Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | MANUEL BARGADO | ||
Descritores: | INSOLVÊNCIA HERANÇA INDIVISA GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 06/05/2014 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | I - A herança é uma universalidade jurídica de bens, pelo que cada interessado não tem uma quota-parte em cada um de todos esses bens mas uma quota referida àquela universalidade, ao conjunto de todos os bens, só pela partilha se determinando aqueles em que se concretiza a quota-parte ou quinhão de cada interessado. II – Assim, o que ficou atribuído ao insolvente foi a possibilidade de poder exercer naquela universalidade jurídica um seu direito próprio perante os restantes interessados no quinhão hereditário que possui na herança, ilíquida e indivisa, aberta por óbito do seu pai, legitimando-o, se e quando assim o entender, a dar os passos necessários tendentes a haver para si a quota-parte dos bens determinados que integram tal herança. III - Enquanto se não constatar a efectiva titularidade de algum bem concreto que constitui o acervo da herança, os protegidos com esta venda não desfrutam do atinente direito sobre certo e determinado bem da herança. IV- Não incidindo a apreensão dos autos de insolvência sobre o imóvel que integra o quinhão hereditário do insolvente, mas sobre o direito àquele quinhão, não funciona a preferência que para o Banco apelante resulta da hipoteca que oportunamente constituiu sobre aquele imóvel, já que na liquidação dos autos nunca poderá ser vendido o imóvel em questão (art.º 174 | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam nesta Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I – RELATÓRIO Banco…, S.A., credor nos presentes autos em que é devedor/insolvente C…, notificado da sentença de verificação e graduação de créditos proferida, veio requerer a sua reforma/rectificação, sustentando que a referência na sentença a bens imóveis integrantes da massa e a graduação dos créditos para serem pagos pelo produto de bens imóveis só pode dever-se a mero lapso do tribunal em virtude não se encontrar apreendido qualquer imóvel. Tal pedido foi indeferido nos termos do despacho de fls. 156, do seguinte teor: «O tribunal proferiu a sentença em crise numa altura em que prossegue a liquidação da massa insolvente. Ignora por isso se irão ocorrer mais apreensões de bens dos que as realizadas até à data. Daí que, ao proferir a sentença reconheceu todas as preferências de pagamento invocadas, não se limitando aos bens até à data apreendidos. No caso de não ser apreendido qualquer imóvel, a graduação de créditos respeitante a bens imóveis não produzirá quaisquer efeitos no rateio. Não se verifica por isso fundamento para reforma ou rectificação da sentença. Por não ocorrer qualquer lapso manifesto». Simultaneamente com o pedido de rectificação/reforma da sentença, e por não se conformar com a sentença proferida, interpôs aquele credor recurso da mesma, tendo culminado a respectiva motivação com as conclusões que a seguir se transcrevem: «1. A sentença de verificação e graduação de créditos carece de fundamento fáctico e legal pelo que deve ser revogada. 2. Na sentença, o Tribunal deve verificar os créditos reclamados e graduá-los para serem pagos pelo produto dos bens apreendidos para a massa insolvente em atenção à ordem de preferência que resulte das garantias e privilégios de que eventualmente beneficiem. 3. O Tribunal a quo graduou os créditos reclamados para, entre os demais, serem pagos com preferência pelo produto dos bens imóveis integrantes da massa insolvente. 4. Nos autos, encontram-se apreendidos para a massa insolvente o quinhão hereditário por óbito do pai do Insolvente, Q…, de que faz parte o imóvel composto por casa de rés-do-chão, alpendre, dependência e logradouro, sito na Rua Prade n.º 170, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 1528 e inscrito na matriz sob o artigo 1253, a viatura automóvel da marca Ford, marca Mondeo, matrícula SO-86-EG, a máquina de Confecção, da marca Siruba, a máquina de ponto corrido, marca Siruba e duas máquinas de recobrimento, marca Yahmato, diverso mobiliário, designadamente duas mesas, quatro cadeiras e móvel de prateleira. 5. Não se encontra apreendido para a massa qualquer imóvel. 6. O que se encontra apreendido é o quinhão hereditário do insolvente por óbito do seu pai e do qual faz parte o prédio urbano, descrito na CRP sob o n.º 170 registado, sem determinação de parte ou direito, a favor do Insolvente, de M… (mãe do Insolvente) e de E… (Irmã do Insolvente). 7. Encontrando-se o referido imóvel no estado de indivisão, o Administrador de Insolvência só podia apreender - como efectivamente apreendeu - o quinhão hereditário e não o bem imóvel propriamente dito. 8. Para além do quinhão hereditário e dos restantes bens móveis melhor descritos no auto de apreensão, o Insolvente não possui qualquer outro bem. 9. Nos presentes autos não vai ser vendido qualquer bem imóvel mas sim o quinhão hereditário, pelo que a manter-se a graduação tal e qual como a mesma está decidida o produto que resultar da venda do quinhão não pode ser rateado. 10. Assim, andou mal o Tribunal a quo ao graduar os créditos reconhecidos para serem pagos “ (…) com preferência pelo produto dos bens imóveis integrantes da massa insolvente” uma vez que, conforme supra se deixou demonstrado, a massa insolvente não é constituída por qualquer bem imóvel. 11. A sentença recorrida deverá ser alterada por outra que verifique e gradue os créditos reclamados em relação aos bens e direitos efectivamente pertencentes ao Insolvente e apreendidos para a massa 12. A sentença recorrida viola os artigos 47º e 140º, todos do CIRE, pelo que deve ser substituída por outra que decida nos termos ora propugnados.» Termina pedindo a revogação da sentença e a sua substituição por outra que verifique e gradue os créditos reclamados em ordem aos bens e direitos efectivamente pertencentes ao insolvente e apreendidos para a massa. O Mm.º Juiz a quo indeferiu o pedido de reforma nos seguintes termos: Não houve contra-alegação. Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir. II – ÂMBITO DO RECURSO O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (arts. 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), tem como única questão a decidir a de saber se a sentença de verificação e graduação de créditos podia ter considerado na respectiva graduação a existência de um imóvel que integra o quinhão hereditário do insolvente por óbito de seu pai. III – FUNDAMENTAÇÃO A) OS FACTOS Com relevância para a decisão a proferir, importa ter em atenção a seguinte factualidade e dinâmica processual: 1. Nos autos encontram-se apreendidos para a massa insolvente os seguintes bens/direitos pertencentes ao insolvente: Verba nº 1: quinhão hereditário por óbito do pai do Insolvente, Q…, de que faz parte o imóvel composto por casa de rés-do-chão, alpendre, dependência e logradouro, sito na Rua Prade n.º 170, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 1528 e inscrito na matriz sob o artigo 1253; Verba nº 2: viatura automóvel da marca Ford, marca Mondeo, matrícula 50-86-EG; Verba nº 3: máquina de Confecção, da marca Siruba, máquina de ponto corrido, marca Siruba e duas máquinas de recobrimento, marca Yahmato, diverso mobiliário, designadamente duas mesas, quatro cadeiras e móvel de prateleira (cfr. auto de apreensão junto aos autos principais). 2. Na sentença de verificação e graduação de créditos, o Mm.ª Juiz a quo graduou os créditos reconhecidos pela forma seguinte: «1. A pagar com preferência pelo produto dos bens móveis integrantes da massa insolvente, pela ordem seguinte: 1.º Reclamados por L…, no montante de €5.134,00, e por S…, no montante de €9.984,00, rateadamente; 2.º Reclamado pelo Ministério Público, no montante de €4.123,93, respeitante a I.V.A. 3.º Reclamado pelo Instituto de Segurança Social, IP, no montante de €4.914,33. 2. A pagar com preferência pelo produto dos bens imóveis integrantes da massa insolvente, pela ordem seguinte: 1.º Reclamado por Banco…, S.A., no montante de €23.514,21, limitado ao produto da venda do prédio urbano no sítio do Eirado, Rua Padre Pereira, 170, freguesia de Forjães, concelho de Esposende, descrito na competente Conservatória do Registo Predial sob o n.º 1528 2.º Reclamado pelo Instituto de Segurança Social, IP, no montante de €4.914,33. 3. Os restantes créditos constantes da lista homologada, a serem pagos rateadamente pelo produto da liquidação da massa insolvente. 4. Os juros dos créditos referidos em III. 3. vencidos após a declaração da insolvência.» III – O DIREITO A questão colocada no presente recurso afigura-se de simples resolução, e bem podia ter sido resolvida pelo tribunal a quo através da reforma da sentença de verificação e graduação de créditos. É, na verdade, indiscutível que não se encontra apreendido para a massa insolvente qualquer bem imóvel, mas sim o direito ao quinhão hereditário que o insolvente possui na herança aberta por óbito de seu pai. «A herança é uma universalidade jurídica de bens, pelo que cada interessado não tem uma quota-parte em cada um de todos esses bens mas uma quota referida àquela universalidade, ao conjunto de todos os bens, só pela partilha se determinando aqueles em que se concretiza a quota-parte ou quinhão de cada interessado.»[1] Neste enquadramento doutrinal o que ao insolvente ficou atribuída foi a possibilidade de poder exercer naquela universalidade jurídica um seu direito próprio perante os restantes interessados no quinhão hereditário que possui na herança, ilíquida e indivisa, aberta por óbito do seu pai, legitimando-o, se e quando assim o entender, a dar os passos necessários tendentes a haver para si a quota-parte dos bens determinados que integram tal herança. Enquanto se não constatar a efectiva titularidade de algum (ou alguns) bem concreto que constitui o acervo da herança, os protegidos com esta venda não desfrutam do atinente direito sobre certo e determinado bem da herança[2]. Ora, no caso em apreço, integrando o imóvel em causa o acervo dos bens da herança do pai do insolvente, o administrador da insolvência só podia apreender – como de facto apreendeu[3] – o respectivo quinhão hereditário e não o imóvel propriamente dito. Nestes autos não vai ser vendido qualquer bem imóvel mas apenas o direito ao quinhão hereditário, pelo que se fosse mantida a graduação feita na sentença recorrida o produto resultante da venda daquele quinhão não podia ser rateado, o que não pode ser. Nem se argumente, como no despacho que indeferiu o pedido de reforma da sentença, que esta foi proferida quando ainda prossegue a liquidação da massa insolvente e que se ignora por isso se vão ocorrer mais apreensões de bens dos que as realizadas até à data, e daí que na sentença se tenham reconhecido todas as preferências de pagamento invocadas, não se limitando aos bens até à data apreendidos. A sentença de verificação e graduação de créditos há-de ter em conta a realidade dos bens existentes à data da sua prolação e não uma possível apreensão posterior de bens, sendo certo que a lei prevê e regula expressamente o caso de bens apreendidos tardiamente para a massa (art. 144º do CIRE). Daqui decorre, porém, uma outra realidade que não foi considerada pelo credor recorrente no presente recurso, e que tem a ver com a natureza do seu crédito. Consta da lista definitiva de credores junta pelo administrador da insolvência a fls. 133/134, que o crédito do recorrente está garantido por um mútuo com hipoteca. Porém, não é assim. Na verdade, não incidindo a apreensão dos autos sobre o imóvel que integra o quinhão hereditário do insolvente, mas sobre o direito àquele quinhão, não funciona a preferência que para o Banco apelante resulta da hipoteca que oportunamente constituiu sobre aquele imóvel, já que na liquidação dos autos nunca poderá ser vendido o imóvel em questão (art.º 174 do CIRE), pelo que o seu crédito terá de ser graduado como crédito comum. Tal não significa que os direitos resultantes da hipoteca designadamente a sequela se tenham extinto, posto que a liquidação do direito ao quinhão hereditário do insolvente tal como está aprendido nos autos, não incidindo sobre aquele imóvel, não belisca minimamente o direito do Banco apelante que os poderá fazer valer numa outra instância[4]. O recurso merece, pois, provimento, com a nuance referida. Sumário: I - A herança é uma universalidade jurídica de bens, pelo que cada interessado não tem uma quota-parte em cada um de todos esses bens mas uma quota referida àquela universalidade, ao conjunto de todos os bens, só pela partilha se determinando aqueles em que se concretiza a quota-parte ou quinhão de cada interessado. II – Assim, o que ficou atribuído ao insolvente foi a possibilidade de poder exercer naquela universalidade jurídica um seu direito próprio perante os restantes interessados no quinhão hereditário que possui na herança, ilíquida e indivisa, aberta por óbito do seu pai, legitimando-o, se e quando assim o entender, a dar os passos necessários tendentes a haver para si a quota-parte dos bens determinados que integram tal herança. III - Enquanto se não constatar a efectiva titularidade de algum bem concreto que constitui o acervo da herança, os protegidos com esta venda não desfrutam do atinente direito sobre certo e determinado bem da herança. IV- Não incidindo a apreensão dos autos de insolvência sobre o imóvel que integra o quinhão hereditário do insolvente, mas sobre o direito àquele quinhão, não funciona a preferência que para o Banco apelante resulta da hipoteca que oportunamente constituiu sobre aquele imóvel, já que na liquidação dos autos nunca poderá ser vendido o imóvel em questão (art.º 174 do CIRE), pelo que o seu crédito terá de ser graduado como crédito comum. IV – DECISÃO Termos em que acordam os Juízes desta Secção Cível em julgar procedente a apelação e, em consequência, alteram a decisão recorrida, procedendo à graduação dos créditos reconhecidos pela seguinte forma: a) a pagar com preferência pelo produto dos bens móveis integrantes da massa insolvente, onde se inclui o direito ao quinhão hereditário que o insolvente possui na herança aberta por óbito de seu pai[5]: 1º- os créditos reclamados por L…, no montante de € 5.134,00, e por S…, no montante de € 9.984,00, rateadamente; 2º - o crédito reclamado pelo Ministério Público referente a IVA, no montante de € 4.123,93; 3º - o crédito reclamado pelo Instituto de Segurança Social, IP, no montante de € 4.914,33. b) os restantes créditos constantes da lista homologada, entre eles o do banco recorrente, a serem pagos rateadamente pelo produto da liquidação. c) os juros dos créditos referidos em b), vencidos após a declaração da insolvência. * Custas pela massa insolvente, a serem pagas com prioridade aos créditos graduados, assim como todas as dívidas da massa insolvente a que alude o art. 51º do CIRE.* Guimarães, 5 de Junho de 2014 Manuel Bargado Helena Gomes de Melo Heitor Gonçalves _______________________________ [1] Ac. da RC de 15.03.1968, na Jurisp. Rel. 14-491, citado por Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, vol. II, 4ª ed. Almedina, Coimbra – 1990, p. 596 em nota de rodapé, que acrescenta ainda o seguinte. «Comentando-o diz a Rev. Trib. (87-127) que o Ac. está na razão. E, com efeito, como ele acentua, é pacífico o entendimento proclamado (Rev. Leg. Jur. 79-50; 80-33; 81-63; Acs. Sup. Trib. Just. De 9-7-1952 e 8-2-1963, no Bol. 35-303 e 124-668; Ver. Trib. 84-196).» [2] Cfr. Ac. do STJ de 09.02.2012 (Silva Gonçalves), proc.2752/07.8TBTVD.L1.S1, in www.dgsi.pt, citado igualmente pelo recorrente. [3] Cfr. a exposição do administrador da insolvência de fls. 129 verso, a propósito de reclamação apresentada pelas trabalhadoras reclamantes. [4] Cfr. Ac. da RL de 14.06.2012 (Vaz Gomes), proc. 8771/09.2T2SNT-D.L1-2, in www.dgsi.pt. [5] Cfr. art. 205º, nº 1, do Código Civil. |