Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | CRUZ BUCHO | ||
Descritores: | REINCIDÊNCIA PRESSUPOSTOS DA REINCIDÊNCIA | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 03/18/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | JULGADO IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | I – Para a condenação como reincidente não é suficiente a menção de que as condenações anteriores do arguido não serviram de suficiente advertência contra o crime. Trata-se de redação meramente conclusiva, devendo o conceito ser integrado por factos concretos. II – É necessário que se provem factos de onde se possa concluir que o arguido foi indiferente à condenação anterior, assim revelando, no facto posteriormente praticado, um particular modo de ser da sua personalidade que, por si só, justifica um acréscimo de censura. III – Por isso, para a condenação como reincidente nunca é suficiente o certificado do registo criminal. Os autos devem ser instruídos com as competentes certidões condenatórias, que habilitem o julgador a, comparando os factos e as circunstâncias que os envolveram, formular o juízo sobre se é censurável ao agente as anteriores condenações não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães: * I- RelatórioNa Vara de Competência Mista de Braga, no âmbito do Processo Comum Colectivo nº 626/11.7PCBRG, por acórdão de 7 de Maio de 2012, os arguidos Marco C..., Albano C... e Óscar A..., todos com os demais sinais dos autos foram condenados, pela prática, em co-autoria de um crime de roubo agravado p. e p. pelos artigos 210.º, n.ºs 1 e 2, alínea b) e 204.º, n.º2, alínea f) , ambos do Código Penal, nas seguintes penas: - o arguido Marco C..., como reincidente, na pena de 5(cinco) anos de prisão; - o arguido Albano C..., na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo e com subordinação a regime de prova e; - o arguidos Óscar A..., na pena de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão. Inconformados com tal decisão, os arguidos Marco e Óscar dela interpuseram recurso. O Ministério Público junto do tribunal recorrido respondeu aos recursos pugnando pela manutenção do julgado.Os recursos foram admitidos, para o Tribunal da Relação de Guimarães, por despacho constante de fls. 438Nesta Relção o Exmpo PGA emitiu parecer pronunciando-se pela nulidade do acórdão por omissão de pronúncia relativamente ao elemento material da reincidência por que o arguido Marcoveio a ser condenado e subsidiariamnete pela improcedência dos recursos. Colhidos os vistos legais, realizou-se a conferência. * II- Fundamentação 1. É a seguinte a factualidade apurada no tribunal a quo: A) Factos provados (transcrição) «1. No dia 1 de Junho de 2011, os arguidos, em cumprimento do plano previamente acordado entre eles de subtraírem quantias em dinheiro e objectos com valor comercial que aí encontrassem, dirigiram-se, num veículo automóvel da marca Renault, modelo Megane, com a matrícula 80-IQ-..., ao posto de abastecimento de combustível “P...”, situado na EN nº 101, em N... Braga, de “R... & F..., Lda”. 2. Aí chegados, pelas 23h, os arguidos saíram da viatura e dirigiram-se à cabine de apoio, onde se encontrava o funcionário Fernando G... a fazer o fecho. 3. Nessa altura, actuando concertadamente e em cumprimento do plano previamente acordado, o arguido Albano empurrou Fernando G..., um dos outros dois arguidos encostou-lhe ao pescoço uma faca, com características não apuradas, enquanto o outro e o arguido Albano subtraíram a quantia de, pelo menos, € 600,00 em notas do BCE que era o apuro do dia do posto de abastecimento, pertencente à sociedade “R... & F..., Lda”, a quantia de € 70,00 em notas do BCE, um telemóvel da marca Motorola no valor de, pelo menos, € 80,00, e uma lanterna, estes pertencentes a Fernando G..., de cujo bolso foram retirados. 4. Enquanto a subtracção era concretizada, o ofendido teve sempre a faca encostada e pressionada ao seu pescoço, de forma a anular uma eventual resistência, do que lhe resultou um corte, pelo qual não recebeu tratamento hospitalar. 5. Consumada a subtracção os arguidos regressaram ao veículo e nele abandonaram o local. 6. Ao actuar da forma acima descrita, os arguidos agiram sempre livre e deliberadamente, com o propósito concretizado de se apoderarem de quantias em dinheiro e objectos que sabiam não lhes pertencer, o que conseguiram, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei. 7. Para tanto, não se coibiram de recorrer à intimidação com a exibição de uma faca, por forma a anular qualquer tipo de oposição por banda do ofendido. 8. O arguido Marcofoi julgado e condenado por decisões transitadas em julgado: - pela prática, em 30.08.2001, de um crime de roubo p. e p. pelo art. 210º, nº 1 do CPenal e de um crime de roubo qualificado p. e p. pelo art. 210º, nº 1 e 2, al. b) do CPenal, na pena única de dois anos de prisão, suspensa na sua execução por 4 anos com regime de prova e obrigação de indemnizar o ofendido; - pela prática de um crime de roubo p. e p. pelo art. 210º, nº 1 do CPenal, na pena de oito meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 anos com regime de prova; - pela prática, em 01.03.2002, de um crime de roubo p. e p. pelo art. 210º, nº 1 e 2, al. b) do CPenal, na pena de dez meses de prisão, suspensa na sua execução por 3 anos; - pela prática, em 16.12.2000, de um crime de roubo p. e p. pelo art. 210º do CPenal, na pena de três anos e seis meses de prisão; - pela prática, em 26.09.2001, de um crime de roubo p. e p. pelo art. 210º, nº 1 do CPenal, na pena de oito meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 anos; -pela prática, em 01.02.2002, de um crime de roubo p. e p. pelo art. 210º, nº 1 do CPenal, na pena de dois anos de prisão; 9. No âmbito do Processo Comum Colectivo nº 2206/01.6PBBRG, da Vara de Competência Mista de Braga, o arguido Marco foi condenado na pena única de 5 anos de prisão que englobou as condenações referidas em 9, pena única que o arguido cumpriu entre 03.02.2003 e 04.08.2006, data em saiu em liberdade condicional. 10. O arguido Marco foi condenado, no âmbito do processo nº 1890/07.1PBBRG, da Vara de Competência Mista de Braga, pela prática, em 07.07.2007 de um crime de furto qualificado p. e p. pelos arts. 203º e 204º, nº 1, al. f) do CPenal, na pena de 14 meses de prisão efectiva que cumpriu integralmente entre 27 de Abril de 2009 e 27 de Junho de 2010. 11. As condenações sofridas pelo arguido Marco e o tempo de prisão efectivamente cumprido não constituíram suficiente prevenção para não continuar a delinquir. 12. O arguido Marco abandonou os estudos aos 14 anos, depois de ter repetido por três anos consecutivos o 7º ano, tendo sido expulso, nesse período, várias vezes do estabelecimento de ensino. 13. Foi pai com 14 anos, idade com que iniciou o consumo de haxixe e aos 15 anos foi internado, durante uns meses, no Colégio de S. Caetano por desobediência e desrespeito pela autoridade parental e docente, tendo nesta idade iniciado o consumo de drogas de maior poder aditivo. 14. Nunca aprendeu uma profissão nem teve hábitos de trabalho, ocupando parte do seu tempo a jogar futebol como jogador federado, actividade que teve de abandonar na sequência de recaídas. 15. Com 17 anos esteve internado no Hospital Magalhães Lemos devido a problemas do foro psiquiátrico. 16. À data dos factos vivia num sótão com a namorada, sendo a renda paga pelos pais e as demais despesas pela namorada. 17. Em Fevereiro de 2012 iniciou um curso de geriatria, frequentou o primeiro módulo mas deixou de comparecer no segundo. 18. Em Janeiro, Março e Abril de 2012 apresentou resultados negativos quanto à detecção de heroína e cocaína na urina. 19. O arguido Albano é metalúrgico, tem o 6º ano de escolaridade e aufere mensalmente € 750,00 que pode ascender a € 1.000,00com horas extras, a esposa está desempregada e tem uma filha com 18 anos que estuda economia na UM. 20. Vive em casa arrendada suportando a quantia mensal de € 250,00 de renda da casa. 21. Iniciou o consumo de estupefacientes aos 14 anos e está a ser seguido no CAT. 22. O arguido Óscar tem o 6º ano de escolaridade, trabalhou numa empresa têxtil até aos 23 anos, altura em que ocorreu a insolvência da empresa. 23. Na transição para a idade adulta iniciou o consumo de estupefacientes, após vários tratamentos e recaídas manteve-se abstinente cerca de 6 anos, após o que voltou a consumir e está a ser seguido no CAT. 24. Depois do divórcio, a esposa do arguido voltou a viver com ele levando consigo o filho de ambos com 12 anos de idade. 25. Trabalha como bombeiro, auferindo mensalmente € 750,00, e a esposa aufere € 600,00 mensais como funcionária de um hipermercado. 26. O arguido Albano M... não tem antecedentes criminais. 27. Por decisão de 01.02.1999, transitada em julgado, o arguido Óscar... foi condenado pela prática de um crime de consumo de estupefacientes em pena de multa declarada extinta por amnistia. 28. Por decisão de 07.03.2001, transitada em julgado, foi condenado pela prática de um crime de furto na pena de 120 dias de multa à taxa diária de 400$00. 29. Por decisão de 14.03.2001, transitada em julgado, o arguido foi condenado pela prática de um crime de furto e de um crime de desobediência na única de 150 dias de multa à taxa diária de 500$00. 30. Por decisão de 13.06.2001, transitada em julgado, o arguido foi condenado pela prática de um crime de roubo e de um crime de consumo nas penas de 3 anos e quatro meses de prisão suspensa por três anos e pena de multa declarada extinta por descriminalização. 31. Por acórdão de 11.03.2003, transitado em julgado, o arguido foi condenado pela prática dos crimes de furto e falsificação de documentos na pena única de catorze meses de prisão suspensa por dois anos. 32. Por decisão de 19.03.2009, transitada em julgado em 18.05.2009, o arguido foi condenado pela prática de um crime de furto na pena de 3 meses de prisão suspensa por 1 ano na condição de pagar ao ofendido e de entregar quantia a ao Colégio Padre David. 33. Por decisão de 16.12.2009, transitada em julgado, foi condenado pela prática de um crime de falsificação na pena de 8 meses de prisão substituída por 240h de trabalho a favor da comunidade.» * B) Factos não provados (transcrição) «1. A faca tinha cerca de 25 cm de comprimento.» * C) Motivação (transcrição):Os factos provados decorreram do depoimento isento e credível do ofendido Fernando G... que reconheceu o arguido Albano como tendo sido aquele que o empurrou na cabine onde se encontrava a fazer o fecho pois o posto de abastecimento encerra às 23h, e também reconheceu os arguidos Marcoe Óscar como sendo aqueles que aí entraram depois do Albano, um dos quis lhe encostou uma faca ao pescoço enquanto os outros dois retiraram a quantia em dinheiro relativa ao apuro da bomba nesse dia, bem como a quantia de € 70,00 e o telemóvel que o ofendido tinha num dos bolsos e uma lanterna. Acresce ao exposto que a mencionada testemunha descreveu, de forma coerente, as circunstâncias em que tais factos sucederam. Com efeito, referiu que, depois de ter parado um veículo grande e de cor escura, em cujo interior se encontravam três indivíduos com idades que rondam os 30 anos, um deles saiu do seu interior e disse-lhe “Isto é um assalto” ao mesmo tempo que o empurrou, enquanto um dos outros dois indivíduos colocou uma faca junto ao seu pescoço, a qual lhe provocou um golpe, e, enquanto permaneceu com a faca encostada ao seu pescoço, o arguido Albano e o outro indivíduo retiraram o apuro desse dia - que a testemunha António R... (gestor das bombas de gasolina) confirmou ser de, pelo menos, € 600,00 – e do seu bolso a quantia de € 70,00 que tinha na carteira e um telemóvel, tendo ainda sido retirada da cabine uma lanterna que lhe pertencia. Apesar de a testemunha ter reconhecido os arguidos Marco e Óscar como tendo intervindo no assalto, justificou a dificuldade em distinguir qual deles tinha faca por ter mantido a sua cabeça virada, o que o impossibilitou de os ver melhor, e por serem parecidos, o que o tribunal pôde constatar na medida em que o arguido Albano é fisicamente muito diferente dos outros dois arguidos (mais alto e entroncado) e os arguidos Marco e Óscar têm muitas afinidades em termos de características físicas que se traduzem nomeadamente na estatura, tom de pele e fisionomia. Para além do exposto, o tribunal baseou-se no depoimento da testemunha Alexandre S..., agente da PSP que se deslocou ao posto de abastecimento na sequência do assalto, que confirmou que o ofendido tinha um golpe (o que também foi confirmado pela testemunha António R...), e interceptou os arguidos, às 6h do dia 2 de Junho de 2011, no Renault Megane, o qual procurou localizar por ter tido conhecimento de um assalto nessa mesma noite ao supermercado Froiz, em que testemunhas tiraram a matrícula. Ora, apesar de resultar do auto de apreensão junto em audiência que os arguidos não tinham com eles quaisquer objectos furtados ao ofendido nem a arma utilizada, conjugando o depoimento da testemunha Fernando G... com o facto de o veículo em que os arguidos circulavam nessa madrugada se adequar à descrição feita por essa mesma testemunha e ao lapso temporal decorrido entre o assalto e a apreensão, consideramos sem margem para dúvidas que os factos considerados provados foram praticados pelos arguidos. Relativamente aos antecedentes criminais, os CRCs juntos aos autos e quanto à situação pessoal as suas declarações e relatórios sociais devidamente examinados em audiência de julgamento bem como o depoimento da testemunha Maria Helena Braga, mãe do arguido Marcoque descreveu melhorias no comportamento do arguido que não encontram qualquer tradução no relatório social. O facto não provado decorreu da ausência de prova a tal respeito.» * 2. Conforme é sabido, as conclusões do recurso delimitam o âmbito do seu conhecimento e destinam-se a habilitar o tribunal superior a conhecer as razões pessoais de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida (artigos 402º, 403º, 412º, n.º 1, todos do Código de Processo Penal e, v.g., Ac. do STJ de 19-6-1996, BMJ n.º 458, pág. 98)Nestes recurso são as seguintes as questões a apreciar: A) Recurso do arguido Marco : · Impugnação da matéria de facto; · Violação do princípio in dubio pro reo; · Medida da pena de prisão e sua substituição por pena não privativa da liberdade. B) Recurso do arguido Óscar: · Medida da pena de prisão; · Suspensão da execução da pena No seu parecer, o Ministério Público junto deste Tribunal suscitou igualmente a questão da nulidade do acórdão por omissão de pronúncia relativamente ao elemento material da reincidência por que o arguido Marcoveio a ser condenado. 3. A questão da impugnação da matéria de facto e do erro de julgamento (recurso do arguido Marco ) §1. Dado que no caso houve documentação da prova produzida em audiência pode o tribunal de recurso reapreciá-la na perspectiva ampla prevista no art. 431.º do C. P. Penal. Com efeito, estatui o citado preceito que “Sem prejuízo do disposto no art. 410.º, a decisão do tribunal de 1ª instância pode ser modificada (…): b) Se a prova tiver sido impugnada, nos termos do n.º3 do artigo 412.º…”. No entanto, ao contrário do que por vezes se pensa o recurso não tem por finalidade nem pode ser confundido com um “novo julgamento” da matéria de facto, assumindo-se antes como um “remédio” jurídico. Como já em diversos lugares salientou o Prof. Germano Marques da Silva, presidente da Comissão para a Reforma do Código de Processo Penal que justamente introduziu o recurso também em matéria de facto nos crimes julgados perante tribunal colectivo: - “E o recurso não é tudo, é um remédio para os erros, não é novo julgamento” (conferência parlamentar sobre a revisão do Código de Processo Penal, in Assembleia da República, Código de Processo Penal, vol.II, tomo II, Lisboa 1999, pág. 65); - “o recurso em matéria de facto não se destina a um novo julgamento, constituindo apenas um remédio para os vícios do julgamento em primeira instância” (Forum Justitiae, Maio/99); - “Recorde-se que o recurso ordinário no nosso Código é estruturado como um remédio jurídico, visa corrigir a eventual ilegalidade cometida pelo tribunal a quo. O tribunal ad quem não procede a um novo julgamento, verifica apenas da legalidade da decisão recorrida, tendo em conta todos os elementos de que se serviu o tribunal que proferiu a decisão recorrida. Por isso também a renovação da prova só seja admitida em situações excepcionais e sobretudo que tenha de indicar expressamente os vícios da decisão recorrida.” (Registo da prova em Processo Penal. Tribunal Colectivo e Recurso, in Estudos em homenagem a Cunha Rodrigues, vol I, Coimbra 2001) – no mesmo sentido cfr. José Manuel Damião da Cunha, A Estrutura dos Recursos na proposta de Revisão do CPP-Algumas Considerações, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 8º, fasc. 2, Abril/Junho 1998, págs. 259-260 onde salienta a exigência formulada ao recorrente para apresentar os pontos de facto que mereçam a censura de “incorrectamente decididos”; Id., O Caso Julgado Parcial, Porto, 2002, especialmente a págs. 516, 527, 529 e 567, Conforme se escreveu no Ac. STJ de 17 de Fevereiro de 2005, Proc. 04P4324, ReI. Simas Santos: «o recurso em matéria de facto para a Relação não constitui um novo julgamento em que toda a prova documentada é reapreciada pelo Tribunal Superior que, como se não tivesse havido o julgamento em 1ª Instância, estabeleceria os factos provados e não provados e assim indirectamente validaria ou a factualidade anteriormente assente, mas é antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir erros in judicando ou in procedendo, que são expressamente indicados pelo recorrente, com referência expressa e específica aos meios de prova que impõem decisão diferente, quanto aos pontos de facto concretamente indicados, ou com referência à regra de direito respeitante à prova que teria sido violada, com indicação do sentido em que foi aplicada e qual o sentido com que devia ter sido aplicada.» Por conseguinte, o recurso em matéria de facto, destina-se apenas à reapreciação da decisão proferida em primeira instância em pontos concretos e determinados. Tem como finalidade a reapreciação de “questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida” (cfr. designadamente o art. 410º, n.º l do CPP). Daí que o legislador tenha estabelecido um específico dever de motivação e formulação de conclusões do recurso nesta matéria – cfr. artigo 412º, n.º 1, 3 e 4 do CPP. Segundo o n.º 3 do citado artigo 412º, quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas. Por outro lado, por força do n.º 4 do mesmo artigo 412º, quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º2 do artigo 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que funda a impugnação A prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente (artigo 127º do Código de processo Penal). No caso do julgamento, a entidade competente é, naturalmente, o juiz. Por isso, o recurso da matéria de facto não se destina a postergar o princípio da livre apreciação da prova. A decisão do Tribunal há-de ser sempre uma “convicção pessoal – até porque nela desempenham um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais” – Prof. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, vol. I, Coimbra, 1974, pág. 204. Daí que, como justamente se salientou no Ac. da Rel. do Porto de 12-5-2004: “I- A convicção do julgador só pode ser modificada pelo tribunal de recurso quando seja obtida através de provas ilegais ou proibida, ou contra a força probatória plena de certos meios de prova ou, então, quando afronte, de forma manifesta, as regras da experiência comum. II – Sempre que a convicção seja uma convicção possível e explicável pelas regras da experiência comum deve acolher-se a opção do julgador” * §2. É pois, neste quadro de fundo que deve ser analisado o recurso do arguido Marco . Este impugna a matéria constante dos n.ºs 1 a 7 dos factos provados, isto é da “factualidade consubstanciadora da prática, em co-autoria, de um crime de roubo qualificado”, os quais entende deverem, antes, ser considerados não provados. No que concerne às provas que imporia esta alteração da matéria de facto provada o recorrente indica os depoimentos prestados pelas testemunhas Fernando G..., António R..., Alexandre S..., bem como o reconhecimento efectuado. Segundo o recorrente, quanto ao depoimento prestado pelo ofendido Fernando G... “ existem muitas contradições e incertezas, para além de não ter sabido identificar quem tinha feito o quê” e nenhuma das testemunhas depôs no sentido de esclarecer o Tribunal de forma a imputar ao arguido Marcoa pratica do crime por que veio a ser condenado. Por outro lado e ainda segundo o recorrente, o reconhecimento acabou por ser efectuado em sede de julgamento “depois de o ofendido ter observado os arguidos inúmeras vezes, inclusivé no hall de espera entre a chamada para o julgamento e a realização do mesmo, tendo inclusivé os observado a conversar”. Mas o recorrentes não demonstra que de tais depoimentos e reconhecimento se imponha uma decisão diversa da recorrida Na verdade, quanto a todos os factos que impugna o recorrente limita-se no geral e de forma genérica, a questionar a valoração do tribunal, ao nível da credibilidade dos depoimentos prestados e do reconhecimento. No fundo, a argumentação do recorrente assenta na sua discordância ao modo como o tribunal recorrido valorou os meios de prova produzidos e examinados em audiência de julgamento. Como bem observa o Ministério Público junto do tribunal a quo, “O que o recorrente faz na motivação do recurso, e nas suas conclusões, é chamar à colação o depoimento do ofendido e emprestar-lhe um determinado um sentido diferente daquele que teve para o tribunal, desvirtuando e descontextualizando os segmentos do depoimento que selecciona em abono da sua tese, ou seja, o recorrente não indica quais os segmentos desse depoimento que impõem uma decisão de facto diversa da recorrida e limita-se a valorar esse meio de prova na perspectiva que sustenta. Não especifica os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados mas apenas manifesta a sua discordância relativamente àquilo que o tribunal deu como provado; ou seja, discordância entre aquilo que o tribunal considerou provado e aquilo que o recorrente entende ter (ou não ter) resultado da prova produzida”. Por outras palavras, o arguido recorrente (Marco) discorda do Tribunal e faz o seu próprio julgamento, ou seja, apenas põe em causa a livre apreciação da prova. Simplesmente, como bem se enfatizou no Ac. desta Rel. de Guimarães de 20-3-2006, proc.º n.º 245/06-1ª, rel. Fernando Monterroso, in www. dgsi.pt (…)a lei refere as provas que «impõem» e não as que “permitiriam» decisão diversa. É que afigura-se indubitável que há casos em que, face à prova produzida, as regras da experiência permitem ou não colidem com mais do que uma solução. Se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis segundo as regras da experiência, ela será inatacável, já que foi proferida em obediência à lei que impõe que ele julgue de acordo com a sua livre convicção.» Julgar pressupõe optar, escolher, decidir. No caso sub judice, o julgador optou, escolheu, decidiu-se por uma das versões. A opção levada a cabo pelo julgador não foi feita, porém, de forma caprichos ou arbitrária. Pelo contrário, mostra-se plenamente objectivada e com absoluta transparência. . Na verdade, a sentença recorrida expôs de forma suficiente os elementos de facto que fundamentam a sua decisão, o processo lógico que lhe subjaz, optando por uma das soluções plausíveis segundo as regras da experiência, suportada pelas provas invocadas na fundamentação da sentença, conforme resulta claramente da audição do registo da prova, não se detectando nenhum erro patente de julgamento, nem tendo sido utilizados meios de prova proibidos. Por isso que tal decisão seja inatacável, porque proferida de acordo com a sua livre convicção (artigo 127º do Código de Processo Penal). Apenas duas notas adicionais. Socorrendo-nos uma vez mais da bem elaborada resposta do Ministério Público junto do tribunal a quo, nesta parte confirmada pela audição do registo da prova e pela análise da decisão recorrida, “(…), o que o recorrente alega quanto ao depoimento do ofendido nem sequer corresponde à verdade. Desde logo, quanto ao dito reconhecimento, o que o ofendido disse foi que no dia seguinte, pelas 07 horas, foi chamado à esquadra da PSP e que lhe disseram para ir ao parque de estacionamento da esquadra ver se identificava os arguidos entre as muitas pessoas que aí se encontravam, tendo informado o agente da PSP que lhe solicitou tal diligência que de facto os três arguidos estavam no parque de estacionamento da esquadra e juntos, identificando-os na ocasião. Quanto à concreta actuação dos arguidos soube esclarecer sem hesitações que foi o arguido Albano que o empurrou dentro da cabine de apoio e disse “Isto é um assalto” e que logo de seguida foi agarrado por um dos outros dois arguidos que lhe encostou uma faca ao pescoço enquanto o Albano e o outro o desapossavam do dinheiro e do telemóvel. Explicou que viu os três arguidos quando entraram na cabine de apoio mas por ter sido agarrado pelo pescoço ficou com a cara virada de lado e, por isso, não conseguiu ver se foi o arguido Óscar ou o recorrente quem o manietou e encostou a faca ao pescoço, esclarecendo ainda que a dificuldade em identificar qual desses dois o manietou se deve ao facto de ambos terem parecenças fisionómicas, o que o tribunal pode constatar.” A segunda nota para sublinhar que o reconhecimento foi efectuado no decurso da audiência, na sala de reconhecimento, na presença dos defensores dos arguidos. Já na sala de audiência foi dado conhecimento aos arguidos do resultado daquele reconhecimento. Acresce que o reconhecimento foi ordenado por despacho judicial sob promoção do Ministério Público e depois de os ilustres defensores do arguido se terem pronunciado no sentido de nada terem a opor ou requerer (cfr. fls. 295 e 296). E terminam-se estas considerações, que já vão longas, com a seguinte síntese conclusiva constante do Ac. T.C. 198/2004 de 24-03-2004 (DR, II Série, de 2-6-2004), que não podemos deixar de subscrever: “A censura quanto à forma de formação da convicção do tribunal não pode, consequentemente, assentar de forma simplista, no ataque da fase final da formação de tal convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade de formação da convicção. Doutra forma seria uma inversão da posição das personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar pela convicção dos que esperam a decisão” (itálico nosso). * 4. A questão da violação do princípio in dubio pro reo (recurso do arguido Marco ) Segundo o princípio in dubio pro reo «a persistência de dúvida razoável após a produção da prova tem de actuar em sentido favorável ao arguido e, por conseguinte, conduzir à consequência imposta no caso de se ter logrado a prova completa da circunstância favorável ao arguido» (Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, pág 215). Conexionando-se com a matéria de facto, este princípio actua em todas as vertentes fácticas relevantes, quer elas se refiram aos elementos típicos do facto criminalmente ilícito – tipo incriminador, nas duas facetas em que se desdobra: tipo objectivo e tipo subjectivo -, quer elas digam respeito aos elementos negativos do tipo, ou causas de justificação, ou ainda, segundo uma terminologia mais actualizada, tipos justificadores, quer ainda a circunstâncias relevantes para a determinação da pena. O princípio “in dubio pro reo” só actua em caso de dúvida (insanável, razoável e motivável), definida esta como “um estado psicológico de incerteza dependente do inexacto conhecimento da realidade objectiva ou subjectiva” (Perris, “Dubbio, Nuovo Digesto Italiano, apud, Giuseppe Sabatini “In Dubio Pro Reo”, Novissimo Digesto Italiano, vol. VIII, págs. 611-615) . Por isso a sua violação exige a comprovação de que o juiz tenha ficado na dúvida sobre factos relevantes e, nesse estado de dúvida, tenha decidido contra o arguido (cfr. v.g., o Ac. do STJ de 29-4-2003, proc.º n.º 3566/03-5ª, rel. Simas Santos, in www.pgdlisboa.pt/). Por isso também que para fundamentar essa dúvida e impor a absolvição não baste que tenha havido versões dispares ou mesmo contraditórias (cfr., v.g. ac. desta Rel. de Guimarãs de 9-5-2005, proc.º n.º 475/05, rel. Maria Augusta, in www.dgsi.pt). Para que se imponha ao tribunal a aplicação deste princípio é necessário que perante a prova produzida reste no espírito do julgador – e não no das partes - alguma dúvida sobre os factos que constituem o pressuposto da decisão, dúvida que há-de ser razoável e insanável. Ora, em momento algum resulta do acórdão recorrida que o tribunal colectivo tivesse tido qualquer dúvida sobre factos relevantes e tenha decidido contra o arguido/recorrente, nem da decisão recorrida resulta que o seu não uso seja censurável. Na verdade, quanto à participação dos arguidos no assalto à bomba de gasolina em questão o tribunal não teve dúvidas e, de forma cristalina expôs o processo lógico conducente àquela conclusão, de resto perfeitamente plausível segundo as regras da experiência. Deste modo, conclui-se que a decisão recorrida não patenteia a alegada violação do princípio in dubio pro reo. * 5. A questão da reincidência (suscitada pelo Ministério Público). Como vimos, o Ministério Público junto deste Tribunal suscitou a questão da nulidade do acórdão por omissão de pronúncia relativamente ao elemento material da reincidência por que o arguido Marcoveio a ser condenado. Não sufragamos, porém, a sua argumentação. Embora na parte decisória do acórdão recorrido se não faça qualquer referências às disposições legais respeitantes à reincidência, é inequívoco em face quer daquela parte decisória quer da fundamentação de direito que o arguido Marcofoi condenado como reincidente. A este respeito, escreveu-se no fundamentação de direito que: «Nos termos do artº 210º/3 CP o crime praticado pelos arguidos é punido com pena de prisão de 3 a 15 anos. Contudo, como já se referiu, há que ter em consideração, relativamente ao arguido Marco , o disposto no artigo 75º/1 do Código Penal, que dispõe que é punido como reincidente quem, por si só ou sob qualquer forma de comparticipação, cometer um crime doloso que deva ser punido com pena efectiva superior a 6 meses, depois de ter sido condenado por sentença transitada em julgado em pena de prisão efectiva superior a 6 meses por outro crime doloso, se, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente for de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime. No caso que nos ocupa, verificam-se os pressupostos formais e materiais, atenta a factualidade dada como provada, tanto mais que o arguido praticou os factos pelos quais está a ser julgado em 01.06.2011 e havia sido condenado pela prática, em 2007, de um crime de furto cuja pena de prisão cumpriu entre 27.04.2009 e 27.06.2010. Ora, em caso de reincidência, dispõe o artigo 76º/1 do Código Penal que o limite mínimo da pena aplicável ao crime é elevado de 1/3 e o limite máximo permanece inalterado, não podendo a agravação exceder a medida da pena mais grave aplicada nas condenações anteriores. Sabendo que o limite mínimo é de 3 anos, por efeito da reincidência temos a moldura penal, no caso que nos ocupa, de 4 anos a 15 anos.» * Sobre o instituto da reincidência deixa-se transcrito o que referimos no Ac. desta Rel. de Guimarães de 9-7-2007, proc.º n.º 1263/07, com o mesmo relator e adjunto do presente: «Nos termos do n.º 1 do artigo 75º do Código Penal “É punido como reincidente quem, por si só ou sob qualquer forma de comparticipação, cometer um crime doloso que deva ser punido com prisão efectiva superior a 6 meses, depois de ter sido condenado por sentença transitada em julgado em pena de prisão efectiva superior a 6 meses por outro crime doloso, se, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente for de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime.” Por seu turno, prescreve o n.º 2 do citado normativo que “O crime por que o agente tenha sido condenado não releva para a reincidência se entre a sua prática e a do crime seguinte tiverem decorrido mais de cinco anos; neste prazo não é computado o tempo durante o qual o agente tenha cumprido medida processual, pena ou medida de segurança privativas da liberdade.” Constata-se, deste modo, que a verificação da agravante qualificativa reincidência, não é automática, ao contrário do que sucedia no Código Penal de 1886. Conforme resulta do n.º1 do citado artigo 75º a mesma só ocorre “se, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente for de censurar por a condenação ou condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime” Como bem acentua o Prof. Figueiredo Dias, “é no desrespeito ou desatenção do agente por esta advertência que o legislador vê fundamento para uma maior censura e portanto para uma culpa agravada relativa ao crime cometido pelo reincidente. É nele, por conseguinte, que reside o lídimo pressuposto material – no sentido de substancial, mas também no sentido de pressuposto não automático da reincidência” (Direito Penal Português, -As Consequências Jurídicas do Crime, Lisboa, 1993, §377, pág. 268; cfr. no mesmo sentido, Robalo Cordeiro, “Escolha e Medida da Pena”, in CEJ, Jornadas de Direito Criminal, Lisboa, 1983, págs. 242 e 244 e de novo em “A Determinação da Pena”, in CEJ, Jornadas de direito Criminal (Revisão do Código Penal), vol. II, Lisboa, 1998, pág. 36, Germano Marques da Silva, Direito penal português, Lisboa/S.Paulo, 1999, vol. III, penal pág. 154, salientando que “a condenação anterior é indício da falta de efectiva adesão do delinquente às injunções da lei, mas apenas indício, pois não vale por si só, sendo necessário que, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente seja de censurar por a condenação anterior não lhe ter servido de suficiente motivação para não praticar novos crimes” e Simas Santos-Leal Henriques, Noções Elementares de Direito Penal, 2ªed., Lisboa, 2003, pág. 249). Perante este quadro de fundo, legal e doutrinal, o STJ tem vindo a decidir que a verificação da agravante qualificativa da reincidência não é automática, antes se exigindo ponderação em concreto sobre a verificação ou não verificação do pressuposto constante da parte final do texto legal. Mais tem decidido que a mera referência a que a ou as condenações anteriores não serviram de suficiente advertência contra o crime, por ser meramente conclusiva - encerrando mesmo uma conceptualização jurídica -, é insuficiente, devendo tal pressuposto ser integrado por factos concretos - cfr. v.g., Acs de 12-7-2006. proc.º n.º 2682/06-5ª, rel Carmona da Mota, de 22-0-2006, proc.º n.º 1790/06-5ª, rel. Santos Carvalho, de 22-6-2006, proc.º n.º 1714/04-5ª, rel. Alberto Sobrinho, de 25-5-2006, proc.º n.º 1616/06, rel. Costa Mórtagua, de 12-1-2006, proc.º n.º 4133/05, rel. Pereira Madeira. No douto acórdão do STJ de 20-12-2005, (proc.º n.º 3128/05-5ª, rel. Rodrigues da Costa) escreveu-se mesmo que “Essa conclusão tem, pois, de ser o resultado da indagação da factualidade correspondente. É puramente tautológico dar como provado aquilo mesmo que a prova se destinaria a provar. Assim, é irrelevante ter-se dado como assente que a condenação anterior não serviu de suficiente advertência ao arguido para deixar de cometer o crime. O que se exigiria era que se tivessem provado factos de onde pudesse concluir-se depois (não já no elenco da matéria assente, mas nas considerações que sobre ela se tecessem) que o arguido foi indiferente à condenação anterior, de tal modo que, por força dessa sua insensibilidade, veio a reincidir, assim revelando, no facto posteriormente praticado, um particular modo de ser da sua personalidade que, só por si, justifica o tal acréscimo de censura, traduzido numa agravante especial (modificativa) da pena.” Por isso, também, que à condenação como reincidente não seja nunca suficiente o certificado de registo criminal devendo os autos, para além do mais, ser instruídos com as competentes certidões condenatórias, para que comparando os factos que sustentaram a nova condenação com os que haviam justificado as anteriores, ser possível detectar entre uns e outros uma íntima conexão (decorrente de se tratarem de factos de natureza análoga segundo os bens jurídicos violados, os motivos, a espécie e a forma de execução), sem prejuízo de se apurar se se provou ou não que tenham intervindo no caso circunstâncias (v.g. o afecto, a degradação social e económica, a experiência especialmente criminógena da prisão, etc.) que, excluindo a conexão entre os crimes reiterados, possam ter impedido de actuar a advertência resultante da condenação anterior (no sentido de o simples recurso ao certificado de registo criminal ser insuficiente para a condenação como reincidente cfr. v.g. os acs do STJ de 19 de Dezembro de 1990, proc.º n.º 41235/3ª e de 28 de Junho de 2000, proc.º n.º 257/2000-3ª, ambos citados pelo Cons.º Maia Gonçalves, que refere tratar-se de solução incontroversa e de jurisprudência uniforme do STJ – Código Penal Português, 17ª, Coimbra, 2005, pág. 272).» No caso dos autos, porém, ao contrário do que sucedeu naquele outro processo, a reincidência não foi alegada e considerada apenas com base no certificado de registo criminal do arguido. Não só foram juntas as competentes certidões condenatórias como foi apurado todo um circunstancialismo que permite concluir, sem margem para dúvidas pela verificação do pressuposto material da reincidência por parte do arguido Marco . Recorda-se que, de acordo com a a factualidade provada: «8) O arguido Marcofoi julgado e condenado por decisões transitadas em julgado: - pela prática, em 30.08.2001, de um crime de roubo p. e p. pelo art. 210º, nº 1 do CPenal e de um crime de roubo qualificado p. e p. pelo art. 210º, nº 1 e 2, al. b) do CPenal, na pena única de dois anos de prisão, suspensa na sua execução por 4 anos com regime de prova e obrigação de indemnizar o ofendido; - pela prática de um crime de roubo p. e p. pelo art. 210º, nº 1 do CPenal, na pena de oito meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 anos com regime de prova; - pela prática, em 01.03.2002, de um crime de roubo p. e p. pelo art. 210º, nº 1 e 2, al. b) do CPenal, na pena de dez meses de prisão, suspensa na sua execução por 3 anos; - pela prática, em 16.12.2000, de um crime de roubo p. e p. pelo art. 210º do CPenal, na pena de três anos e seis meses de prisão; - pela prática, em 26.09.2001, de um crime de roubo p. e p. pelo art. 210º, nº 1 do CPenal, na pena de oito meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 anos; -pela prática, em 01.02.2002, de um crime de roubo p. e p. pelo art. 210º, nº 1 do CPenal, na pena de dois anos de prisão; 9. No âmbito do Processo Comum Colectivo nº 2206/01.6PBBRG, da Vara de Competência Mista de Braga, o arguido Marco foi condenado na pena única de 5 anos de prisão que englobou as condenações referidas em 9, pena única que o arguido cumpriu entre 03.02.2003 e 04.08.2006, data em saiu em liberdade condicional. 10. O arguido Marco foi condenado, no âmbito do processo nº 1890/07.1PBBRG, da Vara de Competência Mista de Braga, pela prática, em 07.07.2007 de um crime de furto qualificado p. e p. pelos arts. 203º e 204º, nº 1, al. f) do CPenal, na pena de 14 meses de prisão efectiva que cumpriu integralmente entre 27 de Abril de 2009 e 27 de Junho de 2010. 11. As condenações sofridas pelo arguido Marcoe o tempo de prisão efectivamente cumprido não constituíram suficiente prevenção para não continuar a delinquir. 12. O arguido Marco abandonou os estudos aos 14 anos, depois de ter repetido por três anos consecutivos o 7º ano, tendo sido expulso, nesse período, várias vezes do estabelecimento de ensino. 13. Foi pai com 14 anos, idade com que iniciou o consumo de haxixe e aos 15 anos foi internado, durante uns meses, no Colégio de S. Caetano por desobediência e desrespeito pela autoridade parental e docente, tendo nesta idade iniciado o consumo de drogas de maior poder aditivo. 14. Nunca aprendeu uma profissão nem teve hábitos de trabalho, ocupando parte do seu tempo a jogar futebol como jogador federado, actividade que teve de abandonar na sequência de recaídas. 15. Com 17 anos esteve internado no Hospital Magalhães Lemos devido a problemas do foro psiquiátrico. 16. À data dos factos vivia num sótão com a namorada, sendo a renda paga pelos pais e as demais despesas pela namorada. 17. Em Fevereiro de 2012 iniciou um curso de geriatria, frequentou o primeiro módulo mas deixou de comparecer no segundo. 18. Em Janeiro, Março e Abril de 2012 apresentou resultados negativos quanto à detecção de heroína e cocaína na urina.» Acresce, ainda, que na sua última condenação, proferida em 7 de Outubro de 2008, âmbito do processo nº 1890/07.1PBBRG, da Vara de Competência Mista de Braga, o arguido Marcofora já condenado, como reincidente. E, como se escreveu no douto Ac. desta Relação de 25-2-2009, proferido naquele processo, junto por certidão a fls. 115 a 127, “ No caso sub judice é manifesta a falta de preparação do arguido para se comportar licitamente, como bem o demonstra o seu pretérito criminal. Com apenas 24 anos de idade já conta com 6 condenações por crimes de roubo, sendo de salientar que ainda nem sequer havia decorrido um ano sobre a concessão da liberdade condicional quando o crime destes autos foi praticado”. Após o cumprimento da pena de 14 (catorze) meses de prisão, que cumpriu integralmente entre 27 de Abril de 2009 e 27 de Junho de 2010, menos de uma ano depois, o arguido voltou a delinquir, cometendo o seu sétimo crime de roubo. Se há que distinguir o reincidente do delinquente multiocasional: o primeiro tem personalidade propensa à prática de determinado tipo de factos ilícitos e típicos, sendo indiferente às condenações judiciais; o segundo reitera a conduta devido a causas meramente fortuitas ou exclusivamente exógenas, que não radicam na sua personalidade ( cfr. por mais recente o Ac. da Rel. do Porto de 6 de Fevereiro de 2013, proc.º n.º 623/2013, rel. Francisco Marcolino, in www.dgsi.pt), em face da factualidade apurada é forçoso concluir que a personalidade do arguido é propensa à prática deste tipo de ilícitos e que, por outro lado, que as condenações não têm sido suficientes para o tornar homem fiel ao direito. Improcede, pois, a questão prévia suscitada pelo Exmo PGA. * 6. As questões da medida das penas e da suspensão da execução das penas (recursos dos arguidos Marcoe Óscar) §1. O recorrente Marcoinsurge-se contra a pena que lhe foi aplicada por a considerar “excessiva”, “manifestamente desadequada, injusta e desproporcional quer à culpa, quer às exigências de prevenção” Também o recorrente Óscar considera “ a pena aplicada demasiado severa, infringindo imperativos de justiça real no seu ajuste às circunstâncias do caso concreto e à factualidade dada como assente”. A este respeito escreveu-se no acórdão recorrido: «Cumpre agora determinar a medida da pena concreta a aplicar aos arguidos. Nos termos do artº 71º/1 CP, “a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.” Por outro lado, como dispõe o nº 2 do referido preceito, deverão ainda ser consideradas todas as circunstâncias gerais que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente, em particular o grau da ilicitude do facto, o modo de execução deste, a gravidade das suas consequências, a intensidade do dolo, os fins ou motivos que determinaram o crime e a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime, bem como as condições pessoais do agente e a sua situação económica. Contra os arguidos, depõe a intensidade do dolo, que revestiu a modalidade mais grave, de dolo directo, uma vez que representaram os factos que preenchem o tipo de crime de roubo e actuaram com intenção de o realizar, sendo nessa medida particularmente intensa a sua vontade criminosa. Por outro lado, quanto ao modo de execução do facto, saliente-se que sendo três os arguidos, mais jovens que o ofendido, só por si mais frágil que qualquer um deles, usaram uma faca que esteve sempre pressionada ao seu pescoço, isto tudo às 23h, por forma a anular qualquer reacção do ofendido, cuja capacidade de reacção já se encontra diminuída pelo facto de se tratarem de três indivíduos, o que depõe manifestamente em desfavor dos arguidos. Contra os arguidos há ainda a considerar o valor dos bens subtraídos e os antecedentes criminais dos arguidos Óscar e Marco . Não pode ser ponderada qualquer confissão nem arrependimento. Finalmente, cabe referir que crimes como o dos autos são cada vez mais frequentes no nosso país, em geral, e nesta comarca em particular, circunstância que determina que as exigências de prevenção geral sejam elevadas, provocando receio na população. Tudo visto e ponderado decide-se aplicar aos arguidos Albano, Marcoe Óscar as penas de três (3) anos e seis (6) meses, cinco (5) anos e três (3) anos e nove (9) meses de prisão, respectivamente.» Concorda-se com o decidido, não se nos afigurando que as penas aplicadas pequem por excesso. Vejamos. O referido crime de roubo agravado é cominado em abstracto com a pena de 3 a 15 anos de prisão. Por força da reincidência (artigo 76.º, n.º1 do Código Penal) a moldura pena aplicável ao arguido Marcoé de 4 a 15 anos de prisão. Nos termos do artigo 40º do Código Penal, “ a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” (n.º1). Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa. Na síntese do recente Ac. do STJ de 8 de Fevereiro de 2007 (proc.º n.º 28/07-5, rel. Cons.º Simas Santos): «A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada (a pena deve neutralizar o efeito negativo do crime na comunidade e fortalecer o seu sentimento de justiça e de confiança na validade das normas violadas, além de constituir um elemento dissuasor - a medida da pena tem de corresponder às expectativas da comunidade) e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quando possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização (é a medida necessária à reintegração do indivíduo na sociedade, causando-lhe só o mal necessário. Dirige-se ao próprio condenado para o afastar da delinquência e integrá-lo nos princípios dominantes na comunidade).» A posição do nosso mais Alto Tribunal espelhada naquele aresto -e muitos outros se poderiam mencionar no mesmo sentido – perfilha claramente a teoria penal defendida pelo Prof. Figueiredo Dias e por ele resumida pela forma seguinte: “ 1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial. 2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa. 3) Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. 4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais”(Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra, 2001, págs. 110-111). Mais especificamente sobre a função da culpa, o Prof. Figueiredo Dias esclarece-nos com o brilhantismo da sua lição: “A verdadeira função da culpa no sistema punitivo reside efectivamente numa incondicional proibição de excesso; a culpa não é fundamento da pena, mas constitui o seu limite inultrapassável: o limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações ou exigências preventivas (…) A função da culpa, deste modo inscrita na vertente liberal do Estado de Direito, é, por outras palavras, a de estabelecer o máximo da pena ainda compatível com as exigências de preservação da dignidade da pessoa e de garantia do livre desenvolvimento da sua personalidade nos quadros próprios de um Estado de Direito democrático. E a de, por esta via, constituir uma barreira intransponível ao intervencionismo punitivo estatal e um veto incondicional aos apetites abusivos que ele possa suscitar”(op. cit., págs. 109-110)Dando concretização aos vectores enunciados, no n.º1 do artigo 71º do Código Penal (culpa do agente e exigências de prevenção) o n.º 2 daquele preceito legal enumera, exemplificativamente, uma série de circunstâncias atendíveis para a graduação e determinação concreta da pena, que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra o agente. Assim, a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, será feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção - artigo 71º, n.º1 do Código Penal). As exigências de prevenção geral são muito elevadas. Como bem se sublinhou no acórdão recorrido, “crimes como o dos autos são cada vez mais frequententes no nosso país, em geral, e nesta comarca em particular, circunstância que determina que as exigências de prevenção geral sejam elevadas, provocando receio na população”. Também o douto Ac. da Rel. de Évora de 21-6-2011, proc.º n.º 1161/10.6PCSTB.E1, in www.dgsi.pt sublinhou que “Em sede de prevenção geral de integração, importa assinalar o alarme social que no seio da comunidade tem causado a sucessiva vaga de assaltos a postos de abastecimento de combustível, com repercussões negativas em sede de prevenção geral de integração, traduzidas na necessidade de uma efectiva punição de forma a restabelecer a confiança geral na validade da norma violada.” Refira-se, a propósito, que de acordo com o Relatório Anual de Segurança Interna de 2011, embora em 2011 se tenha assistido a uma diminuição deste tipo de criminalidade, naquele ano foram participados 250 roubos a postos de abastrecimento de combustíveis, com especial incidência nos distritos de Lisboa e Setúbal logo seguido dos distritos de Braga, Porto e Aveiro. E foi precisamente por considerar o clima que insegurança que esta criminalidade suscita que a Lei n.º 38/20009, de 20 de Julho, que define os objectivos, prioridades e orientações de política criminal para o biénio de 2009-2011, integrou os crimes de roubo, nomeadamente em estabelecimentos comerciais, entre aqueles que merecem tratamento prioritário tanto ao nível da prevenção como ao da investigação. Serão igualmente tidas em consideração todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele. Ter-se-á, assim, em consideração: - o grau de ilicitude do facto aferido desde logo pelo valor das coisas subtraídas (cerca de € 750 mais uma lanterna); - o modo de execução: como se escreveu no acórdão recorrido, “(…) saliente-se que sendo três os arguidos, mais jovens que o ofendido, só por si mais frágil que qualquer um deles, usaram uma faca que esteve sempre pressionada ao seu pescoço, isto tudo às 23h, por forma a anular qualquer reacção do ofendido, cuja capacidade de reacção já se encontra diminuída pelo facto de se tratarem de três indivíduos, o que depõe manifestamente em desfavor dos arguidos”, a que acresce a circunstância de o o ofendido ter sofrido um pequeno corte não pescoço , o qual não careceu de tratamento hospitalar; - a gravidade das suas consequências - os objectos furtados não foram recuperados; - a intensidade do dolo: os arguidos agiram com dolo directo intenso; - o mau comportamento dos arguidos Marco e Óscar bem reflectido nos antecedentes criminais de cada um deles. Como bem se observou no acórdão recorrido “não pode ser ponderada qualquer confissão nem arrependimento”. A favor dos arguidos recorrentes milita apenas a sua situação pessoal. O arguido recorrente Marco à data dos factos vivia num sótão com a namorada, sendo a renda paga pelos pais e as demais despesas pela namorada. Em Fevereiro de 2012 iniciou um curso de geriatria, frequentou o primeiro módulo mas deixou de comparecer no segundo. Em Janeiro, Março e Abril de 2012 apresentou resultados negativos quanto à detecção de heroína e cocaína na urina. Por seu turno o arguido recorrente Óscar, na transição para a idade adulta iniciou o consumo de estupefacientes, após vários tratamentos e recaídas manteve-se abstinente cerca de 6 anos, após o que voltou a consumir e está a ser seguido no CAT. Depois do divórcio, a esposa do arguido voltou a viver com ele levando consigo o filho de ambos com 12 anos de idade. Trabalha como bombeiro, auferindo mensalmente € 750,00, e a esposa aufere € 600,00 mensais como funcionária de um hipermercado. O recorrente sublinha que no que concerne à sua culpa “ resulta que o próprio ofendido não reconheceu quem enpunhou a faca, por o mesmo ter mantido a cabeça virada, o que o impossibilitou de os ver melhor. E por serem parecidos. “Faca esta não apreendida e cuja dimensão não se apurou”. Mas a circunstância de a faca utilizada no cometimento do crime não ter sido apreendida e de as suas dimensões não terem sido apuradas é perfeitamente inócua para o efeito pretendido, salientando-se não estar em causa um crime de detenção de arma proibida. Por outro lado, em caso de comparticipação, a lei não exige que cada um dos agentes intervenha em todos os actos a praticar para obtenção do resultado pretendido, bastando que a actuação de cada um, embora parcial, seja elemento componente de todo e indispensável à produção do resultado. Tudo devidamente ponderado, fazendo uso de um critério de razoável proporcionalidade e sem esquecer que, na lição sempre actual de Beleza dos Santos (que não julgamos contrariada pelo artigo 40º do actual Código Penal), “a tranquilidade pública só deverá considerar-se convenientemente restabelecida quando a pena for um justo castigo, um adequado meio de intimidação e um conveniente processo de regeneração do delinquente” (Rev. de Leg. e Jur., ano 78º, pág. 26), as penas impostas aos recorrentes Marco(5 anos de prisão) e Óscar (3 anos e 9 meses de prisão) afiguram-se-nos necessárias, adequadas e proporcionais. * §2. O Tribunal a quo entendeu não dever suspender a execução das penas aplicads aos recorrentes. Nesta parte é a seguinte a fundamentação da decisão recorrida: «Cumpre agora averiguar da suspensão da execução das penas de prisão aplicadas aos arguidos. Estatui o artº 50º CP redacção actual que “ o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Conforme escreve Figueiredo Dias, “As Consequências Jurídicas do Crime”, “são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena alternativa ou por uma pena de substituição e a sua efectiva aplicação.” A culpa nada tem a ver com a questão da escolha da espécie da pena. Por outro lado, neste particular, deve dar-se prevalência a considerações de prevenção especial de socialização, por serem sobretudo elas que justificam, em perspectiva político-criminal, todo o movimento de luta contra a pena de prisão. A prevenção geral deve surgir aqui unicamente sob a forma de conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico. Desde que impostas ou aconselhadas à luz de exigências de socialização, a pena alternativa ou a pena de substituição só não serão aplicadas se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não seja posta irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos. A sociedade tolera uma certa “perda” do efeito preventivo geral, mas nenhum ordenamento jurídico se pode permitir pôr-se a si mesmo em causa, sob pena de deixar de existir enquanto tal. Os três arguidos praticaram um crime de roubo com utilização de uma faca que mantiveram encostada e pressionada ao pescoço da vítima e a mesma indiferença demonstrada em relação à vítima aquando da prática dos factos verificou-se em audiência de julgamento, onde os arguidos não demonstraram qualquer arrependimento nem consciência das consequências dos seus actos. No que se reporta ao arguido Albano há a considerar que se encontra inserido familiar, profissional e socialmente, não tem antecedentes criminais e o seu papel foi menos relevante no contexto factual dado como provado uma vez que a arma branca foi utilizada por um dos outros dois arguidos. Assim sendo, entendemos que a suspensão funcionará como um aviso sério para a não repetição da conduta, não se lhe opondo particulares exigências de prevenção especial. Em face do exposto e considerando os limites previstos no n.º 5 do preceito ora considerado, decide-se suspender a execução da pena aplicada ao arguido Albano M... pelo período de três anos e seis meses. Tal suspensão deverá ser sujeita a regime de prova, nos termos do art.53º do Cód. Penal, assente em programa de reabilitação a ser elaborado pela Direcção Geral de Reinserção Social. Diferentemente se conclui quanto aos arguidos Marcoe Óscar na medida que ponderando os antecedentes criminais dos arguidos Marcoe Óscar, demonstrando este último não ter interiorizado a pena de prisão suspensa que lhe foi aplicada no processo referido no facto provado 32 na medida em que continuou a atentar contra o património alheio mas de forma mais grave, com recurso à violência física sobre a vítima, não se nos afigura possível formular um juízo de prognose favorável no sentido de que a ameaça da pena bastará para a prevenção de futuras condutas nem desta forma se realiza o limiar mínimo de prevenção geral de defesa da ordem jurídica pelo que o tribunal entende não se justificar a suspensão das penas de cinco anos e três anos e nove meses respectivamente.» Também nesta parte não podemos deixar de sufragar o entendimento do tribunal a quo. Nos termos do n.º1 do artigo 50º do Código Penal “O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da pena realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.” O citado artigo 50º atribui, deste modo, ao tribunal o poder-dever de suspender a execução da pena de prisão não superior a cinco anos, sempre que, reportando-se ao momento da decisão, o julgador possa fazer um juízo e prognose favorável relativamente ao comportamento futuro do arguido (cfr. Figueiredo Dias, “Velhas e novas questões sobre a pena de suspensão da execução da pena”, Rev. de Leg. e Jur. ano 124º, pág. 68, e Direito Penal Português, -As Consequências Jurídicas do Crime, Lisboa, 1993, §518, págs.342-343) Como justamente se salientou no Ac. do S.T.J. de 8-5-1997 (Proc.º n.º 1293/96) “factor essencial à filosofia do instituto da suspensão da execução da pena é a capacidade da medida para apontar ao próprio arguido o rumo certo no domínio da valoração do seu comportamento de acordo com as exigências do direito penal, impondo-se-lhe como factor pedagógico de contestação e auto-responsabilização pelo comportamento posterior; para a sua concessão é necessária a capacidade do arguido de sentir essa ameaça, a exercer sobre si o efeito contentor, em caso de situação parecida, e a capacidade de vencer a vontade de delinquir”. Conforme resulta do citado artigo 50º, n.º1 do Código Penal, a pena de substituição em causa deve ser aplicada, na sugestiva formulação do Sr. Cons.º Oliveira Mendes (cfr. v.g. Acs do STJ de 23-4-2008, proc.º n.º 08P912 e de 28-5-2008, proc.º n.º 08P1129, ambos in www. dgsi.pt): «a) Sempre que o julgador se convença, face à personalidade do condenado, suas condições de vida, comportamento global, natureza do crime e sua adequação a essa personalidade, que o facto cometido não está de acordo com essa personalidade e foi simples acidente de percurso esporádico, e que a ameaça da pena, como medida de reflexos sobre o seu comportamento futuro evitará a repetição de comportamentos delituosos (prevenção especial) e; «b) Desde que não coloque irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias, ou seja o sentimento de reprovação social do crime ou sentimento jurídico da comunidade (prevenção geral)». Como sublinha o Prof. Figueiredo Dias, “Apesar da conclusão do tribunal por um prognóstico favorável - à luz consequentemente, de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização - a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem “as necessidades de reprovação e prevenção do crime”. Já determinámos que estão aqui em questão não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Só por estas exigências se limita sempre – o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto ora em análise” (Direito penal Português-As Consequências Jurídicas do Crime, Lisboa, 1993, pág. 344).» Embora reconhecendo que neste domínio “os interesses a prosseguir, seja a prevenção geral de integração seja da prevenção especial de socialização, interagem em verdadeira tensão dialética” (Ac. da Rel. do Porto de 17-12-2008, proc.º n.º 0816924, rel. Des.º Melo Lima, in www.dgsi.pt), encaremos primeiro a questão sob o prisma da prevenção especial. Conforme é sabido “o juízo de prognose favorável ao comportamento futuro do arguido, subjacente à decisão de suspender a execução da pena, pode assentar numa expectativa razoável de que a simples ameaça da pena de prisão será suficiente para realizar as finalidades da punição e consequente ressocialização (em liberdade do arguido” - Ac. STJ 1-3-2007, proc.º n.º 254/07-5, rel. Simas Santos, in www.dgsi.pt Essencial é que se estabeleça uma relação de confiança entre o tribunal e o arguido condenado - Ac. do STJ de 8-5-2002, in Col. de Jur-Acs do STJ, ano X, tomo 5, pág. 192. Será que no caso em apreço será possível estabelecer essa relação de confiança? Saliente-se que a circunstância de os recorrentes não serem delinquentes primários não obsta, só por si, à formulação do juízo de prognose favorável e à consequente suspensão da execução da pena. Como efeito, há muito que se vem assinalando entre nós que a restrição do benefício da suspensão aos delinquentes primários não tem fundamento (cfr. Eduardo Correia, Direito Criminal vol. II, págs. 396-405). Como mais modernamente acentua o Prof. Figueiredo Dias, embora se compreenda que nestes casos o prognóstico favorável se torne mais difícil e questionável e se exija para a sua concessão uma particular fundamentação “(…) a existência de condenação ou condenações anteriores não é impeditiva a priori da concessão da suspensão” (Direito Penal Português, -As Consequências Jurídicas do Crime, cit., §519, pág. 344). Esta é igualmente a posição do nosso mais Alto Tribunal. Assim, os acórdãos do STJ de 17 de Fevereiro de 2000 (proc.º n.º 1162/99-5ª, SASTJ, n.º38,82) e de 12 de Dezembro de 2002 (proc.º n.º 4196/02-5, SASTJ, n.º66,64) sublinharam ambos que “A circunstância de um arguido ser reincidente não obsta decisivamente à possibilidade de se lhe suspender a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos, se se tiver como justificado formular a conclusão de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”. E, conforme se assinala no citado acórdão do S.T.J de 24-5-2001 “O Supremo Tribunal de justiça tem doutrinado que, por via de regra, não será possível formar o juízo de prognose favorável de que se falou, em relação ao arguido, não primário, na ausência de confissão aberta onde possam ser encontradas razões da sua conduta e sem arrependimento sincero em que ele pode demonstrar que rejeita o mal praticado por forma a convencer que não voltar a delinquir se vier a ser confrontado com situação idêntica” As circunstâncias do facto punível, como se viu, não apontam, à partida, para uma prognose favorável, pois agiram com dolo intenso, num roubo agravado. Não ficou provado que tivessem bom comportamento anterior, que tivessem confessado, ou que tenham, por qualquer forma, tentado indemnizar. O que vale por dizer que não contribuíram com a sua conduta posterior aos factos, sem assunção do significado e consequências do seu comportamento, para o desenho de uma expectativa positiva. E conforme o STJ tem doutrinado, em grande parte dos casos, não será possível formar o juízo de prognose favorável de que se falou, em relação a arguido, não primário, na ausência de confissão aberta onde possam ser encontradas razões da sua conduta e sem arrependimento sincero em que ele pode demonstrar que rejeita o mal praticado por forma a convencer que não voltará a delinquir se vier a ser confrontado com situação idêntica (Ac de 4-5-94, proc. n.º 46183). Mas também já decidiu que «nada impõe a aceitação pelo agente da própria culpa como condição indispensável à suspensão. Certo que ela abonará um prognóstico sobre a vontade de regeneração e a desnecessidade do efectivo sofrimento da pena para a reprovação; mas sem dúvida também que a sua falta não impede tal prognóstico» (Ac. de 21-2-85, proc. n.º 37636), desde que as circunstâncias do caso permitam, apesar disso, a formulação desse juízo de prognose favorável, o não acontece no caso. Analisando agora a questão do ponto de vista da prevenção geral, perguntar-se-á se à suspensão da execução da prisão se opõem as necessidades de prevenção do crime, isto é “considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico.” Ora, também a este respeito, não podemos deixar de sufragar a posição assumida pelo tribunal recorrido. Pode mesmo dizer-se que, em regra, no âmbito dos assaltos à mão armada a estabelecimentos comerciais (ou industriais), salvo circunstâncias excepcionais ou verificadas razões ponderosas – inexistentes no caso dos autos – não deve ser suspensa a execução da pena de prisão, por a isso se oporem inultrapassáveis razões de prevenção geral. Como se assinalou no Ac. do STJ de 25 de Outubro de 2007, proc.º n.º 07P3247, rel. Cons.º Simas Santos, in www-dgsi-pt, num caso em que estava igualmente em causa um assalto a um estabelecimento comercial, “a circunstância de se tratar de um roubo agravado pela arma, de ocorrência cada vez mais frequente, leva a que também se deva considerar que a simples censura do facto e a ameaça da pena não bastarão para satisfazer as finalidades da punição, designadamente de prevenção geral de integração, já referidas.” O sentimento jurídico da comunidade impõe que os arguidos cumpram em clausura as penas que lhes foram aplicadas, por só assim se cumprirem as exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico Daí que se não suspenda a execução das penas infligidas aos arguidos recorrentes. * III- Decisão Em face do exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar os recursos improcedentes, confirmando o douto acórdão recorrido. Custas pelos recorrentes, com a taxa de justiça de 4 UC para o recorrente Marcoe de 3UC para o recorrente Óscar. * Guimarães, 18 de Março de 2013 |