Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | MARIA PURIFICAÇÃO CARVALHO | ||
Descritores: | EMPREITADA CONSUMO | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 04/14/2016 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE/PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | a). O “uso não profissional” é algo que “por defeito” pode/deve ser atribuído à dona da obra a propósito do qual não há qualquer indício dum “uso profissional”, traduzindo-se a obra na construção de uma moradia para habitação permanente; por outro lado, o “carácter profissional” é algo que pode/deve ser atribuído ao empreiteiro (o réu marido) que exerce com carácter profissional a actividade económica (no sector a que a obra diz respeito). b). Estamos, pois, perante uma relação de consumo (cf. art.º 2.º/1 da LDC 24/96); mais exatamente, perante uma relação de consumo que preenche o subtipo de empreitada de consumo. | ||
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Decisão Texto Integral: | - ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES – Relatório A acção declarativa de condenação, com processo comum acima identificada foi intentada por Maria M, com residência habitual em Rue Olivier de Serres, 750 – 15, Paris, França contra Faustino S e esposa Maria S, respectivamente, construtor civil e doméstica, com residência no Lugar de Alvarelhos, Valpaços, pedindo que: - Os réus sejam condenados a aceitar a resolução do contrato de empreitada celebrado com a autora, relativamente à construção da casa melhor identificada no artigo 1ºda petição inicial, sem defeitos e conforme projecto e memória descritiva aprovada pela Câmara Municipal de Chaves; - Os réus sejam condenados a pagar à autora, a título indemnizatório, a quantia de € 51.000,00, acrescida dos respectivos juros legais vencidos e vincendos a contar da citação até integral e efectivo pagamento. Como causa de pedir, a autora alegou, em síntese: - que é dona de uma casa de habitação que descreve, em relação à qual celebrou um contrato de empreitada com o réu marido, através do qual acordaram a construção daquela casa, conforme projecto e memória descritiva e justificativa apresentada na Câmara Municipal; o réu ficou encarregue de executar o respectivo projecto, mediante o pagamento por parte da autora da quantia de € 160.000,00; os réus quiseram dar a obra por terminada, mas a mesma apresenta defeitos e trabalhos incompletos, não respeitando o projecto e memória descritiva; os réus aceitaram e prometeram rectificar os defeitos da casa, mas nunca o fizeram, acabando por aceitar que seja outro empreiteiro a corrigir os defeitos; a autora pediu a outro empreiteiro um orçamento para eliminação dos defeitos e acabamento dos trabalhos, o qual ascende ao valor de € 51.000,00, quantia que a autora pede a título de indemnização, para além da resolução do contrato. Regularmente citados, os réus vieram contestar, por impugnação, para além de deduzirem reconvenção. Nesta alegam que está em dívida a quantia de € 30.000,00 referente ao contrato celebrado entre as partes; que foram realizados, a pedido da autora, trabalhos a mais que não estavam orçamentados, nomeadamente os muros de vedação, garagem e anexo, trabalhos de montante não inferior a € 30.000,00; e que foram feitas algumas alterações a pedido da autora, designadamente a colocação de focos de halogéneo e a alteração da madeira das portas de mogno para castanho, pedem que a autora seja condenada a pagar-lhes a quantia de € 77.981,70, acrescida de juros vincendos à taxa comercial aplicável, sobre o capital, desde a notificação da reconvenção até efetivo pagamento. No demais além de impugnar a factualidade alegada pela autora alegam que: A autora sempre acompanhou o andamento dos trabalhos, fez exigências, quis alterações e quando os RR exigiram o pagamento do valor final (que se obrigou a pagar com a realização da escritura de compra e venda) no montante de 30 mil euros a autora em 24 de abril de 2008 remeteu missiva a exigir a regularização dos pontos em falta Os RR pretenderam corrigir todas estas situações, mas nada nessa altura satisfazia a autora. Pretendia a autora que lhe fossem entregues as chaves e que os trabalhos fossem realizados por outro empreiteiro. Os RR ainda procuraram uma solução que lhes permitisse receber o devido, disponibilizaram as chaves de casa reservando-se o direito de não concordar com o orçamento que viesse a ser apresentado. Referem ainda que aquando da celebração do contrato promessa de compra e venda a casa a que a autora alude no artº1 do seu articulado já se mostrava edificada. Encontrando-se o “esqueleto” concluído. Nenhuma observação ou exigência foi feita pela autora quanto á estrutura ou “esqueleto” da casa. A partir de agosto de 2004 os acabamentos da casa da habitação foram sendo realizados de acordo com os gostos e a vontade da autora. Algumas das alterações ao projecto inicial foram suportadas pela autora e outras (menores e que importavam menos custos) foram realizadas pelos RR sem quaisquer custos adicionais para a primeira. Foi apresentada réplica onde, além do mais, se pugnou pela procedência do pedido formulado em sede de petição inicial e pela improcedência da reconvenção. Dispensada a audiência preliminar, foi elaborado o despacho saneador, admitida a reconvenção e seleccionada a matéria de facto provada e a provar (fls. 144 a 152). Em sede de instrução foi efectuada perícia colegial (fls. 187 a 219) com esclarecimentos que constam de fls. 384 a 388 e 418 a 422 e perícia à letra relativa à assinatura aposta no documento de fls. 357 dos autos. Realizou-se a audiência de julgamento na qual foi alterada a base instrutória nos termos que constam do despacho de fls. 446 (alterada a redacção do artº 22 da BI e acrescentado o facto nº 23), ouvida a prova indicada e ainda foram ouvidos em declarações a autora e o réu. No final foi proferida a seguinte sentença: Por tudo o exposto: 1º- Julgo a presente acção parcialmente procedente, por provada, pelo que: a) condeno os réus a aceitar a resolução do contrato de empreitada celebrado com a autora, relativamente à construção da casa melhor identificada no artigo 1º da petição inicial; b) condeno os réus a pagarem à autora, a título indemnizatório, a quantia de € 9.000,00 (nove mil euros), acrescida de IVA à taxa legal em vigor, relativa à reparação dos defeitos que a obra apresenta, bem como de juros de mora desde a citação; c) absolvo os réus da parte restante do pedido. 2º- Julgo parcialmente procedente a reconvenção formulada, pelo que condeno a autora/reconvinda a pagar aos réus a quantia de € 34.100,00 (trinta e quatro mil e cem euros), descontada do valor que se vier a apurar em liquidação de sentença, relativo ao custo dos trabalhos não realizados e discriminados no número 27 dos factos provados, acrescida de juros à taxa legal desde a notificação da reconvenção, absolvendo a autora/reconvinda da parte restante do pedido reconvencional. 3º- Custas da acção e da reconvenção a cargo da autora e dos réus, na proporção do decaimento. 4º- Registe e notifique. As partes não se conformam com esta decisão impugnando-a através de recurso, pretendendo vê-la revogada. Os recursos foram admitidos como de apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo. Apresenta a Autora as seguintes conclusões: 1. Chegados aqui, teremos de expressamente enunciar os pontos de contacto e de divergência que nos unem ou separam relativamente a douta Sentença. 2. Na verdade, a primeira e grande divergência, como não poderia deixar de ser, tem a ver com duas alterações à obra as quais não teriam do nosso ponto de vista de ser dadas como provadas, após a análise critica à Prova Testemunhal/documental acima melhor escalpelizada. 3. Referimo-nos, concretamente, ao encerramento das duas Janelas dos Quartos de dormir no primeiro andar, bem como ao cúmio do telhado que cobre a parte de entrada do R/C, o qual, em vez de ser construído numa só linha direta à parede exterior do 1º andar, teria, ao contrário, de respeitar, obviamente, o Projeto e as próprias Telas Finais, (as quais, ainda que com elas não se concorde, pois como se pretendeu provar, foram obra e iniciativa dos R.R.). Isto é: esse cúmio deveria chegar a essa parede da forma ou linha horizontal cf. previsto naquele projeto e, até, nas telas finais …. Outrossim; - Em relação as duas janelas teremos de ser colocadas perante tal eliminação dessas estruturas como o senso comum se colocaria em igualdade de circunstâncias, e, de acordo com a prova abundantemente trazida aos autos acima mencionada/transcrita, emergindo, desde logo, a questão: Será normal que o dono de uma obra mande o empreiteiro fechar duas janelas que são vitais e encontram-se, cada qual em aposentos de uma moradia unifamiliar que mais necessita desse género de aberturas, não só para entrada abundante de ar, luz, mas também para que os seus utilizadores possam “in casu “desfrutar da paisagem para a cidade de Chaves e toda a veiga que circunda esta localidade, como nos diz a testemunha Manuela M? - É salvo melhor opinião, esta conclusão lógica/dedutiva a mais do que justificável (para já não falar da prova testemunhal). Por isso, não se crê qualquer razão para não se ter dado como provado este facto, e, da douta Sentença resultar em relação a ele, obrigação de indemnizar no valor estimado/orçamentado para a correção e acabamento desta valiosa estrutura. 4. O segundo facto, tem a ver como acima se disse em relação ao cúmio do referido telhado que se encontra em discordância com a Prova testemunhal e documental produzida. - Efetivamente, se dúvidas restassem (e, não restam), o telhado deveria /deverá ser alterado por vários motivos, a saber; 1º Não está de acordo com Projeto inicial (dado como provado), nem mesmo com as telas finais (que do ponto de vista da A., são da autoria exclusiva dos R.R.). 2º Logo, se os R.R. entendem que o cúmio deveria manter a configuração dada na obra em contrario ao previsto no projeto e telas finais, bem como da prova Testemunhal ouvida, Sr. Amílcar, esposa e irmão da A., dúvidas não nos restam que o mesmo deverá ser retificado, até para evitar outros danos acessórios, designadamente não permitirem que a pequena abertura lateral, a cerca de 1,5m de altura do soalho desse quarto, bata nesse telhado/cúmio, de forma manifestamente ilógica, descontrolada, inestética e mesmo perigosa. Facto não aceitável aos olhos do comum mortal! - Este facto é indesmentível e, muito sinceramente não vemos qualquer motivo para não constar dos factos descritos sob o nº 27, para efeitos de posterior avaliação. - O mesmo vale, pois, dizer relativamente à necessidade de devolver as duas janelas aos dois quartos superiores do 1º andar, pois sem elas, tais aposentos não estão completos, faltando-lhe, a par dos roupeiros (o que está provado) uma infraestrutura da maior relevância para seu uso. - Se assim tivesse decidido estamos cientes de que, a douta Sentença, para além doutros aspetos que por motivos legais/Processuais não já discutíveis, nesta fase, seria mais justa e adequada ao caso concreto. - O que, expressamente, se requer seja alterada, passando a fazer parte do nº 27 da douta Sentença estes dois factos os quais, além de provados testemunhalmente, também em termos documentais não temos qualquer dúvida que os mesmos emergem claramente dessa Prova. Assim se decidindo agora será feita a Justiça possível no caso concreto. Finalmente, em suma: 1. Da prova testemunhal e Documental, cf., acima acabado de dizer em conclusão, resulta claro que os R.R. não deveriam ter fechado as duas aberturas/janelas previstas no Projeto inicial que servem os dois quartos/Poente no 1º Andar. 2. Ao fazê-lo, recusando-se a corrigir essa alteração cf. douta Sentença, os R.R. deverão ressarcir a A. com o valor dessa retificação à obra, seja, com a devolução material dessas duas janelas à obra, dotando esses quartos dessas valiosas estruturas, evitando-se os consequentes prejuízos, quer para a obra enquanto tal (inestética), quer quanto a valorização e para os utentes desse imóvel de uma forma geral. 3. Outrossim, deve esse Venerando Tribunal proceder a alteração da matéria de facto dada como provada relativa aos 4100,00 euros, já que essa importância se incluiu no orçamento inicial no montante de 160.000,00 €uros, cf. prova testemunhal acima mencionada. 4. Do mesmo modo, recusando-se os R.R. a devolver ao telhado mencionado no nº 26 da douta Sentença, a configuração em cumeeira horizontal, cf. previsto no projeto, bem como nas Telas finais, incorreram eles na prática incorreta da execução dessa obra, e, encontrando-se este facto provado por documento e prova testemunhal arrolada pela A., deverá tal facto ser transferido do nº 26 para o nº 27 como nos parece de elementar Justiça. Termos em que, decidindo-se cf. Conclusões supra, isto é, passando a constar do nº 27 da Sentença os dois supra descritos factos, com base ou fundamento nas provas (testemunhal e documental) constante nos Autos e, que para nós é indesmentível, farão V. Exª. Venerandos Desembargadores a acostumada JUSTIÇA. Considerou este Tribunal que nestas conclusões não se encontrava retratada a questão exposta na motivação referente ao facto “de que as obras impedirem a autora de habitar a casa” que foi considerado não provado e convidou a recorrente a completar as conclusões o que esta fez nos seguintes termos: a) - Os defeitos das obras doutamente relacionadas no artº 24 dos factos provados b) - Bem assim, os trabalhos previstos no projeto que faltam realizar descritos no n° 27 dos factos provados da douta Sentença, em sintonia com; c) - O Relatório Pericial dado como provado, e, as declarações esclarecimentos dos Peritos prestados em audiência de julgamento, fls. 187 a 219 e 384 a 388 e 418 a 422 dos Autos, e, ainda; d) - A atenção a dar às respostas escritas pelo Peritos, ao quesito 53 apresentado pela A., e, ao quesito da alínea h) formulado pelos próprios RR só podem levar a Prova do facto de que: e) -" a falta das obras mencionadas, dadas como provadas impedem a autora de habitar a casa”. O que se requer agora seja provado decidido e retificado na douta sentença, como é de elementar Justiça. Os réus apresentam as seguintes conclusões: 1. O presente recurso justifica-se pelas seguintes razões: a) os Recorridos/Apelados podem pedir a resolução do contrato de empreitada? b) podem os Recorridos/Apelados pedir, em simultâneo, a resolução do contrato de empreitada e o pagamento, a título indemnizatório de um montante que corresponda ao total da obra a realizar para acabamentos e correção de defeitos? c) apurado o custo de um determinado trabalho – no caso, no montante de € 4100, acrescido de IVA à taxa legal – pode o Tribunal a quo condenar a parte no pagamento sem o imposto? d) existe fundamento, legal, para condenar os, aqui, recorrentes/Apelantes a descontar o valor que se vier a apurar em liquidação de sentença, relativo ao custo dos trabalhos não realizados e discriminados no número 27 dos factos provados? 2. O artigo 1222º. Cód. Civil estabelece que, não sendo eliminados os defeitos, o dono da obra pode exigir a redução do preço ou a resolução do contrato, embora neste caso, apenas se os defeitos tornarem a obra inadequada ao fim a que se destina. 3. Não resultou provado que os, eventuais, defeitos que a obra apresenta e que estão elencados no nº. 24 dos factos provados, tornam a obra inadequada ao fim a que se destina. 4. Resultou não provado que as mencionadas obras impedem a autora de habitar a casa; ou seja, a casa reúne condições de habitabilidade, dispõe de licença de utilização e pode ser habitada. 5. Pelo que, não pode o Tribunal a quo dar acolhimento à pretensão da Recorrida/Apelada e optar pela resolução do contrato de empreitada. Antes, deveria a parte ter requerido, em momento oportuno, a redução do respectivo preço, em conformidade com o preceituado nos artºs1222º. e 884º. do Cód. Civil. Acresce que, 6. Nos termos do disposto no art. 186º nº. 2, al. c) do C.P.C., a petição é inepta quando se cumulem pedidos, substancialmente, incompatíveis. 7. A Recorrida/Apelada formula os seguintes pedidos: a) a resolução do contrato de empreitada que celebrou com os Recorrentes/Apelantes, b) e simultaneamente, um valor indemnizatório destinado a reparar/concluir a obra. 8. Salvo melhor opinião, estamos na presença de pedidos substancialmente incompatíveis, entre si, pois tais pedidos estão numa relação de oposição, já que a resolução do contrato permite apenas a indemnização pelos danos negativos; seja, os que não teriam sofrido se as partes não celebrassem o contrato. 9. Em síntese, a pretensão da Recorrida/Apelada deveria ter sido (liminarmente) indeferida por cumulação de pedidos incompatíveis. Sem prejuízo do exposto, 10. Resultou provado o seguinte facto (cf. nº. 21 dos factos provados): a solicitação da autora o réu procedeu à construção da garagem e anexo com portão e porta de alumínio, não previsto no orçamento, cujo valor de construção ascende a € 4100, acrescido de IVA à taxa legal. 11. Os Recorrentes/Apelantes pediram, em sede de reconvenção, um valor, consideravelmente, superior, ao que resultou provado. 12. Pelo que, deveria o Tribunal a quo ter condenado a Recorrida/Apelada no pagamento do montante global de € 35046; assim discriminados: € 30000 (correspondentes ao preço em falta) + € 4100 (preço trabalhos a mais) + € 943 (IVA à taxa de 23% sobre o valor dos trabalhos a mais). Ademais, 13. O Tribunal a quo considerou como provado o seguinte facto (cf. nº. 27 dos factos provados): Dos trabalhos previstos no projecto licenciado, falta realizar os seguintes: - Instalação de pio lava loiça, aparelhos e móveis de cozinha; - Aplicação de azulejo até ao tecto; - Instalação de roupeiros nos quartos A e B, - Instalação de intercomunicador, - Reparação e pavimentação de passeio de 1,20 m junto ao caminho público e muro adjacente. 14. Resultou provado, ainda, o seguinte facto (cf. nº. 29 dos factos provados): as alterações ao projecto que se verificam na moradia foram pedidas pela autora ou executadas com o seu acordo. 15. Do contrato promessa de compra e venda não consta a obrigação de o, aqui, Recorrente/Apelante executar a obra em conformidade com o projecto inicial e, por outro lado, o Tribunal recorrido apurou do depoimento da testemunha Venâncio C, irmão da autora (aqui, Recorrida) e indicado por esta, o seguinte (que se transcreve da douta sentença recorrida – cf. fundamentação quanto à apreciação da prova testemunhal): Disse também que a autora ainda não tem as chaves da casa e que quando foi à residência, ninguém falou nos móveis da cozinha, o que vai de encontro à versão dos réus, no sentido de que a autora queria colocar uma bancada diferente, pelo que não contratou a mesma com o réu. 16. Não resultando do contrato que a construção tinha que ser fiel ao projecto apresentado na Câmara Municipal de Chaves (note-se que o projecto foi apresentado por um terceiro, de nome Amândio e colaborador da testemunha Eng.º. António B, como decorre do início do seu depoimento – cf. minutos 1` e 2`), que as alterações ao projecto foram executadas por vontade da Recorrida ou com a sua concordância e que o Tribunal a quo concluiu do depoimento da testemunha Venâncio C, irmão da autora (aqui, Recorrida) e indicado por esta, que a Recorrida queria colocar uma bancada diferente na cozinha e que, por isso, não a contratou com o, aqui, Apelante. 17. Não pode o Tribunal, sem mais e socorrendo-se da figura jurídica do enriquecimento sem causa (que, note-se, não foi, sequer, invocado pela Recorrida), condenar os, aqui, recorrentes no pagamento (ou a descontar ao preço) do valor correspondente a tais trabalhos. 18. Ou seja, por um lado, o Tribunal recorrido apurou que faltam executar alguns trabalhos; 19. No entanto, veio a verificar que essas alterações foram pedidas pela Recorrida/Apelada ou executadas com o seu acordo; 20. Assim sendo, sob pena de estarmos na presença de um non sense, não pode condenar os Recorrentes/Apelantes no pagamento do valor correspondente. 21. Ao decidir de modo diverso, a M.ma Julgadora a quo violou o preceituado nos artºs 1218º. ss. do Código Civil e 186º e 607º. e ss. CPC. Nestes termos, e nos mais e melhores de direito, deverá a douta sentença recorrida ser revogada e substituída por douto acórdão, em conformidade com o, supra, exposto; ou seja, julgar-se a acção improcedente e o pedido reconvencional, parcialmente, procedente e, em consequência, a Recorrida/Apelada condenada a pagar aos Recorrentes/Apelantes a importância de € 35046, acrescida dos respectivos juros, à taxa comercial, contados desde a notificação da reconvenção e até efectivo pagamento. Assim se fará, cremos, equilibrada e sã JUSTIÇA Foram colhidos os vistos legais. O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, tendo por base as disposições conjugadas dos artº 608º, nº. 2, 635º, nº. 4 e 639º, nº. 1 todos do Novo Código de Processo Civil (NCPC), aprovado pela Lei nº. 41/2013 de 26/6. Face às conclusões das alegações de recurso, são as seguintes as questões a decidir: -Reapreciação da matéria de facto quanto aos pontos impugnados; - Reapreciação da decisão de mérito. Fundamentação A) DE FACTO A decisão recorrida considerou provados e não provados os seguintes factos: Factos resultantes da matéria assente A). Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves sob o nº 1397/30502, da freguesia de Vilar de Nantes, e inscrito na matriz predial da mesma freguesia sob o artigo 1825, um prédio urbano, sito em Sanguinhedo, como sendo composto por casa de habitação de rés-do-chão e andar, com superfície coberta de 150 m2 e logradouro com 371 m2, a confrontar do Norte com caminho público, do Nascente com Bairro da Traslar, do Sul com Mário M e do Poente com Eufémia A, cujo direito de propriedade se encontra inscrito pela inscrição G-2, correspondente á apresentação nº06/270105, a favor de Maria M, aí constando como causa de aquisição “compra”. B). Em 7 de Novembro de 2007 o Município de Chaves emitiu o Alvará de Autorização de Utilização nº 207/07, do prédio descrito em A), nos termos que melhor constam do documento junto aos autos a fls. 40, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. C). Por escrito particular intitulado “Contrato Promessa de Compra e Venda”, celebrado em 21 de Agosto de 2004, entre Faustino S e Maria S, na qualidade de primeiros outorgantes, e Maria M, na qualidade de segunda outorgante, declararam os primeiros serem donos e legítimos possuidores de um lote de terreno com o nº 3, onde está a ser construída uma moradia unifamiliar, sito no Bairro de S. José, freguesia de Vilar de Nantes, Chaves, que prometem vender à segunda outorgante que promete comprar, a referida moradia, pelo preço de € 160.000,00. Mais declararam que como sinal e principio de pagamento a segunda outorgante paga nessa data o valor de € 50.000,00 e o restante no acto da escritura pública, nos termos que melhor constam do documento junto aos autos a fls. 66, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. * Factos resultantes da prova produzida 1- No Verão de 2004 a Autora celebrou com os Réus um acordo mediante o qual estes se comprometeram a edificar o prédio descrito em A), dos Factos Assentes, com área de implantação de 150 m2 e área total de construção de 241 m2, sendo 150 m2 correspondentes ao rés-do-chão e 91 m2 do primeiro andar, pelo valor de € 160.000,00. 2- De acordo com o projecto licenciado, o mencionado prédio deveria ter sala comum, cozinha, copa, despensa, uma instalação sanitária e escritório no rés-do-chão e três quartos e uma instalação sanitária no primeiro andar. 3- As paredes exteriores seriam duplas de alvenaria de tijolo com espessura de 0,30, caixa-de-ar, assentes em argamassa de cimento e areia ao traço 1:6 e revestidas com argamassa de cimento e areia para pintar de cor clara. 4- As paredes interiores seriam constituídas por tijolo assentes em argamassa de cimento e areia ao traço 1:4 e revestidas em argamassa de cimento e areia com acabamento a liso para pintar a branco. 5- A cozinha e instalações sanitárias seriam revestidas a azulejo até ao tecto. 6- O revestimento do pavimento seria em mosaico cerâmico na cozinha e instalações sanitárias e nas demais em madeira. 7- As caixilharias exteriores seriam em alumínio termo lacado e as interiores em madeira, pintadas ou envernizadas com Bondex. 8- A cozinha seria equipada com banca dupla inoxidável, armários de madeira, chaminé com exaustor. 9- As instalações sanitárias teriam louças de primeira qualidade com todos os acessórios. 10- Os tectos teriam acabamento liso. 11- A cobertura teria telha tipo “lusa”. 12- O sistema de distribuição de água estaria ligado à rede pública e seria constituído por aço ou ferro galvanizado ou hidronil, com canalização de águas quentes e frias. 13- O sistema eléctrico seria dotado de tubagem embebida na parede. 14- O mencionado prédio foi inscrito na Repartição de Finanças em 29.08.2006, em nome da Autora, tendo-lhe sido atribuído o artigo provisório P1392. 15- Em 30 de Agosto de 2006 a Autora requereu a isenção do pagamento de contribuição autárquica declarando que o prédio se destinava a habitação permanente. 16- No Verão de 2006 o Réu pretendeu entregar a obra à Autora, tendo esta denunciado alguns defeitos que o Réu aceitou e se comprometeu a rectificar. 17- A Autora enviou uma carta aos Réus, que a receberam, datada de 5 de setembro de 2008 dando conhecimento que era sua intenção contratar outro empreiteiro para proceder aos acabamentos da obra deduzindo o valor ao montante em divida. 18- Os Réus informaram a Autora concordar com a contratação de outro empreiteiro reservando-se o direito de não concordar com o orçamento a apresentar e disponibilizando-se para entregar as chaves do prédio. 19- Em resposta a Autora comunicou aos Réus, por carta datada de 17 de setembro de 2008, que podiam entregar à D. Manuela M, na empresa ACCIOP, em Chaves, cópias do projecto do prédio para efeito de apresentação do orçamento de outro empreiteiro. 20- Com data de 3 de setembro de 2009, a autora enviou ao réu a carta junta a fls. 46 a 47 dos autos, onde reclama os seguintes defeitos: Cozinha: Falta de ventilação do recuperador do fogão a lenha da cozinha; Falta da bancada da cozinha, aparelhos e móveis; Azulejo partido no chão junto á porta de entrada; Falta de azulejo até ao tecto na parede da banca; Porta exterior da cozinha não está ao nível da soleira; Hall de entrada: Porta da despensa inacabada; Molduras do tecto sem acabamento e com ondulação; Portas não polidas e sem os aros cravados; Falta de tomadas; Sala: Chão em mosaico e não em madeira; Tecto rebaixado na área contígua á cozinha; Estrutura da casa mais baixa do que o projectado com consequências ao nível dos tectos e visibilidade nas janelas dos quartos do primeiro piso; Falta de afinação nas fechaduras das portas; 1º andar: Falta de duas janelas em cada quarto, A e B; Falta de três roupeiros nos quartos; Emenda no primeiro degrau e rodapé; Tecto do quarto B para o C mais baixo que o projectado; Falta de interfone; Espaços largos na grade da escada; Vidro de um dos quartos riscado; Exterior: Colocar e fixar os pilares em pedra dos muros de vedação; Pilar de pedra da varanda solto; Espelho das escadas fora de esquadria; Falta piso de acesso á garagem; Falta pintura exterior e interior; Falta remates no muro de vedação. 21- A solicitação da Autora o Réu procedeu à construção da garagem e anexo com portão e porta de alumínio, não previsto no orçamento, cujo valor de construção ascende a € 4.100,00, acrescido de IVA à taxa legal. 22- Do preço inicialmente acordado para a empreitada, a autora ainda deve ao réu o valor de € 30.000,00. 23- Quando os Réus solicitaram à Autora o pagamento do montante de € 30.000,00 a mesma exigiu a pintura do tecto do corredor, do tecto da sala e da cozinha; o envernizamento das portas interiores, a substituição de dois degraus, a limpeza e envernizamento das marcas expostas do patamar das escadas, a reparação do muro exterior e a entrega da casa limpa com chaves na mão. 24- Os trabalhos executados na moradia apresentam os seguintes defeitos ou vícios de construção: - Acabamento irregular da superfície das portas e aros de madeira; - Azulejo da cozinha partido junto à porta do hall; - Porta exterior da cozinha não está ao nível da soleira; - Incorreta transição do rodapé da escada para o rodapé do andar; - Espaçamento excessivo no gradeamento de madeira da escada; - Pilares em pedra da parte superior do muro de vedação exterior não estão devidamente fixados; - Pilar da varanda em granito afastado em relação ao pavimento; - Espelho da escada que dá acesso ao alpendre no aceso principal fora de esquadria; - Acesso à garagem em tosco, sem pavimentação; - Falta de reboco de coroamento do muro de vedação posterior; - Muros de vedação com fissuração e desgaste da tinta. 25- A correcção desses trabalhos importa no valor de € 9.000,00, acrescido de IVA à taxa legal em vigor à data da realização dos trabalhos. 26- Verificam-se na moradia as seguintes alterações ao projecto existente na Câmara Municipal de Chaves: - Existência de garagem e anexo, não constantes do projecto; - Deslocalização do acesso automóvel da direita para a esquerda da habitação; - Porta na cozinha no lugar onde no projecto consta uma janela; - Deslocalização da despensa, retirando área da cozinha e hall e aumentando área da sala; - Aumento de janela; - Ausência de lareira na sala comum; - Deslocação da porta da cozinha e alteração do sentido de abertura da mesma de acesso ao hall; - Deslocação da porta da sala de acesso ao hall; - Existência de uma instalação sanitária num dos quartos, no local do roupeiro; - Alteração da localização das peças sanitárias; - Alteração da configuração do telhado sobre a sala no alçado principal, com eliminação da cumeeira horizontal; - Rebaixamento parcial do teto da sala e do hall; - Caixilharia de vidro em quadrícula no projecto não executado em obra; - Porta de entrada principal não tem os dois vitrais, sendo uma só porta; - Piso em tijoleira em vez de madeira; - Falta de uma janela em cada quarto, norte e nascente. 27- Dos trabalhos previstos no projecto licenciado, falta realizar os seguintes: - Instalação de pio lava louça, aparelhos e móveis de cozinha; - Aplicação de azulejo até ao tecto; - Instalação de roupeiros nos quartos A e B; - Instalação do intercomunicador; - Reparação e pavimentação de passeio de 1,20 m junto ao caminho público e muro adjacente. 28- Aquando dos factos descritos em C), dos Factos Assentes, a estrutura da moradia já se encontrava edificada, do que a Autora não reclamou. 29- As alterações ao projecto que se verificam na moradia foram pedidas pela autora ou executadas com o seu acordo * * Não se provou: - Que foi no Verão de 2006 que a Autora fez a denúncia dos defeitos referidos em 20, e que os Réus aceitaram e se comprometeram a rectificar os mesmos; - Que o custo das mencionadas obras ascende à quantia de € 51.000,00; - Que na obra falta a ventilação do recuperador do fogão a lenha da cozinha; a porta da despensa está inacabada; as molduras do tecto estão sem acabamento e com ondulação; as portas estão sem os aros cravados; existe falta de tomadas; o vidro de um dos quartos está riscado; - Que as mencionadas obras impedem a Autora de habitar a casa; - Que a solicitação da Autora os Réus procederam à construção dos muros de vedação com gradeamento e portões no valor de € 30.000,00, não previsto no orçamento; - Que a construção da garagem e anexo com portão e porta de alumínio ascendeu ao valor de € 30.000,00; - Que a solicitação da Autora os Réus substituíram as lâmpadas por focos de halogéneo, o que importou num custo de € 400,00, não previsto no orçamento; - Que a solicitação da Autora os Réus substituíram as portas de mogno por portas de carvalho, o que importou num custo de € 341,70, não previsto no orçamento; - Que a execução da obra sempre foi fiscalizada pela Autora. * B) DE DIREITO Impugna a Apelante/autora a decisão da matéria de facto quanto aos factos provados e não provados. O art.º 662º. do actual C.P.C. regula a reapreciação da decisão da matéria de facto de uma forma mais ampla que o art.º 712º. do anterior Código, configurando-a praticamente como um novo julgamento. Assim, a alteração da decisão sobre a matéria de facto é agora um poder vinculado verificado que seja o circunstâncialismo referido no nº. 1: quando os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. A intenção do legislador foi, como fez constar da “Exposição de Motivos”, a de reforçar os poderes da Relação no que toca à reapreciação da matéria de facto. Assim, mantendo-se os poderes cassatórios que permitem à Relação anular a decisão recorrida, nos termos referidos na alínea c), do nº. 2, e sem prejuízo de se ordenar a devolução dos autos ao tribunal da 1ª. Instância, reconheceu à Relação o poder/dever de investigação oficiosa, devendo realizar as diligências de renovação da prova e de produção de novos meios de prova, com vista ao apuramento da verdade material dos factos, pressuposto que é de uma decisão justa. As regras de julgamento a que deve obedecer a Relação são as mesmas que devem ser observadas pelo tribunal da 1ª. Instância: tomar-se-ão em consideração os factos admitidos por acordo, os que estiverem provados por documentos (que tenham força probatória plena) ou por confissão, desde que tenha sido reduzida a escrito, extraindo-se dos factos que forem apurados as presunções legais e as presunções judiciais, advindas das regras da experiência, sendo que o princípio basilar continua a ser o da livre apreciação das provas, relativamente aos documentos sem valor probatório pleno, aos relatórios periciais, aos depoimentos das testemunhas, e agora inequivocamente, às declarações da parte – cf. artºs. 466º., nº. 3 e 607º., nº. 4 e 5 do C.P.C., que não contrariam o que acerca dos meios de prova se dispõe nos artºs. 341º. a 396º. do Código Civil (C.C.). Deste modo, é assim inequívoco que a Relação aprecia livremente todas as provas carreadas para os autos valora-as e pondera-as, recorrendo às regras da experiência, aos critérios da lógica, aos seus próprios conhecimentos das pessoas e das coisas, socorrendo-se delas para formar a sua convicção. Como dispõe o art.º 341º., do Código Civil (C.C.), as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos. E, como ensina Manuel de Andrade, aquele preceito legal refere-se à prova “como resultado”, isto é, “a demonstração efectiva (…) da realidade dum facto – da veracidade da correspondente afirmação”. Não se exige que a demonstração conduza a uma verdade absoluta (objetivo que seria impossível de atingir) mas tão-só a “um alto grau de probabilidade, suficiente para as necessidades práticas da vida”. Quem tem o ónus da prova de um facto tem de conseguir “criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto”, como escrevem Antunes Varela e Miguel Bezerra… Na situação em apreço os factos em investigação admitem a prova testemunhal. Ora, como acima se referiu, o valor probatório dos depoimentos das testemunhas, nos termos do disposto no art.º 396º., do C.C., está sujeito à livre (e conscienciosa) apreciação do julgador. Sendo admitida prova testemunhal (e na medida em que o seja), é igualmente permitido o recurso às presunções judiciais, de acordo com o disposto no art.º 351º., do C.C., que são ilações que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido – cf. art.º 349º., ainda do C. C. O julgador, usando as regras da experiência comum, do que, em circunstâncias idênticas normalmente acontece, interpreta os factos provados e conclui que, tal como naquelas, também nesta, que está a apreciar, as coisas se passaram do mesmo modo. Como ensinou Vaz Serra “ao procurar formar a sua convicção acerca dos factos relevantes para a decisão, pode o juiz utilizar a experiência da vida, da qual resulta que um facto é a consequência típica de outro; procede então mediante uma presunção ou regra da experiência, ou de uma prova de primeira aparência” . Ou seja, o juiz, provado um facto e valendo-se das regras da experiência, conclui que esse facto revela a existência de outro facto. O juiz aprecia livremente as provas e decide segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto – cf. art.º 607º., nº. 5, do C.P.C. - cabendo a quem tem o ónus da prova “criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto”, como referem Antunes Varela e Miguel Bezerra… . Se se instalar a dúvida sobre a realidade de um facto e a dúvida não possa ser removida, ela resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita, de acordo com o princípio plasmado no art.º 414º., do C.P.C., que, no essencial, confirma o que, sobre a contraprova, consta do art.º 346º., do C.C. No caso concreto a Apelante/autora se bem interpretamos as suas alegações põe em causa o bem julgado de alguns factos elencados na sentença. Considera que: - A factualidade que consta do art 26 dos factos provados no referente ao encerramento das duas Janelas dos Quartos de dormir no primeiro andar, bem como o cúmio do telhado que cobre a parte de entrada do R/C, o qual, em vez de ser construído numa só linha direta à parede exterior do 1º andar, teria, ao contrário, de respeitar, obviamente, o Projeto e as próprias Telas Finais devia constar dos pontos 24 e 27 dos factos provados. Deve ser dada como provada a seguinte factualidade: “A falta das obras mencionadas, dadas como provadas impedem a autora de habitar a casa”. E que seja considerada como não provada: - Aquando dos factos descritos em c) - factos assentes, a estrutura da moradia já se encontrava edificada, do que a A. não reclamou (ponto 28) - Alterações ao projeto foram pedidas pela A. ou executadas com o seu acordo (ponto 29). - A solicitação da Autora o Réu procedeu à construção da garagem e anexo com portão e porta de alumínio, não previsto no orçamento, cujo valor de construção ascende a € 4.100,00, acrescido de IVA à taxa legal (ponto 21). Invoca, para tanto, a prova pericial produzida nos autos, a prova testemunhal que arrolou, a prova documental (mais precisamente projecto inicial e telas finais), a experiência e senso comum. Apreciando Como se vê de fls. 472 a 481 a Meritíssima Juiz fundamentou com pormenor a sua decisão, conjugando todos os elementos de prova carreados para os autos e indicando com toda a clareza aqueles que contribuíram para a formação da sua convicção, fazendo uma apreciação dos depoimentos e das declarações de parte, e na interpretação que deles fez recorreu, como se impunha, às regras da experiência comum. Sabe-se quanto a prova testemunhal é falível e precária, não só porque a percepção dos factos depende da posição da testemunha em relação a eles como também pela erosão que o tempo provoca na memória, e ainda na influência que os “conhecimentos” posteriores (o que se ouve, o que se percepciona) exerce no preenchimento das lacunas provocadas por essa erosão, sem descurar das paixões e interesses de que muitas vezes a testemunha se não consegue libertar. Acresce ainda que a credibilidade das afirmações que vão sendo produzidas pela testemunha depende muitas vezes do cuidado que é posto na formulação das perguntas que lhe são colocadas – se se coloca a testemunha perante uma resposta alternativa de “sim” ou “não”, sem que ela indique a sua razão de ciência, os fundamentos em que baseia as suas respostas, o seu depoimento não merecerá significativa valoração, outro tanto ocorrendo quando à testemunha são sugeridas duas respostas, uma delas notoriamente “irreal” em relação à situação que se pretende seja descrita e a outra mais “afeiçoada”. Ora, revisitados (todos) os depoimentos produzidos em audiência, a nossa convicção não difere da manifestada pelo Tribunal a quo na fundamentação da decisão de facto, no segmento em que os aprecia. Antes, porém, cumpre referir que na decisão sobre a matéria de facto distinguiu-se entre os defeitos ou vícios de construção (artº 24); alterações ao projecto (artº 26) e trabalhos previstos no projecto licenciado, mas que faltam realizar (art.º 27). Temos depois o art.º 29 que se reporta às alterações ao projecto no qual se provou que as alterações ao projecto (constantes do art.º 26) foram pedidas pela autora ou executadas com o seu acordo. Nesta parte da questão a prova testemunhal arrolada pela autora veio confirmar o que a mesma nos disse no seu depoimento: nunca pedi nem aceitei alterações nenhumas, nomeadamente do telhado e das janelas que foram fechadas. Ao contrário a prova arrolada pelos réus confirmou a versão que por eles foi apresentada: o telhado já estava assim construído quando a autora comprou a casa (a casa já tinha o “esqueleto”, ou seja no dizer da testemunha Laudemiro B que trabalhou na construção da casa do principio ao fim “ o esqueleto feito era a casa em si e o grosso”, sendo que o esqueleto define a estrutura da casa conforme relatou o engenheiro José P) telhado que a autora viu e nada disse . Prova esta que teve “apoio” no depoimento da testemunha arrolada pela autora e sua cunhada Rosa P que referiu de forma espontânea ter ido com a autora comprar a “casa” ao réu. No referente às demais alterações da obra mencionadas nesta acção (janelas fechadas, construção de garagem e anexos) as testemunhas indicadas pelos réus e que na obra trabalharam confirmaram as alterações e que as mesmas teriam sido feitas a pedido da autora (nos termos contados pelo réu). Todavia para além desta prova existe nos autos prova documental e mesmo testemunhal que nos permite afirmar não haver fundamento suficiente para alterar (como se pretende) a resposta a quase totalidade dos pontos assinalados pela recorrente, já que a resposta que deles consta é a mais concordante com a prova referida e mesmo com as regras da experiência comum. Prova essa que é a seguinte: -- o documento de fls. 357 correspondente ao requerimento assinado pela autora a solicitar a licença de utilização. Requerimento que a autora começou por negar ter assinado, arguiu a falsidade da assinatura sendo que o resultado dessa prova científica foi inconclusivo, admitindo depois ter assinado o requerimento. Afirmou não saber aonde assinou o documento, mas disse estar acompanhada pela amiga Manuela, o que vai de encontro ao depoimento da testemunha engenheiro Durão que nos disse que o documento foi assinado no seu gabinete pela autora acompanhada da testemunha Manuela e ao desencontro do depoimento da testemunha Manuela que negou tal factualidade. Em tal requerimento e antes da assinatura da autora consta que com ele são juntas as telas finais (aonde estão anotadas as alterações à obra) e o auto de vistoria da DAP – junção que se confirma existir. O que permitia à autora se antes não tinha conhecimento ter conhecimento nesta altura das referidas alterações. -- documento de fls. 358 intitulado “Declaração do Técnico Responsável pela Direção Técnica da Obra” no qual o Engenheiro Durão na qualidade de técnico responsável pela direcção técnica da obra e para efeitos do disposto no artº 63 do Dec. Lei 555/99 de 16 de Dezembro e ulteriores alterações declara que a obra sita em Nantes, Vilar de Nantes, à qual foi atribuído o alvará de licença 84/02 cujo titular é Maria M se encontra concluída com as condições de licenciamento e com o uso previsto no alvará de licenciamento de construção. Este engenheiro foi ouvido como testemunha. Prestou um depoimento claro, esclarecedor e pormenorizado no respeitante à factualidade na qual participou e presenciou, mais precisamente elaboração do projecto inicial da casa, acompanhamento da evolução da construção, estado da mesma (estava feito o esqueleto) quando o réu lhe comunicou que a autora estava a pensar comprar a casa (negócio que referiu não ter assistido); alterações que foram feitas na obra cujo pedido não assistiu mas que o réu lhe contou terem sido pedidas pela autora com a justificação por exemplo para a tapagem das janelas dos quartos que os quartos não eram muitos grandes e daí a necessidade de se taparem aquelas janelas ficando porém os ditos quartos cada um com uma janela (versão que contrariando o relato da autora se constata ser verdadeira nas fotografias que compõem o relatório pericial junto aos autos). Esclareceu que as ditas janelas que foram fechadas não deitavam diretamente para a cidade de Chaves (o que contraria a versão da autora e da prova testemunhal que a mesma arrolou) mas sim para uns prédios, sendo que do canto de uma delas se poderia ver parte da cidade. Referiu que as ditas janelas estavam preparadas para estores não para portadas, - sendo por essa falta de preparação que as portadas não abrem bem, e que a colocação das portadas teria sido um pedido de alteração da autora. Mencionou que a autora referindo que a obra estava concluída lhe solicitou no ano de 2007, em mês que não recorda a licença de utilização e que nessa altura não se queixou de defeitos/vícios da obra. Relatou o que entende, para que servem e como são usadas e apreciadas na Câmara de Chaves as telas finais e porque das mesmas não fez constar a alteração no telhado por se tratar de alteração que não afectava a estrutura e que já lá estava quando a autora comprou nada tendo esta dito. “Se não gostava não comprava” - referiu a testemunha. Que se trata de alteração que não afecta a estrutura da casa já tinha sido dito pelos demais Srs. Peritos que fizeram a perícia colegial que nos esclarecimentos prestados em audiência de julgamento disseram que apesar de o telhado estar mal-executado é funcional assim, e que se comprassem a casa hoje não alterariam o telhado. Afirmações estas que afastam a versão da autora de que estamos perante um problema estrutural (ver artº 6º do articulado resposta e alegações de recurso). Perante a situação poder-se ia pensar que a autora, mulher sozinha e emigrante (como a certa altura foi dado a entender na audiência de julgamento) não tinha conhecimentos para se aperceber da referida alteração. Porém assim não será. Tem a autora conhecimentos que lhe permitem como afirma na petição inicial olhar para o imóvel e logo verificar a falta de observação dos mais elementares aspectos da construção prevista no projecto e memória descritiva justificativa (ver art 25 da p.i). -- O documento de fls. 39 dos autos, que corresponde ao pedido de isenção de contribuição autárquica feito pela autora; -- o documento de fls. 40, correspondente ao alvará de utilização em nome da autora, emitido em 7-11-2007; -- o documento de fls. 37, que corresponde ao pedido de inscrição nas finanças do imóvel em causa, e onde a autora fez constar "data de conclusão da obra 2006-08-29"; -- as cartas de fls. 42 a 47 e 61 trocadas entre a autora e o réu as quais nos permitam verificar que na primeira carta (datada de 24.04.2008) a autora indica como defeitos que encontrou e pede a correção os seguintes: pintar o tecto do corredor; o tecto da sala e cozinha, envernizar as portas interiores; mudar os degraus (são dois), limpar e envernizar as marcas expostas dos no patamar das escadas; o muro exterior abriu e entregar a casa limpa (chaves na mão). Na segunda datada de 03 de setembro de 2009 a autora pede a reparação das mesmas situações relatadas no orçamento de fls. 48 a 49, documento este idêntico àquela segunda carta na forma de escrever, letra utilizada, tipo de linguagem. Este documento tem a mesma data da dita segunda carta e foi elaborado por um Sr. Engenheiro a pedido da autora. -- O contrato promessa de compra e venda celebrado entre a autora e os réus, junto a fls. 66 a 67 no qual a autora se compromete a comprar e o réu se compromete a vender uma moradia pelo preço de 160 mil euros. Este documento está de acordo com a versão relatada pela autora na petição segundo a qual “por alturas do verão celebrou verbalmente com os RR contrato de empreitada através do qual os RR por meio do réu marido construiriam a referida casa para a autora … pelo preço de 160 mil euros. A execução dos trabalhos de empreitada acordados e a realizar deveria cumprir / respeitar escrupulosamente a “memória Descritiva e Justificativa e bem assim o projecto aprovado pela Câmara Municipal de Chaves “. Todavia contraria a versão que as testemunhas apresentadas pela autora vieram contar. Segundo as quais no preço de 160 mil euros já estava incluída a garagem e o anexo e até a alteração da banheira segundo a testemunha Anselmo C, alteração esta que a própria autora admite que foi a mesma que pagou por fora (ver carta datada de 05.09.2008 junta a fls. 62 dos autos). Acresce que na memória descritiva e justificativa junta a fls. 32 a 35 e no projecto de fls. 36 não constam a garagem e anexo como também se confirma no relatório da prova pericial efectuada nos autos. Razão têm os réus e a prova testemunhal que arrolaram quando nos disseram que quer a garagem quer o anexo foram trabalhos contratados a mais e a pagar para além do valor da compra e venda. -- o documento de fls. 86 a 89 dos autos que corresponde ao auto de vistoria dos técnicos da Câmara à habitação em causa, e onde concluem que não há qualquer problema em relação à segurança estrutural do edifício, apesar de referirem que existe um pilar solto e de mencionarem a falta de equipamento da cozinha. Do exposto se conclui dever ser mantida a decisão quanto ao (s) facto (s) transcritos sob os nº 24º, 26º, 27º, 28º e 29º. Relativamente ao facto “a falta das obras mencionadas, dadas como provadas impedem a autora de habitar a casa" defende a autora que a resposta devia ser “provado”, uma vez que tal factualidade é confirmada pelo relatório da prova pericial colegial realizada nos autos. Apreciando É certo que a prova pericial é livremente apreciada pelo Juiz – artº. 389º., do C.C. – e também não deixa de ser certo que, destinando-se este meio de prova à percepção de factos que requerem conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, nos termos expressos no artº. 388º., do mesmo Cód., a desconsideração de uma resposta dada pelos peritos deve ser devidamente fundamentada e assentar em outros conhecimentos que, no caso concreto, apontem para uma solução mais adequada à realidade da situação sub judicio do que aquela que é proposta pelos peritos. Os três Peritos, por unanimidade, responderam – cf. fls. 217 e 218 dos autos que “A falta de pio lava louça, aparelhos e móveis de cozinha e dos roupeiros nos quartos Norte e Nascente impedem a Autora de habitar a casa. A desconsideração desta resposta não encontra na decisão proferida qualquer fundamentação. Mas para além da resposta unânime dos três Srs. Peritos em igual sentido se pronunciou o Engenheiro Durão quando referiu que “A casa tem condições para ser habitada após meter a cozinha e os roupeiros que segundo o empreiteiro me disse seriam feitos após a compra da mobília pela proprietária”. Daí eu ter subscrito o termo de responsabilidade”. O nosso conceito de habitação é também no sentido de residência ou local para estabelecer a vida do dia a dia – dormir, tomar refeições, ser, enfim, o centro de, ao menos parte, de uma estrutura de economia doméstica. A noção de habitabilidade prende-se mais com as condições físico -estruturais do local em termos de ser, ou não possível, aí permanecer com certa estabilidade e continuidade. Lugar habitável, no sentido corrente de próprio para residir (morar) não terá de ser sinónimo de lugar com todas as condições de conforto exigíveis para um lar decente. Pode ser um lugar com “deficit” notório de conforto, mas que garanta o resguardo de privacidade, a protecção contra os eventos meteorológicos e que permita estabelecer a via do dia a dia . A exclusão ou redução da aptidão da obra, relativamente ao fim ou uso a que se destina reporta-se a uma utilização satisfatória, num padrão de normalidade. (…) o uso ordinário é o seu fim típico definido pela função que, no ambiente económico social é reconhecido ao bem Este entendimento da realidade concreta não é contrariado pelo facto de a autora ter dado a obra como acabada e ter pedido licença de utilização. Trata-se de meros procedimentos administrativos que visam objectivos concretos e que muitas vezes não correspondem à realidade que nos mesmos se descreve. Na verdade, dispõe o art.º 62º, n.º 1 do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE) aprovado pelo DL n.º 555/99 de 16.12 que «a autorização de utilização de edifícios ou suas fracções autónomas destina-se a verificar a conclusão da operação urbanística, no todo ou em parte, e a conformidade da obra com o projecto de arquitetura e arranjos exteriores aprovado e com as condições de licenciamento ou da comunicação prévia O n.º 1 do art. 63º do mesmo RJUE refere que «o pedido de autorização de utilização deve ser instruído com termo de responsabilidade subscrito pelo director da obra ou pelo director de fiscalização da obra, no qual aqueles devem declarar que a obra está concluída e que foi executada de acordo com o projecto de arquitetura e arranjos exteriores aprovados e com as condições da licença ou da comunicação prévia …». E acrescenta o n.º 2 do mesmo artigo: «O pedido de autorização de utilização nos termos previstos no n.º 2 do artigo anterior deve ser instruído com termo de responsabilidade subscrito por pessoa habilitada a ser autor do projecto …» Destas disposições conclui-se que a autorização de utilização se destina à verificação da conformidade da obra concluída com o projecto aprovado e a conformidade do uso previsto com as normas legais e regulamentares aplicáveis . Esse procedimento administrativo foi realizado, como resulta dos factos provados, através da subscrição do termo de responsabilidade pelo engenheiro responsável pela obra. Foi na sequência dessa “certificação” que foi concedida a autorização de utilização. Tal procedimento administrativo não tem a ver com as relações contratuais que A. e R. estabeleceram no âmbito do contrato de empreitada. Já no que se refere à inscrição na matriz sabemos que após se terem concluído as obras de edificação a inscrição desse prédio na matriz tem que ser feita no prazo de 60 dias após essa conclusão (art. 13º, n.º 1, al. d) do CIMI). E, nos termos das als. a) a d) do n.º 1 do art. 10º do CIMI os prédios urbanos presumem-se concluídos na mais antiga das datas em que tiver sido concedida a licença camarária em que for apresentada a declaração para inscrição na matriz com indicação da conclusão das obras, em que se verificar uma qualquer utilização ou em que se tornar possível a sua normal utilização. A licença de utilização é necessária para a celebração de actos de transmissão da propriedade de prédios urbanos . E tudo isto a autora pediu e fez com a justificação como contou que assim agiu “porque estava a constatar que o relacionamento com o empreiteiro estava a ficar degradado”, procurando por isso legalizar a casa em seu nome para salvaguarda futura mesmo sem estar habitável (concluímos nós com a descrita conduta). Isto posto, considera-se provado com o nº 30 a seguinte factualidade: “Provado que a falta de instalação de pio lava louça, aparelhos e móveis de cozinha e de roupeiros nos quartos A e B impedem a Autora de habitar a casa”. Enquadramento jurídico É inequívoco, considerada a facticidade provada, que a Autora e os Réus celebraram, para o que importa, um contrato de empreitada intervindo a Autora na qualidade de dona da obra e os Réus na qualidade de empreiteiro (factos provados de 1º a 13º) Trata-se de um contrato típico, regulado nos artºs 1207.º a 1230.º do Código Civil (C.C.), que se configura como sinalagmático (visto dele emergirem obrigações recíprocas interdependentes), oneroso (“o esforço económico é suportado pelas duas partes”), comutativo (na medida em que “as vantagens patrimoniais dele emergentes são conhecidas das partes no momento do ajuste) e consensual (não está sujeito a forma especial – artº. 219º., do C.C.) . A prestação contratual do empreiteiro é a execução da obra, em conformidade com o que foi convencionado, sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato, como resulta do disposto no artº. 1208º., do C.C. Deve observar ainda as regras da arte, e no que concerne aos materiais, como se dispõe no nº. 2 do artº. 1210º., do C.C o empreiteiro terá de aplicar os que têm as características e qualidades referidas no caderno de encargos, de tal modo que, “não sendo respeitadas tais prescrições contratuais… a obra deverá considerar-se defeituosa, independentemente da prova da existência de qualquer vício” . O dono da obra tem o direito a fiscalizá-la, à sua custa, desde que não perturbe o andamento ordinário dos trabalhos – cf. artº. 1209º., n.º 1; do C.C mantém, porém, os seus direitos contra o empreiteiro relativamente aos defeitos que a obra, depois de concluída, apresente, mesmo que os vícios sejam aparentes e seja notória a má execução da obra, salvo se tiver expressamente concordado com ela - cf., nº. 2, daquele preceito legal. A lei opera um distinguo entre defeitos ocultos e defeitos aparentes ou reconhecíveis (artº 1218 do C.C). No contexto da empreitada, defeito oculto é aquele que, sendo desconhecido do comprador pode ser legitimamente ignorado, pois não era detectável através de um exame diligente, i.e., não era reconhecível pelo bonus pater família; defeito aparente é aquele que é detectável mediante um exame diligente, de que o comprador se poderia ter apercebido usando de normal diligência. Obra defeituosa é aquela que tiver um vício ou se mostrar desconforme com aquilo que foi acordado. O vício corresponde a imperfeições relativamente à qualidade normal das prestações daquele tipo; a desconformidade representa uma discordância com respeito ao fim acordado. Mais precisamente a desconformidade da obra consiste no seu desvio relativamente ao programa contratual convencionado, com inteira independência do facto de esse desvio permitir uma desvalorização ou valorização da obra; o vício implica uma apreciação negativa da obra, seja em termos de valor, seja em termos de funcionalidade normal – seja em termos de funcionalidade para o fim contratualmente previsto. Em qualquer caso, trata-se de perturbações da prestação, a que o dono da obra pode acudir com os remédios dispostos na lei para o cumprimento defeituoso. O ónus da prova da desconformidade ou do defeito, esse vincula, indiscutivelmente, o dono da obra (artº 342 nº 1 do C.C). Contudo não basta provar a existência do defeito da obra, o dono da obra tem, também, de demonstrar a sua gravidade de forma a afectar o uso, ou a acarretar uma desvalorização da coisa. Quando não houver acordo das partes acerca do fim a que a obra se destina, atende-se, naturalmente, à função normal das obras da mesma categoria. Há, portanto, um padrão normal relativamente à função de cada obra: é com base nesse padrão que se aprecia a existência de vício. No caso de obra prestada com defeito, presume-se a sua imputabilidade ao empreiteiro, quer dizer, presume-se que procede de culpa sua (art.º 799 nº 1 do C.C). Portanto, ao dono da obra apenas cabe fazer a prova do defeito para que o empreiteiro fique onerado, se quiser afastar a sua responsabilidade, com a demonstração de que, afinal, o defeito não lhe é imputável. Note-se que não é suficiente, para que o empreiteiro se liberte daquele ónus da prova, a demonstração de que agiu diligentemente: exige-se, antes, que o empreiteiro – dado que tem o domínio do processo de execução da prestação - prove a causa do defeito e que ela lhe é completamente estranha, dado que só assim ficará exonerado da responsabilidade pelo defeito patenteado pela prestação da obra que executou. Por sua vez, o dono da obra terá de pagar o preço que haja sido acordado, nos termos e prazos que constem do contrato ou dos usos. Se o contrato for omisso quanto à data do pagamento do preço, ou não havendo uma prática comum, então ele deverá ser pago no acto de aceitação da obra, como se dispõe no artº. 1211º., nº. 2 do C.C. Constatada a existência de defeitos, o dono da obra fica com direito a exigir – por esta ordem - a sua eliminação, ou, não podendo ser eliminados, a exigir nova construção. Não sendo isto cumprido, fica ainda o dono da obra com direito a exigir a redução do preço ou a resolver o contrato, se os defeitos tornarem a obra inadequada ao fim a que se destina, tudo sem prejuízo do direito a ser indemnizado, nos termos dos artºs. 562º. e sgs. – Cf. artºs. 1221º., 1222º. e 1223º do C. C. O direito – potestativo – de resolução do contrato de empreitada tem, portanto, uma natureza subsidiária, dado que o dono da obra apenas o poderá fazer actuar se os defeitos não forem eliminados, ou não for realizada de novo a obra e, em qualquer caso, desde que os defeitos tornem a obra inadequada/inapropriada para o seu fim. Esta inaptidão da obra tem de ser definitiva e irreversível para o fim a que se destina. De outro aspecto a apontada inaptidão não depende da afectação de toda a obra por defeitos- um defeito de parte da obra pode redundar nesse resultado . Se os defeitos não forem elimináveis, a exigência de realização de nova obra se revelar desproporcionada, e aqueles se traduzirem em desconformidades que não reduzem o valor da obra, nem a tornam inadequada ao fim a que se destina, o dono desta tem apenas direito a uma indemnização pela desconformidade entre o acordado e o realizado (art.º 1223º, do C.C). O exercício deste direito de indem¬nização é subsidiário (residual) dos restantes direitos. E só nos casos de incumprimento definitivo das obrigações de eliminação dos defeitos e de realização de nova construção e de necessidade urgente de realiza¬ção de obras de reparação, é que o dono da obra também poderá optar pela efectiva¬ção destas prestações por si próprio, ou por terceiro, assistindo-lhe um direito de indemnização em dinheiro, correspondente ao custo das obras de reparação ou de reconstrução . Esta indemnização não se enquadra nas previstas no art.º 1223º, do C.C, as quais são cumulativas ou residuais relativamente ao exercício do direito de eliminação, da redução do preço e da resolução do contrato de empreitada, e destinam-se a compensar os prejuízos não ressarcidos pelo exercício desses direitos e não resultantes do incumprimento das obrigações de eliminação ou reconstrução . Ainda segundo Antunes Varela, “não cumprimento definitivo ou falta de cumprimento – verifica-se nos casos em que a prestação, não tendo sido efectuada, já não é realizável no contexto da obrigação porque se tornou impossível ou porque, sendo ainda possível, perdeu o interesse para o credor”. Em decorrência, e face às considerações expostas, óbvio resulta que não pode o dono da obra pedir a condenação do empreiteiro a pagar-lhe o montante necessário para eliminar os defeitos, sem que tenha seguido a ordem estabelecida pelo artigo 1222º do C.C ou seja, sem que tenha demonstrado que este último se recusou a fazê-lo. Assim, o dono da obra, dentro das alternativas que a lei lhe concede, pode, em termos académicos, fazer valer, em simultâneo, um pedido principal, três subsidiários e um cumulativo: um pedido principal que é o do cumprimento, consistente na eliminação dos defeitos e subsidiariamente, para a eventualidade de este pedido não ser efectivado pelo empreiteiro, de forma voluntária, pode ser requerida a condenação no valor correspondente à execução específica, a executar por terceiro; para a hipótese de não ser possível o cumprimento, pode ser formulado pedido subsidiário no sentido da resolução do contrato e pode ainda ser requerida a redução do preço. O pedido de indemnização há-de cumular-se, se for caso disso, com a pretensão que vier a ser aceita. Aqui chegados, considerando a factualidade provada pode colocar-se a seguinte questão: que tipo de contrato de empreitada foi celebrado entre as partes? O tipo contratual comum ou o subtipo contratual de empreitada de consumo? Muito sumariamente a relação de empreitada de consumo é aquela que é estabelecida entre alguém que destina a obra encomendada a um uso não profissional (o consumidor) e outrém que exerce com carácter profissional uma determinada actividade económica, a qual abrange a realização da obra em causa, mediante remuneração (cf. art.º 2.º/1 da LDC de 24/96 e 1.º-B/a) do DL 67/2003); efectivamente, são estes sujeitos – com presumida desigual experiência, organização e informação – cuja intervenção simultânea transforma um contrato de empreitada em empreitada de consumo, que justificam a aplicação dum regime especial, visando a protecção da parte considerada mais débil – o dono da obra. Podemos falar da existência de um contrato de empreitada de consumo, como subtipo do contrato de empreitada, previsto e regulado no Código Civil, como uma das modalidades específicas do contrato de prestação de serviços, a partir da entrada em vigor da Lei de Defesa do Consumidor de 31 de julho de 1996 - Lei 24/96- que veio substituir a anterior Lei de Defesa do Consumidor de 22 de janeiro de 1981 - Lei nº 29/81. Este último diploma ao não prever qualquer norma que derrogasse o regime geral do contrato de empreitada previsto no Código Civil, não permitia que se falasse ainda na existência de um contrato de empreitada de consumo. Já a Lei nº 24/96 de 31 de julho, ao introduzir normas mais favoráveis à posição contratual do dono da obra do que aquelas que se encontravam previstas no Código Civil, permitiu que a partir desse momento se pudesse falar da existência de um subtipo contratual, denominado contrato de empreitada de consumo. Este subtipo veio posteriormente a ser enriquecido com a ampliação do seu regime específico, pelo Dec. Lei nº 67/2003 de 08 de abril, que transpôs para o direito português a famosa directiva comunitária nº 1999/44/CE do parlamento e do Conselho Europeu de 25 de maio de 1999 e que subtraiu à Lei da Defesa do Consumidor grande parte daquela regulamentação específica. Este diploma foi alterado pelo Dec. Lei nº 84/2008 de 21 de maio que nas suas palavras visou ajustar o regime à realidade do mercado e colmatar as deficiências que a aplicação do Dec. Lei nº 67/2003 havia revelado” . Na redacção original do DL n.º 67/2003, o art.º 1.º/2 – que foi revogado pelo art.º3.º do DL n.º 84/2008 – dizia que o seu regime legal era “aplicável aos contratos de fornecimento de bens de consumo a fabricar ou produzir”, entendendo-se que esta designação abrangia os contratos de empreitada cuja prestação se traduzisse na realização duma obra de criação de coisa nova, deixando de fora os contratos que tivessem por objecto a simples reparação, limpeza, modificação, manutenção ou destruição duma coisa já existente. A redação do nº2, do novo art.º 1-A, introduzido pelo D.L. nº 84/2008, passou a referir expressamente a aplicação do regime do D. L. 67/2003 aos contratos de empreitada que tivessem por objecto o fornecimento de bens de consumo. Esta formulação parece continuar a excluir os contratos de empreitada em que não é fornecido, produzido ou criado um bem. Revertendo ao caso dos autos, temos que o “uso não profissional” é algo que “por defeito” pode/deve ser atribuído à dona da obra a propósito do qual não há qualquer indício dum “uso profissional”, traduzindo-se a obra na construção de uma moradia para habitação permanente; por outro lado, o “carácter profissional” é algo que pode/deve ser atribuído ao empreiteiro (o réu marido e assim identificado na petição inicial) que exerce com carácter profissional a actividade económica (no sector a que a obra diz respeito) tendo criado com esta sua actividade um bem / coisa nova- casa de habitação . Estamos, pois, perante uma relação de consumo (cf. art.º 2.º/1 da LDC 24/96); mais exatamente, perante uma relação de consumo que preenche o subtipo de empreitada de consumo, razão pela qual à responsabilidade pelos defeitos existentes na obra são aplicáveis as normas especiais contidas na Lei 24/96 (LDC) e o DL 67/2003, normas essas que derrogam as regras gerais do C. Civil em tudo o que estas se revelem incompatíveis com aquelas. Ora as diferenças/especialidades entre a lei geral e o regime especial assumem no caso em apreço relevo prático no modo de articulação/exercício dos diferentes direitos do dono da obra. Enquanto no regime do C. Civil vigoram regras relativamente rígidas que estabelecem várias relações de subsidiariedade e de alternatividade entre aqueles direitos, que limitam e condicionam o seu exercício, no âmbito do DL 67/2003 os direitos do dono da obra consumidor são independentes uns dos outros, estando a sua utilização apenas restringida pelos limites impostos pela proibição geral do abuso de direito (cf. art.º 4.º/5 do DL 67/2003). Ou seja, perante a existência de faltas de conformidade na obra realizada, o dono desta pode exercer livremente qualquer um dos direitos conferidos pelo art.º 4.º/1 do DL 67/2003; sem prejuízo, evidentemente, desta liberdade de opção pelo direito que melhor satisfaça os seus interesses dever respeitar os princípios da boa fé, dos bons costumes e a finalidade económico-social do direito escolhido (art.º 334.º do C. Civil), o que significa que o respeito por princípios – como o da razoabilidade, da proporcionalidade e da prioridade da restauração natural – conduzirão, algumas vezes, à observância das regras de articulação (dos diferentes direitos do dono da obra) impostas pelo C. Civil e a soluções coincidentes com as do C. Civil. Em todo o caso – sem prejuízo (da identidade) da solução casuística, em que nunca será demais encarecer o papel que o princípio da boa fé (com tudo o que do mesmo irradia) tem, de acordo com o C. Civil (cf. 762.º/2), em toda a execução contratual – “o regime dos direitos do dono da obra nas empreitadas de consumo permite uma maior maleabilidade na escolha do direito que melhor satisfaça os interesses deste em obter um resultado conforme com o contratado. Aqui não se pode falar na existência de um direito do empreiteiro a proceder à reparação das faltas de conformidade da obra. O direito de substituição da obra pode ser exercido mesmo em situações em que a reparação das faltas de conformidade é possível. Os direitos de redução do preço e de resolução do contrato não estão apenas reservados para as hipóteses de incumprimento definitivo ou impossibilidade de cumprimento dos deveres de reparação ou substituição da obra, podendo outras circunstâncias justificarem o recurso prioritário ao exercício destes direitos. E o direito de resolução do contrato não está dependente da obra se revelar inadequada ao fim a que se destina, bastando apenas que a desconformidade verificada não seja insignificante, perante a dimensão da obra.” Sendo assim, considerando a factualidade provada nos pontos 24 (defeitos da obra) e 27 (faltas de construção), todos eles imputáveis ao réu, considerando o tempo que a autora aguarda pela pedida eliminação de tais vícios (atente-se na carta de Setembro de 2009), que a impedem de habitar a cada e o difícil relacionamento que existe entre as partes, considera-se que a exigência do pagamento da quantia necessária para a autora proceder à sua eliminação em nada ofende os princípios da boa fé, antes com eles se compatibiliza . Pagamento que no valor apurado em sede deste processo se deve condenar nessa quantia, relegando para execução de sentença os valores não apurados. Igual raciocínio já não nos permitimos fazer no referente às alterações ao projecto existente na Câmara Municipal e elencadas no ponto 26 dos factos provados uma vez que como se diz na decisão recorrida, e neste Tribunal se confirma não se provou que se tivesse tratado de anomalias resultantes da actuação e iniciativa do réu, antes tendo resultado que tais alterações foram feitas a pedido ou com o acordo da autora, pelo que nada pode exigir a esse respeito. Porquanto se deixa expendido, ainda que com fundamentos diferentes mantem-se a decisão proferida pelo Tribunal recorrido improcedendo nestes termos a apelação da autora. Recurso dos Réus Perante esta decisão fica prejudicada a apreciação de algumas das questões suscitadas no recurso dos réus mais precisamente as questões constantes das conclusões 1 als a) e b) a 5. Quanto às demais conclusões do recurso dos RR, cumpre dizer o seguinte: Que a construção devia ser de acordo com o projecto resulta assente no ponto nº 2 da matéria provada, facto este que não foi impugnado pelos réus, projecto esse que incluía a pia lava louça, móveis e aparelhos de cozinha conforme se constata do ponto 8 dos factos provados. Acresce que, esta é uma questão nova aliás contrária à defesa apresentada pelos RR, mesmo em sede de recurso, na qual sempre admitiram a existência do projecto defendendo-se com as alterações feitas ao mesmo a pedido da autora. (conclusões 13 a 15). Também a questão da contradição dos pedidos motivadora do pedido de indeferimento liminar (conclusões 6 a 9) é questão nunca colocada no processo por escrito e apenas anunciada em sede de alegações orais prestadas na audiência de julgamento, sendo que não mereceu qualquer apreciação na decisão recorrida. Considerando, porém, a mais recente orientação doutrinal e jurisprudencial – em sede do tipo contratual comum (empreitada) somos levados a referir que os pedidos em causa não se contradizem e o que se alega funda-se, tão-somente, na interpretação própria que a Apelante dá aos seus direitos. De efeito, tendo a autora optado pela resolução do contrato de empreitada que encerra a destruição da relação contratual, não teria, em princípio dogmático, direito a indemnização relativa ao interesse contratual positivo. Não quis a subsistência do contrato, logo não o poderia querer para obter, da contraparte, as prestações em falta. A tutela do seu direito indemnizatório resumir-se-ia ao interesse contratual negativo. Este entendimento correspondente à posição clássica, é comum a vários autores e tem sido acolhido por constante jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça . Não podemos, porém, ignorar a corrente que recusa esta construção, admitindo, no caso de resolução contratual, o preenchimento indemnizatório com danos negativos ou também com os danos positivos. Já sustentada por Vaz Serra , foi detalhadamente defendida, entre outros, por Batista Machado , Romano Martinez e Ana Prata . Brandão Proença admite uma flexibilização da jurisprudência com admissão da indemnização pelos danos positivos “quando assim for exigido pelos interesses em presença” e Galvão Teles afirma que se concebe, todavia “que o julgador, além dos danos negativos, atenda também aos positivos se, no caso concreto, essa solução se afigurar mais equitativa segundo as circunstâncias.” . A nosso ver a solução prende-se com a conceptualização da figura da resolução contratual. Se vista apenas como destruidora da relação contratual, a tese clássica é irrecusável. Se vista também como reintegradora dos interesses em jogo, a abertura ao ressarcimento pelos danos positivos impõe-se, em certos casos . À partida, a nossa lei encara-a apenas no primeiro sentido, distinguindo, nos artigos 432.º e seguintes do Código Civil, a figura, dos seus efeitos. Logo nestes, todavia está uma destruição contratual mitigada. Remete-se para o regime da nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico que encerra algumas excepções à senda destrutiva prevista, à cabeça, na lei (cf. os artigos 289.º e seguintes). Depois, no próprio regime dos efeitos, a lei refere que a retroactividade não opera, além do mais, se contrariar a “vontade das partes” ou “finalidade da resolução”, estabelecendo mesmo um regime próprio quanto aos contratos de execução continuada ou periódica. Retiramos, então, daqui a falência da primeira das premissas da tese clássica, qual seja a da destruição da relação contratual. Em muitos casos, esta relação, ainda que atingida, continua a ter-se como subsistente, produzindo efeitos próprios da subsistência. Sendo assim, estaria aberto o caminho ao pedido da indemnização pelos danos positivos e assim a autora poderia incluir na indemnização global peticionada danos que extravasam o estrito âmbito do interesse contratual negativo. Quanto ao pedido reconvencional (conclusões 10 a 12) temos que se provou que: 21- A solicitação da Autora o Réu procedeu à construção da garagem e anexo com portão e porta de alumínio, não previsto no orçamento, cujo valor de construção ascende a € 4.100,00, acrescido de IVA à taxa legal. 22- Do preço inicialmente acordado para a empreitada, a autora ainda deve ao réu o valor de € 30.000,00. Provado que é devido o pagamento do IVA, temos de concluir que a quantia devida pela autora ao réu ascende a 34.100 euros mais IVA à taxa legal sobre o valor dos trabalhos. De efeito, o IVA é um imposto indirecto que incide sobre as transmissões de bens e prestações de serviços efectuadas em território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal, e sobre as importações de bens (art.º 1.º do CIVA). Visa tributar todo o consumo de bens materiais e serviços, abrangendo na sua incidência todo o circuito económico desde a produção ao retalho, repercutindo-se no consumidor final. Determina-se aplicando a taxa ao valor global das transacções da empresa, em determinado período de tempo, e deduzindo ao montante assim obtido o imposto por ela suportado nas compras desse mesmo período, revelado nas respetivas facturas de aquisição. O resultado apurado desta forma corresponde ao montante a entregar ao Estado (cf. artºs 7.º, 9.º e 22.º do CIVA). Trata-se de um imposto de auto lançamento, em que a liquidação cabe ao contribuinte (cf. artºs 19.º, 26.º e 40.º do CIVA). É um imposto plurifásico, porque é liquidado em todas as fases do circuito económico, desde o produtor ao retalhista. Sendo plurifásico, não é cumulativo, pois o seu pagamento é fraccionado pelos vários intervenientes do circuito económico, através do método do crédito do imposto. Depois de verificado algum daqueles elementos – transmissão do bem ou a prestação do serviço mediante um preço -, surge o imposto e a obrigação torna-se certa e exigível. Ao comprador do bem ou ao utente do serviço compete pagar o imposto, enquanto ao vendedor ou ao prestador do mesmo serviço incumbe proceder à sua liquidação e cobrança substituindo-se à Administração Fiscal. A liquidação deve ser efectuada na fatura ou em documento equivalente, devendo conter todos os elementos referidos no art.º 35.º do CIVA. Um desses elementos consiste na indicação do preço, líquido de imposto, bem como a taxa aplicável e o montante de imposto devido. No caso em apreço, e em última análise, incide sobre a autora que é, enquanto dona da obra, além de sujeito passivo, o contribuinte de facto, ao passo que o réu empreiteiro, se apresenta como contribuinte de direito, isto é, aquele que, como sujeito passivo do tributo (a par da ré), se encontra obrigado à sua liquidação e entrega ao Estado: é o que resulta das disposições conjugadas dos artigos 2º, nº 1, al. a), 26º, nº 1, 28º, nº 1, al. b) e 35º, nº 5, do CIVA (Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado). A sujeição da prestação de serviços discutida na presente ação a este imposto não suscita nenhuma dúvida (art.º 4º, nº 1, do mesmo diploma), tendo sido dado como provado o devido pagamento. Ademais, como se escreveu no Acórdão do STJ de 23.11.2011, «nada impede que nas relações internas se estabeleça acordo entre o empreiteiro e o dono da obra no sentido de que o preço desta englobe (ou não) o imposto; em abstrato, tal acordo é perfeitamente válido, por não contrariar nenhuma norma de carácter imperativo relativa à forma, à perfeição ou ao objeto da declaração negocial (artºs. 219º e ss., 224º e ss. e 280º e ss. do CC)» . Este acordo de não pagamento do imposto não se provou no processo. Todas estas constatações justificam a condenação no pagamento do imposto nos termos requeridos. Não se encontra que a autora litigue com má fé ou abuso de direito Sintetizando: a). O “uso não profissional” é algo que “por defeito” pode/deve ser atribuído à dona da obra a propósito do qual não há qualquer indício dum “uso profissional”, traduzindo-se a obra na construção de uma moradia para habitação permanente; por outro lado, o “carácter profissional” é algo que pode/deve ser atribuído ao empreiteiro (o réu marido) que exerce com carácter profissional a actividade económica (no sector a que a obra diz respeito). b). Estamos, pois, perante uma relação de consumo (cf. art.º 2.º/1 da LDC 24/96); mais exatamente, perante uma relação de consumo que preenche o subtipo de empreitada de consumo. Decisão Em face de todo o exposto, acordam os Juízes da 2ª secção cível deste Tribunal da Relação em: 1). Julgar improcedente a apelação da autora e manter a decisão recorrida (ainda que com fundamentos diferentes) e em consequência; a) condenar os réus a aceitar a resolução do contrato de empreitada celebrado com a autora, relativamente à construção da casa melhor identificada no artigo 1º da petição inicial; b) condenar os réus a pagarem à autora, a título indemnizatório: - A quantia de € 9.000,00 (nove mil euros), relativa à reparação dos defeitos que a obra apresenta e discriminados no número 24 dos factos provados acrescidos de IVA à taxa legal em vigor à data da realização dos trabalhos e de juros à taxa legal desde a citação e até efectivo e integral pagamento. - Bem como do valor que se vier a apurar em liquidação de sentença, relativo ao custo dos trabalhos não realizados e discriminados no número 27 dos factos provados. 2). Julgar parcialmente procedente a Apelação dos RR e em consequência: a) condenar a autora /reconvinda a pagar aos réus a quantia 34.100 euros (trinta e quatro mil e cem euros) mais IVA à taxa legal sobre o valor dos trabalhos a mais, acrescida dos juros fixados na sentença recorrida. 3). No demais mantêm-se a decisão recorrida. 4). Custas da ação e da reconvenção a cargo da autora e dos réus, na proporção do decaimento. Guimarães, 14 de abril de 2016 (processado em computador e revisto pela relatora antes de assinado) (Maria Purificação Carvalho) (Maria Cristina Cerdeira) (Espinheira Baltar) * 2 in “Noções Elementares de Processo Civil”, págs. 191 e 192 3 In Manual de Processo Civil, Coimbra Editora pp 420. 4 in B.M.J. nº. 112º, pág. 190 5 Obra citada na nota 3 6 A habitabilidade do espaço doméstico, universidade do Minho, Ana Luísa Jardim Martins Rodrigues, “Tese de Doutoramento”, dezembro de 2008 acessível no site: file:///C:/Documents%20and%20Settings/MJ01363/Os%20meus%20documentos/Downloads/tese doutoramento_ana_luisa_2008.pdf ( consulta em 16 de fevereiro de 2016) 7 João Cura Mariano “Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, Almedina 2011-4ª edição pp 58 8 cf. Fernanda Paula Oliveira e outras em Regime Jurídico da Urbanização e Edificação – Comentado, pag. 471). 9 cf. DL 281/99 de 26.07 alterado pelo DL 116/2008 de 04.07 e Parecer do Conselho Consultivo da PGR de 04.12.2001 – PGR 00001232). 10 cf. Prof. ROMANO MARTINEZ in “Direito das Obrigações” (Parte Especial) Contratos, ed. Almedina, pág.362. 11 Cf. Prof. SOARES MARTINEZ, obra. cit.na nota 10 pág. 382/383. 12 Ac. RC, de 16.01.07, www.dgsi.pt 13 Segue-se aqui a opinião sustentada por Henrique Mesquita, na R.L.J., Ano 131, pág. 128, e João Cura Mariano, em responsabilidade contratual do empreiteiro pelos defeitos da obra, pág. 147 e seg., da 3ª ed., da Almedina. 14 Vaz Serra, em Empreitada, no B.M.J. nº 157, pág. 60 e seg., Antunes Varela e Pires De Lima, em Código Civil anotado, vol. II, pág. 898, da 4ª ed., da Coimbra Editora, Pedro Romano Martinez, em Direito das obrigações (Parte especial), pág. 492, da 2ª ed., da Almedina, e João Cura Mariano, em Responsabilidade contratual do empreiteiro pelos defeitos da obra, da 3ª ed., da Almedina. pág. 156. 15 Obra citada na nota 13. 16 Sobre a noção de consumidor ver Jorge Morais de Carvalho in Manual do Direito de Consumo, 2016-3ª edição pp 18 e sgs 17 João Cura Mariano, in Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 4.ª ed., pág. 204 18 O DL 67/2003 (assim como as alterações ao mesmo introduzidas pelo DL n.º 84/2008) visa a proteção de interesses de ordem pública, alheios aos interesses particulares que presidiram à formação do contrato, pelo que as suas regras devem aplicar-se aos contratos cuja prestação do empreiteiro se encontre em execução, ainda que celebrados em data anterior à sua entrada em vigor. 19 Ver Cadernos de Direito Privado nº 51 julho/setembro de 2015 artigo “A responsabilidade civil dos intervenientes no processo de construção” de Henrique Sousa Antunes pp 3 a 25. 20 João Cura Mariano, in Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 4.ª ed., pág. 226e 227. 21 Neste sentido João Cura Mariano, na obra cit. pág 229 22 Não se poder dizer que o tribunal se está a substituir-se aos contraentes ou a ir contra a posição dos contraentes quando, em obediência e nos termos do art.º 664.º do VCPC = 5.º/3 do NCPC, se limitar a qualificar e a aplicar o direito às suas (dos contraentes) próprias alegações e invocações. 23 Cf. entre outros, Almeida Costa, Direito das Obrigações, 6.ª ed. 918, A. Varela, Das Obrigações em Geral, II, 109, Menezes Leitão, Direito das Obrigações, II, 259 e Mota Pinto, Cessão da Posição Contratual, 412, nota de pé de página. 24 em www.dgsi.pt, podem-se consultar os A.C. de 26.3.1998, 19.4.1999, 3.9.2004, 2.12.2004, 12.7.2005, 21.3.2006, 23.1.2007, 17.5.2007, 22.1.2008, 22.4.2008 e 23.10.2008). 25 BMJ 47,40. 26 Pressupostos da Resolução por Incumprimento, 175. 27 Da Cessação do Contrato, 208. 28 Cláusulas de Exclusão e Limitação da Responsabilidade Contratual, 479. 29 A Resolução do Contrato no Direito Civil, 196. 30 Direito das Obrigações, 7.ª ed., 463, nota de pé de página. 31 Cf. Ribeiro de Faria, Direito das Obrigações II, 434. 32 Proc. Nº 1207/06.5 TBMDA-C1. S1 relatado pelo Exª Conselheiro Nuno Cameiro |