Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | MIGUEZ GARCIA | ||
Descritores: | PENA SUSPENSA REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 07/11/2005 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROVIDO | ||
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Sumário: | I – Decorre do artigo 56°, n° 1, alínea b), do CP, que a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que no seu decurso o condenado cometer crime pelo qual venha a ser condenado e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas. II – O despacho de que se recorre decidiu-se por essa revogação, por ter constatado que o arguido, durante o período de suspensão da pena, cometeu dois crimes, sendo um deles, o de condução ilegal, da mesma natureza do que está em causa, nele aparecendo como inexoravelmente ligada a essa prática, a opção do arguido por não tirar a carta de condução, “evitando assim o cometimento”, diz o despacho, “pelo menos, do crime de condução ilegal”. III – Não revela o despacho recorrido donde terá resultado a convicção de ter o arguido optado por não tirar a carta de condução, apesar de ser esta circunstância, e só ela, que parece ter servido para concluir que a inicial prognose favorável à suspensão afinal se não justificava, sendo assim no fundo, esse o suporte da censura sem a qual a revogação da suspensão jamais seria decretada. IV – Ora, se a revogação da suspensão, arrancando, é certo, da constatação do cometimento de novos crimes, não vem no caso acompanhada dos motivos que levam a censurar por isso o arguido, o despacho que a impôs não poderá subsistir, por não ter cumprido integralmente o que decorre da norma do artigo 56°, n° 1. V – Na verdade, porque não está nas mãos de qualquer um munir-se do título de condutor, mas tão só diligenciar por isso, jamais se poderá associar a “opção” por não tirar a carta (dando-a, por facilidade, por averiguada) ao inêxito da prognose que anteriormente determinara a suspensão para por aí se dirigir ao condenado uma censura relevante, tanto mais que do texto do próprio despacho não se vê onde possa ancorar a certeza certa de ter o arguido optado por não tirar a carta. VI – Não se cumpriu assim o disposto no artigo 56°, n° 1, alínea b), nomeadamente, nada há capaz de revelar que a prognose inicial falhou, não obstante o cometimento de novos crimes, já que concretamente se não demonstra que as finalidades que estavam na base da suspensão não chegaram a ser alcançadas. VII – A decisão definitiva, até porque aqui se associa necessariamente à eventualidade da perda da liberdade, não pode deixar de assentar em circunstanciada averiguação dos motivos que possam estar na base de um incumprimento culposo. VIII – Para tanto, deverá o Tribunal, antes de decidir, procurar indagar dos motivos que rodearam o cometimento de novos crimes, inclusivamente se o arguido entretanto diligenciou ou não por tirar a carta, e as razões por que não o terá feito, ouvindo-o, inclusivamente, e de forma cabal, acerca das tentativas para se livrar das drogas, de que se dá notícia no processo, para só então, valorando esses e outros dados, obtidos por ex., através da colaboração dos serviços de reinserção social, se formular juízo seguro da culpa do condenado e da definitiva necessidade de revogação. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Guimarães "A" foi em 4 de Dezembro de 2002 condenado por crime de condução ilegal na pena de oito meses de prisão suspensa por 2 anos, mas no dia 15 de Março de 2003 cometeu um crime de burla, tendo sido condenado em pena de multa, e em 18 de Maio de 2004 voltou a cometer um crime de condução ilegal, pelo que foi condenado em pena de prisão substituída por multa. Diz-se no despacho de fls. 2, do Tribunal Judicial de Vila Verde, que “interrogado o arguido, que aliás só compareceu sob custódia policial, pelo mesmo foi apenas assumido a prática do crime de burla”. Ora, a actuação do arguido revela manifesto dolo, denotando total alheamento em relação aos deveres impostos; a simples censura do facto e a ameaça da pena de prisão não realizaram de forma adequada e suficiente as finalidades da punição; com efeito, foi passado mais de um ano sobre a condenação que o arguido voltou a prevaricar, ou seja, optou não por tirar a carta de condução, evitando, assim, o cometimento, pelo menos, do crime de condução ilegal, mas não se coibindo de conduzir quando lhe aprouve. Para além disso, não compareceu quando notificado pelo tribunal, o que reforça a sua personalidade avessa ao direito”. Decidiu-se por isso o mesmo despacho, nos termos do artigo 56º, nº 1, alíneas a) e b), do CP, por determinar a revogação da suspensão da execução da pena de prisão fixada em 5 meses. Dele interpõe recurso o arguido. Reconduz-se aos seus “graves problemas com a droga”, tendo sido recentemente “submetido a um rigoroso plano de intervenção terapêutico / educativo, elaborado para que consiga um estilo de vida que permita a abstinência de drogas e comportamentos socialmente aceites, que terá a duração aproximada de dois anos”. Por outro lado, não estão ainda esgotadas as possibilidades de alcançar os fins visados com a suspensão, sobretudo se reforçadas as garantias de cumprimento, através do recurso, por exemplo, aos meios previstos no artigo 55º do CPP, sendo ainda possível e desejável uma prorrogação do período de suspensão da pena inicialmente fixada por mais um ano, na condição de o recorrente obter a carta e cumprir o plano de intervenção terapêutico e educativo. Pondera, por fim, o cumprimento por dias livres, podendo beneficiar do instituto previsto no artigo 45º do CP. O Ministério Público, incluindo o Ex.mo Procurador Geral Adjunto nesta Relação têm a decisão por correcta. Colhidos os ‘vistos’ legais, cumpre apreciar e decidir. Como se sabe, e decorre do artigo 56º, nº 1, alínea b), do CP, a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que no seu decurso o condenado cometer crime pelo qual venha a ser condenado e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas. O arguido "A" foi inicialmente condenado por crime de condução ilegal na pena de prisão suspensa, mas no dia 15 de Março de 2003 cometeu um crime de burla e em 18 de Maio de 2004 voltou a cometer um crime de condução ilegal. A pena correspondente à burla foi a de multa; pela nova condução ilegal o arguido foi condenado em pena de prisão suspensa. Contudo, actualmente, só o incumprimento culposo pode dar lugar à revogação, tendo-se abandonado o sistema em que o incumprimento gerava sem mais, de forma automática, a revogação. O cometimento de outro crime, ainda que doloso, durante o período de suspensão, não basta, só por si, para conduzir à revogação da suspensão. O despacho de que se recorre decidiu-se por essa revogação, por ter constatado que o arguido, durante o período de suspensão da pena, cometeu dois crimes, sendo um deles, o de condução ilegal, da mesma natureza do que está em causa. Nele aparece, como inexoravelmente ligada a essa prática, a opção do arguido por não tirar a carta de condução, “evitando assim o cometimento”, diz o despacho, “pelo menos, do crime de condução ilegal”. Não revela o despacho recorrido donde terá resultado a convicção de ter o arguido optado por não tirar a carta de condução. Ainda assim, é esta circunstância, e só ela, que parece ter servido para concluir que a inicial prognose favorável à suspensão afinal se não justificava. No fundo, será esse o suporte da censura sem a qual a revogação da suspensão jamais seria decretada. Sabe-se que o arguido foi interrogado, mas a efectivação da diligência apenas se faz acompanhar da referência à falta de comparência sem escolta policial. Ora, se a revogação da suspensão, arrancando, é certo, da constatação do cometimento de novos crimes, não vem no caso acompanhada dos motivos que levam a censurar por isso o arguido, o despacho que a impôs não poderá subsistir, por não ter cumprido integralmente o que decorre da norma do artigo 56º, nº 1. Na verdade, porque não está nas mãos de qualquer um munir-se do título de condutor, mas tão só diligenciar por isso, jamais se poderá associar a “opção” por não tirar a carta (dando-a, por facilidade, por averiguada) ao inêxito da prognose que anteriormente determinara a suspensão para por aí se dirigir ao condenado uma censura relevante. Tanto mais que do texto do próprio despacho não se vê onde possa ancorar a certeza certa de ter o arguido optado por não tirar a carta. Não se cumpriu assim o disposto no artigo 56º, nº 1, alínea b). Nomeadamente, nada há capaz de revelar que a prognose inicial falhou, não obstante o cometimento de novos crimes, já que concretamente se não demonstra que as finalidades que estavam na base da suspensão não chegaram a ser alcançadas. Tem pois razão o recorrente. A decisão definitiva, até porque se associa necessariamente à eventualidade da perda da liberdade, não pode deixar de assentar em circunstanciada averiguação dos motivos que possam estar na base de um incumprimento culposo. Para tanto, deverá o Tribunal, antes de decidir, procurar indagar dos motivos que rodearam o cometimento de novos crimes, inclusivamente se o arguido entretanto diligenciou ou não por tirar a carta, e as razões por que não o terá feito, ouvindo-o, inclusivamente, e de forma cabal, acerca das tentativas para se livrar das drogas, de que se dá notícia no processo. Para só então, valorando esses e outros dados, obtidos por ex., através da colaboração dos serviços de reinserção social, se formular juízo seguro da culpa do condenado e da definitiva necessidade de revogação. Nestes termos, acordam em conceder provimento ao recurso de "A", revogando-se o despacho recorrido para que se proceda em conformidade. Não são devidas custas. Guimarães, |