Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1359/06.1TBFAF-B.G1
Relator: JOÃO DIOGO RODRIGUES
Descritores: EXECUÇÃO
CUSTAS DE PARTE
NOTA DISCRIMINATIVA E JUSTIFICATIVA
PRAZO PARA APRESENTAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/07/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 07-12-2017
Sumário:
O prazo para a apresentação da nota discriminativa e justificativa das custas de parte, previsto no artigo 25.º, n.º 1, do Regulamento das Custas Processuais, é um prazo processual. Por isso mesmo, esgotado esse prazo, que está sujeito ao regime previsto no artigo 138.º, n.ºs 1 a 3, do Código de Processo Civil, a parte vencedora perde o direito de operar a liquidação das suas custas de parte nos termos regulamentados, mas não perde o seu crédito por essas custas, que continua a pode fazer valer em sede executiva.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I- Relatório

1- Por apenso à execução que Manuel e outros, instauraram contra José e outros, com vista à cobrança das custas de parte que dizem ter suportado com o processo principal, vieram os executados deduzir os presentes embargos de executado, alegando, para além do mais, que o direito a cobrar as referidas custas se extinguiu por caducidade, o que se repercute na ausência de título executivo.
Pedem, por isso, a procedência dos presentes embargos, com as legais consequências.
2- Contestaram os embargados, refutando esta pretensão, porquanto, em suma, entendem, justamente, o contrário dos embargantes.
Daí que peçam a improcedência destes embargos.
3- Terminados os articulados, foi proferida sentença que, considerando inexistir título executivo, julgou procedentes os presentes embargos de executado e, por consequência, extinta a execução.
4- Inconformados, reagiram os embargados, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões:
1- Dispõe o artigo 527º do CPC que a decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação quem do processo tirou proveito”.
2- Por sua vez o artigo 529º do CPC estabelece que as custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte.
3- Conjugando os supra aludidos artigos verifica-se que a decisão de julgue a acção condena em custas processuais, as quais abrangem as custas de parte, a parte que elas houver dado causa.
4- Caso duvidas ainda subsistissem para clarificar que a sentença que condena em custas é titulo executivo para as custas de parte, dispõe o art. 26º n.º 1 do RCP que as custas de parte integram-se no âmbito da condenação por custas.
5- Nos termos do art. 703º do CPC são títulos executivos as sentenças condenatórias.
6- A iliquidez do título executivo não determina a inexistência de título executivo.
7- Quanto a essa matéria dispõe o artigo 713.º do Código de Processo Civil, que quando a obrigação não for líquida em face do título executivo, a execução começa pelas diligências destinadas a tornar a obrigação líquida.
8- Diligências essas reguladas nos termos do artigo 716.º n.º 1 do CPC.
9- A liquidação da obrigação não constitui um pressuposto processual da execução que deva estar verificado no momento da sua instauração, na medida em que essa liquidação pode ter lugar na fase inicial da própria execução.
10 - Os recorrentes podiam e deviam intentar a presente execução para obter o pagamento das custas de parte devidas, devendo para tanto liquidar a quantia devida, o que aliás fizeram, mediante a junção da nota discriminativa remetida aos executados, e a liquidação da obrigação no requerimento executivo.
11- A ultrapassagem do prazo do n. ° 1 do art. 25.° do RCP para a apresentação da nota discriminativa e justificativa das custas de parte não gera nem a caducidade do direito a reclamar as custas de parte nem a prescrição do correspondente direito de crédito,
12 - Mas apenas a prec1usão do acto processual de apresentação da nota no próprio processo.
13- Essa preclusão não impede o credor das custas de parte de rec1amar o seu pagamento nos termos gerais da lei de processo, designadamente através de uma acção executiva.
14- Dispõem os recorrentes de título executivo válido contra os recorridos.
15- A sentença aqui em crise violou o disposto nos artigos 703°, 713° e 716° do CPC, pelo que deve ser revogada”.

É o que pedem, com a procedência do presente recurso.
5- Em resposta, os embargantes pugnam pela confirmação do julgado.
6- Recebido o recurso e preparada a deliberação, importa tomá-la:
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II- Mérito do recurso

1- Definição do seu objecto

Inexistindo, no caso presente, questões de conhecimento oficioso, o objeto deste recurso, delimitado, como é regra, pelas conclusões das alegações dos recorrentes (artigos 608.º, n.º 2, “in fine”, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º1, do Código de Processo Civil), cinge-se apenas à questão de saber se a obrigação exequenda subsiste e é exequível.
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2- Fundamentação de facto

Com base na documentação junta a estes autos e àqueles a que os mesmos estão apensos, julgam-se provados os seguintes factos:

a) No âmbito do Processo n.º1359/06.1TBFAF, que correu termos no 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Fafe, foi, no dia 20/12/2010, proferida sentença que termina com o seguinte dispositivo:
“Em face do exposto, o Tribunal, julgando a acção não provada e improcedente, absolve os Réus Manuel e esposa Maria, JT, SR e marido JM, EM e marido LF dos pedidos formulados pelos Autores José e esposa ZF, AC e esposa MS, MB e esposa ML.
Custas a cargo dos Autores”.
b) Inconformados com esta sentença dela recorreram os referidos AA., mas o Tribunal da Relação de Guimarães julgou o seu recurso improcedente e confirmou a sentença recorrida, condenando-os no pagamento das correspondentes custas.
c) Os aí RR., ora exequentes, pediram, então, no mesmo processo, o pagamento das respetivas custas de parte, juntando nota discriminativa das mesmas, mas esse pedido foi indeferido, por ter sido considerado intempestivo.
d) No dia 28 de Julho de 2014, pelo mandatário dos exequentes, foi remetida missiva registada, a interpelar os executados, através do seu mandatário forense, para lhes pagarem a quantia de 6.670,60€, a título das custas de parte já aludidas.
e) Não tendo obtido o pagamento de tais custas de parte, os exequentes, instauraram a execução a que estes autos estão apensos, com vista à cobrança coerciva dessas custas, que discriminam em nota anexa.
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3- Fundamentação jurídica

Como vimos, cinge-se o objeto deste recurso a saber se a obrigação exequenda subsiste e é exequível.
Na decisão recorrida, entendeu-se que não; que a obrigação exequenda não foi previamente liquidada nos termos previstos na lei, ou seja, mediante nota com as custas de parte tempestivamente apresentada no processo a que dizem respeito essas custas, e, portanto, já não o pode ser em execução autónoma.
Os embargantes discordam deste entendimento. E contrapõem que iliquidez da obrigação exequenda não determina a ausência de título executivo. Além disso, a apresentação tardia da nota discriminativa e justificativa das custas de parte não gera nem a caducidade do direito a reclamar as custas de parte, nem a prescrição do correspondente direito de crédito; apenas a prec1usão do ato processual de apresentação da nota no próprio processo.
Vejamos, então, como solucionar esta questão.
As custas de parte, como é sabido, correspondem às despesas legalmente eleitas, cujo pagamento a parte vencedora pode imputar à parte vencida numa ação judicial e na proporção em que o for. Ou, por outras palavras, correspondem àquilo “que cada parte haja despendido com o processo e tenha direito a ser compensada em virtude da condenação da parte contrária, nos termos do Regulamento das Custas Processuais” – artigo 529.º, n.º 4, deste Regulamento.
Compreendem designadamente, as taxas de justiça pagas, os encargos efetivamente suportados pela parte, as remunerações despendidas com o agente de execução e as despesas por este efetuadas, bem como os honorários do mandatário e as despesas que este efetuou – artigo 533.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
Finda a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos, a decisão que os julgue condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito – artigo 527.º n.º 1, do Código de Processo Civil.
E nessas custas estão incluídas não só a taxa de justiça, mas também os encargos e as custas de parte – artigo 529.º, n.º 1, do Código de Processo Civil e artigo 3.º, n.º 1, do Regulamento das Custas Processuais. As custas de parte, como estabelece o artigo 26.º, n.º 1 deste Regulamento, integram-se, por regra, no âmbito da condenação judicial por custas.
É inequívoco, assim, que a parte vencedora tem o direito a ser reembolsada pela parte vencida, e na proporção em que o for, das despesas que suportou com a demanda e que se enquadrem na previsão legal já assinalada.
Para o efeito, “[a]té cinco dias após o trânsito em julgado ou após a notificação de que foi obtida a totalidade do pagamento ou do produto da penhora, consoante os casos, as partes que tenham direito a custas de parte remetem para o tribunal, para a parte vencida e para o agente de execução, quando aplicável, a respetiva nota discriminativa e justificativa”, elaborada em conformidade com o figurino legalmente prescrito – artigo 25.º, n.ºs 1 e 2, do Regulamento das Custas Processuais. E, não havendo reclamação, fica a parte vencida obrigada a pagar essas custas diretamente à parte vencedora, embora dentro dos valores estipulados por lei – artigo 26.º, n.sº 2 e 3, do Regulamento das Custas Processuais.
Se o não fizer, é linear que o credor de tais custas as pode cobrar coercivamente, pois que dispõe de título executivo para o efeito – artigos 607.º, n.º 6, e 703.º, n.º 1, al. a), do Código de Processo Civil e artigos 26.º, n.º 3, e 36.º, n.º 3, do Regulamento das Custas Processuais.
E se o titular do direito ao reembolso das custas de parte não as reclamar e liquidar tempestivamente, nos termos já referidos, pode fazê-lo ulteriormente em sede executiva ? É este o cerne deste litigio.
Pois bem, é importante começar por ter presente que estamos perante um título executivo complexo ou compósito; ou seja, que é constituído, como vimos, pela decisão que condenou a parte vencida em custas e pela nota discriminativa e justificativa das custas de parte, apresentada da parte vencedora(1).
Mas, esta nota não passa da liquidação de tais custas.
Ora, não é pelo facto de uma obrigação não ser líquida que é inexequível. Pelo contrário, é exequível, só que tem de ser previamente liquidada, designadamente por recurso ao expediente previsto no artigo 716.º do Código de Processo Civil.
Assim, a partir do momento em que a obrigação exequenda está estabelecida por sentença transitada em julgado, como sucede neste caso, não pode deixar de se entender que a mesma é suscetível de ser executada. É a lei que lhe confere essa qualidade e vigor – artigo 703.º, n.º1, al. a), do Código de Processo Civil.
E, obtida essa qualidade, nunca mais a mesma pode vir a ser afetada pela caducidade do direito ao seu reconhecimento. Seria uma contradição nos próprios termos.
Ora, tendo por base este pressuposto, é para nós evidente que a obrigação de pagamento de custas de parte não se extingue por não ser liquidada termos previstos nos artigos 25.º e 26.º do Regulamento das Custas Processuais. O que se extingue é o direito de fazer a liquidação por esse meio processual.
Não se aceita, assim, que o prazo para a apresentação da nota de custas de parte seja preclusivo do direito a cobrar essas custas por via coerciva. Nem se percebe como assim poderia ser uma vez que se trata, repetimos, de um direito já jurisdicionalmente reconhecido.
Assim, o prazo para a apresentação da nota discriminativa e justificativa das custas de parte, previsto no artigo 25.º, n.º 1, do Regulamento das Custas Processuais é, claramente, um prazo processual; ou seja, esgotado esse prazo, que está sujeito ao regime previsto no artigo 138.º, n.ºs 1 a 3, do Código de Processo Civil, a parte vencedora perde o direito de operar a liquidação das suas custas de parte nos termos ali regulamentados, mas não perde o seu crédito por essas custas, que continua a pode fazer valer em sede executiva.
Aliás, como se assinala no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 14/06/2017 (2), “[r]esultando do artigo 37.º do RCP que o crédito por custas, leia-se custas processuais, as quais compreendem as custas de parte, prescreve no prazo de 5 anos, seria estranho ver esse crédito sujeito a outro prazo mais curto que pudesse determinar a sua extinção apenas em virtude do decurso do tempo, quando a condenação no seu pagamento já consta da própria sentença da acção a que respeitam.
Tal interpretação, a nosso ver, contenderia frontalmente com o disposto no artigo 311.º, n.º 2, do Código Civil, segundo o qual o direito sujeito a um prazo de prescrição mais curto que o prazo ordinário fica sujeito a este último se existir sentença transitada em julgado que reconheça o crédito ou outro título executivo, situação que é a do crédito de custas que como vimos está fixado na própria sentença do processo.
Por outro lado, afigura-se-nos que a sujeição do crédito de custas a um prazo extintivo do direito (de caducidade ou de prescrição) de apenas 5 dias, para mais contado a partir de um evento alheio ao credor (o trânsito em julgado da sentença), seria manifestamente inconstitucional por violação do princípio do Estado de Direito na dimensão da proibição do excesso, da violação da proporcionalidade e adequação e da ofensa ao valor da segurança jurídica.
Com efeito, não se vê por que razão haveria um direito de crédito de estar sujeito, sob a cominação dessa consequência jurídica, a um prazo de tal modo reduzido que o seu decurso não permite, em circunstância nenhuma, deduzir do comportamento do credor uma renúncia ao direito ou uma falha ou negligência no seu exercício.
Mais do que tratar-se de um prazo com uma duração singular por comparação com os demais direitos de crédito relativos a direitos disponíveis, trata-se de um prazo que não dá ao credor um tempo mínimo, adequado e suficiente para exercer o direito, actuando com o zelo e a diligência exigíveis, mas ao invés lhe impõe de forma injustificada uma urgência e celeridade de actuação totalmente desfasados da justa ponderação dos interesses conflituantes de credor e devedor ou mesmo da administração da justiça.
Da mesma forma não vislumbramos que interesse do devedor podia justificar a vantagem da desoneração do débito cuja responsabilidade está fixada judicialmente em resultado apenas do decurso do prazo singular e absolutamente escasso de 5 dias sem o credor lhe exigir o pagamento.
A nosso ver, portanto, o prazo em questão só tem justificação como prazo de disciplina processual do incidente de liquidação e pagamento das custas processuais. Tendo o processo culminado na sentença que decidiu o conflito e condenou o responsável no pagamento das custas, o que se segue à sentença é a função residual de liquidar as custas e desencadear o seu pagamento voluntário. Trata-se de um aspecto secundário da função do próprio processo que justifica uma tramitação simples e célere que conduza rapidamente ao arquivamento do processo, sendo esse o objectivo do estabelecimento do prazo”.
Não se ignora que este entendimento não é unânime na jurisprudência (3). Mas, tendo presentes os pressupostos que assinalámos, designadamente o facto de estamos perante uma sentença judicial transitada em julgado que fixa a obrigação de pagamento de custas de parte, pela parte vencida, não se vê como se pode sustentar validamente que, por exemplo, não há título executivo ou que o correspondente direito se extinguiu por não ter sido tempestivamente exercitado.
Daí que, entendendo nós o contrário e estando assegurados os referidos pressupostos, nunca a execução embargada poderia ser, como foi, declarada extinta. O que significa que o despacho recorrido tem necessariamente de ser revogado, procedendo, nessa medida, o presente recurso.
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III- DECISÃO

Pelas razões expostas, acorda-se em conceder provimento ao presente recurso e, consequentemente, revoga-se o despacho recorrido, julgando improcedentes os presentes embargos de executado.
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- Porque decaíram na sua pretensão, as custas, em ambas as instâncias, serão suportadas pelos embargantes - artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.


1. Neste sentido, Ac. RC de 20/04/2016, Processo n.º 2417/07.0TBCBR-C.C1, consultável em www.dgsi.pt
2. Processo n.º 462/06.2TBLSD-C.P1, consultável em www.dgsi.pt.
3. Cfr, em sentido contrário ao por nós defendido, Ac. RP de 19/02/2014, Processo n.º 269/10.2TAMTS-B.P1, Ac. RLx de 07/10/2015, Processo n.º 4470/11.3TDLSB.1.L1-3, Ac, RLx de 27/04/2017, Processo n.º 20430-12.4YYLSB-A.L1-6, consultáveis em www.dgsi.pt