Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
686/10.8TBFLG-B.G1
Relator: FERNANDO FERNANDES FREITAS
Descritores: EXECUÇÃO
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO
PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/11/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I.- O artº. 885º., nº. 1, do C.P.Civil, visando tutelar os direitos dos restantes credores, confere àqueles cujo crédito esteja vencido o direito de fazer prosseguir a execução que foi sustada em virtude de um acordo de pagamento em prestações do crédito do exequente que penhorou os bens do executado antes daqueles.
II.- Este exequente ou desiste da garantia constituída a seu favor pela penhora, ou requer o prosseguimento da execução para pagamento do remanescente do seu crédito, ficando, neste caso, sem efeito o acordo celebrado, do pagamento em prestações.
Decisão Texto Integral: - ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES -
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A) RELATÓRIO
I.- Nos autos de execução comum, para pagamento de quantia certa, que A… e esposa M…, com os sinais de identificação nos autos, movem aos executados J… e esposa G…, também identificados nos autos, foram penhorados um bem imóvel – prédio urbano, composto de casa de rés-do-chão e quintal, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de…, em Felgueiras, e descrito na C.R.P. de Felgueiras sob o nº…. – e diversos bens móveis, que constituíam o recheio daquele imóvel, e ainda diversas máquinas e ferramentas, tudo melhor descrito nos autos de penhora de fls. 19 e 20; 21 a 33; e 34 a 36.
Após a penhora, os Exequentes e os Executados celebraram um acordo de pagamento em prestações da quantia exequenda e juros, que fixaram em € 28.039,32, ficando estes de pagar àqueles uma importância inicial de € 2.000 e a quantia mensal de € 100, até perfazer o montante em dívida - cfr. fls. 45 e 46.
Posteriormente àquela penhora os mesmos bens vieram a ser penhorados pela credora dos Executados “M…, Ldª.” que reclamou o seu crédito na execução acima referida.
A mesma Credora/Reclamante requereu o prosseguimento da execução, ao abrigo do disposto no artº. 885º., nº. 1, do C.P.Civil.
Notificados, os Exequentes vieram declarar que o acordo que haviam celebrado com os Executados tem vindo a ser cumprido e que “não desistem nem prescindem da garantia a que alude o nº. 1 do artº. 883º., do CPC”, assim como “não pretendem seja dado sem efeito o plano prestacional acordado entre estes e os executados, obstando, portanto, ao prosseguimento da execução uma vez que tal prosseguimento, face à garantia real de hipoteca que incide sobre o bem imóvel penhorado à ordem destes autos a favor da Caixa Económica Montepio Geral S.A. se afigurar prejudicial para a satisfação do crédito dos aqui exequentes” (cfr. fls. 119 e 120 dos autos).
A Meritíssima Juiz a quo proferiu o seguinte despacho:
“Exequentes e executados acordaram na suspensão da instância nos termos do disposto no art. 882.º do CPC.
Notificado o credor reclamante, o mesmo requereu o prosseguimento da instância. – art. 885.º, n.º 1 do CPC.
Cumprido o disposto no art. 885.º, n,º 2 do CPC, os exequentes declararam não desistir da garantia que têm nos autos.
Assim, determina-se o prosseguimento da execução – art. 885.º, n.º 1 do CPC.
Os Exequentes não se conformaram com este despacho e impugnam-no através do presente recurso, pretendendo vê-lo revogado, e que se mantenha a suspensão da instância (executiva) até ser paga a quantia exequenda ou ser incumprido o plano de pagamentos acordado.
A Credora/Reclamante contra-alegou defendendo o decidido.
O recurso foi recebido como de apelação, com efeito devolutivo.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II..- A Apelante fundamenta o seu recurso nas seguintes conclusões:
1 - Não se conformam os apelantes com o despacho que ordenou o prosseguimento dos presentes autos.
2 - O despacho de que ora se recorre é nulo e viola o disposto no artigo 885.º n.º 2 a. b), bem como o disposto no artigo 668.º n.º 1 al. b) do C.P.C., bem como os princípios processuais da disponibilidade das partes e da prioridade.
3 – Inerente à acção executiva esteve a intenção do legislador em dar prevalência na ponderação de interesses da satisfação do exequente que mais rapidamente procurou a satisfação do seu direito, por meio da penhora, como da manutenção/conservação do património do executado.
4 - Ponderando a prevalência de tais interesses consagrou o regime de suspensão da instância do artigo 882.º, enquanto especial regime de suspensão, o qual não está sujeito a quaisquer limites temporais, dependendo, este, sempre do prazo de duração do acordo celebrado entre as partes para pagamento seja ele de meses ou de anos,
5 - O acordo de pagamento da quantia exequenda em prestações traduz-se num verdadeiro negócio jurídico que as partes conduzem ao processo e constitui a realização plena do princípio processual da disponibilidade das partes.
6 - Os exequentes/apelantes celebraram com os executados, em Outubro de 2010, e ainda na fase inicial da acção executiva, acordo prestacional para pagamento da quantia exequenda, requerendo para o efeito a suspensão da instância, nos termos do preceituado no artigo 882.° n,º 2 do CPC.
7 - O acordo de pagamento ocorreu antes da reclamação de créditos. designadamente da reclamação de créditos da credora reclamante M…,Lda ..
8 - A credora reclamante, reclamou o seu crédito, nestes autos, após penhora dos bens imóvel e móveis, já penhorados à ordem dos presentes autos e para garantia do direito dos aqui apelantes.
9 - Posteriormente veio requerer o prosseguimento dos autos, invocando a necessidade de ver satisfeito o seu crédito.
10 - Exercendo o contraditório, os exequentes/apelantes não prescindiram/desistiram da garantia prestada a seu favor, bem como se opuseram ao prosseguimento dos autos, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 885.º n.º 2 do C.P.C.
11 – A norma do artigo 885.º n.º 2 do CPC consagra inequívoca intenção do legislador de dar primazia, na ponderação da satisfação de interesses, da satisfação dos interesses do exequente que efectuou a penhora em primeiro lugar, bem como, da satisfação do interesse do executado na conservação do património.
12 - De outro modo, não se entenderia a posição do legislador, de chamar o exequente a manifestar expressamente se pretendia também o prosseguimento da execução para pagamento do remanescente do seu crédito, ficando sem efeito o pagamento em prestações acordado entre estes e o executado.
13 - Não se diga, que o direito consagrado no artigo 885.º n.º 1 do C.P.C., enquanto limitação ao referido princípio da disponibilidade, há-de prevalecer sobre os interesses do exequente que efectuou a penhora em primeiro lugar e do executado na conservação do seu património, pois, embora o acordo de pagamento em prestações, possa atender ao acordo do credor reclamante, tal atenção apenas se pode verificar, a nosso ver, quando, no momento em que é celebrado o acordo prestacional entre exequente e executado, haja já sido apresentada qualquer reclamação de credores, pois, até aí, não havia outros interesses a ponderar. E tal não sucedeu nestes autos.
14 - O prosseguimento dos autos, no caso concreto, conduzirá, inequívoca e inevitavelmente ao prejuízo irreparável dos interesses dos exequentes, atendendo a que, sobre o bem imóvel penhorado à ordem destes autos, incide crédito hipotecário a favor da Caixa Económica Montepio Geral S.A, cujo registo é anterior ao registo de ambas as penhoras.
15 - O prosseguimento dos autos, no caso concreto, há-de, passar necessariamente pela citação de credores com garantia real e/ou privilégios creditórios, como será o caso do credor hipotecário e eventualmente do Estado, caso existam dívidas por parte dos executados, cuja graduação e pagamento ocorrerá em primeiro lugar em relação aos aqui exequentes/apelantes e só posteriormente, a graduação da credora reclamante.
16 - O prosseguimento dos autos traduzir-se-á, para os exequentes/apelantes, num ónus acrescido e desmesurado decorrente do custear de todas as custas e encargos inerentes ao normal desenrolar e desenvolvimento do processo, correndo, estes, o risco de a final não verem satisfeito o seu direito, atendendo à existência de credores com garantias reais e à tendente desvalorização patrimonial dos bens imóvel e móveis que existam no acervo patrimonial dos executados para garantir coactivamente o pagamento dos direitos dos credores.
17 - Foi ponderando todos estes circunstancialismos que os exequentes/apelantes se opuseram ao prosseguimento da execução, por verem no seu prosseguimento a violação do direito fundamental de acesso à justiça e do principio da confiança, na medida em que lhes possibilitará a retirada da tutela judiciária assegurada pela acção executiva.
18 - O desrespeito pela posição dos exequentes/apelantes quanto ao prosseguimento dos autos constitui violação dos mais elementares princípios processuais que subjazem na acção executiva, bem como na violação do disposto no artigo 885.º n.º 2 al, b) e 668.º n.º 1 al, b).
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III.- A Exequente/Reclamante, por sua vez, conclui assim:
1 – Os Apelantes/exequentes não conformados com o Douto despacho que determinou o prosseguimento da execução interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães, fundamentando o mesmo nos termos e ao abrigo dos artigos 691º nº 2, alínea m), 691º-A e B e 692º, todos do CPC
2 - Todavia, o recurso apresentado pelos Apelantes/exequentes deve ser liminarmente rejeitado por legalmente inadmissível.
3 - Uma vez que, o artigo 691º nº 2, alínea m) do CPC apenas permite o recurso de decisões e não de despachos.
4 - E, conforme muito bem referem os Apelantes/exequentes estamos perante um despacho que determinou o prosseguimento da execução.
5 - Acresce que, se o legislador pretendesse que o referido despacho fosse passível de recurso com base na alínea m), do artigo 691º nº. 2, teria feito constar da mesma a expressão "Despachos", tal como o fez nas alíneas i, j e l, do nº 2 do referido artigo e diploma.
6 - E, ao não o fazer, deveriam os Apelantes/exequentes ter apresentado o presente recurso no prazo geral de 10 dias, tal como prevê o artigo 153º do CPC e não no prazo de 15 dias.
7 - Pelo que, não o tendo feito no prazo legal, deve o recurso apresentado pelos Apelantes/exequentes ser liminarmente indeferido por extemporâneo.
8 - No essencial, os Apelantes/exequentes alegam que o prosseguimento dos autos requerido pela Apelada/credora reclamante se afigura prejudicial para a satisfação do seu crédito.
9 - E, isto porque, por um lado os executados estão a cumprir com o acordo de pagamento em prestações celebrado e por outro porque existindo um credor hipotecário - Caixa Económica Montepio Geral S.A. este será pago preferencialmente a si.
10 - Todavia, nenhuma razão assiste aos Apelantes/exequentes.
11 - Porquanto, da análise do nº 2 do artigo 864º do CPC, facilmente se constata que a Sr.a Agente de Execução teve, obrigatoriamente, que notificar, entre outros, as variadas entidades públicas no prazo de 5 dias após a realização da penhora.
12 - Não relevando para o efeito, o facto de exequente e executado terem de seguida celebrado um acordo de pagamento em prestações.
13 - E, da análise do sistema Citius, não se vislumbra que alguém tenha reclamado créditos, para além da aqui Apelada/credora reclamante, incluindo o credor hipotecário - Caixa Económica Montepio Geral S.A ..
14 - O que significa que o produto da venda do imóvel e dos bens móveis penhorados à ordem dos presentes autos vai servir, apenas e tão só, para satisfazer o crédito dos aqui Apelantes/exequentes e da Apelada/credora reclamante.
15 - Sendo certo que, os Apelantes/exequentes serão graduados em primeiro lugar e a Apelada/credora reclamante em segundo lugar.
16 - Ora, se no acordo de pagamento celebrado em 25/10/2010, os executados se confessaram devedores dos Apelantes/exequentes da quantia de € 28.039.32, se nessa data procederam ao pagamento da quantia de € 2.000,00 e se a restante quantia seria paga em prestações mensais de € 100,00 cada com início em Outubro de 2010, significa que, até à presente data, os executados pagaram mensalmente aos Apelantes/exequentes a quantia de € 1.700,00 (17 meses x € 100,00).
17 - O que significa que, por conta do acordo de pagamento celebrado os Apelantes/exequentes já receberam a quantia de € 3.700,00, encontrando-se em débito a quantia de € 24.339,32 (€ 28.039.32 - € 3.700,00).
18 - Assim sendo, não se vislumbra a que título a que os Apelantes/exequentes ficarão prejudicados com o prosseguimento da execução, nomeadamente com a venda do imóvel, uma vez que, a sua venda é mais que suficiente para garantir o crédito dos Apelantes/exequentes e bem assim, da Apelada/credora reclamante.
19 - Mas mesmo que o produto da venda do imóvel não fosse suficiente para assegurar o crédito dos Apelantes/exequentes, sempre se dirá que ainda se pode proceder à venda dos bens móveis.
20 - E, não se verificando nenhum prejuízo para os Apelantes/ exequentes com o prosseguimento da execução não poderiam estes ter intentado o presente recurso, por não terem legitimidade para o efeito - Art. 680º nº 2 do CPC.
21 - Pelo que, atento o exposto, deve o recurso ser liminarmente indeferido por falta de legitimidade dos Apelantes/exequentes.
22 - Mesmo que se considere que o credor hipotecário - Caixa Económica Montepio Geral S. A. reclamou créditos, nem assim a pretensão dos Apelantes/exequentes pode proceder.
23 - Isto porque, em 30/01/2002, o credor hipotecário - Caixa Económica Montepio Geral S.A. mutuou aos executados a quantia de € 53.870,17.
24 - Como contrapartida do referido mútuo os executados constituíram uma hipoteca voluntária sobre o bem imóvel penhorado à ordem dos presentes autos a favor do credor hipotecário - Caixa Económica Montepio Geral S.A. para assegurar o montante máximo de € 74.394,70.
25 - Ora, como é do conhecimento geral, os bancos quando procedem à avaliação dos bens que lhes são dados de hipoteca, avaliam-nos por apenas cerca de 70% do seu valor real.
26 - Assim sendo, se o imóvel dado de hipoteca serviu para assegurar o montante máximo de € 74.394,70 e se o mesmo foi avaliado pelo credor hipotecário - Caixa Económica Montepio Geral S.A. por 70% do seu valor real, significa que o imóvel tem um valor real de, pelo menos, cerca de € 100.000,00.
27 - E, considerando que o imóvel será vendido por 70% do seu valor real, ou seja, por € 70.000,00, nem assim, os Apelantes/exequentes ficarão prejudicados.
28 - Pois, se o mútuo no montante de € 53.870,17 ocorreu no início do ano de 2002 e se os executados já se encontram a amortizar tal quantia há 10 anos, actualmente, a quantia em dívida será provavelmente de metade desse valor ou até menos, ou seja, cerca de € 25.000,00.
29 - Assim sendo, se o imóvel for vendido por apenas € 70.000,00, o produto da sua venda vai servir para pagar em primeiro lugar ao credor hipotecário - Caixa Económica Montepio Geral SA, em segundo aos Apelantes/exequentes e em terceiro à Apelada/credora reclamante.
30 - Sendo que, se aos € 70.000,00, descontarmos os € 25.000,00 que o credor hipotecário - Caixa Económica Montepio Geral SA tem direito a receber, verificamos que ainda sobra a quantia de € 45.000,00 para pagar aos Apelantes/exequentes e à Apelada/credora reclamante, sendo certo que, aqueles serão graduados em segundo lugar e que, conforme supra exposto, apenas lhes falta receber a quantia de € 24.339,32.
31 - Sobrando ainda do produto da venda do imóvel cerca de € 20.000,00 para ressarcir a Apelada/credora reclamante.
32 - Pelo que, atento o exposto, não se vislumbra onde e a que título é que os Apelantes/exequentes ficarão prejudicados com o prosseguimento da execução, até porque, conforme supra exposto, o produto da venda do imóvel é mais que suficiente para pagar a todos os credores dos executados.
33 - Prejudicados ficarão é se, estupefactamente, pretenderam continuar a receber a quantia em dívida durante mais de 20 anos.
34 - Mas mesmo que o produto da venda do imóvel não fosse suficiente para assegurar o crédito dos Apelantes/exequentes, sempre se dirá que ainda se pode proceder à venda dos bens móveis.
35 - E, não se verificando nenhum prejuízo para os Apelantes/exequentes com o prosseguimento da execução não poderiam estes ter intentado o presente recurso, por não terem legitimidade para o efeito - Art. 680º nº 2 do CPC.
36 - Pelo que, atento o exposto, deve o recurso ser liminarmente indeferido por falta de legitimidade dos Apelantes/exequentes.
37 - Mesmo considerando que o credor hipotecário - Caixa Económica Montepio Geral S.A. avaliou o bem imóvel não por 70% do seu valor real, mas sim por 80/90%, sempre se dirá, que mesmo assim, o imóvel terá um valor superior ao capital assegurado de € 74.394,70.
38 - Pelo que, também por aqui não assiste qualquer razão aos Apelantes/exequentes.
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Como resulta do disposto nos artº.s 684º., nº. 3; 685º.-A, nº.s 1 e 3, e 685º.-C, nº. 2, alínea b), todos do C.P.Civil, as conclusões definem e delimitam o objecto do recurso, sem prejuízo da apreciação das questões de que o Tribunal deva conhecer ex officio.
A única questão a decidir é, de acordo com as conclusões, se a execução deve continuar suspensa até à liquidação integral do crédito dos Apelantes ou até que se verifique o incumprimento do acordo de pagamento que celebraram com os executados.
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B) FUNDAMENTAÇÃO
IV.- Todas as incidências processuais a considerar para a apreciação do presente recurso foram já descritas em I, que se têm por aqui por reproduzidas.
Nos termos do disposto no artº. 817º., do Cód. Civil, quando a obrigação não é voluntariamente cumprida o credor tem direito a exigir judicialmente o seu cumprimento e de executar o património do devedor.
A execução tem, precisamente, por finalidade a reparação efectiva do direito violado, como se extrai do artº. 4º., nº. 3, do C.P.Civil (como o serão todas as disposições legais a seguir citadas, sem menção do Diploma a que pertencem).
O artº. 822º., do Cód. Civil consagra o princípio da preferência resultante da penhora – desde que os bens penhorados não estejam onerados com uma garantia real anterior, os créditos são pagos pela ordem por que foram feitas as penhoras.
Por isso é que o artº. 871º., do C.P.Civil determina a sustação da execução em que foram penhorados bens que já tinham sido anteriormente penhorados noutra execução, ficando aquele credor/exequente com direito a reclamar o seu crédito nesta execução, em que os bens foram penhorados em primeiro lugar – cfr. artº. 865º..
Nos termos previstos no artº. 882º., o credor e o devedor podem acordar no pagamento em prestações da dívida exequenda, caso em que a execução fica suspensa até se mostrar paga a dívida, não havendo qualquer prazo limite de suspensão.
Sem prejuízo do que for acordado entre o exequente e o executado, que podem convencionar outras garantias adicionais, o crédito exequendo fica garantido pela penhora feita na execução, “sem prejuízo do disposto no artº. 885º.” – cfr. artº. 883º..
Assim é que, como refere o Prof. Lebre de Freitas, “Como a partir da reclamação de créditos há que atender também ao interesse dos credores reclamantes, o art. 885 – 1 confere ao credor cujo crédito esteja vencido, bem como ao exequente em outra execução que reclame, nos termos do art. 865, n.os 3 e 5 o direito de prosseguir com a execução para satisfação dos seus créditos” (in “A Acção Executiva Depois da reforma da reforma”, 5ª. edição, pág. 351).
É claro e inequívoco o nº. 1 do artº. 885º., referido, de que a sustação da execução fica sem efeito e, como explica aquele Autor “ao exequente é conferido o direito de denúncia do acordo” e se o exercer “o remanescente do seu crédito será satisfeito pelo produto da venda do bem penhorado…”; se não o exercer, perde o direito de garantia constituído a seu favor pela penhora e, assumindo a posição de exequente o credor que tenha exercido o direito a prosseguir com a execução, esta prossegue apenas para satisfação do seu crédito e dos restantes credores reclamantes com garantia real sobre o bem penhorado (…)” (ob. e local cit.. Cfr. ainda Consº. Fernando Amâncio Ferreira, in “Curso de Processo de Execução”, 13ª. edição (Almedina), págs. 365 e 366).
O artº. 885º., referido, visa, pois, tutelar os interesses dos demais credores do executado, não obstando ao impulso da execução pelo credor reclamante o facto de o seu crédito não ter, sequer, ainda sido admitido – basta que esteja vencido, como expressamente estabelece o nº. 1.
Na situação sub judicio a credora/Reclamante não só reclamou o seu crédito como comprovou que ele estava vencido pelo que lhe assiste o direito de requerer o prosseguimento da execução.
E o direito dos Apelantes fica devidamente salvaguardado pela prioridade no pagamento do seu crédito, decorrente da penhora.
Concordamos com os Apelantes quando afirmam que o nº. 2 do artº. 885º., do C.P.Civil consagra a primazia da satisfação dos interesses do exequente que efectuou a penhora em primeiro lugar mas, de todo, já não podemos concordar que também consagrou a satisfação do interesse do executado na conservação do património.
Os interesses do executado não são os tutelados no processo de execução e se ele tiver interesse em conservar o seu património só tem é de pagar os seus débitos.
Vai contra todos os princípios, designadamente o do não favorecimento dos credores, pretender-se que, só porque um deles conseguiu penhorar os bens do devedor em primeiro lugar, os outros credores tenham de esperar “uma eternidade” (na situação sub judicio seriam mais de 21 anos!) que o executado cumpra um acordo de pagamento que, se o aceitou celebrar, lhe é favorável, em manifesto prejuízo para os demais credores, que mais não seja pela deterioração e desvalorização dos bens penhorados, decorrentes do decurso do tempo.
Acresce que ou os bens penhorados aos Executados são suficientes para pagar os créditos dos Apelantes e da Reclamante, e outros créditos que ainda possam ser reclamados, e então nada justifica que esta não obtenha, no mais curto espaço de tempo, a satisfação do seu crédito, ou então as dívidas são de montante superior ao valor dos bens penhorados e então qualquer dos credores pode requerer a insolvência dos Executados, nos termos do disposto no artº. 20º., nº. 1, alínea e), do CIRE, caso em que a prioridade de pagamento que agora assiste aos Apelantes, deixa de poder ser considerada.
E por isso é que, com o devido respeito, não se vislumbra fundamento para invocar a violação do princípio constitucional do acesso à justiça se aos Apelantes foi dada a hipótese de fazerem valer o seu direito de prioridade de pagamento, decorrente da penhora, e nem fundamento para invocar a violação do princípio da confiança se a tutela dos direitos dos restantes credores já estava legalmente consagrada, nos termos em que o foi pelo Dec.-Lei nº. 38/2003, de 8 de Março, que deu a actual redacção ao artº. 885.º, do C.P.Civil, quando eles, Apelantes, intentaram a sua acção executiva.
Improcedem, pois, as conclusões em que se fundamenta o presente recurso, devendo manter-se o despacho impugnado, que, de resto, não sofre do vício que lhe é apontado – artº. 668º., n. 1, alínea b), do C.P.Civil – visto conter os factos essenciais e as normas legais em que assentou a decisão de fazer prosseguir a execução.
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C) DECISÃO
Nesta conformidade, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o presente recurso de apelação, confirmando integralmente a decisão impugnada.
Custas pelos Apelantes.
Guimarães, 11/Julho/2012
Fernando F. Freitas - relator
Purificação Carvalho - Adjunta
Eduardo José Oliveira Azevedo - Adjunto