Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2156/07-2
Relator: RAQUEL RÊGO
Descritores: HABILITAÇÃO
LEGATÁRIO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/25/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I - A finalidade da habilitação é a de promover a substituição da parte primitiva pelo sucessor na situação jurídica litigiosa, ocorrendo uma modificação subjectiva da instância mediante a legitimação sucessiva do sucessor, enquanto tal, para a causa.
II -Tendo toda a herança sido distribuída em legados, só os legatários sucederam nas relações creditórias de que o de cujus era titular.
III - Consequentemente, é contra eles que deve ser deduzida a habilitação.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães



Não se conformando com a decisão que julgou improcedente o incidente de habilitação intentado contra António R... e Luís R..., dele veio interpor recurso o requerente Banco P..., SA.
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O despacho em crise decidiu que, não sendo possível afirmar que os requeridos tenham sido chamados à titularidade das relações jurídicas da Executada e as tenham aceite, sendo fundamental, para a habilitação, que esse circunstancialismo ficasse apurado, a final julgou improcedente, por não provada, a pretensão formulada por Banco Comercial Português, S.A., Sociedade Aberta e absolvo os requeridos do pedido.
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Nas correspondentes alegações de recurso, a recorrente concluiu nos seguintes termos:

1. A falecida deixou em Testamento, todos os seus bens aos seus sobrinhos;
2. No entanto, estes, enquanto Legatários, apenas sucedem relativamente a bens ou valores certos e determinados, conforme o disposto no n.o 2, do artigo 2030º do Código Civil;
3. Assim sendo, estes nunca poderiam assumir a posição da falecida no que concerne à dívida por esta contraída;
4. Verifica-se, então, necessário apurar quem poderá suceder na posição da falecida;
5. Daí que a Recorrente tenha suscitado o Incidente da Habilitação de Herdeiros contra os ora Recorridos;
6. Fê-lo, porque estes são os seus únicos sucessores, nos termos do disposto no artigo 2133.0, n.o1, aI. c) do Código Civil;
7. O que se pretende com a Habilitação é, justamente, colocar no lugar do falecido os habilitados que sucedam, segundo o direito substantivo, na relação jurídica em litígio, tratando-se, deste modo, do sucessor no direito em litígio;
8. Face ao exposto, afigura-se que os aqui Recorridos são os legítimos sucessores na relação jurídica que a falecida assumiu perante a recorrente, sendo, deste modo, responsáveis pelo integral cumprimento da dívida.
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O Senhor Juíz sustentou o despacho em causa.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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São os seguintes os factos considerados provados na primeira instância:

Em 19 de Julho de 2004, faleceu a Executada Maria R..., filha de Adão R... e de Maria MR, solteira, com 75 anos de idade, sem cônjuge, descendentes nem ascendentes (cfr. fls. 36 dos autos principais).
Em 8 de Novembro de 1930, nasceu António R..., estando registado como filho de Adão R... e de Maria MR (cfr. fls. 4 dos autos).
Em 26 de Março de 1953, nasceu Luís R..., estando registado como filho de Adão R... e de Maria MR (cfr. fls. 5 dos autos).
Por testamento redigido em 17 de Dezembro de 2002, no Primeiro Cartório Notarial de Braga, a Executada Maria CR instituiu legatários do seu património os seus sobrinhos Joana e Filipe, filhos do seu irmão Luís R..., e Rodrigo (cfr. fls. 28 e seguintes dos autos).

Para a decisão do incidente, há, ainda, a considerar, ao abrigo do estatuído no artº 712º do Código de Processo Civil, o seguinte:
Pelo requerente da habilitação, foi dada à execução uma livrança na qual a executada apôs a sua assinatura, no respectivo verso, após a expressão ”dou o meu aval à subscritora”.
Na mesma, invoca o exequente a falta de pagamento por qualquer dos obrigados, incluindo a aludida Caetana.
A herança da falecida foi totalmente distribuída em legados e nessa distribuição não constam os requeridos da habilitação.
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Presente esta factualidade, há que aplicar o direito.

Conforme é dito na decisão recorrida, a habilitação referida nos artigos 371º a 377º do Código de Processo Civil, implica a modificação da instância quanto às pessoas, ou seja, a substituição de alguma das partes na relação substantiva em litígio por sucessão ou por acto entre vivos (cfr. art. 270º, al. a), do CPC).
Como se refere no Ac. da Rel. do Porto de 30.10.2003 (Col. Jur. Ano XXVIII, Tomo IV, pag. 194), sobre o que se pretende com a habilitação, vem sendo entendido que com ela se visa colocar no lugar do falecido os habilitados que sucedam, segundo o direito substantivo, na relação jurídica em litígio, tratando-se, por isso, do sucessor no direito em litígio; procura-se, assim, averiguar quem são os sucessores do falecido relativamente ao direito ou obrigação que constituem objecto da acção.
A finalidade da habilitação é, segundo Lebre de Freitas (Cod. Proc. Civil Anotado, I, 635), promover a substituição da parte primitiva pelo sucessor na situação jurídica litigiosa, ocorrendo uma modificação subjectiva da instância (artº 270º, al. a), do C.P.C.), mediante a legitimação sucessiva do sucessor, enquanto tal, para a causa.
A sua eficácia circunscreve-se ao processo em que é deduzida, visto respeitar à determinação da parte processual.
Para Castro Mendes (Direito do Processo Civil, ed. 1980-2, pag. 234), chama-se habilitação à prova da aquisição, por sucessão ou transmissão, da titularidade dum direito ou complexo de direitos, ou doutra situação jurídica ou complexo de situações jurídicas.
Sendo assim, como é, lembre-se que estatui o artº 2097º do Código Civil que os bens da herança indivisa respondem colectivamente pela satisfação dos respectivos encargos.
São encargos da herança, de acordo com o artº 2068º, as despesas com o funeral e sufrágios do seu autor, os encargos com a testamentaria, administração e liquidação do património hereditário, o pagamento das dívidas do falecido e o cumprimento dos legados.
Porém, preceitua, por sua vez, o nº1 do artº 2098º que, efectuada a partilha, cada herdeiro só responde pelos encargos em proporção da quota que lhe tenha cabido na herança.
A lei é explícita ao estabelecer regimes diferentes para a liquidação dos encargos da herança conforme esta se mantenha ainda indivisa ou tenha sido já partilhada.
É o seguinte o sumário do acórdão da Relação do Porto de 04/11/1977, in BMJ, nº 273, pág. 322:
“Se os herdeiros já se encontram determinados (embora a herança não esteja partilhada), aqueles são os representantes da herança, porque tal qualidade é-lhes conferida pelo artigo 2091.° do Código Civil. E daí que possam ser demandados par dívidas do de cujus, sendo, pois, partes legítimas em acção destinada à respectiva cobrança. Outro problema distinto é o de saber como, determinados os herdeiros, se devem liquidar os respectivos encargos. E aqui tem de se distinguir dois momentos: antes da partilha, os bens respondem colectivamente pela sua satisfação (artigo 2097.°); depois da partilha, cada herdeiro responde só pelos encargos na proporção da quota que lhe couber na herança, podendo até os herdeiros deliberar sobre a forma de efectuar esse pagamento (artigo 2 098.°)”.
A herança indivisa constitui um património autónomo ao qual a própria a lei [artº 6º, al. a) do CPC] atribui personalidade judiciária, enquanto a herança já partilhada deixou de existir como património autónomo, dissolveu-se ou diluiu-se nos patrimónios dos herdeiros, passando cada um dos bens que a integraram a confundir-se com os demais bens do herdeiro a quem foi adjudicado.
Após a partilha deixa de fazer sentido aludir a bens da herança, pois cada um desses bens entrou na esfera jurídica patrimonial do herdeiro a quem coube, perdendo qualquer ligação à herança que, enquanto património autónomo, deixou de ter existência jurídica.
As obrigações dos herdeiros da herança partilhada perante os credores não são solidárias, pois nada na lei impõe tal solidariedade (artºs 513º e 2098º).
Por isso, não é ao credor permitido exigir a cada herdeiro mais do que a proporção da sua quota na herança, nem assiste ao herdeiro, que porventura pague mais do que aquela proporção, direito de regresso contra os demais herdeiros (artº 524º).
Daí que, como salienta o referido Ac. da Rel. do Porto de 30/10/2003, é ao direito substantivo que devemos ir buscar a solução para se apurar quem substitui o de cujus na relação substantiva que integra o objecto do processo, sendo, por isso, em sede do incidente de habilitação que se deverá decidir a questão da legitimidade substantiva para se ingressar na posição da parte falecida.
No caso dos autos, sabemos que toda a herança da falecida Caetana foi distribuída em legados e os requeridos não foram constituídos legatários, sendo apenas irmãos daquela.
Nada tendo recebido, não são responsáveis pelas dívidas desta, como cremos ser inquestionável.
O mesmo não se passa quanto aos respectivos legatários.
É que, relativamente a estes, estabelece o artº 2277º do Código Civil que, se a herança for distribuída em legados, são os encargos dela suportados por todos os legatários em proporção dos seus legados, excepto se o testador houver disposto outra coisa.
Foram, portanto, os legatários que sucederam nas relações creditórias de que a de cujus era titular passivo, o mesmo não ocorrendo no que respeita aos seus irmãos.
Andou, pois, bem o Tribunal a quo.
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Decisão:

Nestes termos, acordam os juízes que constituem esta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em negar provimento ao agravo e confirmar a decisão recorrida.

Custas pelo agravante.

Guimarães,25 de Fevereiro de 2008