Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
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| Relator: | JOSÉ AMARAL | ||
| Descritores: | PROVIDÊNCIA CAUTELAR ACÇÃO DESTINADA AO RECONHECIMENTO DO DIREITO REQUISITOS DA PROVIDÊNCIA CAUTELAR NÃO ESPECIFICADA FUMUS BONI IURIS SUMMARIA COGNITIO PERICUMUM IN MORA PERIGO DE GRAVE LESÃO DO DIREITO | ||
| Nº do Documento: | RG | ||
| Data do Acordão: | 09/21/2017 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | PROCEDENTE | ||
| Indicações Eventuais: | 1.º SECÇÃO CÍVEL | ||
| Sumário: | I. O procedimento cautelar não se confunde, quanto à sua natureza, regras e objecto, com a acção adequada a reconhecer um direito, a prevenir/reparar a sua violação ou a realizá-lo coercivamente. II. Naquele, não podem ser formulados, apreciados e decididos pedidos próprios de uma acção declarativa. III. São pressupostos da providência cautelar não especificada: a) Probabilidade séria (“fumus boni juris”), embora colhida a partir de análise sumária (“summaria cognitio”) e de um juízo de verosimilhança, de o direito invocado e a acautelar já existir ou de vir a emergir de acção constitutiva, já proposta ou a propor; b) Fundado e suficiente receio de que outrem, antes de a acção ser proposta ou na pendência dela, cause lesão grave e dificilmente reparável (“periculum in mora”) a tal direito (portanto, que a lesão não se tenha consumado); c) Concreta adequação (ou potencialidade) da providência (como medida de tutela provisória) para remover a situação de lesão eminente e assegurar a efectividade do direito ameaçado; d) Não existência na lei de outro tipo de providência específica que o acautele (princípio da legalidade das formas processuais); e) Que o prejuízo dela resultante para o requerido não exceda consideravelmente o dano que o requerente através dela pretende evitar. IV. Ainda que sumariamente se indicie ser o requerente titular do direito de compropriedade sobre um muro que divide o seu prédio misto de um rústico e, portanto, ter direito à reparação dos danos nele existentes provocados pelo decurso do tempo, e que a vizinha (co-titular do mesmo) se opôs a tal reparação ameaçando queixar-se, embargar a obra e demoli-la a pretexto de o muro ser sua exclusiva propriedade, não resulta dos factos apurados o preenchimento dos demais requisitos do deferimento da providência, maxime o receio fundado de dificuldade ou frustração para a apresentação e desenvolvimento do projecto de turismo rural que a requerente perspectiva e começou a desenvolver no seu prédio e, assim, de prejuízo grave (mormente a de natureza patrimonial vagamente sugerida pelos factos) nem que este seja dificilmente reparável. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO A Sociedade “A – Participações Sociais e Investimentos Imobiliários, SA”, instaurou, em 14-06-2017, no Tribunal de Barcelos, contra M. R., procedimento judicial que apelidou de “Providência Cautelar Comum Não Especificada” e “ao abrigo do artº 362º, do Código de Processo Civil, e seguintes”. Na respectiva petição inicial, em síntese, alegou que: - é proprietária e possuidora do prédio misto denominado “CS”, composto de casa e terrenos, sito em …, Barcelos; - a ré é proprietária e possuidora do prédio rústico que, pelo lado nascente, confronta com aquele; - o seu prédio, em todo o respectivo perímetro, é separado dos confinantes, incluindo o da ré, por “um muro de pedras soltas sobrepostas e saibro, mas regularmente dispostas, que oferecem adesão e consistência numa extensão superior a quinhentos metros do seu percurso circundante”; - tal muro “foi construído com o mesmo tipo de pedras e saibro que a então habitação, actualmente em ruinas”, “quer pela sua estrutura quer pela sua curvatura nas estremas”, verifica-se que “tem um seguimento lógico, demonstrando, claramente, que o mesmo foi construído por um único proprietário, cuja idade do mesmo é a mesma que a referida habitação, pois os materiais utilizados […] são exactamente os mesmos”, “tratando-se de uma construção centenária”; - além do prédio, “Também sobre o referido muro divisório […] têm vindo os anteriores proprietários do prédio, há já mais de cento e cinquenta anos, a praticar todos os atos de fruição que se lhe revelam necessários ao longo de toda a sua extensão e em todo o seu cumprimento, nele tendo apoiado as suas ramadas, servindo de apoio e encosto às pedras de suporte das ramadas que se encontravam em toda sua extensão e no acompanhamento do respectivo muro”, sendo que “até à presente data nunca ninguém da freguesia, vizinho, confrontante e a própria ré questionou que o muro não é pertença, em exclusivo, do prédio que pertence a autora”; - após a aquisição, por compra – registada em 09-03-2017 –, a autora planeou rentabilizar o prédio, e “promover a sustentatibilidade dos espaços rurais e dos recursos naturais, artesanato e folclore”, “prevendo um gasto de centenas de milhares de euros”, visando candidatar-se ao “Proder” para o que encomendou um projecto a gabinete de arquitectura/engenharia – investimento que na fase inicial ronda aproximadamente 250.000,00€ - e, além do mais, mandou proceder à limpeza dos muros, retirar pilares da ramada já envelhecida, alinhar o terreno, restaurar o muro de delimitação que se encontrava danificado pelo tempo, sendo seu objectivo “restaurar o muro com pedras e cimento (argamassa de cimento), uniformizando-o em toda a sua extensão e em toda a sua largura, tornando-o coeso por forma a vedar definitivamente a sua propriedade”; - a ré, ao contrário de todos os demais confrontantes, “assim que viu pessoas a trabalhar no local começou a criar novamente conflitos, impedindo assim o decurso das obras” e, quando abordada sobre a razão disso, “acabando por questionar a propriedade do referido muro, mostrando-se a ré a reivindicar […] um direito pleno e exclusivo sobre o mesmo”, “irredutível, insultando tudo e todos, exigindo que a autora edifique um muro paralelo ao existente” e “ameaçou todos os trabalhadores, bem como a autora, que caso se iniciem as obras no referido muro irá chamar a autoridade policial, a fiscalização, embargar a obra e proceder à sua demolição, imputando-lhe danos irreparáveis”, apesar de o prédio dela ser todo delimitado por muros mas nenhum por si edificado; - o restauro do muro já terminou, salvo na parte confrontante com a ré; - “a ameaça constante perpetrada pela ré impede que a autora avance com a reconstrução do muro”, “esta postura hostil manifestada […] evidenciou-se desde o início deste negócio tendo apresentado sempre uma atitude inapropriada, quer por carolice, quer por mesquinhez”, o que “gera desânimo” no representante da autora, dada a relação de vizinhança e de amizade que existiam; - são “sinais evidentes” da propriedade exclusiva da autora sobre o muro “os limites da ramada que existiam no prédio da autora bem como os que existem no prédio da ré, do próprio muro na sua extensão e delimitação de toda a propriedade”; - pretende a autora continuar as obras “sob pena de ter feito um investimento do qual não tem retorno estando a ter um prejuízo diário …de largos milhares de euros” [sic]; - a não se entender que o muro é propriedade exclusiva da autora, estar-se-ia ante compropriedade, aliás legalmente presumida (artº 1370º, CC); - a autora, face à “postura hostil” da ré, “deseja ver a situação totalmente definida e devidamente respeitada, com a maior urgência possível” através da providência cautelar e, assim, “esclarecida a situação jurídica, através de uma decisão pacificadora”, pois “trata-se claramente de um conflito de vizinhança em torno da titularidade de um muro que delimita os dois prédios”; - a suspensão das obras “causa um sério prejuízo” [sic] e “o atraso na resolução do presente litígio implica custos elevadíssimos para a autora”, “o projecto/estudo que foi apresentado na Câmara Municipal, bem como, se almeja, no âmbito da candidatura do Proder junto dos Ministérios, poderá ser indeferido se não concluir as obras em curso” e “se não vedar todo o prédio com uma construção mais moderna, é efectivamente um prejuízo sério e credível para a Autora, tanto no âmbito do seu projecto, um projecto dedicado ao Turismo Rural naquela região, como para a sua total privacidade (evitar invasões desde ladrões a animais, tais como cães e toura, como aconteceu recentemente, danificando, assim, a referida propriedade) e acima de tudo ameaçando as condições e a segurança da mesma”; - ainda que se considere ser o muro “compropriedade”, a autora dispõe-se a pagar todo o custo da reconstrução, respeitando todas as suas características. Entendendo, enfim, pelo exposto, estarem reunidos os requisitos e justificada a providência cautelar, concluiu formulando o pedido de que deve esta “ser julgada procedente por provada e em consequência: a) Reconhecer o direito de propriedade da Autora sobre o prédio descrito no artº 2º deste articulado, assim como do muro que o divide e delimita o prédio da Ré e demais confinantes face aos sinais apresentados; b) Ser a ré condenada a reconhecer que o muro existente e que divide o seu prédio e o da Autora é pertença exclusivamente da Autora, pelos sinais existentes; c) Se assim não se entender deve ser reconhecida a presunção da compropriedade do muro da Ré e da Autora, devendo esta ser autorizada a reconstruir a totalidade do muro, pagando a totalidade das despesas. d) Mas se mesmo assim não se entender, adquirir a comunhão forçada do referido muro, pagando e assumindo todas as despesas. e) E sempre a reconstrução do muro em questão deverá ficar uniforme ao restante muro já devidamente reconstruído, sendo inclusivamente permitida e/ou autorizada a colocação de uma rede que vede as propriedades com a chamada “rede Painel”. Requer, nos termos do 369º nº 1 do Código de Processo Civil a V. Exª a dispensa da propositura da acção principal tendo em conta que toda a prova documental e prova testemunhal nos presentes autos permite que, efectivamente, se forme uma convicção segura e não perfunctória ou verosímil sobre a existência do direito que visa ser acautelado bem como o facto de o respectivo decretamento da providência ter a virtualidade de ela própria compor, em definitivo, o litígio.” Requereu inspecção judicial, o depoimento de parte da ré, arrolou treze testemunhas e juntou variada documentação. Apresentados os autos a despacho inicial, foi ordenada a citação da requerida nos termos do artº 366º, nºs 1 e 2, do CPC, e para contraditar o pedido de inversão do contencioso. Realizada esta, a requerida deduziu oposição, pretendendo que o procedimento deve ser liminarmente indeferido ou ser julgado improcedente quanto aos três pedidos subsidiários, invocando para tal, em suma, que: a) O procedimento devia ter sido liminarmente indeferido “por patente falta de requisitos legais”, pois a “parca” factualidade alegada na petição é “insuficiente” para preencher o “periculum in mora”, “perigo de lesão grave e dificilmente reparável”, o “prejuízo sério”, o “receio justificado da necessidade de uma providência” e o “direito que possa ser seriamente afectado ou inutilizado”; b) Parte do alegado é por si desconhecido ou irrelevante ou conclusivo ou falso, impugnando e aceitando apenas que é proprietária do prédio confrontante, nos termos descritos pela requerente; c) É contraditória a postura processual da requerente ao alegar que é proprietária do muro mas sem lançar mão da restituição provisória de posse; d) O muro não é propriedade da requerente, bem sabendo ela disso, mas sim, única e exclusivamente, da oponente, pois foi quem sempre o utilizou, nomeadamente “para prender os cabos de sustentação das ramadas” pelo “lado de fora do muro” e quem procedeu à manutenção deste; e) Aliás, além do muro em todo a extensão deste existe ainda uma faixa com cerca de 20 cm de largura, ocupada pelos ditos cabos, que integra o prédio da requerida; f) Há no local “marcos em pedra e sinais” que confirmam tal tese; g) Sendo certo que se opôs frontalmente a qualquer obra no muro, nega qualquer atitude ameaçadora, hostil ou menos adequada, incorrecta e de má-fé tendo sido a actuação da requerente no processo e fora dele; h) O pedido de aquisição da “comunhão forçada” não pode ter lugar em providência cautelar nem satisfaz os requisitos desta; i) O pedido de inversão do contencioso deve ser indeferido, por infundamentado. Juntou documentos. Na audiência final, a requerente pronunciou-se sobre a “excepção de ineptidão da petição inicial” – termos do convite que para tal lhe foi dirigido pelo tribunal; realizou-se inspecção ao local, foram tomadas declarações de parte ao legal representante da requerente e ouvidas testemunhas. Por fim, com data de 14-07-2017, foi proferida a sentença que culminou na seguinte decisão: “Por todo o exposto, o Tribunal julga o presente procedimento cautelar parcialmente procedente e, em consequência: 1. Indefere o pedido de indeferimento liminar da petição inicial. 2. Declara e reconhece que a requerente é proprietária do prédio identificado em 2) a 4) dos factos indiciariamente provados. 3. Declara que o muro identificado em 11. dos factos indiciariamente provados e na parte em que divide o prédio da requerente do prédio da requerida é compropriedade da requerente e da requerida. 4. Autoriza a requerente a reconstruir o muro identificado em 11. dos factos indiciariamente provados e na parte em que divide o prédio da requerente do prédio da requerida, pagando a totalidade das despesas e autorizar a colocação de uma rede que vede as propriedades com a chamada “rede painel”. 5. Indefere o pedido de dispensa da propositura da acção principal.”. A requerida não se conformou e apelou a este Tribunal, apresentando-nos, para fundamentar o pedido de revogação da sentença e da providência decretada e de que se julgue totalmente improcedente o procedimento cautelar, argumentos que resumiu nas seguintes conclusões: “a) O presente procedimento cautelar devia ter sido liminarmente indeferido, por falta de requisitos legais, ou, pelo menos, julgado totalmente improcedente, desta feita por falta de prova e de fundamento legal; b) Nem existe um receio justificado da necessidade de uma providência, nem existe um direito que possa seriamente ser afectado ou inutilizado, nem um prejuízo concretizável, o que perpassa toda a petição e alegação inicial; c) Não se verificando, como neste caso manifestamente não se verifica, o receio de perigo de lesão, grave e dificilmente reparável, nem estando esse receio suficientemente fundado, ou sustentando o invocado periculum, o procedimento cautelar devia ter sido julgado totalmente improcedente, sem mais, inexistindo factos provados que permitissem ao tribunal a quo decidir como fez; d) Os factos dados como provados sob os itens 26, 27, 28, 29, 30 e 31, com todo o respeito, não sustentam, de forma alguma, a decisão ora recorrida, ou permitiam concluir pela verificação do periculum in mora; e) Não foram devidamente considerados nem apreciados pelo tribunal determinados sinais que, uma vez verificados e atendidos nos termos do Art. 1371º do Código Civil, contrariariam a presunção de compropriedade invocada pela requerente; f) Existem no muro, e isso foi dado como provado (item 17), pedras de grande porte que servem de prisões para a ramada (ou parreira) da requerida, sustentando-a, com os cabos cravados do lado do prédio da requerente, e apenas desse lado; g) Tal foi indevidamente desvalorizado pelo tribunal, com base no depoimento de uma testemunha, porquanto “era assim porque as pessoas falavam” (motivação de facto, pág. 16, 2º parágrafo), e não por se tratar do exercício da posse e do direito de propriedade; h) Para contrariar a presunção de compropriedade, surgem como presunções legais, opostas àquelas, no sentido da exclusividade da propriedade, os sinais elencados no Art. 1371º C.C.; i) A própria conduta da requerente não foi valorada como deveria ter sido, o que também teve influência directa na decisão; j) Sendo proprietária, como alegou, à requerente bastava avançar com a obra pretendida, indiferentemente à oposição da requerida; k) Com que fundamento iria a requerida embargar uma obra da requerente, feita em propriedade da mesma requerente - pergunta-se - se não podia invocar, desde logo, a propriedade exclusiva do muro? l) Não sendo proprietária do muro, é evidente que não podia embargar qualquer obra com esse fundamento; m) Nem a posse nem o esbulho ou turbação foram alegados ou provados pela requerente, mas apenas a oposição verbal da requerida à pretendida obra, recaindo sobre a primeira, e apenas sobre si, tais ónus; n) Tendo desvalorizado os sinais que existiam no muro, fossem sinais nessa acepção, fossem marcos ou tivessem outra natureza, e autorizado a obra sem restrições, o tribunal permitiu que os mesmos fossem destruídos, deslocados ou apagada a sua existência, impedindo a sua referenciação futura; o) Escassos dias após a decisão, a requerente, em pouco tempo, arrasou o muro que existia, e levou a cabo a reconstrução que pretendia, e como pretendia; p) Destruindo com isso, porém, todos e quaisquer sinais ou marcos que existiam, irreversivelmente, para além de, potencialmente, ter permitido a violação da posse e do direito de propriedade da requerida; q) O tribunal não efectuou um juízo valorativo, como daqui resulta evidente, entre os eventuais danos que pudessem resultar do decretamento, ou não, da providência e, ao decretá-la, decidiu em manifesto excesso, com prejuízo claro para a requerida; r) A requerente não tem nem fez qualquer prova de perigo na demora nem de prejuízo, sério ou não; s) O pedido de comunhão forçada que a requerente formulou também não mereceria ter êxito; t) Não nos parece que tal pedido possa ter cabimento legal num mecanismo cautelar, não se vislumbrando qualquer respaldo jurídico-processual para tanto; u) A requerente formulou diversos pedidos subsidiários na expectativa de, no caso de inviabilidade de uns, poder obter o que pretendia através de outros; v) Não nos parece admissível aceitar a formulação de pedidos subsidiários, desta natureza, e como foram peticionados, num procedimento cautelar; w) O tribunal a quo não fundamentou devidamente a decisão, havendo hiatos na ligação entre a matéria de facto e o direito aplicado; x) Da decisão recorrida não decorre explicitamente o processo lógico que, perante a decisão de facto, baseou e justificou a aplicação do direito; y) Não se alcança como pôde o tribunal concluir que, podendo a requerente, a todo o tempo, alterar o projecto camarário que apresentou (item 30 dos factos indiciariamente provados), rectificando-o e confinando-o aos limites da sua propriedade, existe um perigo sério e irreparável; z) Nem como pôde o tribunal concluir pela urgência na reconstrução do muro, relacionando-a com uma candidatura ao PRODER, que não existe, quando não foi referida ou dada como indiciariamente provada qualquer data; aa) Nem se alcança, do mesmo modo, como concluiu o tribunal que o muro em questão é comum, desvalorizando, sem o fundamentar devidamente, os sinais então existentes no local; bb) O tribunal desaplicou a regra da repartição do ónus da prova constante no Art. 414º CPC, decidindo contra a requerida; cc) O tribunal não podia, sem mais, partindo da presunção de compropriedade, sustentar e dar como indiciariamente provado que o muro é comum; dd) A requerida somente reclamou, e reclama, a propriedade exclusiva do muro; ee) O tribunal foi alheio aos efeitos nefastos que o decretamento da providência podia provocar, tendo provocado prejuízo considerável à requerida; ff) A decisão proferida violou o Art. 362º, n.º 1, o Art. 365º, n.º 1, o Art. 368º, n.ºs 1 e 2, o Art. 379º, o Art. 413º e o Art. 414º, todos do Código de Processo Civil, o Art. 1268º, n.º 1, o Art. 1276º, o Art. 1277º, o Art. 1278º, n.º 1, o Art. 1305º e o Art. 1371º, n.ºs 1, 2, 3, 4 e 5, todos do Código Civil e o Art. 62º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa. Nestes termos, e mais de Direito, que V. Excias. doutamente suprirão, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue totalmente improcedente o procedimento cautelar, revogando-se a providência decretada. SÓ ASSIM SE FARÁ ELEMENTAR E ESPERADA JUSTIÇA”. A requerente contrapôs-se-lhe, defendendo, nas suas alegações, que o recurso deve ser julgado improcedente e a decisão mantida. Foi admitido o recurso como de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito devolutivo. Corridos os Vistos legais, cumpre decidir, uma vez que nada a tal obsta. II. QUESTÕES A RESOLVER Pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, sem prejuízo dos poderes oficiosos do tribunal, se fixa o thema decidendum e se definem os respectivos limites cognitivos. Assim é por lei e pacificamente entendido na jurisprudência – artºs 5º, 608º, nº 2, 609º, 635º, nº 4, 637º, nº 2, e 639º, nºs 1 e 2, do CPC. No caso, importa apreciar e decidir, essencialmente, se não se verificam os pressupostos legais fundamentadores do decretamento da providência pedida. III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO O tribunal recorrido, nesta sede decidiu: “3.1. Matéria de Facto Indiciariamente Provada Com interesse para a decisão da causa resultou indiciariamente provado que: 1) A requerente é uma sociedade anónima que tem como objecto social a gestão de investimentos imobiliários, compra de imóveis para revenda, gestão de participações sociais, prestação de serviços conexos, produção de electricidade de origem eólica, geotérmica e solar, comércio de electricidade. 2) Na Conservatória do Registo Predial sob o n.º … da freguesia de …., está descrito o prédio denominado de «CS», situado em …, com a área total de 10716 m2 e composto por casa de rés-do-chão e andar com a superfície coberta de 116 m2, logradouro com 400 m2 e terreno de cultura com 10.200m2, que confronta a norte e poente com J. R. e a sul e nascente com caminho público e que está inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 25 e na matriz predial rústica sob o artigo 813. 3) Está inscrito a favor da requerente, na matriz predial urbana de Barcelos sob o art. 25, o prédio urbano sito na Rua …, Lugar de … concelho de Barcelos, composto por casa com dois pavimentos e logradouro, afecto a habitação, com a área total de terreno de 516 m2 e a área de implantação do edifício com 116 m2. 4) Está inscrito a favor da requerente, na matriz predial rústica de Barcelos sob o art. …, o prédio rústico sito em …, e que confronta de note com J. R., de sul e nascente com caminho e de poente com J. R., F. B. e outros, e que tem a área total de 1,020000ha. 5) Por contrato de compra e venda outorgado em data não concretamente apurada do ano de 2017, a requerente comprou a D. G., casada com F. G. o prédio denominado “CS”. 6) Pela apresentação n.º …. de 2017/03/09, o prédio identificado em 2) foi inscrito a favor da requerente na Conservatória do Registo Predial, por compra a D. G.. 7) A requerida adquiriu por sucessão e partilha por óbito de seu falecido marido, F. C., o prédio rústico composto por terreno de cultura, videiras em ramada e fruteiras, com a área de 1.450 m2, situado no Lugar ou Rua da …., freguesia de …, concelho de Barcelos, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo … e descrito na citada Conservatória sob o número …, o qual está registado a favor da requerida pela apresentação n.º ….. 8) O prédio rústico referido em 4) e que compõe o prédio identificado em 2) confronta, pelo seu lado poente, com o prédio da requerida M. R., numa extensão de cerca de 55 m. 9) O prédio identificado em 2) até ser vendido à requerente como referido em 5), pertenceu, durante mais de 100 anos, à família da vendedora D. G., conhecidos por “P.”, da freguesia de …. 10) O pai da vendedora D. G., na infância e adolescência, viveu na habitação existente no prédio urbano identificado em 3) e que compõe o prédio identificado em 2). 11) O prédio identificado em 2) até à realização das obras referidas em 20) a 22), estava, em toda a sua extensão, dividido dos restantes prédios confinantes, onde se inclui o da requerida, e da via pública, através de um muro de pedras soltas sobrepostas e saibro, regularmente dispostas, com alguma consistência, numa extensão não concretamente apurada. 12) O muro referido em 11) foi construído com o mesmo tipo de pedras e saibro que a habitação, actualmente em ruínas, existente no prédio urbano identificado em 3) e que compõe o prédio identificado em 2). 13) O muro identificado em 11), tal como a habitação referida em 12), são construções com, pelo menos, mais de 100 anos. 14) O muro referido em 11), apresentava uma estrutura idêntica, ao longo de toda a extensão na parte que confinava com os prédios situados a norte e nascente, sendo totalmente contínuo. 15) A requerente, por si e seus antepossuidores ocuparam e ocupam, o prédio identificado em 2), cultivando-o e fazendo seus os produtos hortícolas e frutícolas, de modo contínuo, à vista e com o conhecimento de todos, sem oposição de ninguém, sem interrupção temporal e sempre na convicção de exercer sobre esse prédio um pleno e exclusivo direito de propriedade e de não lesar quaisquer direitos de outrem. 16) Os anteriores proprietários do prédio identificado em 2), há mais de 80 anos que usam o muro referido em 11), ao longo de toda a sua extensão e em todo o seu comprimento, para nele apoiarem as suas ramadas servindo de apoio e encosto às pedras de suporte das ramadas que se encontravam em toda a sua extensão. 17) A requerida também usa o muro identificado em 11) para prender os cabos de sustentação da sua ramada, os quais estão presos pelo lado do prédio da requerente. 18) O legal representante da requerente foi nascido e criado na freguesia de …, habitando num prédio que se situa do outro lado da Rua que divide do prédio identificado em 2). 19) Logo após o contrato de compra e venda, a requerente começou a traçar planos e a delinear estratégias por forma a rentabilizar e proporcionar àquele espaço algo majestoso, dignificando, assim, a freguesia e para tal contratou uma sociedade de Arquitectos e Engenheiros que tiveram por missão elaborar para aquele espaço um projecto que fosse inovador, dinamizador e eficaz, privilegiando as características daquela região. 20) A requerente contratou ainda uma equipa para proceder à limpeza do terreno e dos muros, retirar os pilares da ramada, remover e deslocar árvores, proceder ao alinhamento do terreno e proceder à restauração de todo o muro referido em 11) e que delimita o prédio identificado em 2), uma vez que o mesmo, no estado em que se encontrava e ainda encontra na parte em que confina com a requerida, está bastante danificado pelo decurso do tempo. 21) O objectivo da requerente é restaurar o muro com pedras e argamassa de saibro, uniformizando-o em toda a sua extensão e em toda a sua largura, tornando-o coeso por forma a vedar definitivamente a sua propriedade. 22) A requerente e sua equipa, ao longo de todo o prédio, não tiveram qualquer problema com nenhum dos restantes confrontantes dos prédios vizinhos, onde todo o muro já foi reconstruído dos lados poente e norte, à excepção da requerida que, assim que viu pessoas a trabalhar no local, começou a criar conflitos, impedindo o decurso das obras. 23) Perante o referido em 21), o legal representante da requerente foi indagar junto da requerida, dada à relação de proximidade existente entre ambos, a razão da mesma criar tantas divergências, sendo que a requerida defendeu que era a exclusiva proprietária do muro e não autoriza a reconstrução do muro pela requerente. 24) Em consequência do referido em 21), a requerente deu continuidade ao restante muro do lado nascente e sul, ao mesmo tempo que tentava dissuadir a requerida, dizendo-lhe que a mesma se encontra equivocada e inclusivamente solicitando a terceiros para falar com a mesma e chamá-la à razão. 25) A requerente para evitar conflitos de vizinhança e o corte de relações com a requerida, já que existia uma grande relação de proximidade, pois foi padrinho de casamento das filhas da requerida, não avançou com a reconstrução do muro, na parte em que o mesmo confina com o prédio identificado em 5). 26) A requerente investiu num projecto inovador, prevendo um gasto de centenas de milhares de euros, tendo em vista uma candidatura junto do - PRODER – Programa de Desenvolvimento Cultural, por forma a promover a sustentabilidade dos espaços rurais e dos recursos naturais, artesanato e folclore, tudo isto em prol da freguesia e do concelho e de todos os seus habitantes, por forma a reforçar a coesão territorial e social naquele local., com a construção naquele local de um espaço para turismo rural, religioso e cultural. 27) A requerente pretende dar continuidade às obras que se predispôs, sob pena de ter feito um investimento do qual não terá retorno. 28) A requerente tem interesse em ver a questão definida atendendo à posição assumida pela requerida, pois a mesma ameaçou os trabalhadores, bem como a requerente que, caso se iniciem as obras no referido muro, irá chamar a autoridade policial, a fiscalização, embargar a obra e proceder à sua demolição, o que irá impedir a concretização das obras e irá causar à requerente diversos danos. 29) O projecto/estudo já foi apresentado na Câmara Municipal, e necessita de ser aprovado em tal entidade, para poder avançar e ser posteriormente apresentado junto dos Ministérios e só depois junto do PRODER, sendo que tal Fundo Comunitário concede os apoios, parcialmente, a fundo perdido, por ordem de candidatura. 30) Se as obras em curso não forem concluídas, a requerente pode ver o seu projecto indeferido na Câmara Municipal, ou poderá ter de proceder a alterações ao mesmo, com a necessidade de gastar mais tempo e gasto de mais dinheiro. 31) A não vedação de todo o prédio da requerente com uma construção mais moderna, para além de poder determinar a não aprovação do projecto dedicado ao Turismo Rural naquela região tal como referido, e que será apresentado junto dos mais diversos organismos, impede a requerente de ter total privacidade e permite a invasão do prédio por animais, tais como cães e toura, e põe em causa a segurança. 32) A requerente já investiu no projecto €.250.000,00, sendo que €.150.000,00 foi o preço pago pela compra do prédio. * 3.2. Matéria de Facto Não Provada Com interesse para a causa não resultou indiciariamente provado que: a) A família de D. G., em tempos uma das mais ricas, se não a mais rica da freguesia de …, adquiriu o prédio identificado em 2), tendo o pai da vendedora, D. T., nascido lá (actualmente tem 91 anos). b) O pai da vendedora, D. T., e D. G., cultivaram o terreno do prédio identificado em 2). c) O muro referido em 11) foi construído por um único proprietário. d) O referido em 11) foi construído por um dos anteriores proprietários do prédio da requerente identificado em 2). e) A requerente e os anteriores proprietários do prédio identificado em 2), para além do referido em 16), praticam quaisquer outros actos de fruição sobre o muro. f) Até à presente data nunca ninguém da freguesia, vizinho, confrontante e a própria requerida questionou que o muro não é pertença, em exclusivo, do prédio que pertence à requerente. g) Neste momento, a equipa que a requerente contratou já terminou a restauração do restante muro. h) Todo o prédio da requerida é delimitado por muros que não foram construídos pela mesma, pois pelo lado sul – estrada, foi a Junta de Freguesia que o edificou e pelo lado norte foi o seu vizinho que o construiu. i) A requerida encontra-se irredutível, insultando tudo e todos e exigindo que a requerente edifique um muro paralelo ao existente, fazendo uma curvatura para ir ao encontro do restante muro que veda a propriedade. j) A requerente está a ter um prejuízo diário de largos milhares de euros. k) Neste momento, todo o muro à volta da propriedade da requerente já se encontra reconstruído e uniforme. l) O prédio identificado em 4) tem para lá do muro referido em 8), na parte que confronta com o prédio da requerente, uma faixa de terreno com cerca de 20cm de largura, que acompanha em toda a sua extensão o mesmo muro e que faz parte do prédio da requerida, sendo que é o espaço dessa faixa que, pelo lado de fora do muro, os cabos de sustentação da ramada estão a ocupar. m) Isto, há mais de 15, 20 e mais anos, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém. n) A requerente sabe bem que o muro não delimita a sua propriedade e que a requerida é a sua única proprietária. o) A requerente arrebentou com alguns cabos de sustentação da ramada da requerida e propalou que o muro ia ser todo demolido, quer a requerida quisesse, quer não.”. IV. APRECIAÇÃO Como, salvo casos excepcionais legalmente balizados, a ninguém é lícito o recurso à força para realizar ou assegurar o seu direito, a todos é garantido o acesso aos tribunais a fim de obter, em prazo razoável, a respectiva tutela mediante uma decisão judicial que aprecie a pretensão regularmente deduzida em juízo – artºs 20º, da CRP, e 1º, e 2º, do CPC. Assim, a todo o direito, excepto quando a lei determine o contrário, corresponde a acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a violação dele e a realizá-lo coercivamente, bem como os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da acção – artº 2º, nº 2, do CPC. A observância das regras procedimentais inerentes previstas na lei – objectivo em cujo alcance deve ter papel fulcral o patrocínio forense – pressupõe um modo e implica um tempo que normalmente não se compadecem com a premência que a salvaguarda de certos direitos exige em determinadas circunstâncias. No presente caso, é pretensão última da requerente reconstruir o muro, com 55 metros de comprimento, que existe na confrontação poente do seu prédio com o da requerida, e colocar sobre ele uma rede de vedação. A tal se opôs a vizinha, argumentando que tal muro integra o seu prédio, que ele é propriedade única e exclusivamente sua e, portanto, que nenhum direito tem a requerente sobre ele capaz de legitimar tal pretensão. Esta concede que, mesmo a não ser sua propriedade única e exclusiva, sempre o muro será comum e, assim, titular do direito de compropriedade sobre ele e que, caso resulte ser alheio (da requerida), sempre goza da faculdade de adquirir nele tal comunhão. Com efeito, quem sobre o muro for titular do direito de propriedade poderá obviamente fazer dele ou nele o que entender (usá-lo, frui-lo e dispor do mesmo conforme os interesses revelados pela sua vontade livre e autónoma), nos termos e embora com os limites e restrições previstos na lei – artº 1305º, do C. Civil. Sujeita-se, no entanto, segundo os pressupostos e nas condições constantes do artº 1370º, do CC, a que o proprietário do prédio com tal muro confinante adquira neste comunhão. Existindo (comprovada ou presumidamente) compropriedade, o regime desta e, portanto, os inerentes direitos e deveres hão-de, em geral, colher-se dos artºs 1403º e sgs., e, em especial, dos artºs 1372º a 1375º, todos do C. Civil. Cada uma das partes, reivindica aqui a propriedade exclusiva do muro, indo até a requerida ao ponto de negar que ele seja divisório de ambos os prédios, uma vez que – alegou ela – no seu se integra ainda uma faixa de terreno com cerca de 20 cm de largura situada do lado (de fora) oposto e para além daquele (logo, não confinante). Assim despoletado o litígio, partiu da requerente a iniciativa de recorrer a juízo para o resolver. Temendo, no entanto, não obter uma decisão definitiva em prazo normal razoável que, na perspectiva dos seus interesses e dadas as circunstâncias, acautele o efeito útil da acção em conformidade com os seus desígnios, enquistou o procedimento com pretensões manifestamente estranhas aos de uma providência cautelar e apenas cabíveis na acção declarativa inerente. Com efeito, por meio desta providência cautelar e na perspectiva de beneficiar do carácter urgente do respectivo procedimento, intentou a requerente ver definida uma situação jurídica controversa que, em razão daquilo que alegadamente projecta empreender no seu prédio, entende não se compadecer com a normal demora do processo judicial adequado. Assim, mais do que uma medida provisória “adequada a assegurar a efectividade do direito ameaçado” – o de reconstruir o muro e de colocar sobre ele uma rede –, visou claramente uma solução definitiva quanto ao prédio e quanto ao muro. Tal se colhe claramente daquilo que ipsis verbis ela própria referiu no seu articulado inicial – v.g., no item 40º, ao alegar que “deseja ver a sua situação totalmente definida e devidamente respeitada, com a maior urgência possível” – e dos pedidos nele formulados, em parte obviamente estranhos ao típico objecto de uma providência cautelar – caso dos pedidos das alíneas a), b), parte inicial da c) e d). Na verdade, além de nem sequer existir qualquer interesse no pedido de reconhecimento de direito de propriedade da requerente sobre o prédio que identifica na petição como seu (uma vez que ninguém tal questionou, tratando-se de matéria pacífica, sem carência de qualquer acção e de inerente pronúncia judicial), quer esse quer os demais atrás referidos apenas podem ser formulados e decididos na acção declarativa respectiva e não na providência cautelar (sem embargo do regime de inversão do contencioso previsto no artº 369º, CPC, que o tribunal rejeitou – cfr. ponto 5 do dispositivo da sentença recorrida – mas acabou por, contraditoriamente, acolher, maxime no ponto 3). Não deve esquecer-se a elementar distinção condensada no nº 2, do artº 2º, do CPC, entre o direito de acção que o artº 10º esquematiza nas espécies executiva e declarativa e, dentro desta, nas acções de simples apreciação, de condenação e constitutivas, e o direito de requerer providência capaz de acautelar o efeito útil daquele conforme previsto nos artºs 362º e sgs. A cada um correspondem pressupostos, pedidos e, evidentemente, regime processual diversos que o Código define em função de cada caso concreto, não devendo confundir-se, como no caso sucedeu, a providência de autorização (provisória) de reconstrução do muro e colocação da rede (enquanto destinada a assegurar um pretenso direito de propriedade ou de compropriedade sobre ele apenas carentes de indiciação) a que devia confinar-se o pedido objecto de tal providência, com a declaração (definitiva, em função do eventual trânsito em julgado) de existência destes ou de constituição (potestativa) do segundo próprios de acção principal e a cujo reconhecimento judicial há-de inerir necessariamente aquele poder. Salvo, pois, o requerimento de inversão do contencioso que, nos termos do artº 369º, nº 2, do CPC, pode ser feito até ao encerramento da audiência final (mas que foi indeferido e não integra o objecto da discussão neste recurso), no âmbito do objecto do procedimento cautelar não podiam ter sido formalmente incluídos, seja em relação de cumulação seja em relação de subsidiariedade, pedidos de declaração (“reconhecimento”, na sua expressão) do direito de propriedade da requerente sobre o prédio misto nem sobre o muro (muito menos na parte relativa aos demais confinantes, nem sequer aqui demandados) nem o de condenação da requerida a reconhecer tal direito, nem o de declaração de que tal propriedade se presume, muito menos o de que se considere constitutivamente adquirida a comunhão no mesmo pela requerente ao abrigo do artº 1370º, do CC (este também indeferido e não discutível quanto a tal no presente recurso(1)) – artºs 554º, nº 2, e 555º, nº 1, conjugados com o disposto no artº 37º, nº 1. (2) Sem embargo de tais direitos (de propriedade ou de meação – adquirida ou o de a adquirir – sobre o muro) constituírem pressuposto a provar sumariamente do deferimento da providência, o objecto desta redunda, portanto, no pedido de autorização da reconstrução daquele e de colocação da rede. Não interessando nem cabendo pronúncia nem declaração/reconhecimento sobre a propriedade do prédio da requerente nem vindo discutido o julgamento de que não resultou provado que o muro em causa é sua propriedade exclusiva, interessa então atentar o que, na sentença recorrida, se entendeu e julgou acerca da também alegada compropriedade deste – direito de que emanaria o de o reconstruir e colocar sobre ele a rede e cuja efectividade se pretende assegurar ante o perigo receado de lesão grave e dificilmente reparável e que o tribunal a quo, em prejuízo da preconizada aquisição potestativa com base no artº 1370º, do CC, declarou procedente e na titularidade da requerente e da requerida. Sobre isto, e a seguir à transcrição do texto do artº 1371º, do Código Civil, consta na sentença: “Ora, esta norma estabelece uma presunção legal de que, não havendo sinal em contrário, os muros entre prédios rústicos são comuns. Revertendo à factualidade em apreço, verifica-se que os prédios da requerente e da requerida que confinam entre si são prédios rústicos (veja-se factos indiciariamente provados em 2) a 8)). O prédio da requerente identificado em 2) é constituído por um prédio urbano e um prédio rústico e é o prédio rústico que confina com o prédio rústico da requerida. Estamos assim perante dois prédios rústicos que são divididos pelo muro identificado em 11) e por uma extensão de cerca de 55m. Tratando-se de um muro que existe a dividir dois prédios rústicos, e atendendo ao disposto no art. 1371.º, n.º 2 do Código Civil, o mesmo presume-se compropriedade da requerente e da requerida, a menos que haja sinal em contrário. Atendendo à factualidade indiciariamente dada como provada, não se apurou a existência de qualquer sinal – dos que estão elencados no n.º 3 do art. 1371.º - que permita concluir que o muro presuntivamente comum, não é afinal um muro comum. Também nenhuma prova se fez de que o muro é propriedade exclusiva da requerente ou é propriedade exclusiva da requerida, prova essa que a ter sido feita, permitia ilidir a presunção (Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, vol. III, pág. 242 e ss., e ac. do T.R.Porto de 13.10.2011, relatado por Filipe Caroço, no proc. 1274/10.4TBPNF.P1 E Ac. do T.R.Guimarães de 28.01.2016, relatado por Francisca M. Vieira, no proc. 213/14.8TBAVV.G1). Pelo exposto, temos de concluir que o muro em discussão é comum a requerente e requerida, sendo compropriedade da requerente e da requerida, pelo que, está indiciariamente provado o direito da requerente sobre o muro. Consequentemente está verificado o primeiro dos requisitos necessários ao decretamento da providência.”. Prosseguindo, depois, na análise dos demais requisitos legais da providência cautelar, considerou a sentença, para concluir pela procedência: “Atendendo aos factos indiciariamente provados em 19) a 32), temos de concluir que a conduta da requerida, ao impedir a requerente de reconstruir o muro que divide os dois prédios, reclamando a propriedade exclusiva do mesmo, causa um prejuízo grave e irreparável à requerente. Com efeito, a requerente comprou o terreno para criar um espaço de para turismo rural, religioso e cultural, e para tanto contactou empresas, desenvolveu o projecto e apresentou-o junto da Câmara Municipal, para que depois de aprovado em tal entidade, possa avançar e ser posteriormente apresentado junto dos Ministérios e só depois junto do PRODER, sendo que tal Fundo Comunitário concede os apoios, parcialmente, a fundo perdido, por ordem de candidatura. Acresce que a não construção do muro, tal como a requerida tem impedido, e como a requerente pretende pode determinar a perda do investimento já realizado e do qual a requerente não terá retorno, sendo que a requerente tem interesse em ver a questão definida atendendo à posição assumida pela requerida, pois a mesma ameaçou os trabalhadores, bem como a requerente que, caso se iniciem as obras no referido muro, irá chamar a autoridade policial, a fiscalização, embargar a obra e proceder à sua demolição, o que irá impedir a concretização das obras e irá causar à requerente diversos danos. Ou seja, a conduta da requerida, a manter-se e a manter-se até haver uma decisão definitiva sobre a propriedade do muro, causará um prejuízo sério e irreparável à requerente. Está aqui em causa um projecto inovador, que visa promover a sustentabilidade dos espaços rurais e dos recursos naturais, artesanato e folclore, tudo isto em prol da freguesia e do concelho e de todos os seus habitantes, por forma a reforçar a coesão territorial e social naquele local e que é fortemente apoiado pela freguesia. Acresce que houve até já um gasto de €.250.000,00 e sendo que se prevê um gasto de centenas de milhares de euros, tendo em vista uma candidatura junto do - PRODER – Programa de Desenvolvimento Cultural. De relevar ainda que este projecto tem de ser aprovado por diversa entidades e tem fases que têm de ser seguidas sequencialmente, e neste momento o projecto/estudo já foi apresentado na Câmara Municipal, e necessita de ser aprovado em tal entidade, para poder avançar e ser posteriormente apresentado junto dos Ministérios e só depois junto do PRODER, sendo que tal Fundo Comunitário concede os apoios, parcialmente, a fundo perdido, por ordem de candidatura. A delonga processual associada à demora de um processo judicial, poderá invalidar a possibilidade de a requerente obter tal apoio do PRODER, uma vez que a ordem de apresentação das candidaturas releva. Assim sendo, entendemos que a conduta da requerida, ao não permitir que a requerente prossiga com a construção do muro, está a causar um prejuízo grave e irreparável à requerente. E considerando-se, indiciariamente, que a requerente e a requerida são comproprietárias do muro, então, ao abrigo do disposto no art. 1375.º do Código Civil, assiste à requerente o direito de reconstruir o muro em questão, suportando integralmente tal custo e sem que daí resulte qualquer renúncia da requerida ao seu direito sobre o mesmo (é a própria requerente que requer a reconstrução do muro suportando todas as despesas). Deste modo, a providência requerida é adequada a remover o periculum in mora, não sendo nem a restituição provisória da posse o meio adequado e sendo certo que a conduta «preventiva» da requerente também é compreensível, face à declaração da requerida de que embargaria a obra (momento a partir da qual a mesma não poderia continuar…a menos que houvesse um acordo, que nesta situação não se mostra fácil atenta a postura da requerida). Por último, cumpre igualmente referir que, em nosso entender, do decretamento da providência não resulta qualquer prejuízo para a requerida, pois trata-se somente de reconstruir o muro, com as mesmas pedras e com argamassa de saibro, o que por si nenhum prejuízo causa à requerida. Mas ainda que a final – na acção principal - se venha a apurar que a requerida é a proprietária exclusiva do muro, então, sempre a requerente poderia também lançar mão da comunhão forçada (prevista no art. 1370.º do Código Civil) e também aí gozaria do direito de reconstruir o muro, ainda que mediante o pagamento do preço do solo e do muro (o que também só poderá ter lugar na acção principal e nunca no âmbito destes autos).”. É com tal decisão que a requerida não se conforma, insistindo que o procedimento devia ter sido liminarmente indeferido e defendendo que nenhum dos requisitos legais está suficientemente demonstrado. É o que se irá ver, não sem antes se esclarecerem dois pontos. O primeiro deles é que contra a decisão da matéria de facto julgada provada e não provada nenhuma impugnação válida foi deduzida nem qualquer fundamento relevante aventado pela apelante no sentido da sua modificação ao abrigo dos artºs 662º e 640º, do CPC. Por isso e porque também nenhum vício na mesma se vislumbra que deva ser oficiosamente colmatado, a matéria de facto a ter em conta, designadamente para efeitos de integração dos pressupostos da providência, tal como atrás a definimos quanto ao seu objecto, é – e é apenas – a que consta do elenco acima transcrito. Por isso mesmo qualquer alusão de qualquer das partes a factos ou a provas (de livre apreciação) marginais, como ademais faz longamente a recorrida (esgrimindo com o teor de depoimentos testemunhais diversos na mira de refutar os argumentos da recorrente sobre aqueles requisitos) é um exercício puramente inútil e descabido no âmbito deste recurso tal como vem definido o respectivo thema, ofensivo da respectiva economia. O segundo, respeita a uma pretensa fundamentação indevida da decisão – cfr. conclusão w) e sgs. Parecendo a apelante referir-se apenas à decisão de direito, importa deixar claro que, como sucessivamente se tem reafirmado tanto na doutrina como na jurisprudência, só a falta absoluta de fundamentação é causa de nulidade da sentença prevista no artº 615º, nº 1, alínea b), do CPC, mas já não aquela que, existindo, porventura seja menos conseguida, incompleta, ou, na expressão da recorrente, não espelhe devida e explicitamente o percurso judicativo que, a partir da decisão de facto, alcançou a de direito. Não é manifestamente isso que está em causa, nem a recorrente alude a qualquer invalidade, pelo que importa, isso sim, avaliar as suas eventuais razões quanto ao mérito da decisão proferida. Prosseguindo. Acerca do procedimento cautelar comum, prevê o artº 362º, nº 1, que “Sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efectividade do direito ameaçado.” Estabelece o nº 2 que “O interesse do requerente pode fundar-se num direito já existente ou em direito emergente de decisão a proferir em acção constitutiva, já proposta ou a propor.”. De acordo com o nº 3, “Não são aplicáveis as providências referidas no nº 1 quando se pretenda acautelar o risco de lesão especialmente prevenido por algumas das providências tipificadas no capítulo seguinte”. Regula o nº 1, do artº 365º, o tempo e o modo de o requerente oferecer a prova do direito ameaçado e apresentar a justificação do receio da lesão: na petição, em termos sumários. A produção das provas requeridas ou oficiosamente determinadas só tem lugar quando necessário, na audiência final – artº 367º, nº 1. Sob a epígrafe “Deferimento da providência”, dispõe o nº 1, do artº 368º, que “A providência é decretada desde que haja probabilidade séria da existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão”. E, o nº 2, que “A providência pode, não obstante, ser recusada pelo tribunal, quando o prejuízo dela resultante para o requerido exceda consideravelmente o dano que com ela o requerente pretende evitar.” Assim como pode ser “substituída por caução adequada”, nos termos e condições previstos no nº 3. Em face da sua urgência e provisoriedade, do carácter sumário da prova e da apreciação e da consequente tendência para a menor solidez da decisão, a responsabilidade pelos danos que do seu decretamento eventualmente resultem é cometida ao requerente, nos termos do artº 374º, norma que possibilita ainda ao juiz, para maior garantia e segurança, fazê-la depender da prestação por aquele de caução adequada, se tal for julgado conveniente em face das circunstâncias. O procedimento cautelar depende (salvo no caso de inversão do contencioso) de uma causa principal já em curso ou ainda a propor (acção declarativa ou executiva) que tenha por fundamento o direito acautelado (3). A apreciação da matéria de facto e a decisão final nele proferida não têm qualquer influência no julgamento daquela – artºs 363º, nº 1, e 364º, nº 1, 371º, nº 1, CPC. Tal significa que a definitiva resolução do conflito de interesses subjacente, em regra, não tem lugar na providência, dadas as suas contingências, e que, embora o seu objecto deva conjugar-se com o da acção de que depende e o seu fundamento deva integrar a causa de pedir desta, não tem de verificar-se uma total identidade dos direitos a tutelar nem do circunstancialismo fáctico a alegar numa e noutra. O efeito cautelar não excederá os limites que caracterizam todo o procedimento provisório, não podendo conseguir-se por via deste os efeitos de uma acção definitiva. Se esta for constitutiva e, portanto, respeitar a direitos que por meio dela devam ser declarados, nunca o respectivo objecto pode coincidir com o do procedimento cautelar destinado a proteger a consistência prático-jurídica do direito potestativo inerente e limitado a medidas destinadas a garantir-lhe utilidade ou eficácia. (4) A Jurisprudência tende a esquematizar assim os pressupostos cumulativos do decretamento da providência: a) Probabilidade séria (“fumus boni juris”), embora colhida a partir de análise sumária (“summaria cognitio”) e de um juízo de verosimilhança, de o direito invocado e a acautelar já existir ou de vir a emergir de acção constitutiva, já proposta ou a propor; b) Fundado e suficiente receio de que outrem, antes de a acção ser proposta ou na pendência dela, cause lesão grave e dificilmente reparável (“periculum in mora”) a tal direito (portanto, que a lesão não se tenha consumado); c) Concreta adequação (ou potencialidade) da providência (como medida de tutela provisória) para remover a situação de lesão eminente e assegurar a efectividade do direito ameaçado; d) Não existência na lei de outro tipo de providência específica que o acautele (princípio da legalidade das formas processuais); e) Que o prejuízo dela resultante para o requerido não exceda consideravelmente o dano que o requerente através dela pretende evitar. Acresce que, de acordo com o disposto nos artºs 365º, 366º, 226º, nº 4, b), CPC, na providência cautelar comum, uma vez apresentado o requerimento inicial, há lugar a despacho judicial prévio ou liminar no qual ela pode ser logo indeferida (liminarmente) ou determinado o prosseguimento, com dispensa de citação do requerido ou ordem de realização desta. Neste caso, foi ordenada a citação, sendo o despacho respectivo insusceptível de recurso, mas não se considerando precludidas as questões que podiam ter sido motivo de indeferimento liminar. Na oposição, como se relatou, a requerida defendeu que o procedimento devia ter sido indeferido, tergiversando, porém, ao justificar-se, entre uma “patente falta de requisitos legais” e uma “insuficiência” da “parca” factualidade alegada na petição para os preencher. É certo que, de acordo com o disposto no artº 590º, havendo lugar a despacho liminar, a petição é indeferida quando o pedido seja manifestamente improcedente ou ocorram, de forma evidente, excepções dilatórias insupríveis e de que o juiz deva conhecer oficiosamente, facultando-se a apresentação de nova petição nos termos e hipóteses contempladas no artº 560º. O tribunal recorrido, ao proceder, em sede de sentença final, ao saneamento dos autos, entendeu que não se verifica qualquer daqueles vícios, seja falta de alegação dos pressupostos fácticos integrantes da causa de pedir (que porventura fulminaria de inepta a petição) seja insuficiência dessa alegação (eventualmente justificativa de convite ao seu aperfeiçoamento), concluindo inexistir qualquer motivo de indeferimento liminar, pelo que prosseguiu na apreciação do mérito da solicitada providência, decidindo, de entre os alegados, quais os factos provados e não provados e, com base naqueles, que é procedente o procedimento cautelar por estarem preenchidos os respectivos pressupostos legais. Ora, é certo que a requerida apelante manifesta continuar a ser seu entendimento que a providência devia ter sido liminarmente indeferida por falta de requisitos legais. Todavia, por aí se quedou, não apontando como objecto da apelação o citado despacho saneador dos autos, não pedindo a alteração do mesmo, não questionando directa e expressamente o nele decidido quanto a tais aspectos processuais prévios e aos respectivos fundamentos aduzidos na decisão, fazendo incidir a sua análise e argumentação posterior sobre o julgamento de mérito levado a cabo pelo tribunal recorrido, apenas se mostrando inconformada com a sentença e pedindo a revogação desta e defendendo a insusceptibilidade de os factos apurados preencherem a previsão normativa respeitante aos pressupostos legais do deferimento da providência. Aí está, apesar das suas divagações, o âmago da questão e nisso consiste o objecto essencial da sua apelação. Cumpre, então, apreciá-lo e decidi-lo. No que concerne ao requisito da probabilidade séria da existência, na titularidade da requerente, do direito invocado, considerou o tribunal a quo, nos termos atrás transcritos, que o muro em questão é comum, tendo, pois, sobre ele a requerente um direito de compropriedade, por presunção legal decorrente do artº 1371º, do Código Civil, não ilidida nem posta em causa por qualquer sinal contrário. Efectivamente, deu-se como provado (ponto 8) que a parte rústica do prédio misto pertencente à requerente confronta, pelo seu lado poente, com o prédio rústico da requerida, numa extensão de 55 metros e que, nessa estrema, a dividi-los, existe um muro de pedras soltas sobrepostas e saibro regularmente dispostas (ponto 11). Tal muro, nos termos do nº 2, do artº 1371º, CC, presume-se comum. Nesse sentido, mais se provou (factos 16 e 17) que tanto os anteproprietários do prédio (hoje) da requerente como a requerida usam tal muro, os primeiros para nele sustentarem as suas ramadas servindo de apoio e encosto às pedras de suporte das mesmas e, a segunda, para prender, pelo lado do prédio da requerente, os cabos de sustentação da também sua ramada. Por outro lado, não resultou dos factos indiciariamente dados como provados qualquer sinal em contrário ou capaz de excluir a aludida presunção de comunhão, pelo menos em termos de probabilidade séria (“fumus boni juris”). Percute a requerida que não foram devidamente considerados nem apreciados pelo tribunal factos integrantes destes sinais. Refere a tal propósito o ponto 17. Sucede – atendo-nos aos factos e nunca ao que teriam dito testemunhas no decurso da audiência – que o uso do muro e a forma de prisão dos cabos da ramada não integram qualquer daqueles sinais (os descritos na lei ou outros), não estando dado como provado (a despeito do alegado) que existem nele pedras de grande porte adstritas a tal uso e função em benefício da requerida, sendo certo, por outro lado, que idêntico uso lhe era dado pelos anteproprietários do prédio da requerente (facto 16, que a apelante esquece manifestamente). Sendo assim, como é, a requerente, na qualidade de comproprietária do muro, tem direitos e obrigações, nos termos gerais (artºs 1404º e sgs) – aplicáveis, como ensinam P. Lima e A. Varela (5) - e nos especiais previstos nos artºs 1372º a 1375º, CC. Entre eles, o de proceder à sua reparação ou reconstrução (uma vez que está “bastante danificado pelo decurso do tempo”, segundo o ponto 20) e de exigir a concorrência para tal da requerida, quiçá de o restaurar com pedras e argamassa, uniformizar e tornar coeso (ponto 21), contanto que a decisão de executar tal obra (de limpeza, restauro, uniformização e consolidação, segundo os pontos 20 e 21) observe o disposto no nº 1, do artº 1407º e se cinja às despesas necessárias, uma vez que, como também advertem aqueles Mestres, “Não pode […] um dos consortes impor ao outro obras úteis ou voluptuárias, ou mesmo obras necessárias, quando elas o sejam em relação a uma finalidade que aproveita a um só dos consortes”. Perante o desacordo e a oposição da requerida e mesmo que não seja maioritária a posição da requerente (6), sempre poderá ela recorrer a tribunal, quer para suprir a falta de consentimento à obra e eventual alteração do muro (com a colocação da rede) quer para a obrigar a contribuir, na proporção devida, para o custo daquela – artºs 1407º, nº 2, do CC, e 1002º, do CPC. Considera-se, pois, verificado, com o grau de probabilidade legalmente estabelecido, este primeiro requisito: direito da requerente a reparar o muro. Entendemos, porém, diferentemente do tribunal recorrido e na linha do que preconiza a recorrente, que não se verificam os demais pressupostos necessários ao decretamento da providência requerida: receio de a normal demora na resolução do litígio potenciar sério e eminente perigo de, entretanto, tal direito ser gravemente lesado e de tal lesão ser dificilmente reparável em termos de tornar necessária e adequada a providência requerida – que, afinal, se confunde e esgota praticamente com a pretensão daquele derivada. Da factualidade dada como indiciariamente provada não resultam mais que conjecturáveis hipóteses, carentes de mínimo grau de concretização e de, por exemplo, quanto ao eventual prejuízo no andamento do projecto e sua conexão com a demora na resolução do litígio, de clara densificação e demonstração em grau justificativo do recurso a medida cautelar provisória. Isso mesmo se nota na fundamentação da sentença recorrida ao aludir repetida mas abstractamente à verificação da lesão grave e dificilmente reparável mas ao claudicar na explicitação e concretização in casu de tais requisitos. Não se deu, aliás, como provado que a requerente “está a ter um prejuízo diário de largos milhares de euros”. Podendo a reparação dos 55 metros de muro divisório ser feita a qualquer momento, não se vê, com grau de suficiente nitidez, até em face das regras da experiência comum, como ou em que medida do seu retardamento motivado pelo período de tempo necessário à resolução do litígio resulte prejuízo relevante e difícil de reverter para a efectivação desse direito ou, quiçá indirectamente, para o direito de, no seu prédio e explorando todas as faculdades que o domínio lhe concede, a requerente desenvolver o projecto visado. Entre os trâmites deste, seja na Câmara, seja junto de quaisquer outras entidades, designadamente a financiadora, e a pretensa necessidade de executar de pronto a obra do muro, não se mostra existir qualquer ligação de interdependência, sequer de influência, verdadeiramente relevantes e atendíveis. De resto, como refere A. Geraldes “não é toda e qualquer consequência que previsivelmente ocorra antes de uma decisão definitiva que justifica o decretamento de uma medida provisória com reflexos imediatos na esfera jurídica da contraparte. Só lesões graves e dificilmente reparáveis têm essa virtualidade…”, “não é qualquer lesão que justifica a intromissão na esfera jurídica do requerido com a intimação para se abster de determinada conduta ou com a necessidade de adoptar determinado comportamento ou de sofrer um prejuízo imediato relativamente ao qual não existem garantias de efectiva compensação em casos de injustificado recurso à providência cautelar”. (7). A parcimónia deve evitar abusos da utilização não séria do procedimento e controlar os possíveis pretextos engendrados para tal, balancear os interesses de requerente e requerido na composição provisória do conflito dado o seu carácter sumário, medir a necessidade de tutela em contraponto com os danos previsíveis e seu grau de ressarcibilidade. Estando em causa prejuízos patrimoniais, “o critério deve ser bem mais restrito do que o utilizado quanto à aferição dos danos de natureza física ou moral, uma vez que, em regra, aqueles são passíveis de ressarcimento através de um processo de reconstituição natural ou de indemnização substitutiva”. Não estando, ainda assim, de todo excluído o recurso a tal providência para protecção de interesses de tal espécie, “devem ser ponderadas as condições económicas do requerente e do requerido e a maior ou menor capacidade de reconstituição da situação ou de ressarcimento dos prejuízos eventualmente causados.” (8) A propósito da expressão legal “lesão grave e dificilmente reparável”, acrescenta o mesmo autor que “…não é apenas a gravidade das lesões previsíveis que justifica a tutela provisória, do mesmo modo que não basta a irreparabilidade absoluta ou difícil. Apenas merecem a tutela provisória consentida através do procedimento cautelar comum as lesões graves que sejam simultaneamente irreparáveis ou de difícil reparação”. (9) A situação de perigo deve apresentar-se como de ocorrência iminente ou em curso (desde que possam prevenir-se ainda novos danos ou o agravamento dos entretanto já ocorridos). “Estão, pois, fora da protecção concedida ao abrigo do procedimento cautelar comum as lesões de direitos já inteiramento consumadas, ainda que se trate de lesões graves. Porém, já nada obsta a que, relativamente a lesões continuadas ou repetidas, seja proferida decisão que previna a continuação ou a repetição de actos lesivos, v. g em casos de lesões no direito de personalidade…” (10) A condição é que, trate-se de lesão iminente e que ainda não produziu danos ou de lesão consumada mas cuja persistência, continuação ou repetição se apresenta como susceptível de gerar novos danos ainda preveníveis, sempre, além das demais características, o receio daqueles ou destes devendo apresentar-se como fundado, “com objectividade e distanciamento, a seriedade e a actualidade da ameaça e a necessidade de serem adoptadas medidas tendentes a evitar o prejuízo. Não bastam, pois, simples dúvidas, conjecturas ou receios meramente subjectivos ou precipitados assentes numa apreciação ligeira da realidade…”. Deve evitar-se “que a concessão indiscriminada da protecção provisória, eventualmente com efeitos antecipatórios, possa servir para alcançar efeitos inacessíveis ou dificilmente atingíveis num processo judicial pautado pelas garantias do contraditório e da maior ponderação e segurança que devem acompanhar as acções definitivas.” E “as circunstâncias em que o juiz deve ter por justificado o receio de lesões futuras devem ser apreciadas objectivamente, tendo em conta o interesse do requerente que promove a medida e o do requerido que com ela é afectado, as condições económicas de um e outro, a conduta anterior e a sua projecção nos comportamentos posteriores”. (11) Como se diz no Acórdão do STJ, de 28-09-1999, o fundado receio tem de ser actual em relação ao decretamento da providência, se a lesão já está consumada a providência não tem razão de ser, ele refere-se a matéria de facto e “pressupõe a ocorrência de um fundado receio de prejuízos reais e certos, relevando de uma avaliação ponderada da realidade e não de uma apreciação subjectiva, emocional e, eventualmente, precipitada dos factos, tantas vezes determinada por razões distintas do receio de lesão grave e dificilmente reparável”. (12) Nesta linha se entendeu no Acórdão da Relação do Porto, de 12-10-2010, que “As providências cautelares não podem ser decretadas se a lesão do direito, que se destinou a acautelar, já se consumou, mas podem sê-lo se a lesão, embora já produzida, indicie ou faça recear a produção de novas e futuras lesões.” (13) e se defendeu, sobretudo no “Voto de vencido” aposto ao Acórdão também dessa Relação de 22-11-2011 (14), que “I - Para a concretização do que se deve entender por lesão dificilmente reparável podem ser apontados dois critérios. II - Um critério subjectivo que atende às possibilidades concretas do requerido para suportar economicamente uma eventual reparação do direito do requerente. III - E, um critério objectivo, aferido em função do tipo de lesão que a situação de perigo pode vir a provocar na esfera jurídica do requerente, o que significa que dependerá da natureza do direito alvo dessa lesão e da sanção que a ordem jurídica impõe para reparação do dano decorrente da lesão, sendo admissível o recurso à tutela cautelar, sempre que a reparação da lesão possa implicar a chamada reintegração por sucedâneo.” No caso aqui em apreço, estando em causa apenas o direito sobre o muro (e não sobre o seu prédio) e um prejuízo directo decorrente das dificuldades de exercício das correspondentes faculdades relativas ao mesmo, não se vê que da atitude da requerida plasmada na parte final de cada um dos pontos provados 22 e 23 e no ponto 28, nem da demais matéria vertida nos pontos 26 a 32, resulte justo receio de lesão grave e dificilmente reparável, quiçá de natureza reflexa, quanto ao seu direito de, no uso, fruição e disponibilidade que lhe faculta o domínio do seu prédio (domínio este, repete-se, que ninguém questionou), aprovar e implementar o projecto descrito para o mesmo. Apesar de ter pago 150.000,00€ do preço da aquisição do prédio e de ter investido mais 100.000,00€ no projecto (facto 32), não se vê – e não se vê porque a vaguidade dos factos apurados tal não mostra – que “a não vedação de todo o prédio com uma construção mais moderna”, designadamente na parte confrontante com a requerida, a falta de “total privacidade” e a possibilidade de “invasão por animais, tais como cães e toura”, ponha “em causa a segurança” e determine efectivamente a “não aprovação do projecto” de Turismo Rural (facto 31). Tal como não se vê que a não conclusão (urgente) da reparação do muro potencie o indeferimento do projecto na Câmara ou a exigência de alterações e “necessidade de gastar mais tempo” e “mais dinheiro” (facto 30), nem como e em que medida o retardamento das obras no muro correspondente à normal demora de uma acção judicial destinada a tal conseguir põe em causa a apresentação e apresentação do Projecto ao Proder e eventual frustração do respectivo financiamento (facto 29), tanto mais que nenhuma relação resulta esclarecida entre a “ordem de candidatura” que servirá de critério para tal e o restauro do muro. Outrossim, não se concebe que a demora na resolução do diferendo penalize a requerente com o não retorno do investimento feito (ponto 27). Não resulta de tais factos um receio fundado de dificuldade ou frustração para a apresentação e desenvolvimento do projecto no prédio da autora e, assim, para o exercício pleno das faculdades que lhe confere o seu direito real sobre o mesmo, nem que da oposição ao restauro do muro, com o alegado fundamento de que ele pertence única e exclusivamente à requerida, resulte lesão grave (mormente a de natureza patrimonial vagamente sugerida pelos factos) nem que esta seja dificilmente reparável. Em boa verdade, compreendendo-se a ânsia de a requerente ver definida a situação controversa, a apresentação e aprovação do projecto/estudo ante as diversas entidades, nomeadamente a financiadora, bem como o seu desenvolvimento, financiamento e realização, não tem uma relação nítida, muito menos de dependência, com a obra de restauro do muro, não conformando uma situação de sério perigo de lesão iminente, provavelmente causadora de efeitos prejudiciais, maxime dos alegados, com carácter irreversível pela sua natureza ou dimensão, ou de difícil reversibilidade, insusceptíveis de ser debelados mediante recurso aos meios comuns mas remediáveis pela providência. Daí que, pelo exposto, devendo proceder a apelação, não possa manter-se a decisão recorrida. V. DECISÃO Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente o recurso e, em consequência, dando provimento à apelação, revogam a decisão recorrida (pontos 2 a 4), julgando improcedente a providência e indeferindo o pedido respectivo. * Custas da apelação pela apelada – (artºs 527º, nºs 1 e 2, e 529º, do novo CPC, e 1º, nºs 1 e 2, 3º, nº 1, 6º, nº 2, referido à Tabela anexa I-B, 7º, nº 2, 12º, nº 2, 13º, nº 1 e 16º, do RCP). * * * Notifique. Guimarães, 21 de Setembro de 2017 José Fernando Cardoso Amaral Helena Maria de Carvalho Gomes de Melo João António Peres de Oliveira Coelho 1. Revelando-se inócuo que a apelante, nas suas conclusões s) e t), se preocupe em brandir com o desmerecimento de tal pedido, face até ao disposto no artº 370º, nº 1, in fine, do CPC. 2. Nesta medida tendo razão a recorrente naquilo que afirma a propósito da pluralidade de pedidos nas conclusões t), u) e v). 3. Seja esse direito já existente embora controvertido e não respeitado e, por isso, carecido de apreciação, reconhecimento e de tutela jurídica através de obrigação que previna ou repare a sua violação e mediante acção judicial declarativa; seja direito a constituir ex novo na ordem jurídica e na esfera jurídica de um sujeito mediante acção constitutiva a tal destinada. 4. Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, III volume (4ª edição revista e actualizada), Almedina 2010, páginas 150 a 157. 5. Código Civil Anotado, 2ª edição revista, vol. III, páginas 250 e 254. 6. Nos termos do artº 985º, do CC, aplicável por remissão do artº 1407º, nº 1, qualquer dos comproprietários pode praticar actos de administração, cabendo à maioria decidir sobre o mérito da oposição do outro, maioria esta exigente de, “ pelo menos, metade do valor total das quotas”. 7. Cfr. a obra já citada, Temas da Reforma do Processo Civil, Vol. III, 4ª edição revista e actualizada, Almedina, Janeiro de 2010, página 101. 8. Idem, página 102. 9. Idem, página 103. 10. Idem, página 106. 11. Idem, páginas 108 e 109. 12. Relator: Consº Garcia Marques. 13. Relator: Vieira e Cunha. 14. Relatado pelo Desemb. Manuel Pinto dos Santos, com o Voto de vencido da Desemb. Ondina de Oliveira Carmo Alves. |