Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | ISABEL ROCHA | ||
Descritores: | IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO PROVA GRAVADA PRAZO TÍTULO EXECUTIVO TRANSACÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 10/09/2014 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | I. Se o recorrente mostra na sua alegação pretender a reapreciação da prova gravada, não deixa de lhe aproveitar o acréscimo de 10 dias ao prazo para alegar, mesmo que o recurso da matéria de facto venha a ser rejeitado por ter sido inobservado o dever de indicação dos concretos pontos de facto considerados mal julgados. II. Constitui título executivo a sentença homologatória de transacção judicial, ainda que a transacção implique a constituição, modificação ou extinção de direitos diversos do objecto em litígio. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes que constituem a 1.ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães. RELATÓRIO M… e marido, M…, executados nos autos de execução para pagamento de quantia certa que correm por apenso com o n.º 513-A/2000 vieram deduzir a presente oposição à execução e à penhora que lhes é movida por A… . Na referida transacção judicial, realizada no âmbito de um processo de inventário, os interessados acordaram na partilha dos bens, e, a ora oponente/ interessada, também se obrigou a pagar uma quantia monetária mensal à ora exequente/ interessada, obrigação essa que é objecto da ora execução. Alega para tanto que a sentença que homologou a transacção, e onde também foi acordada a partilha dos bens do falecido, não abrange a obrigação do dito pagamento mensal á exequente, por nada ter a ver com a partilha, sendo certo que as tornas devidas já foram pagas, alegando que a pretensão da exequente ao instaurar a presente execução mais não é senão promover o pagamento de uma prestação alimentar, o que extravasa o âmbito das obrigações a que se mostra obrigada em razão da sentença proferida no processo de inventário que serve de título executivo. A exequente apresentou contestação, sustentando a improcedência da oposição deduzida. Realizada a audiência de discussão e julgamento da causa, com a observância do formalismo legal, foi proferida decisão que julgou improcedente a oposição.
Inconformados, os oponentes apelaram da sentença, apresentando alegações de onde se extraem as seguintes conclusões: 1- O título executivo nos presentes autos é a sentença homologatória da partilha por óbito do inventariado J… . 2- A quantia exequenda não é nenhum crédito de tornas da exequente, ora recorrida, sobre os executados, ora recorrentes. 3- Também não é nenhum débito da herança à exequente, ora recorrida. 4- Como se constata da cláusula oitava do termos de transacção “ as tornas devidas já foram recebidas em mão pelos respectivos interessados”. 5- Os 125,00€ que os interessados intervenientes de comprometeram a pagar à cabeça de casal, ora recorrida, destinavam-se à sua alimentação e da R… e que tal não tem nada a ver com a compensação da partilha dos bens”, como consta do seu depoimento de parte, transcrito, nessa parte, na acta da audiência de julgamento de fls.. 6- A prestação de alimentos à cabeça de casal só em sede de processo próprio é que pode ser discutida. 7- Pois que a obrigação de prestar alimentos em princípio nos termos legais, incumbe a todos os filhos. 8- Ora, muito embora o clausulado, a recorrida só dos recorrentes é que está a exigir o pagamento da prestação. Pois “ela é rica”. É o que resulta do depoimento das testemunhas R… e R…, acima transcritos. 9- Aliás, dos mesmos depoimentos resulta que a recorrida não precisa do auxílio dos filhos e está a pagar à filha Rosa 500,00€ mensais para a mesma olhar por ela e pela R…. O que a própria filha … reconhece no seu depoimento. 10- Ora, não carecendo a recorrida de alimentos, não pode estar a exigir o seu pagamento aos recorrentes. 11- E, a fazê-lo, teria sempre que ser em processo próprio. 12- E nunca dando à execução uma sentença homologatória de uma partilha judicial. 13- Pois que o processo de inventário, nos termos do disposto no artº 1326º nº1 do C. P. C “destina-se a pôr termo à comunhão hereditária”. 14- Por isso, a sentença homologatória da partilha apenas faz caso julgado quanto à adjudicação dos bens, ao pagamento das tornas e do passivo. 15- E nesse sentido são, entre outros, os acórdãos: a) “ A sentença homologatória da partilha limita-se a “chancelar” ou autenticar uma dada partilha mediante a qual se atribui aos respectivos interessados o direito de propriedade sobre certos e determinados bens” (AC. Do S, T, J, de 22-4-2004, in Abilio Neto, Código de Processo Civil anotado, 20ªedição, pág. 1479). b) “A sentença proferida em processo de inventário serve apenas para homologar a partilha e ordenar o pagamento do passivo aprovado, encontrando-se excluído quaisquer outras prestações….. tem ela pois um alcance limitado, se cortejado com a sentença proferida em processo comum” (AC. S. T J. de 20-10-2009, in Abílio Neto, Código de Processo Civil Anotado, Maio/2013, pag.281). c) “ Em processo de inventário, a sentença homologatória da transacção tem força de caso julgado apenas quanto à partilha” (AC: RE. De 11.3.2014, in Abílio Neto, Código de Processo Civil Anotado, edição 20ª, pag.1418). 16- Por isso, o clausulado na cláusula nona da transacção é matéria espúria que não pode ser abrangido pelo trânsito em julgado da sentença homologatória da partilha. 17- Pelo que, a sentença homologatória daquela transacção não constitui título executivo, nos presentes autos, para os efeitos pretendidos pela exequente, ora recorrida. 18- A douta decisão recorrida viola o disposto no artºs 1326º nº1 e 814º alínea a) do C. P. C. e 2003º, 2004º e 2009º do C. C..
A exequente respondeu às alegações, alegando a intempestividade do recurso, uma vez que no mesmo não foi impugnada a decisão de facto, pelo que deveria ter sido interposto no prazo de 30 dias, não podendo os apelantes beneficiar do prazo adicional de 10 dias. Sem prescindir, conclui pela confirmação da sentença recorrida. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
FUNDAMENTAÇÃO OBJECTO DO RECURSO Considerando que o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das alegações, as questões a decidir são as seguintes: Se a apelação foi interposta no prazo legal; Existência de título executivo.
A factualidade que fundamentou a decisão recorrida é a seguinte: 1. Por termo de transacção lavrado no processo de inventário que correu termos com o n.º 513/2000, em 02/06/2005, e assinado pelas pessoas a seguir mencionadas, consignaram os interessados A…, M… e marido, M…, D… (este na qualidade de curador da interessada R…, S… (como procurador dos interessados A… e mulher, C…), J… e mulher, M…, e R… e marido, A…, acompanhados dos Ils. Advogados Dr. F… e F, o seguinte acordo, com o qual pretenderam pôr termo ao processo:
«CLÁUSULA PRIMEIRA Os móveis das verbas n.ºs 1 (um) a 13 (treze) são adjudicados à cabeça de casal, A…, pelos valores da relação de bens. CLÁUSULA SEGUNDA O usufruto da verba n.º 14 (catorze) é adjudicado à cabeça de casal, A…, pelo valor de € 10.000,00 (dez mil euros). CLÁUSULA TERCEIRA A sepultura da verba n.º 21 (vinte e um) e o imóvel da verba n.º 22 (vinte e dois) são adjudicados à cabeça de casal, respectivamente, pelos valores indicados na relação de bens. CLÁUSULA QUARTA A raiz ou nua propriedade do imóvel da verba n.º 14 (catorze) é adjudicado na totalidade à interessada R…, pelo valor de € 77.054,05. CLÁUSULA QUARTA O imóvel da verba n.º 15 (quinze) na sua totalidade à interessada Rosa Ferreira da Costa Fernandes, pelo valor de € 87.657,66. CLÁUSULA QUINTA O imóvel da verba n.º 16 (dezasseis) ao interessado A…, pelo valor de € 72.774,77. CLÁUSULA SEXTA O imóvel da verba n.º 17 (dezassete) e 18 (dezoito) são adjudicados na sua totalidade ao interessado J…, pelo valor de € 79.995,50 e 9175,68. CLÁUSULA SÉTIMA Os imóveis das verbas n.º 19 (dezanove) e 20 (vinte) aquela com a área corrigida para 2593 m2, são adjudicados à interessada M…, e pelos valores de € 81.761,26 e € 10.000,00 respectivamente. CLÁUSULA OITAVA As tornas devidas já foram recebidas em mão pelos respectivos interessados. CLÁUSULA NONA Cada um dos interessados R…, A…, J… e M… obrigam-se, cada um, a pagar à interessada cabeça de casal, a quantia mensal de € 125,00, com início no mês de Junho corrente, até ao último dia de cada mês, a depositar em conta bancária a indicar pela interessada cabeça de casal». 2. Tal acordo foi homologado por sentença proferida aos 02/06/2005 e que veio a transitar em julgado. 3. A executada M… não procedeu ao pagamento das quantias relativas aos meses de Julho a Dezembro de 2005 e de Setembro de 2007 até à data da instauração da execução de que a presente oposição constitui incidente. 4. A quantia referida na cláusula nona do referido escrito, que a executada e os demais interessados ali mencionados se obrigaram a pagar à exequente, corresponde ao valor dos alimentos acordados pelos mesmos e pela exequente para garantir a subsistência desta. 5. Foi vontade dos interessados mencionados na cláusula nona e da exequente que a R… não ficasse vinculada à obrigação aí mencionada por ser incapaz e viver à custa da mãe. 6. A exequente e a R… fazem face às despesas necessárias à sua subsistência, entre o mais, com o pagamento feito pelos interessados nos termos acordados na cláusula nona do termos de transacção referida em 1.
DECIDINDO Da intempestividade do recurso Alega a apelada nas suas alegações que foi excedido o prazo para a interposição do recurso ora em causa, pois que, não tendo sido impugnada a decisão de facto, não beneficiam os apelantes do prazo adicional de 10 dias. Quer no pretérito CPC, quer no actual, o prazo para a interposição do recurso, é de 30 dias a contar da notificação da decisão (respectivamente, art.º 685.º n.º 1 e art.º 638.º n.º 2). Não obstante, se o recurso tiver por objecto a reapreciação da prova gravada, ao prazo de interposição e de resposta acrescem 10 dias (cf art.º 685.º n.º 7 e 638.º n.º 7). Ora, das alegações de recurso infere-se que foi intenção dos apelantes impugnar a matéria de facto, já que, transcreveram partes de gravações de depoimentos produzidos em audiência, concluindo-se assim a sua discordância relativamente á decisão de facto. Contudo, não cumpriram os ónus que lhes cabiam nos termos do art.ºs 685.º B do CPC e, actualmente do art.º 640.º: não indicaram os concretos pontos de facto que consideram incorrectamente julgados, sendo pois impossível a concretização da decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. Assim sendo, deve desde já ser rejeitado recurso da matéria de facto ( art.º 685-B n.º 1 do anterior CPC e, actualmente, no art.º 640.º n.º 1 do cpc em vigor). Tal rejeição, no entanto, não impede que os apelantes não beneficiem do prazo adicional já referido. Termos em que, deve ser admitido o recurso, na parte em que não abrange a dita impugnação da decisão de facto.
Da existência de título executivo O título executivo dado á execução consiste numa sentença, transitada em julgado, que homologou uma transacção judicial, no âmbito de um processo de inventário. Nessa transacção, acordaram os interessados na partilha dos bens do “de cujus.” Ademais, a ora oponente e interessada obrigou-se a pagar á interessada ora exequente e sua mãe, uma quantia mensal, nos termos da cláusula nove da transacção que é o objecto da execução em causa. Argumentam os oponentes que a sentença homologatória transitada não faz caso julgado relativamente à obrigação exequenda, pois que, a mesma só tem força de caso julgado apenas quanto á partilha. Não foi este o entendimento da decisão recorrida, que julgou improcedente a presente oposição. Em face da fundamentação desta decisão, adiantamos desde já que subscrevemos os fundamentos e a decisão, que é clara e proficiente. Como se escreve na decisão apelada, “A transacção judicial pode fazer-se por documento autêntico ou particular, sem prejuízo dos requisitos de forma impostos pela lei substantiva, e ainda por termo lavrado no processo ou em acta quando resulte de conciliação obtida pelo juiz (artigo 300.º, nºs 1 e 4 do Código de Processo Civil, antes da entrada em vigor da Lei n.º 41/2013). A transacção judicial deve ser homologada por sentença nos termos da qual, examinados os pressupostos de validade daquela, o tribunal absolve e condena as partes nos exactos termos por estas estipuladas (artigo 300.º, nºs 3 e 4 do Código de Processo Civil na versão já referida). No Acórdão do TR Lisboa, de 20/07/1979, decidiu o Venerando Tribunal que “a sentença homologatória que aprecia uma transacção não pode alterar os precisos termos que foram objecto do acordo das partes” (apud Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o novo processo civil, p. 203). Resulta da definição legal do contrato de transacção que o seu fim é o da resolução de um litígio e que, para tanto, as partes podem constituir, modificar ou extinguir direitos diversos do direito controvertido. Nesta conformidade, se o autor desistir do pedido em troca de uma prestação da outra parte haverá transacção (neste sentido ver Vaz Serra apud Abílio Neto, Código Civil anotado, 11.ª ed., p. 863). A transacção judicial pode ser quantitativa ou novatória. Será quantitativa sempre que as concessões entre as partes impliquem uma alteração do quantum do objecto da causa e será novatória quando impliquem a constituição, modificação ou extinção de direitos diversos do objecto em litígio. Como se conclui na mesma sentença, o contrato de transacção acordado no processo de inventário, não versa sobre direitos indisponíveis, nem é contrário á lei á ordem pública ou aos bons costumes, podendo ter como objecto, para além da partilha, “a constituição, modificação ou extinção de um direito (e correspectivo dever) dos outorgantes do referido contrato, Nestes termos, deve afirmar-se a existência de título executivo, uma vez que a obrigação exequenda foi sancionada por sentença homologatória transitado em julgado, além de que, de qualquer forma, a transacção em causa constitui um contrato que podia firmar-se extrajudicialmente e que também constituiria título executivo.
Em conclusão: Constitui título executivo a sentença homologatória de transacção judicial, ainda que a transacção implique a constituição, modificação ou extinção de direitos diversos do objecto em litígio.
DECISÃO Por tudo o exposto acordam os juízes desta secção cível em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelos apelantes. Guimarães, 9 de outubro de 2014 Isabel Rocha Moisés Silva Jorge Teixeira |