Penal, bem como o art. 483º do Código Civil. O arguido respondeu a ambos os recursos, pugnando pela sua improcedência [fls.381 a 382]. Remetidos os autos ao Tribunal da Relação, nesta instância o Exmo.Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, pronunciando-se pela procedência dos recursos, modificando-se a matéria de facto dada como não provada, em matéria provada, não na decorrência duma impugnação ampla da mesma, mas sim por operância duma revista alargada, ante a verificação duma contradição insanável na fundamentação da decisão [fls.390 a 397]. Cumprido o disposto no art.417.º n.º2 do C.P.Penal, não foi apresentada resposta. Colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência. II – FUNDAMENTAÇÃO Decisão recorrida A sentença recorrida deu como provados e não provados os seguintes factos, a que se seguiu a respectiva motivação: « FACTOS PROVADOS: 1- No dia 28 de Setembro de 2011, pelas 9.20 h., no escritório onde desempenha a sua actividade profissional de advogado, sito na Avenida G..., em Viana do Castelo, o arguido procedeu à audição de testemunhas no decurso da fase de instrução de um processo disciplinar para o qual foi nomeado como inquiridor; 2- Nessa diligência a assistente, Diana A..., interveio como advogada da sua constituinte, Vânia C..., contra quem foi interposto o referido processo disciplinar; 3- Cerca das 10.40 h., durante a inquirição da segunda testemunha arrolada, o arguido envolveu-se em discussão com a assistente Diana A..., quando esta decidiu apor uma declaração no auto, em forma de protesto, por entender que o mesmo não continha a totalidade do depoimento prestado; 4- No âmbito dessa contenda verbal, o arguido ordenou à assistente Diana A... que se retirasse do seu gabinete e abriu a respectiva porta; 5- Já do lado de fora do gabinete do arguido, no corredor, quando a assistente Diana A... se dirigia para a porta de acesso à sala de espera, o arguido agarra-a pelo braço esquerdo e empurra-a; 6- E, logo de imediato, já na porta de acesso à sala de espera, o arguido abeira-se da assistente Diana A..., pelas costas, e empurra-a, impelindo-a em direcção à sala de espera; 7- A assistente Diana A..., assim impelida, em desequilíbrio e descontrolada, vai contra a parede da sala de espera – situada em frente da porta referida em 6. -, onde embate com o ombro esquerdo; 8- Em consequência dos actos praticados pelo arguido, a assistente Diana A... sofreu algumas dores no braço e ombro esquerdos; 9- O arguido agiu livre, deliberada e voluntariamente; 10- Ao actuar da forma descrita queria o arguido que a assistente saísse do escritório em causa, pelo menos da zona do corredor de acesso ao seu gabinete; 11- Aquando dos factos referidos supra a assistente Diana A... usava calçado com tacões altos; 12- Imediatamente após os factos referidos em 6. e a saída para a sala de espera da assistente, o arguido fechou a porta do corredor, de acesso à referida sala; 13- Durante a inquirição referida em 3. arguido e assistente discordaram relativamente ao texto do auto de inquirição, e enquanto o arguido dizia à assistente, nomeadamente, “cale-se”, a assistente dizia, nomeadamente, “exijo respeito”; 14- Aquando dos factos referidos em 5. e 6. o arguido abriu a porta de acesso à sala de espera, onde se encontravam a supra referida Vânia C..., a mãe desta e uma outra testemunha arrolada no processo disciplinar; 15- E dizia o arguido à assistente, designadamente, “ponha-se na rua, o escritório é meu”, enquanto a assistente dizia, designadamente, “saio se quiser, respeite-me que sou sua colega”; 16- O arguido chegou a dizer à assistente “não estou para aturar canalha” e a assistente àquele “o Dr. está é habituado a lidar com meninos”; 17- Aquando dos factos referidos em 7. a assistente cambaleou e agarrou-se a um “bengaleiro/porta guarda-chuvas” ali existente, o que evitou que caísse; 18- Os factos descritos foram presenciados pelas pessoas que se encontravam na sala de espera, o que determinou que a assistente se sentisse humilhada, consternada e vexada; 19- A assistente tem cerca de 39 anos de idade e exerce actividade como assessora jurídica e advogada há cerca de 11 anos; 20- Sempre colocou nas tarefas que lhe são confiadas um grande sentido de responsabilidade, seriedade e lealdade; 21- Em consequência do sucedido, sentiu vergonha, durante as semanas seguintes teve dificuldade em dormir e desabafar sobre o assunto, deixou de se sentir segura e descansada no exercício da sua actividade, quando tal implica diligências extrajudiciais, e sentiu-se deprimida e desgostosa; 22- O arguido não tem antecedentes criminais; 23- É casado e tem dois filhos maiores; 24- Vive em casa própria; 25- Exerce a actividade de advogado, auferindo rendimentos de valor não concretamente apurado; 26- Tem como habilitações literárias a licenciatura em direito. * FACTOS NÃO PROVADOS:- Não provado que aquando dos factos referidos em 5. a assistente Diana A... se dirigisse para a saída e o arguido a tenha puxado para o exterior do gabinete, em direcção à sala de espera; - Não provado que os factos referidos em 6. tenham ocorrido só instantes depois dos referidos em 5. e já na sala de espera; - Não provado que aquando dos factos referidos em 6. o arguido tenha empurrado a assistente Diana A... contra uma parede; - Não provado que o arguido tenha impelido a assistente Diana A... em direcção ao exterior do escritório; - Não provado que o arguido tenha agido com o propósito de lesar a integridade física da ofendida e de lhe produzir dores nas áreas anatómicas atingidas; - Não provado que o arguido soubesse ser proibida e punida tal conduta; - Não provados, dos alegados e com relevo, nenhuns outros factos, designadamente, os demais alegados no pedido cível de fls.127 e ss., que aqui, por brevidade, se dão por reproduzidos. * MOTIVAÇÃO:Para formar a sua convicção relativamente aos factos provados e não provados baseou-se o tribunal, para além do correlacionamento de toda a prova produzida: - no teor das declarações do arguido, na parte em que mereceu credibilidade, no confronto com a restante prova produzida, o qual descreveu a sua perspectiva do ocorrido (dizendo a da assistente empolada), como após a discussão gerada, no seu gabinete, pediu à assistente para sair e ela dizia que saía se quisesse, já no exterior daquele, apontou-lhe a porta do corredor (de acesso à sala de espera) e como ela impedia que a fechasse, apenas a afastou para poder fechar a porta, o que logo fez; resumiu o sucedido como tendo sido uma “saída resistente” por parte da assistente; esclareceu sobre alguns aspectos da sua actual situação pessoal; - no teor das declarações da assistente/demandante, que, por seu turno, relatou também a sua versão do acontecido, como discutiram, ela e o arguido, o que ambos iam dizendo, como depois de sair do gabinete do arguido este abriu a porta (do corredor, de acesso à sala de espera) à Srª. Testemunha, começa a dizer-lhe a ela (assistente) ponha-se na rua, a agarra pelo braço esquerdo e a empurra, manda-a para a porta e a empurra pelas costas, dizendo-lhe saia do meu escritório, e ela vai em frente, descontrolada, projectada para a sala de espera, e vai contra a parede em frente e o bengaleiro; referiu que ia de tacões altos, que sentiu dores, que foi uma humilhação à frente dos clientes e ficou em estado de choque, que o arguido depois fechou a porta do corredor à chave, não lhe tendo ela impedido tal fecho da porta e que lhe chamou cobarde depois de ter sido empurrada; - no teor dos depoimentos das testemunhas inquiridas, sendo que: - Ana C..., advogada e colega de escritório da assistente, não assistiu ao sucedido mas foi a ela que a assistente telefonou logo de seguida, descrevendo como a mesma estava descontrolada, só chorava, estava nervosa e, quando chegou ao escritório, não lhe viu marcas, dizendo-lhe só a assistente que lhe doía o ombro; caracterizou a assistente, como era e como se sentiu depois do sucedido, referindo que o que mais incomodou a assistente foi a humilhação e a impotência perante a situação, o estar a ser descredibilizada perante os outros; - Vânia C..., a cliente da assistente que se encontrava na sala de espera do escritório do arguido, que relatou o que viu e ouviu e como a assistente ficou de seguida; - Júlia C..., mãe da cliente da assistente, que ali também se encontrava, que também descreveu a sua percepção do ocorrido; - Francelina M..., a testemunha que estava a ser inquirida então, que referiu o que se recordava da situação, mencionando que o arguido deu um empurrão à assistente e ela ficou quase a cair, desequilibrando-se e segurando-se, tendo o arguido ao mesmo tempo fechado de imediato a porta; - José M..., companheiro da assistente, que descreveu como se sentiu a mesma em consequência; - Sofia Araújo e Sandra B..., advogadas que se encontravam no escritório em causa, nos respectivos gabinetes que ali ocupam, que, nada de concreto tendo visto, relataram o que ouviram, a discussão havida entre arguido e assistente; - Susana C..., advogada, também com gabinete no mesmo escritório, que descreveu o que ouviu e viu, mencionado ter visto a assistente com um guarda-chuva a bater na porta do corredor, tendo sido esta porta depois trancada pela filha do arguido; e, - Mariana A..., filha do arguido, que ali também se encontrava, na recepção, que relatou igualmente a percepção que teve dos factos, como vê a assistente a sair pelo seu próprio pé para a sala de espera, pela porta do corredor que foi aberta pelo pai, dizendo este “o que a Srª. merecia era duas bofetadas”, respondendo-lhe a assistente “atreva-se” e pega num guarda-chuva, com o qual dá na porta do corredor, entretanto já fechada (mas não trancada), mas que ela (testemunha) vai e tranca; e, - no teor dos documentos e fotografias juntos, designadamente de fls.200 e 247 a 252. Tais declarações, depoimentos e documentos indicados, considerando o local onde ocorreram os factos (fotografado a fls.247 e ss. – mormente o corredor, a sala de espera e a porta entre um e outra, a sua respectiva disposição e dimensões), o seu contexto (a discussão então gerada e em curso entre arguido e assistente), a vontade do arguido colocar a assistente fora do escritório (fechando de imediato a porta do corredor e assim terminando a discussão) e a posição em que a assistente ficou, designadamente perante a cliente e as demais pessoas que ali se encontravam (fragilizada e descredibilizada), tudo valorado crítica e conjugadamente, segundo as regras de experiência comum e do “normal”acontecer, levou a que o tribunal se convencesse positivamente quanto aos factos que considerou apurados. De facto, conjugadas as referidas circunstâncias e os relatos feitos, mormente por arguido, assistente e pelas testemunhas Vânia, Júlia e Francelina, todos coincidindo em que houve um empurrão da assistente para a sala de espera (um afastamento, nas palavras do arguido), um consequente desequilíbrio desta e um imediato fecho da porta do corredor de acesso à sala de espera, pretendido pelo arguido (ficando deste modo o arguido de um lado e a assistente do outro, separados pela dita porta), ficou o tribunal convencido de que o arguido actuou pela forma supra dada como apurada, tendo os factos ocorrido no contexto descrito, de discussão entre aqueles, mostrando-se ambos nervosos, ainda mais atenta a posição em que se encontravam, perante os clientes e colegas de escritório, respectivamente. Relativamente aos factos não provados teve o tribunal em consideração, para além do que já resulta do que supra se disse, a ausência de prova segura nesse sentido produzida em audiência, sendo certo que, como se referiu, os factos ocorrem todos, no essencial, no corredor e porta de acesso à sala de espera (e não nesta – onde apenas a assistente entra, em desequilíbrio e, face às reduzidas dimensões da sala, embate com o ombro já na parede contrária, onde também se encontra o porta guarda-chuvas -, nem no gabinete do arguido), não se tendo produzido prova – nem tal resultando com um mínimo de segurança da que se produziu – no sentido de que fosse propósito do arguido, com a sua apurada conduta, causar quaisquer dores na assistente (o que o arguido nem terá perspectivado, antes pretendendo apenas fazê-la sair do seu escritório – da área do corredor de acesso restrito aos gabinetes -, pondo assim termo à discussão entre ambos gerada).» Apreciação Face ao disposto no art.412.º n.º1 do C.P.Penal e conforme entendimento pacífico da jurisprudência, o âmbito do recurso encontra-se delimitado pelo teor extraído pelo recorrente das motivações apresentadas, sem prejuízo da apreciação das questões de conhecimento oficioso, como são os vícios da sentença previstos no art.410.º n.º2 do C.P.Penal. Atentando no recurso interposto pelo Ministério Público, o mesmo assenta na diversa qualificação jurídica dos factos dados como provados, que entende preencherem os elementos objectivos e subjectivo do crime de ofensa à integridade física simples e como tal peticiona a condenação do arguido em pena de multa. Por sua vez, atentando nas conclusões do recurso apresentado pela assistente, as questões suscitadas são as seguintes: -impugnação da matéria de facto, quer através da impugnação ampla da matéria de facto, concretamente os pontos 1, 3, 4, 5 e 7 da factualidade dada como não provada e que deve ser levada à matéria fáctica assente e retirada desta o ponto 10, quer através da revista alargada, invocando o vício do erro notório no que se refere ao ponto 6 dos factos não provados, -qualificação jurídica dos factos, -pedido de indemnização civil. 1ªquestão: impugnação da matéria de facto É consabido que a matéria de facto pode ser impugnada por duas formas: através da impugnação ampla da matéria de facto, nos termos do art. 412.º nº3 e 4 do C.P.Penal ou invocando os vícios do art. 410º n.º2 do C.P.Penal, a designada “revista alargada”. O recurso que impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não pressupõe a reapreciação total dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação da decisão do tribunal a quo quanto aos “concretos pontos de facto” que o recorrente especifique como incorrectamente julgados. Daí que o recorrente tenha de especificar os concretos pontos de facto que considere incorrectamente julgados e as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida. Há casos em que, face à prova produzida, as regras da experiência comum permitem mais do que uma solução. Se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, ela é inatacável pois foi proferida de acordo com o princípio da livre apreciação – art.127.º do C.P.Penal. A garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte este princípio que está deferido ao tribunal da primeira instância, o qual beneficia da imediação e da oralidade, sendo que na formação da convicção do julgador não intervêm apenas elementos racionalmente demonstráveis, mas também factores não materializados e que são imperceptíveis na gravação de um depoimento, como a linguagem gestual. No caso da “revista alargada”, estamos perante a arguição dos vícios previstos nas diversas alíneas do n.º 2 do referido artigo 410.º do C.P.Penal, os quais têm de resultar do texto da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não se podendo recorrer a elementos estranhos ao texto da decisão recorrida. A recorrente impugna a matéria de facto quer por via da impugnação ampla da matéria de facto quer através da revista alargada. Através da impugnação ampla da matéria de facto, a recorrente sustenta que os factos dados como não provados sob os pontos 1, 3, 4, 5 e 7 deviam constar da factualidade assente e o ponto 10 dos factos provados deve passar a integrar a factualidade não provada. Para tanto transcreve, para cada um dos factos que impugna, alguns excertos dos depoimentos do arguido e de testemunhas. O uso pela Relação dos poderes de alteração da decisão da 1.ª instância sobre matéria de facto deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados. No caso em apreço a recorrente não aponta erros de julgamento, limitando-se a invocar excerto de afirmações de algumas testemunhas, mas descontextualizando-as em relação aos factos que impugna. No que se refere ao primeiro ponto dos factos não provados [Não provado que aquando dos factos referidos em 5. a assistente Diana A... se dirigisse para a saída e o arguido a tenha puxado para o exterior do gabinete, em direcção à sala de espera], esquece-se a recorrente que o mesmo tem de ser conjugado com o ponto 5 dos factos dados como provados [Já do lado de fora do gabinete do arguido, no corredor, quando a assistente Diana A... se dirigia para a porta de acesso à sala de espera, o arguido agarra-a pelo braço esquerdo e empurra-a], sendo que este ponto se reporta ao momento em que o arguido empurrou a assistente, momento que, face às declarações do arguido e das testemunhas Júlia C... e Francelina, terá ocorrido já junto da porta de acesso à sala de espera e não à saída do gabinete do arguido. Daí que, embora com uma redacção pouco precisa, tenha sido dado como não provado que a assistente foi empurrada quando se dirigia para a saída, mas esta saída é a do gabinete. Quanto ao ponto 3 dos factos não provados [aquando dos factos referidos em 6. o arguido tenha empurrado a assistente Diana A... contra uma parede], o depoimento da testemunha Vânia C... é claro no sentido de que o arguido agarra o braço da assistente contra a parede, mas é o empurrão a que se faz referência no ponto 6 dos factos dados como provados que, desequilibrando-a, a projecta contra a parede. Não há, assim, prova que imponha uma alteração da matéria de facto no que se reporta ao ponto 3 dos factos não provados. O mesmo se passa em relação ao ponto 4 dos factos não provados [o arguido tenha impelido a assistente Diana A... em direcção ao exterior do escritório], pois o que as testemunhas referem é que o arguido empurrou a assistente no corredor de acesso à sala de espera, tendo esta embatido numa parede, mas não para o exterior do escritório, sendo que este tem de ser entendido como o edifício onde o arguido exerce a sua actividade profissional. No que contende com a factualidade do ponto 7 dos factos não provados, a recorrente não invoca um erro de julgamento, pretendendo tão-só que as afirmações de algumas testemunhas mereçam total credibilidade. Esquece-se, porém, que é ao julgador, não aos sujeitos processuais, que cabe apreciar quais os depoimentos que merecem credibilidade e se o merecem na totalidade ou só parcialmente. «A censura quanto à forma de formação da convicção do Tribunal não pode (…) assentar de forma simplista no ataque da fase final da formação dessa convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção. Doutra forma, seria uma inversão da posição dos personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar, pela convicção dos que esperam a decisão» – Ac. do Tribunal Constitucional n.º 184/2004, de 24.11.2004, in www.tribunalconstitucional.pt Por último, quanto aos ponto 5 dos factos não provados e ao ponto 10 dos factos provados, não são os excertos dos depoimentos transcritos que impõem a sua alteração, sendo antes a nível dos vícios do art.410.º n.º2 do C.P.Penal que os mesmos têm de ser apreciados. Apreciemos, então, os vícios previstos no art.410.º n.º2 do C.P.Penal, aliás, de conhecimento oficioso. Dispõe o art.410.º n.º2 do C.P.Penal: «Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; c) Erro notório na apreciação da prova. O vício da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão ocorre quando, há uma incompatibilidade, insusceptível de ser ultrapassada através do texto da decisão recorrida, entre os factos provados, entre factos provados e não provados ou entre a fundamentação e a decisão de facto. Pode falar-se do vício da contradição insanável «(…) quando, de acordo com um raciocínio lógico na base do texto da decisão, por si ou conjugado com as regras da experiência comum, seja de concluir que a fundamentação justifica decisão oposta, ou não justifica a decisão, ou torna-a fundamentalmente insuficiente, por contradição insanável entre factos provados, entre factos provados e não provados, entre uns e outros e a indicação e a análise dos meios de prova fundamentos da convicção do Tribunal» – Ac.STJ de 13/10/1999, in Colectânea de Jurisprudência – Ac.STJ, ano VII, tomo II, pág.84, relatado pelo Conselheiro Armando Leandro. No caso presente, da simples leitura da sentença recorrida ressalta a contradição insanável entre os pontos 5, 6, 7, 8 e 9 dos factos dados como provados, dos quais consta «5 - Já do lado de fora do gabinete do arguido, no corredor, quando a assistente Diana A... se dirigia para a porta de acesso à sala de espera, o arguido agarra-a pelo braço esquerdo e empurra-a; 6- E, logo de imediato, já na porta de acesso à sala de espera, o arguido abeira-se da assistente Diana A..., pelas costas, e empurra-a, impelindo-a em direcção à sala de espera;7- A assistente Diana A..., assim impelida, em desequilíbrio e descontrolada, vai contra a parede da sala de espera – situada em frente da porta referida em 6. -, onde embate com o ombro esquerdo;8- Em consequência dos actos praticados pelo arguido, a assistente Diana A... sofreu algumas dores no braço e ombro esquerdos; 9- O arguido agiu livre, deliberada e voluntariamente» e o seguinte facto não provado [ponto 5] «o arguido tenha agido com o propósito de lesar a integridade física da ofendida e de lhe produzir dores nas áreas anatómicas atingidas». Se o arguido, livre e voluntariamente, agarrou a assistente pelo braço esquerdo e a empurrou, pelas costas, provocando o seu desequilíbrio, indo embater com o ombro esquerdo na parede, o que lhe causou dores no braço e ombro esquerdos, é uma contradição intrínseca afirmar que não actuou com a intenção de lesar a assistente na sua integridade física. Quem empurra outrem, causando-lhe desequilíbrio, o que demonstra uma actuação com força, violenta, sabe que ofende corporalmente essa pessoa, independentemente de lhe causar ou não lesões. A ofensa no corpo abrange «todo o mau trato através do qual o agente é prejudicado no seu bem-estar físico de uma forma não insignificante» – Comentário Conimbricense do Código Penal, pág. 205 e 207, citando Esser e Maiwald. No caso vertente, o empurrão que o arguido deu na ofendida revela uma actuação violenta e que a atingiu no seu bem estar físico de uma forma relevante, pois o arguido não se limitou a segurar no braço da ofendida de forma a fazê-la sair do corredor de acesso do seu gabinete à sala de espera. E a contradição insanável verifica-se ainda entre os pontos 5 e 6 dos factos dados como provados e o ponto 10 também da factualidade provada. Se nos pontos 5 e 6 se deu como provado que a assistente se dirigia para a porta de acesso à sala de espera e quando já se encontrava junto da referida de porta, o arguido a empurrou, é contraditório afirmar, tal como consta do ponto 10, que o arguido deu o empurrão com o propósito da assistente sair do corredor de acesso do seu gabinete à sala de espera. Se a assistente já estava a dirigir-se para a sala de espera, abandonando a zona do gabinete do arguido, este não tinha de a empurrar para afastá-la daquele local, pois isso era o que a assistente já estava a fazer. A sentença recorrida enferma, assim, do vício da contradição insanável previsto na al.b) do n.º2 do art.410.º do C.P.Penal. Nos termos do art.426.º n.º1 do C.P.Penal, porque se dispõe dos elementos necessários para decidir da causa, este tribunal ad quem elimina o ponto 5 dos factos dados como não provados, o qual passará a integrar o elenco dos factos provados, e o ponto 10 dos factos provados passa a ser incluído nos factos não provados. A decisão recorrida padece também de erro notório na apreciação da prova ao dar como não provado que «o arguido bem sabia que tal conduta era proibida e punida por lei», vício, aliás, invocado pela recorrente. Existe erro notório na apreciação da prova quando, analisada a decisão recorrida na sua globalidade e sem recurso a elementos extrínsecos, é manifesto que o tribunal fez uma apreciação ilógica da prova, em oposição às regras básicas da experiência comum, ou seja, sempre que para a generalidade das pessoas seja evidente uma conclusão diferente daquela a que chegou o tribunal. Trata-se de um erro ostensivo, que é detectado pelo homem médio. No processo penal português vigora o princípio da livre apreciação da prova – art.127.º do C.P.Penal. Exceptuados os casos de prova vinculada, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador. A livre apreciação não significa arbitrariedade, mas antes uma apreciação pautada pelas regras da experiência e conforme com as mesmas. Sucede é que nem sempre a prova é susceptível de apreensão directa, sendo que muitas vezes se infere a partir dos factos probatórios e das regras da experiência comum e da normalidade. É o que ocorre com o elemento subjectivo do tipo. Por pertencer ao foro íntimo de cada um, a menos que o arguido o revele, é necessário deduzi-lo com recurso às presunções naturais (v. Ac.R.Porto de 13/10/2010, proc. n.º900/06.4JAPRT, relatado pelo Desembargador Melo Lima e Ac.R.Guimarães de 6/12/2010, proc. n.º121/09.4TAAVV, relatado pela Desembargadora Maria Augusta) No caso vertente, a partir da objectividade dos factos provados constantes dos pontos 5 e 6 [5- Já do lado de fora do gabinete do arguido, no corredor, quando a assistente Diana A... se dirigia para a porta de acesso à sala de espera, o arguido agarra-a pelo braço esquerdo e empurra-a; 6- E, logo de imediato, já na porta de acesso à sala de espera, o arguido abeira-se da assistente Diana A..., pelas costas, e empurra-a, impelindo-a em direcção à sala de espera], tem de se concluir que o arguido sabia que a sua conduta era proibida por lei. Quem empurra outrem, provocando-lhe desequilíbrio, de forma que embate contra uma parede, sabe que tal conduta violenta não é permitida por lei, tanto mais que, in casu, o arguido é advogado. Como se afirma no Ac.R.Porto de 18/4/2007, proc. n.º0646052, relatado pelo Desembargador Cravo Roxo, «ter consciência da ilicitude é um estado de espírito que terá de resultar e resulta, segundo as fórmulas de normalidade, da compreensão de toda a acção criminosa, objectivada em outros factos de onde a mesma se retira, com a naturalidade que ela representa.» Também neste aspecto concreto, por haver elementos que permitem decidir da causa, altera-se a matéria de facto, eliminando-se o ponto 6 dos factos dados como não provados e passando a integrar o ponto 10 com a seguinte redacção: «O arguido bem sabia que tal conduta era proibida e punida por lei.» Em conformidade com o exposto, a matéria de facto provada da sentença passa a ser a seguinte: 1- No dia 28 de Setembro de 2011, pelas 9.20 h., no escritório onde desempenha a sua actividade profissional de advogado, sito na Avenida G..., em Viana do Castelo, o arguido procedeu à audição de testemunhas no decurso da fase de instrução de um processo disciplinar para o qual foi nomeado como inquiridor; 2- Nessa diligência a assistente, Diana A..., interveio como advogada da sua constituinte, Vânia C..., contra quem foi interposto o referido processo disciplinar; 3- Cerca das 10.40 h., durante a inquirição da segunda testemunha arrolada, o arguido envolveu-se em discussão com a assistente Diana A..., quando esta decidiu apor uma declaração no auto, em forma de protesto, por entender que o mesmo não continha a totalidade do depoimento prestado; 4- No âmbito dessa contenda verbal, o arguido ordenou à assistente Diana A... que se retirasse do seu gabinete e abriu a respectiva porta; 5- Já do lado de fora do gabinete do arguido, no corredor, quando a assistente Diana A... se dirigia para a porta de acesso à sala de espera, o arguido agarra-a pelo braço esquerdo e empurra-a; 6- E, logo de imediato, já na porta de acesso à sala de espera, o arguido abeira-se da assistente Diana A..., pelas costas, e empurra-a, impelindo-a em direcção à sala de espera; 7- A assistente Diana A..., assim impelida, em desequilíbrio e descontrolada, vai contra a parede da sala de espera – situada em frente da porta referida em 6. -, onde embate com o ombro esquerdo; 8- Em consequência dos actos praticados pelo arguido, a assistente Diana A... sofreu algumas dores no braço e ombro esquerdos; 9- O arguido agiu livre, deliberada e voluntariamente, com o propósito de lesar a integridade física da ofendida e de lhe produzir dores; 10-O arguido bem sabia que tal conduta era proibida e punida por lei; 11- Aquando dos factos referidos supra a assistente Diana A... usava calçado com tacões altos; 12- Imediatamente após os factos referidos em 6. e a saída para a sala de espera da assistente, o arguido fechou a porta do corredor, de acesso à referida sala; 13- Durante a inquirição referida em 3. arguido e assistente discordaram relativamente ao texto do auto de inquirição, e enquanto o arguido dizia à assistente, nomeadamente, “cale-se”, a assistente dizia, nomeadamente, “exijo respeito”; 14- Aquando dos factos referidos em 5. e 6. o arguido abriu a porta de acesso à sala de espera, onde se encontravam a supra referida Vânia C..., a mãe desta e uma outra testemunha arrolada no processo disciplinar; 15- E dizia o arguido à assistente, designadamente, “ponha-se na rua, o escritório é meu”, enquanto a assistente dizia, designadamente, “saio se quiser, respeite-me que sou sua colega”; 16- O arguido chegou a dizer à assistente “não estou para aturar canalha” e a assistente àquele “o Dr. está é habituado a lidar com meninos”; 17- Aquando dos factos referidos em 7. a assistente cambaleou e agarrou-se a um “bengaleiro/porta guarda-chuvas” ali existente, o que evitou que caísse; 18- Os factos descritos foram presenciados pelas pessoas que se encontravam na sala de espera, o que determinou que a assistente se sentisse humilhada, consternada e vexada; 19- A assistente tem cerca de 39 anos de idade e exerce actividade como assessora jurídica e advogada há cerca de 11 anos; 20- Sempre colocou nas tarefas que lhe são confiadas um grande sentido de responsabilidade, seriedade e lealdade; 21- Em consequência do sucedido, sentiu vergonha, durante as semanas seguintes teve dificuldade em dormir e desabafar sobre o assunto, deixou de se sentir segura e descansada no exercício da sua actividade, quando tal implica diligências extrajudiciais, e sentiu-se deprimida e desgostosa; 22- O arguido não tem antecedentes criminais; 23- É casado e tem dois filhos maiores; 24- Vive em casa própria; 25- Exerce a actividade de advogado, auferindo rendimentos de valor não concretamente apurado; 26- Tem como habilitações literárias a licenciatura em direito. * FACTOS NÃO PROVADOS:- Não provado que aquando dos factos referidos em 5. a assistente Diana A... se dirigisse para a saída e o arguido a tenha puxado para o exterior do gabinete, em direcção à sala de espera; - Não provado que os factos referidos em 6. tenham ocorrido só instantes depois dos referidos em 5. e já na sala de espera; - Não provado que aquando dos factos referidos em 6. o arguido tenha empurrado a assistente Diana A... contra uma parede; - Não provado que o arguido tenha impelido a assistente Diana A... em direcção ao exterior do escritório; - Não provados, dos alegados e com relevo, nenhuns outros factos, designadamente, os demais alegados no pedido cível de fls.127 e ss., que aqui, por brevidade, se dão por reproduzidos. 2ªquestão:qualificação jurídica dos factos Face à alteração da factualidade provada, dúvidas não restam de que se mostra preenchido o crime de ofensa à integridade física simples, quer no que se reporta aos elementos objectivos quer ao elemento subjectivo. Tendo o arguido incorrido na prática de um crime de ofensa à integridade física simples p. e p. pelo art.143.º n.º1 do C.Penal, impõe-se determinar a medida concreta da pena. Questão que agora se coloca é saber se a determinação da pena relativa a crime pelo qual o arguido havia sido absolvido na 1ªinstância deverá ser proferida pelo tribunal a quo ou pelo tribunal de recurso. A jurisprudência está dividida sobre tal questão: a posição tradicional aplica a pena correspondente ao crime que dá como praticado, sem audição prévia do arguido; outra, remete os autos à 1ª instância para determinação da sanção (v.Ac.R.Guimarães de 4/3/2013, proc.159/11.1GABCB.G1, Ac.R.Guimarães de 11/7/2013, proc.n.º1400/10.3GAFLG.G1, Ac.R.Porto de 5/3/2008, proc.0746287, Ac.R.Porto 2/11/2012, proc. n.º14/12.8TAMTR.P1, Ac.R.Évora de 19/12/2006, proc.1752/06.1, Ac.R.Lisboa de 9/3/2010, proc.1713/06.9, Ac.R.Coimbra de 25/1/2012, proc. n.º291709.8TACBR, Ac.STJ de 11/1/2007, proc.4692/06 – 5ªsecção, todos in www.dgsi.pt; na doutrina, no mesmo sentido se pronuncia Damião da Cunha, O Caso Julgado Parcial – Questão da Culpabilidade e Questão da Sanção Num Processo de Estrutura Acusatória, pp. 409-410.) e uma outra, procede à realização de audiência no Tribunal da Relação e aplica a pena ao crime que dado por praticado (Ac.R.Porto de 2/12/2009, proc.93/08.2, in www.dgsi.pt) Em nossa opinião, e salvo o devido respeito por entendimento diverso, defendemos que em caso de absolvição na 1ª instância e em que a Relação conclui que há lugar à condenação, a pena deve ser aplicada pelo tribunal da 1ªinstância. Desde logo, em obediência ao disposto no art.32.º da CRP, que estabelece como uma das garantias de defesa do arguido o direito ao recurso: «o direito ao recurso em matéria penal (duplo grau de jurisdição), inscrito constitucionalmente como uma das garantias de defesa no art. 32.º, n.º 1, da CRP, significa e impõe que o sistema processual penal deve prever a organização de um modelo de impugnação das decisões penais que possibilite, de modo efectivo, a reapreciação por uma instância superior das decisões sobre a culpabilidade e a medida da pena …» –Ac. S.T.J. 26-9-2007, processo 07P2052, relatado pelo Conselheiro Pires da Graça, in www.dgsi.pt Nos casos em que não é admissível recurso para o STJ, caso fosse o tribunal da Relação a proceder à determinação da espécie e medida da pena concreta era preterido o direito ao duplo grau de jurisdição, uma vez que se retirava ao arguido e ao Ministério Público a possibilidade de ver reapreciada por uma instância superior a decisão proferida em matéria de determinação da sanção, decidindo a Relação essa questão em primeira e última instância. Por outro lado, é esta a solução que melhor se adequa ao nosso modelo – processual e substantivo – de determinação da sanção. A relativa autonomização do momento da determinação da sanção implica que só depois de decidida positivamente a questão da culpabilidade, o tribunal decida sobre a necessidade de prova suplementar com vista à determinação da sanção (cfr art.369º nº2 e 470º, ambos do C.P.Penal) e eventual reabertura da audiência (cfr. art. 371º do C.P.Penal), na qual pode ser necessário, para além do mais, ouvir o próprio arguido. Assim sendo, para além da necessidade de cumprir o princípio do duplo grau de jurisdição, torna-se necessário também o cabal cumprimento das normas de direito processual e substantivo relativas à escolha e determinação da pena, o que implica que deva ser o tribunal de 1ª instância a proferir a respectiva decisão, depois de ponderar sobre a eventual necessidade de reabrir a audiência com produção de prova suplementar. 3ªquestão: pedido de indemnização civil A assistente/demandante insurge-se quanto à absolvição no que se refere ao pedido de indemnização civil. Dado que este tribunal ad quem alterou a matéria de facto, em termos que acarreta a prática pelo arguido de um crime de ofensa à integridade física simples, o tribunal a quo, que se baseou na existência de ilícito criminal, tem de apreciar o pedido de indemnização civil deduzido face à factualidade provada fixada por este tribunal de recurso e que integra o crime de ofensa à integridade física simples. III – DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar parcialmente procedentes os recursos interpostos pela assistente e pelo Ministério Público e em consequência: - alterar a matéria de facto provada e a matéria de facto não provada nos termos supra expostos; -julgar o arguido José A... autor de um crime de ofensa à integridade física simples p. e p. pelo art.143.º n.º1 do C.Penal.. -ordenar que os autos baixem à 1.ª instância a fim do tribunal a quo proceder à determinação da espécie e da medida da pena a aplicar – se necessário após reabertura da audiência e produção de prova suplementar – pelo crime de ofensa á integridade física simples em que incorreu o arguido e apreciar o pedido de indemnização civil deduzido pela assistente com fundamento na prática daquele ilícito criminal. Sem custas. |