Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
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| Relator: | ANTERO VEIGA | ||
| Descritores: | TRANSMISSÃO DE ESTABELECIMENTO TRANSMISSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO | ||
| Nº do Documento: | RG | ||
| Data do Acordão: | 11/05/2015 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
| Indicações Eventuais: | SECÇÃO SOCIAL | ||
| Sumário: | 1 - A posição que dos contratos de trabalho decorre para a entidade patronal, transmite-se ao adquirente do estabelecimento onde os trabalhadores exerçam a sua atividade. 2 - Pretende-se garantir o direito à segurança no emprego, que ficaria comprometido caso as transmissões de estabelecimento não implicassem a transmissão do contrato. 3 -Para que tal ocorra é necessária a existência de um estabelecimento ou empresa que se transmitiu (mudou de titular) e manteve a sua identidade. 4 - Para que se apure aquela identidade, devemos socorrer-nos de elementos como a transmissão de bens do ativo (bens imóveis ou equipamentos mas também bens incorpóreos como a transmissão de know-how), a manutenção da maioria ou do essencial dos efetivos, a duração de uma eventual interrupção da atividade, a eventual manutenção da clientela e o grau de semelhança entre a atividade desenvolvida antes e depois da transferência. | ||
| Decisão Texto Integral: | “Laboratório …, S. A.”, com sede na …; veio interpôr recurso da decisão proferida pelo tribunal T. de Viana do Castelo, que confirmou a decisão aplicada pela Autoridade para as Condições do Trabalho que lhe aplicou a coima de €3.672,00 pela prática da contraordenação p.p. pelo art°. 285, n°. 1 e 6, do C. Trabalho (a arguida, na qualidade de adquirente de estabelecimento, não assumiu a posição de empregadora relativamente ao contrato de trabalho de Maria…). Em síntese invoca a recorrente: 1- A arguida não se conforma com a douta sentença da qual recorre, por não considerar que tenha adquirido o estabelecimento comercial; «…» 2- Não houve uma transmissão sequer de parte autónoma do estabelecimento comercial; 3- Houve antes uma criação ex novo de um estabelecimento comercial sem qualquer contacto negocial com a sociedade cedente; 4- Aliás, o estabelecimento em causa foi encerrado no processo de insolvência da sociedade na sentença recorrida disposta como cedente. 5- As finalidades específicas previstas no direito insolvencial devem ser tidas em conta para uma escorreita interpretação do presente normativo; 6- Se a intenção do processo de insolvência – e de acordo com as regras ali previstas – é meramente liquidatária – tal como sucedeu – ou seja, de destruição da unidade económica, não fará sentido aplicar-se a Diretiva no sentido absolutamente defensional dos postos de trabalho. 7- Nesse sentido corre o Acórdão do TRP de 16/04/2012, expondo que: “Dos n.ºs 2 e 3 do Art.º 5.º da Diretiva resulta que, visando o processo de insolvência o desmantelamento da unidade económica, não se aplica a disciplina da transferência, cessão ou reversão da unidade económica”; 8- No mesmo sentido corre Acórdão do TRP de 22/04/2013, tirado por unanimidade, que aponta que: “ III – Não ocorre o efeito transmissivo dos contratos de trabalho para o adquirente da unidade de negócio (artigo 3.º, n.º 1 da Diretiva), assim como não vigora o princípio da proibição dos despedimentos fundados na própria operação de transmissão (art. 4.º n° 1 da Diretiva), quando o processo de insolvência em que se encontre o transmitente, sob controlo de uma entidade oficial competente, seja promovido com vista à liquidação do seu património.” ACRESCE QUE, 9- Do exposto, e dos factos considerados como provados na douta sentença recorrida, não resulta indubitavelmente a existência de uma transferência de unidade económica; 10- Não foram juntos aos autos documentos demonstrativos de qualquer título translativo, ou sequer de qualquer motivação para tal; 11- Não foi – nem podia – demonstrado por via testemunhal qualquer facto nesse sentido; 12- Assim sendo, e apenas se bastando mera alegação de direito, não se pode ter por reconhecida tal transferência em apanágio ao princípio in dubio pro reo. … Em contra-alegações sustenta-se o julgado, referindo-se que o recurso é limitado à matéria de direito, resultando dos factos 2 a 5 ter ocorrido transmissão do estabelecimento. O Exmº PGA deu parecer no sentido da improcedência. *** Colhidos os vistos há que conhecer do recurso. *** Factualidade: 1 — A arguida apresentou um volume de negócios em 2013 de €2.023.479,00. 2 — A arguida explora, desde 1/10/2013, o estabelecimento de análises clínicas sito na … Viana do Castelo. 3 — Até ao dia 30/9/2013, o referido estabelecimento foi explorado por “Sociedade…, Lda”. 4 — As trabalhadoras desta “Sociedade…, Lda” que desempenhavam funções naquele estabelecimento – Mariana…, Manuela…e Marta… - continuaram a desempenhar a sua atividade para a arguida após a data referida em 2), sem qualquer hiato temporal, com os mesmos instrumentos e mobiliário, tendo apenas ocorrido uma alteração de imagem (logotipos e imagem exterior). 5 — A arguida manteve os mesmos clientes e anteriores procedimentos de trabalho que existiam antes da data referida em 2), tendo entregue aos clientes os resultados das análises que estes haviam realizado em data anterior. 6 — Maria… era trabalhadora da “Sociedade…, Lda” e havia suspenso o seu contrato de trabalho em 30/7/2013, por retribuições em atraso, encontrando-se a auferir da Segurança Social a prestação associada essa suspensão. 7 — A arguida não prestou a esta Maria… a informação referente à transmissão do estabelecimento e não assumiu, quanto a ela, a posição de entidade empregadora. *** Conhecendo do recurso: A recorrente questiona que tenha ocorrido uma transmissão de estabelecimento, a transferência de uma unidade económica. Alude à insolvência da anterior sociedade e que não foram juntos documentos comprovativos de qualquer transmissão. Relativamente à alegada insolvência, não vem a mesma demonstrada nos autos. A ter existido, todo o património da insolvente deveria ter sido considerado no aludido processo, não se dando nota nas alegações de qualquer aquisição dos mobiliário e instrumentos que pertença daquela a recorrente passou a utilizar, nem o que aconteceu relativamente ao arrendamento e seu valor. Sendo o recurso restrito à matéria de direito, como não podia deixar de ser, vejamos: A transmissão do estabelecimento: Refere o artigo 285º do CT: Efeitos de transmissão de empresa ou estabelecimento 1 - Em caso de transmissão, por qualquer título, da titularidade de empresa, ou estabelecimento ou ainda de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, transmitem-se para o adquirente a posição do empregador nos contratos de trabalho dos respetivos trabalhadores, bem como a responsabilidade pelo pagamento de coima aplicada pela prática de contra-ordenação laboral. … 3 - O disposto nos números anteriores é igualmente aplicável à transmissão, cessão ou reversão da exploração de empresa, estabelecimento ou unidade económica, sendo solidariamente responsável, em caso de cessão ou reversão, quem imediatamente antes tenha exercido a exploração. … 5 - Considera-se unidade económica o conjunto de meios organizados com o objetivo de exercer uma atividade económica, principal ou acessória. … O CT transpôs deste modo, como refere o artigo 2, al l) do artigo 2 da L. 7/2009 que o aprovou, a diretiva n.º 2001/23/CE, do Conselho, de 12 de março (Jornal Oficial nº L 082 de 22/03/2001), relativa à aproximação das legislações dos Estados membros respeitantes à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas ou de estabelecimentos, ou de partes de empresas ou de estabelecimentos. Pretende-se “proteger os trabalhadores em caso de mudança de empresário especialmente para assegurar a manutenção dos seus direitos”, como se refere na diretiva. Da diretiva consta: Artigo 1.º 1. a) A presente diretiva é aplicável à transferência para outra entidade patronal de uma empresa, estabelecimento ou parte de empresa ou estabelecimento, quer essa transferência resulte de uma cessão convencional quer de uma fusão. b) Sob reserva do disposto na alínea a) e das disposições seguintes do presente artigo, é considerada transferência, na aceção da presente diretiva, a transferência de uma entidade económica que mantém a sua identidade, entendida como um conjunto de meios organizados, com o objetivo de prosseguir uma atividade económica, seja ela essencial ou acessória. … Resulta do comando do CT que a posição que dos contratos de trabalho decorre para a entidade patronal, transmite-se ao adquirente, por qualquer título, do estabelecimento onde os trabalhadores exerçam a sua atividade. O normativo deve e tem de ser interpretado à luz da diretiva, tendo em atenção as finalidades desta. Importa saber quais os atos ou factos que para efeitos do normativo, envolvem transmissão de estabelecimento: Para tal abordagem, Importa deixar referido que um dos principais objetivos tidos em vista pelo normativo (considerado à luz da diretiva), foi proteger o trabalhador, garantindo o direito à segurança no emprego, que ficaria comprometido caso as transmissões de estabelecimentos não implicassem a transmissão do contrato. Trata-se de uma transmissão automática, com as ressalvas da lei. A transmissão abrange obviamente as situações tituladas, os atos jurídicos de transmissão. Mas abrange ainda todos os atos, ainda que não titulados juridicamente, que envolvam transmissão. No que importa ao caso em análise, importa que possa surpreender-se uma “transferência”, ainda que não titulado em documento. Assim podemos socorrer-nos como critério, da verificação de uma “passagem” de uma “entidade económica “ – (pode ser uma empresa, um estabelecimento, parte de um estabelecimento, uma parte de uma empresa ou até de um setor, desde que se trate de “ entidade económica “, de uma estrutura organizada e com um objetivo) - Vd. STJ de 18/2/2002, processo nº 02S4675, dgsi.pt. No Ac. STJ de 24/3/2011, processo nº 1493/07.0TTLSB.L1.S1, dgsi.pt, refere-se: “ …Em suma, a verificação da existência de uma transferência depende da constatação da existência de uma empresa ou estabelecimento (conjunto de meios organizados, com o objetivo de prosseguir uma atividade económica), que se transmitiu (mudou de titular) e manteve a sua identidade. Tal como sublinha, neste conspecto, JÚLIO GOMES (Direito do Trabalho, vol. I, Relações Individuais de Trabalho, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 821), «[d]ecisiva, para o Tribunal de Justiça [da União Europeia], é sempre a manutenção da entidade económica e para verificar se esta entidade continuou a ser a mesma, apesar das várias vicissitudes, o tribunal destacou que há que recorrer a múltiplos elementos cuja importância pode, de resto, variar no caso concreto, segundo o tipo de empresa ou estabelecimento, a sua atividade ou métodos de gestão, sendo que estes elementos devem ser objeto de uma apreciação global, não sendo, em princípio, decisivo qualquer um deles. Numa indicação meramente exemplificativa — aliás, o próprio Tribunal não parece pretender apresentar uma lista exaustiva — podem ser relevantes elementos como a transmissão de bens do ativo da entidade, designadamente, bens imóveis ou equipamentos, mas também bens incorpóreos como a transmissão de know-how, a própria manutenção da maioria ou do essencial dos efetivos, a duração de uma eventual interrupção da atividade, a eventual manutenção da clientela e o grau de semelhança entre a atividade desenvolvida antes e a atividade desenvolvida depois da transferência». É, assim, essencial que a transferência tenha por objeto um conjunto de elementos que permitam a prossecução, de modo estável, de todas ou de parte das atividades da empresa cedente e deve ser possível identificar essa entidade económica na esfera do transmissário…” O conceito de unidade económica, remete para um conjunto organizado de pessoas e de elementos que permitem o exercício de uma atividade económica que prossegue um objetivo próprio, pouco importando que se trate de atividade acessória. No processo nº C-463/09 (Clece) do TJ de 20//12011, Coletânea de Jurisprudência 2011 I-00095, pode ler-se: “…Para determinar se essa entidade mantém a sua identidade, há que tomar em consideração todas as circunstâncias de facto que caracterizam a operação em causa, entre as quais figuram, designadamente, o tipo de empresa ou de estabelecimento de que se trata, a transferência ou não de elementos corpóreos, como os edifícios e os bens móveis, o valor dos elementos incorpóreos no momento da transferência, a reintegração ou não do essencial dos efetivos pelo novo empresário, a transferência ou não da clientela, bem como o grau de similitude das atividades exercidas antes e depois da transferência e a duração da eventual suspensão destas atividades. Estes elementos constituem apenas aspetos parciais da avaliação de conjunto que se impõe e não podem, por isso, ser apreciados isoladamente (v., designadamente, acórdãos de 18 de março de 1986, Spijkers, 24/85, Colect., p. 1119, n.° 13; de 19 de maio de 1992, Redmond Stichting, C-29/91, Colect., p. I-3189, n.° 24; de 11 de março de 1997, Süzen, C-13/95, Colect., p. I-1259, n.° 14; e de 20 de novembro de 2003, Abler e o., C-340/01, Colect., p. I-14023, n.° 33). …” Sobre questão da transmissão refere adiante: “ se no caso da retoma de uma parte essencial dos efetivos, a existência de uma transferência, na aceção da Diretiva 2001/23, estivesse exclusivamente sujeita ao requisito da origem contratual dessa retoma, a proteção dos trabalhadores pretendida por esta diretiva ficaria à discrição dos empresários, os quais, mediante a não celebração de um contrato, poderiam contornar a aplicação da referida diretiva, em detrimento da manutenção dos direitos dos trabalhadores transferidos, que no entanto é garantida pelo artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 2001/23…” Volvendo ao caso, vem provado que a arguida explora desde 1/10/2013, o estabelecimento de análises clínicas sito … Viana do Castelo, o qual até ao dia imediatamente anterior, 30/9/2013, foi explorado por “Sociedade…, Lda”. Várias trabalhadoras da anterior sociedade continuaram, sem qualquer hiato temporal, a desempenhar funções naquele estabelecimento, com os mesmos instrumentos e mobiliário, tendo apenas ocorrido uma alteração de imagem (logotipos e imagem exterior). Mais vem provado que a recorrente manteve os mesmos clientes e anteriores procedimentos de trabalho, tendo entregue aos clientes os resultados das análises que estes haviam realizado em data anterior. É manifesto que que o estabelecimento manteve a sua identidade prosseguindo a mesma atividade, tomando os clientes anteriores. Constitui uma unidade económica no sentido da diretiva e da norma do CT. Consequentemente não assiste razão á reclamante. Pelo referido e demais que consta da decisão recorrida é de confirmar a mesma. DECISÃO: Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente o recurso confirmando a decisão. Custas pela recorrente Antero Veiga Manuela Fialho |