Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
503/08-2
Relator: GOMES DA SILVA
Descritores: ANULAÇÃO
HABILITAÇÃO DE HERDEIROS
PROPRIEDADE
CANCELAMENTO DE REGISTO
INSCRIÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/10/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A SENTENÇA
Sumário: 1. Podem ser alteradas as respostas à matéria de facto que se não compadeçam claramente com o material probatório proporcionado ao Tribunal, desde que perfeitamente credível e submetido ao pleno contraditório.
2. As pessoas colectivas – e, dentro delas, as associações que não tenham por escopo o lucro económico dos associados, as fundações de interesse social e ainda certo tipo de sociedades – adquirem personalidade por atribuição da lei, conforme o respectivo regime de reconhecimento e os fins que visem.
3. Pode falar-se de pessoas colectivas em formação (sem reconhecimento institucional, mas com algumas potencialidades como sujeitos de direitos, pelo menos) relativamente aquelas que, prosseguindo objectivos próprios, já são dotadas de um substracto: organização, pessoas que a servem, bens de afectação e um objectivo geral.
4. A personalidade jurídica das associações, corporações ou institutos religiosos, canonicamente erectos, resulta da simples participação escrita à Autoridade Civil competente feita pelo Bispo da diocese, onde tiverem a sua sede, ou por seu legítimo representante
5. Conquanto não autonomamente registado ou erecto, inclusive nas instâncias religiosas, a associação religiosa, de fins sociais,…existente desde 1956, encontrava-se integrado, com outros estabelecimentos, desde 1969 – mas seguramente desde 1982.12.03 - na Apelante, instituição privada de solidariedade social, fundada no Porto, cerca de 1942, com inspiração nos princípios da Religião Católica.
6. Daí que, usufruindo da personalidade jurídica colectiva da A., tenha capacidade sucessória, ou seja, a favor do todo (legatária) em que está englobado.
Decisão Texto Integral: ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES:

I –

INTRODUÇÃO

1. Aos 2005.12.21, C... -IPSS fez intentar acção declarativa de condenação, com processo comum, sob a forma ordinária, contra M... NEVES, M... RODRIGUES, A... GONÇALVES, M... SOUSA e marido J... SOUSA.

2. Propunha-se obter decisão que:
a) declarasse a anulação da escritura de habilitação de herdeiros outorgada pelos três primeiros RR., a 5 de Novembro de 2003, no 2º Cartório Notarial de Braga;
b) declarasse a A. sucessora-legatária da falecida A... Carvalho, no tocante à Quinta de Castelões;
c) reconhecesse, por consequência, a A. como proprietária plena dos prédios rústicos e urbanos sitos no lugar de Torio, freguesia de Castelões, concelho de Guimarães, descritos na Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob os nºs 00184, 00185, 00501, inscritos na matriz predial rústica e urbana do 1º Serviço de Finanças de Guimarães, respectivamente, sob os arts. 247, 224, 245 e 84, 93 e 126, inscritos actualmente a favor da 4ª R., casada na comunhão geral de bens com o 5º R., bem como ser reconhecida proprietária de todo o recheio, móveis e utensílios que neles existiam à data do óbito da falecida A... Carvalho;
d) decretasse a anulação e cancelamento do registo de aquisição a favor da 4ª R., casada na comunhão geral de bens com o 5º R., seu marido, dos prédios aí referidos; e
e) fosse determinado o registo de aquisição dos referidos prédios a seu favor.

3. Alegou, em síntese:
Em 3 de Agosto de 2000, faleceu A... Carvalho, no estado de solteira.
Deixou três testamentos, um deles de 12 de Julho de 1990, no qual dispôs, designadamente, legando a sua Quinta de Castelões, situada nessa freguesia do concelho de Guimarães, com todo o recheio, móveis e utensílios à instituição de solidariedade social, com sede naquela freguesia, “Patronato de S. João Baptista”, para promoção dos seus fins sociais, com o encargo de mandar celebrar na referida freguesia todos os meses uma missa por sua alma e outra por alma de seus pais, irmãos e sobrinha Maria C....
Em 5 de Novembro de 2003, os RR. outorgaram escritura de habilitação de herdeiros da falecida, declarando que ignoravam a existência do “Patronato de S. João Baptista” e que era única herdeira M... SOUSA; tal Patronato foi fundado, em 21 de Janeiro de 1947, e dos seus estatutos, publicados no Diário do Governo nº 110 III série, de 9 de Maio de 1969, fazia parte o estabelecimento de assistência denominado “Patronato de S. João Baptista”, sito em Castelões, concelho de Guimarães, que também integra os estatutos publicados em 28 de Dezembro de 1982.
Compete à sua Direcção gerir a Associação e representá-la, criar novos estabelecimentos e aceitar a incorporação de outros já existentes, submetendo a sua criação ou incorporação à aprovação da entidade tutelar competente, se necessário.
Por sessão ordinária da sua Direcção Geral, realizada em 5 de Novembro de 1956, foi decidido incorporar definitivamente na C... o Patronato de S. João Baptista de Castelões que passaria a ser presidido pela fundadora e doadora E... Martins.
Enquanto proprietária do referido Patronato, é legatária da Quinta de Castelões, com todo o recheio, móveis e utensílios que dela fazem parte, que corresponde aos artigos 247, 224, 245 e 84, 93 e 126 da matriz predial rústica e urbana, registados sob os nºs 00184, 00185 e 00501, registados a favor da 4ª R..

4. Contestaram os RR., arguindo os três primeiros a excepção de ilegitimidade passiva, por se terem limitado a outorgar a escritura de habilitação de herdeiros e, independentemente de poder ou não ser válido ou eficaz o legado em causa, a 4ª não deixou de ser a única herdeira da testadora.
Contrapuseram que, de acordo com o testamento, o beneficiário do legado era tão só o “Patronato de S. João Baptista”, com sede na freguesia de Castelões e que, para que o legado fosse válido e eficaz, era necessário que o mesmo existisse como pessoa colectiva e tivesse capacidade sucessória.
Referiram que não existe qualquer entidade com aquela denominação inscrita no ficheiro central de pessoas colectivas nem como instituição particular de solidariedade social nem canonicamente registada.
Acrescentaram que a falecida era proprietária de três conjuntos prediais autónomos e independentes uns dos outros, sem qualquer contiguidade ou ligação física, na referida freguesia, sendo que o prédio misto denominado Quinta de Tório, inscrito sob o artigos 84, 93 e 126 urbanos e 245 rústico, era aquele a que a testadora se referiu como Quinta de Castelões.

5. A A. replicou, sustentando a legitimidade dos três primeiros RR., devido à falsidade dos factos por eles declarados na escritura de habilitação.
Argumentou que o “Patronato de Castelões” tem personalidade jurídica, na medida em que é um estabelecimento integrado e a si pertencente, e que a falecida, no momento em que fez o testamento, sabia dessa integração, assim como os quartos RR..
Acrescentou que todos os prédios se situam no lugar de Tório.

6. Foi demonstrado o registo da acção que ficou provisório por dúvidas.
Dispensada a audiência preliminar, foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a excepção de ilegitimidade passiva e se pronunciou pela validade e regularidade dos pressupostos processuais.
Seleccionaram-se os factos assentes e controvertidos, sem reclamações.

7. Procedeu-se a julgamento, respondendo-se à matéria controvertida pela forma que consta a fls. 376 e 377.
A sentença, julgando a acção não provada e improcedente, absolveu os RR. M... NEVES, M... RODRIGUES, A... GONÇALVES, M... SOUSA e marido J... SOUSA dos pedidos formulados pela A. “C... -IPSS”.

8. Inconformada, dela apelou a A., tendo elencado súmula conclusiva.
Os RR. sustentaram abondade da sentença.

9. Colhidos os legais vistos, cumpre apreciar e decidir.


II –

A MATERIALIDADE

Vêm tidos como provados os factos seguintes:

1. No dia 3 de Agosto de 2000, na Avenida da Liberdade, nº 401-1º, freguesia de São José de São Lázaro, concelho de Braga, onde residia, faleceu A... Carvalho.
2. A falecida era natural da freguesia de Castelões, concelho de Guimarães, filha de A... Carvalho e de M... Cruz; e faleceu no estado civil de solteira.
3. Aquando da sua morte, a falecida Alzira deixou três testamentos: dois cerrados e um público. O primeiro dos testamentos cerrados foi aprovado a 2 de Agosto de 1946 pelo Ex-Notário Bacharel Dr. F... Andrade, da então Secretaria Notarial de Braga, e instituíu como herdeiros de “todos os bens que possuir no momento da minha morte a meus irmãos Álvaro, Maria C...e Maria J..., ou os que, dentre estes, sejam vivos nessa ocasião”.
4. O segundo testamento cerrado foi aprovado no dia 12 de Julho de 1990, no 2º Cartório Notarial da cidade de Braga, pela Notária Adjunta M... Azenha.
5. Por meio deste testamento, a falecida manteve “a disposição de última vontade constante do testamento cerrado de 2 de Agosto de 1946 aprovado na Secretaria Notarial de Braga no mesmo dia”.
6. Mais dispôs, para a hipótese de não lhe sobrevir a sua irmã Maria J...:
i. “Lego o prédio urbano sito na Avenida da Liberdade, nº 401, freguesia de S. José de S. Lázaro, desta cidade de Braga, inscrito na respectiva matriz urbana sob o artigo 1283 a minha sobrinha M... Carvalho, casada, residente nesta cidade de Braga, filha de meu falecido irmão A... Carvalho. Será, porém, usufrutuária vitalícia do primeiro andar e logradouro do referido prédio com todo o seu recheio – móveis e utensílios – e das lojas do rés-do-chão do mesmo prédio a minha empregada M... Soares, solteira e comigo residente, caso esta se mantenha ao meu serviço até à sua morte.
ii. Lego a minha Quinta de Castelões, constituída por todas as propriedades urbana e rústicas, situada nesta freguesia do concelho de Guimarães, com todo o recheio, móveis e utensílios que dela fazem parte, à instituição de solidariedade social, com sede naquela freguesia “Patronato de S. João Baptista”, para promoção dos seus fins sociais. Esta instituição fica, porém, com o encargo de mandar celebrar, na referida freguesia de Castelões, todos os meses uma missa por minha alma e outra por alma de meus pais, irmãos e sobrinha Maria C....
iii. Instituo herdeira do remanescente da minha herança, minha sobrinha Maria P... atrás identificada que, pelas forças do legado e herança, fica obrigada a cuidar da legatária M... Soares, se ela vier a carecer da sua ajuda e apoio”.
O terceiro e temporalmente último testamento, foi público e outorgado aos 11 dias do mês de Novembro de 1999, no 1º Cartório Notarial de Braga; no mesmo, a falecida deixava um legado a M... Oliveira, viúva, que residia com a falecida, e outro a sua sobrinha Maria C...Cruz Carvalho.
No ano de 2000 deu entrada no Tribunal Judicial da Comarca de Amares uma acção com processo ordinário à qual, após distribuição, foi atribuído o nº 139/2001, cujo pedido consistia na declaração de invalidade ou ineficácia do testamento público referido em 8), em que foi A. M... Carvalho e R. M... Oliveira.
A tal pedido foi dado inteiro provimento, tendo sido declarado anulado o testamento lavrado por A... Carvalho em 11 de Novembro de 1999.
A 5 de Novembro de 2003, compareceram como outorgantes da escritura pública de habilitação de herdeiros da falecida os RR. que prestaram as seguintes informações:
A) “que no dia 3 de Agosto de 2000, na Avenida da Liberdade, nº 401, 1º, freguesia de Braga (São José de São Lázaro), desta cidade, onde residia, faleceu A... Carvalho”;
B) “que a mesma deixou disposições de última vontade:
- em dois testamentos cerrados, aprovados, respectivamente, em 2 de Agosto de 1946 pelo Ex-Notário Bacharel F... Andrade, da então Secretaria Notarial desta cidade, e em 12 de Julho de 1990, neste Cartório, os dois abertos perante mim Notária, em 7 de Agosto de 2000, tendo no primeiro instituído herdeiros de todos os bens que possuía, seus irmãos Álvaro, Maria C...e Maria J..., solteiros, maiores, ou os que, entre estes fossem vivos;
Que, tendo declarado no segundo que aquele se mantinha, tê-lo-á que ser somente quanto aos bens da alma, uma vez que aqueles seus irmãos não lhe sobreviveram, por falecidos (…);
Pelo mesmo segundo testamento, dispôs de três legados, um a favor de sua sobrinha M... SOUSA, natural da freguesia de Travassos, concelho da Póvoa de Lanhoso, onde reside no lugar de Leiradela (…), outro a favor da empregada M... Soares que constituía usufrutuária, mas que não lhe sobreviveu e um outro a favor do “Patronato de S. João Baptista” da freguesia de Castelões, concelho de Guimarães, que referiu ser Instituição de Solidariedade Social e, quanto ao remanescente da sua herança, instituíu herdeira a referida sobrinha M... Carvalho.
Que, porém, relativamente ao “Patronato de S. João Baptista”, ignoram a sua existência, jamais tendo ouvido falar do mesmo.
- e, em testamento público de 11 de Novembro de 1999, outorgado perante o Notário do 1º Cartório Notarial desta cidade de Guimarães, exarado a fls. 11 do competente livro de notas nº 154, no qual fez dois legados (…).
Porém, este testamento foi anulado pelo Tribunal Judicial da Comarca de Amares, por sentença de 20 de Janeiro de 2007, ainda não transitada em julgado por se encontrar pendente de recurso (…)”.
Concluíu a habilitação de herdeiros o seguinte:
- “por não existir o citado “Patronato de S. João Baptista” e se vier a ser confirmada a anulação daquele testamento público, é única herdeira da Autora da herança aquela sobrinha M... SOUSA, sendo-o do demais remanescente na hipótese contrária, uma vez que não sobreviveram àquela herdeiros legitimários, irmãos ou quaisquer outros sobrinhos, filhos dos oito pré-falecidos irmãos”.
7. A C... foi fundada a 21 de Janeiro de 1947, sendo os seus Estatutos iniciais dessa mesma data.
8. Os Estatutos da C... foram aprovados em Lisboa, no dia 8 de Setembro de 1946, por Corpos Dirigentes da C..., P. Avelino (Director Geral), Padre António , Padre Manuel , D. Vieira, D. Raimundo, D. Maria J... Raimundo, D. Judith, A... Araújo, José R... e Dr. Samuel C....
9. Os arts. 1º, 2º, 3º e 4º dos Estatutos da C... tinham a seguinte redacção:
- “artigo 1º - Sob o patrocínio do Condestável B. Nuno de Stª Maria e da Rainha Santa Isabel, é criada a “C...”, instituição de assistência particular que exercerá a sua actividade em todo o país;
- artigo 2º - A Cruzada terá a sede Geral em Lisboa, sedes distritais nas capitais de Distrito e, através do País, Casas e Centros de Assistência, adequados à realização de seus fins, quer por ela criados, quer por ela patrocinados.
- artigo 3º - Esta instituição pretende elevar o nível moral e cívico do meio social português, recorrendo para isso a todos os métodos práticos de maior eficácia e propondo-se realizar as seguintes modalidades de assistência:
i. assistência espiritual e material à infância desvalida de ambos os sexos: resgate da infância;
ii. assistência espiritual e material à juventude: resgate da juventude;
iii. assistência às famílias que venham a ser constituídas pelos protegidos da Cruzada: resgate do Lar;
iv. assistência na velhice aos mesmos protegidos e aos agonizantes: último resgate”.
- o artigo 37º alínea b) tinha a seguinte redacção:
“Artigo 37º - É da competência da Direcção Geral: fundar as suas diferentes Casas e Centros.”
10. Por despacho ministerial de 21 de Abril de 1969, publicado no Diário do Governo nº 110 III série, de 9 de Maio de 1969, foram aprovados os Estatutos que regeram a C... até 1982.
11. Conforme consta do artigo 26º-alínea 16 dos Estatutos, já em 1969 fazia parte da C... o estabelecimento de assistência denominado Patronato de S. João Baptista, sito em Castelões, concelho de Guimarães.
12. No dia 3 de Dezembro de 1982, foi outorgada escritura pública, que se encontra exarada de fls. 11 a 18 do Livro de Notas para Escrituras Diversas nº 15-E, do 5º Cartório Notarial do Porto, através da qual se procedeu à alteração dos “Estatutos da Associação denominada C..., instituição privada de solidariedade social, cujos iniciais estatutos foram aprovados por despacho de 21 de Janeiro de 1947 e nos termos da qual “a C..., Instituição Privada de Solidariedade Social, de tipo associativo, inspirada pelos princípios da Religião Católica, passa a reger-se pelos presentes estatutos em substituição dos aprovados por despacho de 21 de Abril de 1969” “(artigo 1º), “tem a sua sede na Rua Dr. Barbosa de Castro, nº 62, 2º andar, Porto e é de âmbito nacional” (cfr. artigo 2º), e tem por fim “elevar o nível moral e cívico do meio social português, recorrendo para isso a todos os métodos técnicos e pedagógicos práticos mais eficientes e, sobretudo, propondo-se realizar as seguintes modalidades de solidariedade social: 1. apoio espiritual e material à infância; 2. apoio espiritual e material à juventude; 3. apoio na terceira idade”, actividade que desenvolver “através de estabelecimentos adequados à realização dos seus fins, quer por ela já criados, quer a criar ou que nela se incorporem. 1. A criação ou incorporação de novos estabelecimentos na C... depende de autorização da entidade tutelar. 2. Os diversos estabelecimentos reger-se-ão por regulamentos internos aprovados pela Direcção Central” .
13. Conforme consta dos Estatutos da C..., aprovados na dita escritura de 1982, pertenciam, no ano de 1982, à “C...”, os seus estabelecimentos:
a. “Artigo Trigésimo Sétimo: Fazem actualmente parte da “C...” os seguintes Estabelecimentos de Assistência:
b. (…) Onze) Patronato de São João Baptista – Castelões – Guimarães.
14. Na sequência da aprovação dos Estatutos do ano de 1982, a C... passou a estar registada no Livro nº 2 das Associações de Solidariedade Social, sob o nº 9/1984 desse mesmo ano.
15. Na assembleia geral de associados da C..., realizada no dia 14 de Novembro de 2003, foram aprovados os Estatutos pelos quais se rege actualmente a associação C.... O registo dos novos Estatutos da C... no Livro nº 2 das Associações de Solidariedade Social foi objecto de publicação na III série do Diário da República, nº 6 de 10 de Janeiro de 2005, nos seguintes termos: “declara-se, em conformidade com o disposto no Estatuto aprovado pelo DL nº 119/83 de 25 de Fevereiro, alterado pelo DL nº 402/85 de 11 de Outubro, e no Regulamento aprovado pela Portaria nº 778/83 de 23 de Julho, que se procedeu ao registo definitivo da alteração dos estatutos da instituição particular de solidariedade social abaixo identificada, reconhecida como pessoa colectiva de utilidade pública. O registo foi lavrado pelo averbamento nº 1 à inscrição 9/1984, a fls. 90 e 90 v.º do Livro nº 2 das Associações de Solidariedade Social considera-se efectuado em 26 de Julho de 2004 nos termos do nº 2 do artigo 13º do Regulamento acima citado.
a. Dos Estatutos consta nomeadamente o seguinte:
b. Denominação – C...;
c. Sede – Rua Dr. Barbosa de Castro, nº 62, 2º, Porto;
d. Fins – (…)
e. 22 de Dezembro de 2004 – Pela Directora Geral, O Director de Serviços António M. M. Teixeira” .
16. Nos termos do artigo 2º dos Estatutos actualmente em vigor, a C... “tem por objectivo o dever moral de solidariedade e de justiça entre os indivíduos elevando o nível social, moral e cívico na sociedade portuguesa”. Para tanto, estabelece o artigo 3º dos Estatutos, que a Instituição deve criar e gerir Creches, Infantários, Jardins de Infância e ATL, bem como Instituições de Assistência a Deficientes e Lares, tal como outras instituições de apoio à Terceira Idade, designadamente Centros de Convívio.
17. Fazem actualmente parte da C... entre outros estabelecimentos, o Patronato de São João Baptista, em Castelões, concelho de Guimarães.
18. Compete à Direcção da C... gerir a Associação e representá-la, incumbindo-lhe, designadamente, criar novos estabelecimentos e aceitar a incorporação de outros já existentes, submetendo a sua criação ou incorporação à aprovação da entidade tutelar competente, se necessária; organizar o funcionamento dos estabelecimentos nos termos e condições que tiver por convenientes, podendo delegar poderes de forma a tornar mais ágil e operante a gestão dos estabelecimentos; elaborar os regulamentos de funcionamento dos estabelecimentos da C..., de acordo com as normas em vigor; extinguir estabelecimentos que achar desnecessários para o prosseguimento do objecto da associação .
19. Na Acta nº 103, da Sessão Ordinária da Direcção Geral da Autora, realizada a 5 de Novembro de 1956, consta “O Sr. Presidente comunicou que a Família Martins, da freguesia de Castelões – Guimarães, havia feito a doação de alguns bens à Cruzada e que constam de uma acta de 7 de Agosto último, com o fim de se fundar nelas uma obra de Assistência, tinha resolvido que ela fosse um Patronato para meninas com o nome de S. João Baptista. A Direcção resolveu, pois, incorporar definitivamente na C... o Patronato de S. João Baptista de Castelões, que passará a ser presidido pela fundadora e doadora, Exmª Senhora E... Martins. Foi resolvido fazer a participação oficial desta incorporação à Direcção Geral da Assistência”.
20. Os prédios inscritos na matriz predial rústica e urbana da freguesia de Castelões, concelho de Guimarães, do Primeiro Serviço de Finanças de Guimarães, respectivamente, sob os artigos 247, 224, 245 e 84, 93 e 126, descritos na 2ª Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob os nºs 184, 185, 501, têm registo de aquisição a favor da quarta R. (Maria P...), casada no regime de comunhão geral de bens com o quarto R. marido.
21. Não existe qualquer entidade inscrita no ficheiro central de pessoas colectivas com a designação de “Patronato de S. João Baptista”.
22. O Patronato de S. João Baptista não se encontra registado como instituição particular de solidariedade e segurança social.
23. E igualmente não está registada canonicamente na Cúria Arquiepiscopal de Braga qualquer instituição com a designação de “Patronato de S. João Baptista”, com sede na freguesia de Castelões, concelho de Guimarães.
24. A referida no testamento “minha Quinta de Castelões” corresponde aos prédios sitos no lugar de Torio inscritos na matriz predial da freguesia de Castelões, sob os artigos 84º, 93º e 126 urbanos e 245 rústico, descrito na Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o nº 00501/17022004.
25. Os prédios inscritos no 1º Serviço de Finanças de Guimarães sob os artigos 24º e 108º estão afectos, há mais de vinte anos, consecutivamente, ao Patronato de S. João Baptista de Castelões.
26. A Quinta do Torio, também conhecida por “Casa do Juiz” é constituída pelos prédios identificados em 29), que foram um conjunto predial autónomo.
27. A referida quinta não tem ligação com os demais prédios situados em Castelões anteriormente pertencentes à falecida.


III –

A JURISCIDADE

1.
a)
Como é sabido, o âmbito do recurso determina-se pelas conclusões da alegação do recorrente (artS. 660º-nº2, 684º-nº3 e 690º-nº1 do CPC), só se devendo tomar conhecimento das questões que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, ainda que outras, eventualmente, tenham sido suscitadas nas alegações propriamente ditas.

b)
Assim, as únicas questões postas para reapreciação reconduzem-se em saber se:
· estão incorrectamente julgados os pontos 1º a 15º da base instrutória;
· o Patronato de S. João Baptista tem capacidade sucessória.

2.
a)
É possível a sindicação da a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto, desde que esteja verificado o condicionalismo imposto pelo art. 690º-A, ex vi 712º CPC. Na verdade, perante o registo dos depoimentos prestados, fica facilitada a reparação de eventual erro de julgamento.
Esta tarefa, cometida em primeira linha à 1ª instância, dá satisfação ao princípio da imediação a que a reforma processual introduzida pelo DL nº 329-A/95, de 12 de Dezembro deu corpo.

Ainda assim, não há-de esquecer-se que o registo puramente audio da prova, porque ignora todo o contexto em que ela foi produzida perante aquela instância e limita essa completa imediação - onde ficam os rubores, as hesitações, os soluços comprometedores ou até o inusitado débito discursivo, quantas vezes praticamente memorizado, e muitas outras formas de comunicação não verbalizada? - enferma de limitações da vária sorte que necessariamente o desvalorizam, no caso de ser convocado em sede de reanálise sobre o modo como se formou a convicção do primitivo julgador.

Daí que, por maior que se mostre a generosidade do legislador, o reexame da prova gravada não pode ignorar a séria probabilidade de se ficar bastante aquém da exigível dimensão da cabal justiça desejada pela comunidade. E isto é sobejamente conhecido, até porque a gravação em suporte vídeo voltou, recentemente, a ser objecto de ponderação, como meio eficaz de efectivo controlo da aquisição da convicção por parte do julgador.

Além disso, partir-se-á para o objectivo - tentativa de alcançar a melhor justiça -também ciente de que a decisão sobre a matéria de facto, nunca se reconduzindo a declaração insindicável e arbitrária, deve expressar a convicção adquirida pela via de um processo livre, racional, transparente e equilibrado sobre os dados trazidos à presença do julgador, como impõem os arts. 653º-nº2 e 655º CPC, sem receios nem exorbitâncias e antes de modo a realizar o Direito, pela democratização do processo através da sindicabilidade da apreciação da facticidade e das garantias da defesa do cidadão, e de conferir maior crédito das decisões proferidas em 1ª instância (Pessoa Vaz), porque “todo aquele que exerce um poder em nome do Povo tem o dever de explicar as razões por que o faz” (Condorcet), até porque “tão importante como promover o modo de realização da prova é possibilitar a valoração dela, tornando-a componente da actividade decisória do juiz” (Meneres Pimentel), e ainda porque “a busca da verdade material deve ser a primeira prioridade que deve preocupar o juiz, mesmo constituindo sempre tarefa inacabada” (Rui Rangel).

Reafirmamos, pois, que, perante um julgamento obtido com imediação de todas as provas, o mesmo só poderá ser profundamente sindicado pela Relação, no uso da faculdade de alteração da matéria de facto, em caso de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e a decisão, em face das regras da ciência, da lógica e da comum experiência, com séria aptidão para afastar inequivocamente a razoabilidade da convicção assim formulada.

b)

A prova produzida em audiência de julgamento encontra-se gravada, aliás a requerimentos da R. Maria P... e da própria A. (fls. 240 e 243, devidamente admitidos (cfr. fls. 248), nos termos do disposto nos arts. 522º-B e 522º-C CPC (na redacção introduzida pelo DL nº 183/2000, de 10 de Maio).

Vejamos, então, se a materialidade apurada, delimitada por aqueles itens, padece de qualquer vício que inquine a sentença.

Antes, assinale-se que da acta da audiência, de fls. 330 a 334 e 370 a 375, nada flui no sentido da verificação de qualquer incidente de relevo na produção da prova; por outro lado, que as pertinentes respostas à base intrutória, fundamentadas a fls. 376 e 377, não foram tidas por carecidas de esclarecimento ou denotando ambiguidade ou contradição, até por as respectivas partes se haverem desinteressado da respectiva diligência (cfr. fls. 378).

Observe-se que, conforme a lógica e razoabilidade das condutas humanas, decerto que isso se passou exactamente por anteverem que elas reproduziriam cuidadosamente a justa bissectriz da prova produzida na audiência pública – o que se deixa inscrito perante o invocado erro notório do parcial julgamento da facticidade.

3.

Avancemos, então:
A testemunha J... Castro, lubrificador, tinha relação próxima com a D. Alzira; tendo casado com a filha da anterior caseira da Quinta do Torio (de Castelões ou Casa do Juiz), cultivou alguns terrenos dela, após 1980, como ainda faz relativamente a um campo, sendo que aí vive, pertinho da casa onde ela também viveu antes de ser levada para Fonte Arcada, no Porto.
Para a D. Alzira, o nome “Quinta de Castelões” englobava todos os campos (como do Rio), leiras (como da Cevada), matas (Coutada do Bairro), em regra próximos do casa e alguns até separados, tudo da Casa ou Quinta do Juiz.
Na “Casa do Patronato” (de S. João Baptista), duas senhoras ensinavam doutrina e tomava-se conta de crianças; ouvia-se dizer, em geral, que o Patronato pertencia a uma instituição do Porto, cujo nome veio a saber, pelo falecido pai do Marcelino – que teria obtido essa informação do próprio Pároco da freguesia - no dia do funeral dela, ser a “C...”, por as respectivas casas e a quinta lhe terem sido deixadas no testamento da D. Alzira. Soube depois que um casal da freguesia tinha ido a casa dela pedir-lhe um terreno para fazer uma casa, ao que ela terá respondido que não podia, porque já estava tudo dado em testamento.
A R. Maria P... (D. Mimi) quis pô-lo fora da casa e do campo e leira e anexos que cultiva, por carta que o intimava, logo a seguir ao enterro, motivo pelo qual se mexeu, informando-se junto do Sr. Magalhães, irmão do Pároco, e concluindo que ela não é dona desses terrenos e casa.
Esse depoimento, fundamentado em opiniões ligadas ao sector oposto (elementos ligados à Igreja) não escondeu alguma animosidade com a R. Maria P..., sobrinha da testadora; e entrou em choque com o dos RR. (seguramente que nada fiáveis, até porque era suposto conhecerem a realidade sobre que expressaram declarações relevantes, a fls. 49 e 50, que não puros papéis) e, p. ex., da testemunha Maria Albertina Martins, enfermeira e próxima dessa sobrinha, que tratou da D. Alzira cerca de 2/3 vezes por semana, por dezenas de anos (estava acamada, não via e ouvia muito mal) que encontrava o Padre Magalhães lá por casa, também em visita, em regra uma vez por mês; de uma delas, constatou que ela (Alzira) estava a ser pressionada pelo Pároco para mudar o testamento, fazendo doação, por forma diferente do que tinham decidido as falecidas irmãs que sempre quiseram deixar os bens ao “Patronato”.
Crê-se, pois, que não constitui elemento decisivo bastante para alterar a convicção consistentemente formada perante quem decidiu, lendo-lhe no rosto o que foi dizendo, sem dar-lhe crédito e fiabilidade suficientes, ainda que a fonte das informações devesse ser, no essencial, segura.
Desse modo, manter-se-ão, por conformes ao material gravado, todo passado em reaudição, as respostas concretamente sindicadas.

4.
a)
A sucessão é um acto complexo, incluindo o chamamento e a devolução dos bens (art. 2024° CC); até ter lugar esta última, o chamado tem apenas o direito de aceitar ou repudiar a herança.
Aberta a sucessão de alguém, em função da lei e da morte, concretiza-se a vocação dos sucessíveis, pela respectiva ordem de prioridade (arts.2031º e 2032º).
Embora a sucessão seja normalmente uma transmissão, o conteúdo jurídico da vocação é um poder originário, através de cujo exercício se concretiza, ou não (em face do repúdio), a aquisição sucessória; como poder instrumental, extingue-se automaticamente pelo seu exercício.
A vocação sucessória é o chamamento à sucessão, no momento da morte do de cuius, feita pela lei ou por força do negócio jurídico (arts. 2026º a 2028º), do(s) titular(es) da designação sucessória prevalecente. No caso de vocação de herdeiro, este é chamado a suceder na totalidade das relações de herdeiro do de cuius, ou numa quota alíquota destas; o legatário é chamado a suceder em relações jurídicas certas e determinadas.
A capacidade sucessória é a qualidade jurídica, inerente à pessoa do herdeiro, que o qualifica para receber a herança, ou seja, a condição da pessoa que lhe permite ser titular do invocado direito sucessório (arts. 2031º e 2033º); é pressuposto indispensável ao interessado para o recolhimento da herança.
Não basta a previsão genérica de transmissão, com a morte, da posse e propriedade dos bens aos herdeiros; há necessidade da verificação da aptidão do sucessor indicado a receber a herança, pois que a sua inverificação impede que nasça sequer o direito de suceder.

b)
Capacidade sucessória, é a aptidão para ser chamado a suceder em relação a uma certa pessoa, como herdeiro ou legatário (art. 2033º); no fundo, é a capacidade de gozo, pelo lado activo, de adquirir o direito de suceder mortis causa a outrem ou a susceptibilidade de ser beneficiário de uma designação (cfr. Oliv. Ascenção, Sucessões, 136); ou ainda a legitimação para suceder, para receber os bens deixados pelo de cujus. Trata-se de capacidade de agir em relação aos direitos sucessórios, ou seja, a aptidão para suceder, para aceitar ou exercer direitos do sucessor.
É com referência ao momento da abertura da sucessão que se aprecia a capacidade sucessória (arts. 2033º-nº1 e 2035º), sendo que também deve verificar-se no momento da verificação da condição; na verdade, é até neste último que a instituição tem verdadeira eficácia, por só então se operar a transmissão hereditária.
Prevalece a sucessão legítima (herança) sempre que, por qualquer causa, a sucessão testamentária for nula, incompleta, falha ou deficiente.
O legado é a disposição testamentária a título singular, em que o testador deixa a uma pessoa, estranha ou não à sucessão legítima, um ou outros objectos individualizados ou uma quantia definida em dinheiro; portanto, tem-se por legado uma deixa testamentária determinada dentro do acervo transmitido pelo autor da herança. Enquanto a herança é uma universalidade, o legado é um ou mais bens individualizados dentro do acervo hereditário, destinado a uma determinada pessoa.
Só há legado se houver testamento, uma vez que é através dele que o testador exterioriza sua vontade de dispor de um ou mais bens na forma de legados, pormenorizando-os e especificando-os.

c)
Como se sabe, a personalidade ou capacidade jurídica (ou até capacidade genérica de gozo) consiste na susceptibilidade de ser sujeito de direitos e obrigações (art. 67º CC), de potenciar ou desencadear efeitos negociais, lícita ou ilicitamente.
As pessoas singulares, no plano da capacidade de gozo, têm capacidade genérica, irrenunciável, que cessa, pelo menos, com a morte.
As pessoas colectivas – e, dentro delas, as associações que não tenham por escopo o lucro económico dos associados, as fundações de interesse social e ainda certo tipo de sociedades – adquirem personalidade por atribuição da lei, conforme o respectivo regime de reconhecimento e os fins que visem (arts. 157º a 160º).
Quem dispuser de capacidade jurídica gozará, por via de regra, personalidade judiciária (art. 5º CPC.).
A falta de personalidade judiciária constitui excepção dilatória (al. c) do nº 1 do art. 494º-nº1-c), de conhecimento oficioso (art. 495º).
A sua verificação importa a absolvição da instância (art. 288º-nº1-a) e é insuprível (art. 23º, ex adverso).
Mas, a personalidade judiciária nem sempre coincide com a personalidade jurídica, sendo extensiva no processo cível a outras entidades destituídas de personalidade jurídica, como herança, patrimónios autónomos, filiais, sucursais, pessoas colectivas e sociedades não legalmente constituídas, entidades às quais é atribuída personalidade judiciária.
Pode falar-se de pessoas colectivas em formação (sem reconhecimento institucional, mas com algumas potencialidades como sujeitos de direitos, pelo menos) relativamente aquelas que, prosseguindo objectivos próprios, já são dotadas de um substracto: organização, pessoas que a servem, bens de afectação e um objectivo geral.
O reconhecimento por parte do Estado da personalidade jurídica das associações, corporações ou institutos religiosos, canonicamente erectos, resulta da simples participação escrita à Autoridade competente feita pelo Bispo da diocese, onde tiverem a sua sede, ou por seu legítimo representante (cfr. art. III, cânone 687, da Concordata e o DL 119/83, de 25/2, que assume expressamente esse regime concordatário).

d)
Conquanto não autonomamente registado ou erecto, inclusive nas instâncias religiosas, o Patronato de S. João Baptista, sito em Castelões, Guimarães, existente desde 1956, encontrava-se integrado, com outros estabelecimentos, desde 1969 – mas seguramente desde 1982.12.03 - na Apelante, instituição privada de solidariedade social, fundada no Porto, cerca de 1942, com inspiração nos princípios da Religião Católica.
Daí que, usufruindo da personalidade jurídica colectiva da A., tenha capacidade sucessória, ou seja, a favor do todo (legatária) em que está englobado.
Objectar com a incapacidade sucessória, à custa da precisão “instituição de solidariedade social” – da óbvia lavra do Notário que lhe redigiu a declaração de vontade extractada no testamento e que não deixa de traduzir, em sentido não técnico ou de designação técnico-administrativa, o tipo de de acções de auxílio e caridade aos seus conterrâneos – é algo que não faz sentido; é que, com esse conteúdo, se almejou apenas pôr em relevo e delimitar o campo de aplicação dos bens graciosamente transmitidos graciosamente, que não especular ou formular condicionantes sobre o enquadramento desse património.
Nada há, de resto, de objectivado em matéria alegada e provada, que convença que a testadora (ou até suas antecessoras), pretendendo exclusivamente beneficiar entidade sedeada naquela freguesia de Castelões, recusasse fazer deixa a favor das crianças e outras pessoas carecidas, apoiadas por esse Patronato de S. João Baptista, se soubesse que este era parte da instituição de solidariedade social “C...”. Pelo contrário, admitindo como segura regra de experiência que a testadora, conhecendo bem, ao longo de largas dezenas de anos, o sucesso dos apoios prestados pelo Patronato e os problemas económico-sociais que continuavam a assaltar as pessoas da sua freguesia (caseiros, vizinhança e aparentados), pelo menos dos actos sócio-religiosos, e lendo o fundo dos mais lídimos sentimentos de generosidade e bem fazer, logo se intui que ela ((Alzira) não aceitaria excluí-los das acções que a sua acção benfazeja proporcionaria, se tivesse sido confrontada com o que subjaz ao arrazoado dos RR. – isto para a hipótese de ignorar a real integração económica na estrutura jurídico-económica daquela Apelante – penalizando-os injustamente (sobretudo para uma pessoa de bem).
Aliás, por decorrer em contrário daquilo que a comum experiência da vida ensina e do que há que perspectivar da geral acção benemérita, cumpriria aos RR. (mormente à Maria P...) trazer à discussão e convencer o Tribunal dessa suposta intenção de excluir da querida vantagem os seus conterrâneos, à custa de coisa tão comezinha e irrelevante como a distância da localização da sede social ou da identificação da concreta entidade colectiva que gere a organização rudimentar (ou de facto) situada na freguesia. Na verdade, o efectivo sedeamento é capaz de relevar quase exclusivamente para efeitos fiscais; e a integração horizontal é coisa despicienda, sobretudo nestes tempos de optimização de gestão, habitualmente feita por entidades contabilísticas estranhas ou em outsourcing.
É, pelo contrário, bem certo que a sua intenção, bem materializada naquela deixa modal, revela que a testadora, como pessoa de honesta vida e sã consciência, pretendendo continuar os sentimentos de suas pré-falecidas irmãs e antecessores de integração na terra em que nasceu, viveu e foi a enterrar, só aceitou que se mantivesse na família de sangue (por oposição à de convivência e sentimento) um determinado prédio em lugar bem distante (cidade de Braga), para além do eventual remanescente (à conta de outros bens ou do incumprimento do encargo contraprestação do legado).
Ao cabo e ao resto, era como obstar à validade e eficácia de doação ou testamento a favor da “Obra do Padre Américo” ou “Obra da Rua”, com fundamento em que se indicava uma das concretas casas (p. ex. a de Paço de Sousa), que não a designação do complexo social que a todas preside.
Conduzir a decisão a outro porto – no encalço do elencado na habilitação de herdeiros - é, ao que se vê, frustrar a execução da obra social que a de cujus e irmãs acalentaram, durante tantos anos, como principal fim do património localizado naquele concreto meio social, descaminhando as mais nobres intenções de quem, tendo gozado de avultados bens, os quis colocar, a final, ao serviço da comunidade, para satisfação das necessidade sociais e religiosas do povo da sua terra.
Em suma:
- os registos de aquisição daquela Quinta do Tório, Quinta de Castelões ou Casa do Juiz, com seus bens imóveis e móveis, seus pertences, na sequência do insutentável teor da escritura da invocada Habilitação de Herdeiros, de 2003.11.05, estão feridos de nulidade e, pois, carecidos de eficácia, em face do apurado em 24º a 26º de II supra;
- a A. é a legítima sucessora-legatária da defunta A... Carvalho.


IV –

DECISÃO

É por issos que, em nome do Povo:

1. se revoga a sentença de fls. 383 a 391 e

2. se condena os RR. como em I-2 supra se contém, asssim procedendo a apelação.


Custas pelos sucumbentes.