Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3205/08.2TBGMR.G1
Relator: EDGAR GOUVEIA VALENTE
Descritores: PROPRIEDADE
ÁRVORE
DEVER DE VIGILÂNCIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/23/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I - Os proprietários de prédios onde estão implantadas árvores têm, dentro dos seus deveres de vigilância (como detentores da coisa), a obrigação específica de anular todas as circunstâncias que propiciem a queda daquelas e devem demonstrar, caso uma delas caia e provoque danos a terceiros, que a mesma estava sã e que exerceram uma fiscalização técnica regular, apropriada e adequada à conservação do conjunto arbóreo implantado na sua propriedade.
II – Os cuidados genéricos como o abate de árvores e verificação de sinais de degradação são insuficientes, só por si, para afastar a presunção de culpa prevista no artº 493º, nº 1 do Código Civil.
III - Tratando-se de árvores passíveis de cair na via pública (e causar danos pessoais e patrimoniais a quem aí circule ou que aí se encontre ou mantenha bens), existe uma acrescida medida de cuidado, que deve ser concretizada na adopção de medidas (por exemplo, aterro do local onde as árvores se encontram, travamento das mesmas – especialmente se se tratar de árvores de grande porte, ou seja, notoriamente mais susceptíveis de cair, dada a maior área de exposição aos elementos - ou até, em determinadas circunstâncias, o próprio corte das árvores) que evitem, quanto ao conjunto e cada uma das árvores em causa, que provoquem danos a outrem.
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes da segunda secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

1 – Relatório.
A.. instaurou acção declarativa sob a forma de processo sumário contra J.. e esposa M.., pedindo a condenação dos RR a pagarem-lhe a quantia de € 10.486,05, acrescida de juros à taxa legal, a contar da citação, bem como procuradoria, custas judiciais e demais legal.
Alega para o efeito e em síntese que uma árvore propriedade dos réus se abateu sobre um seu veículo e o portão de acesso à sua casa, provocando-lhe danos no valor indicado e cujo ressarcimento peticiona nos autos.
Os Réus contestaram por excepção (propriedade apenas da ré M.. - e não do réu J.. - do prédio - e em parte, ou seja, 1/7 - onde se encontrava a árvore que alegadamente terá provocado os danos) e por impugnação (de alguns dos factos alegados pelos AA), entendendo que a acção ser julgada não provada e totalmente improcedente, absolvendo-se os RR. do pedido, ou, caso assim se não entenda, que seja julgada parcialmente procedente por a R não poder ser condenada em proporção superior à da sua quota do direito de compropriedade de que é titular.
Foi julgado procedente o incidente de intervenção provocada de A.., B.., C.., D.., E.. e também de F.. e G.., estes como sucessores de H.. e I.., tendo sido determinado, em consequência, o chamamento dos mesmos à causa como associados dos RR.
Proferiu-se despacho saneador e foi, ao abrigo do disposto no artº 787º, nº 2 do CPC, dispensada a selecção da matéria de facto.
Após isso, as partes ofereceram os seus meios de prova, requerendo o A a gravação da audiência de discussão e julgamento.
Após, foram (por decisão de 08.11.2011) declarados judicialmente habilitados M.., M.. e B.., para contra eles prosseguir a presente acção, atenta a qualidade de sucessores do réu I.., entretanto falecido.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento.
Foi proferida decisão sobre a matéria de facto.
De seguida, foi proferida sentença, onde se decidiu julgar a acção parcialmente procedente, condenando os RR, solidariamente, no pagamento ao autor da quantia de € 6.000,00, acrescida de juros a contar da citação até integral pagamento, tendo sido os RR do mais peticionado absolvidos.
Inconformados com a sentença, os RR interpuseram recurso contra a mesma, concluindo a sua alegação da forma seguinte (transcrição):
1 - Deverá ser alterada a resposta dada aos factos constantes do artº 3º da p.i. (al. c) dos factos provados) passando a ter a resposta: “Provado apenas que os Réus M.., H.., I..; A..; B..; C..; D.. e E.. são donos e legítimos possuidores de um prédio rústico composto por bouça de eucaliptal adjacente à indicada Rua e em frente à residência do Autor.”
2 - Deverá ser alterada a resposta dada à matéria constante dos artºs 21º e 22º (alíneas n) e o) da inicial passando os mesmos a ter a seguinte resposta: Não provado;
3 - A factualidade alegada pelo Autor, no sentido que a árvore em questão tinha crescido de um rebento e que por isso era frágil e que a mesma tinha sido atingida por um incêndio, não se provou, pelo que a culpa que o Autor diretamente tentava fazer incidir sobre os RR. ficou por demonstrar.
4 - A factualidade provada aponta no sentido de os RR. terem adotado medidas concretas no sentido de evitar o dano ocorrido, no que respeita ao cumprimento do dever de vigilância relativamente quer à bouça, quer à árvore que caiu, sendo que nada mais se lhes poderia exigir com vista a prevenir os danos que tal queda de árvore provocou.
5 - A própria sentença admite que a árvore se encontrava exteriormente em boas condições e que nada fazia prever a sua queda.
6 - É do conhecimento geral que a chuva (e ainda mais se for muito forte como é o caso) provoca o amolecimento do terreno sendo que os ventos, em tais circunstâncias são adequados em tal amolecimento a provocar as deslocações de raízes.
7 - Tendo os RR. cumprido plenamente o seu dever de vigilância, adotando as medidas concretas que resultaram provadas e que na manhã em que ocorreu a queda da árvore se verificaram condições atmosféricas particularmente adversas, aqueles nenhuma culpa tiveram na produção dos danos e, assim, a presunção de culpa que sobre eles impendia encontra-se ilidida, pelo que nenhuma responsabilidade lhes poderá ser imputada.
8 - Ao decidir de outra forma a Mma. Juiz "a quo" fez uma interpretação errada dos factos dados como provados e da própria lei, não aplicando ao caso concreto o disposto no artº 493°, n.º 1 do CCivil, fazendo recair sobre o proprietário um dever de vigilância para lá do exigível.
9 - Não se tendo feito prova acerca dos montantes alegadamente despendidos pelo Autor para reparação do veículo e do portão, ainda que se concluísse pela responsabilidade dos RR, sempre a ação teria de improceder, pois que nenhuma prova se fez dos danos patrimoniais supostamente sofridos pelo Autor.''
Terminam pedindo que à apelação seja concedido provimento, revogando-se a decisão recorrida, julgando-se não provada e improcedente a acção.
Foram oferecidas contra-alegações.
Colhidos os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
2 – Questões a decidir.
Questões a decidir tendo em conta o objecto do recurso delimitado pelos recorrentes nas conclusões das suas alegações (artigos 684º, nº 3 e 685º-A números 1 e 3, ambos do CPC, na redacção aplicável a estes autos), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso:
A - Impugnação da matéria de facto;
B – Determinação da responsabilidade dos RR.

3 – Fundamentação.
II – Apreciação das pretensões.
A - Da impugnação da matéria de facto.
Os RR impugnam que se tenha dado como provada a propriedade do imóvel (onde se encontrava a implantada a árvore que caiu nos bens do A) também pelo réu J.. e que se tenham dado como provados os valores de 4.900,00 e 1.100,00 respectivamente pela reparação do veículo do autor e pela reparação do portão.
O quadro normativo que regula a impugnação da matéria de facto é o seguinte:
Artigo 712.º [1]
Modificabilidade da decisão de facto
1 - A decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação:
a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 685.º-B, a decisão com base neles proferida;
b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas;
c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.
2 - No caso a que se refere a segunda parte da alínea a) do número anterior, a Relação reaprecia as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações de recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.
3 - A Relação pode determinar a renovação dos meios de prova produzidos em 1.ª instância que se mostrem absolutamente indispensáveis ao apuramento da verdade, quanto à matéria de facto impugnada, aplicando-se às diligências ordenadas, com as necessárias adaptações, o preceituado quanto à instrução, discussão e julgamento na 1.ª instância e podendo o relator determinar a comparência pessoal dos depoentes.
4 - Se não constarem do processo todos os elementos probatórios que, nos termos da alínea a) do n.º 1, permitam a reapreciação da matéria de facto, pode a Relação anular, mesmo oficiosamente, a decisão proferida na 1.ª instância, quando repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto ou quando considere indispensável a ampliação desta; a repetição do julgamento não abrange a parte da decisão que não esteja viciada, podendo, no entanto, o tribunal ampliar o julgamento de modo a apreciar outros pontos da matéria de facto, com o fim exclusivo de evitar contradições na decisão.
5 - Se a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa não estiver devidamente fundamentada, pode a Relação, a requerimento da parte, determinar que o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados ou repetindo a produção da prova, quando necessário; sendo impossível obter a fundamentação com os mesmos juízes ou repetir a produção da prova, o juiz da causa limitar-se-á a justificar a razão da impossibilidade.
Artigo 685.º-B [2]
Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto
1 - Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 522.º-C, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição.
3 - Na hipótese prevista no número anterior, incumbe ao recorrido, sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, proceder, na contra-alegação que apresente, à indicação dos depoimentos gravados que infirmem as conclusões do recorrente, podendo, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição.
4 - Quando a gravação da audiência for efectuada através de meio que não permita a identificação precisa e separada dos depoimentos, as partes devem proceder às transcrições previstas nos números anteriores.
5 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 684.º-A.

A amplitude dos poderes da Relação de reavaliação da prova produzida em 1ª instância é matéria controvertida e objecto de correntes jurisprudenciais distintas [3], umas mais restritivas e formais nas possibilidades de reapreciação em concreto daquele acervo probatório, outras mais amplas, permitindo, em termos mais ou menos alargados, tal reapreciação, que a gravação electrónica dos depoimentos veio permitir.
Entendemos que a riqueza e diversidade das situações da vida real impõem que a referida amplitude possa assumir uma geometria variável que levará em conta as circunstâncias da forma e do conteúdo da impugnação.
Assim, sem qualquer escopo de exaustividade, podemos descortinar várias tipologias de fundamentos impugnatórios dos factos dados como provados: (i) existência de prova em contrário ou de contraprova; (ii) divergência insanável quanto ao conteúdo da prova produzida; (iii) credibilidade do meio de prova; (iv) divergência quanto à força probatória atribuída (ou não) a determinado meio de prova.
O traço que une todas as hipóteses de impugnação normativamente escorada da matéria de facto provada é a existência de um erro de julgamento daquela decisão:''[p]or isso, não bastará uma qualquer divergência na apreciação e valoração da prova para determinar a procedência da impugnação (…).'' [4]
Tal entendimento decorre inequivocamente da expressão ''concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida'' constante do artº 685º-B, nº 1, alínea b) do CPC acima reproduzido e que indica um dos ónus dos recorrentes que impugnam a matéria de facto dada como provada pela 1ª instância: A tónica hermenêutica quanto a este ónus da impugnação da matéria de facto deve ser colocada no termo ''impunham''. Desde logo, deve sublinhar-se que não basta que aquela prova permita decisão diversa – é necessário que a imponha. ''Na reapreciação da prova não basta (…) que as provas permitam, dentro da liberdade de apreciação das mesmas, uma conclusão diferente. A decisão diversa a que aludem os artºs 690º-A, nº 1, al. b) e 712º, nº 1, al. a) e b) terá que ser a única ou, no mínimo, com elevada probabilidade e não apenas uma das possíveis dentro da liberdade de julgamento.'' [5]
A não se entender como supra se descreveu, a impugnação da matéria de facto não constituiria um verdadeiro recurso, como sucede no nosso direito constituído, mas antes um meio processual de provocar uma repetição, ainda que parcial, do julgamento da matéria de facto.
Expostas as considerações genéricas que antecedem sobre a impugnação da decisão da matéria de facto e que iremos ter em consideração vejamos os pontos cujas respostas são impugnadas pelos recorrentes:
1 – Ponto c) dos factos provados.
Coloca-se em causa que o réu J.. seja (também) co-proprietário do prédio onde se encontrava o eucalipto que caiu. Invoca-se, para o efeito, que o prédio foi adquirido por sucessão ocorrida por morte de F.. pelo, que, atento o regime de bens do casamento daquele com a ré M.. (comunhão de adquiridos), aquele é um bem próprio dela.
Vejamos.
Estão vedadas ao tribunal as respostas sobre questões de direito, considerando-se as mesmas ''não escritas'', nos termos do artº 646º, nº 4 do CPC.
Ser dono de uma coisa é expressão equivalente a ser proprietário e é (apenas) proprietário quem adquiriu a coisa pelos modos recortados na lei. (artº 1316º do CC)
No caso dos autos, a delimitação subjectiva da (com)propriedade do prédio é matéria controvertida e, assim, constituindo objecto do processo, não pode entender-se a expressão ser ''dono'' de um prédio (apenas) na sua acepção factual, destituída de relevância jurídica, traduzindo uma verdadeira questão de direito. Aliás, os RR, para fundamentarem a conclusão de que o R não é comproprietário do prédio em causa, tiveram necessidade de interpretar normas jurídicas.
Consequentemente, ao abrigo da citada norma, tem-se como não escrito o facto provado c) no que respeita ao réu J...
2 – Pontos n) e o) dos factos provados.
Insurgem-se os RR contra a prova destes factos, fundamentalmente o valor das reparações dos danos causados no veículo e portão do autor.
Alinham fundamentalmente os seguintes argumentos:
Não existem quaisquer documentos comprovativos do pagamento de tais montantes, sendo certo que os orçamentos juntos pelo autor eram de valor superior; apenas uma testemunha (o filho do autor), cujo depoimento transcrevem, se refere ao pagamento de tais reparações, sendo certo que não revelou saber o valor exacto alegadamente gasto por seu pai nas aludidas reparações.
Vejamos.
Quanto à inexistência de documentos que ilustrem (''comprovem'') o valor das reparações, é incontroverso que a lei não exige [6] que a prova de tal facto seja feita necessariamente através de documento, sendo a prova por testemunhas legalmente admitida (cfr. artigos 392º e 393º do CC) e cuja força probatória é apreciada livremente pelo tribunal, de acordo com o disposto no artº 396º do CC.
Por outro lado, a estranheza manifestada pela inexistência de recibos das reparações não nos parece fundada, pois, infelizmente, no nosso país, a ''informalidade fiscal'' leva a que seja frequente existirem preços diferenciados ''com e sem factura'', o que leva os clientes a optarem pela solução sem factura, pagando menos. Esta é a realidade e não é esta a sede própria para sindicar tais práticas comerciais. De qualquer forma, mesmo independentemente da aludida prática, pode o cliente não ter qualquer interesse no recibo ou factura do serviço prestado, sem que isso revele qualquer postura anormal, que possa, desacompanhada de outras circunstâncias, ter quaisquer reflexos probatórios no que respeita à prestação daquele serviço.
Quanto à não prova dos valores dos orçamentos juntos pelo autor, é com alguma perplexidade que avaliamos a estranheza manifestada pelos RR relativamente à circunstância de ter sido dada como provada uma quantia gasta em reparações inferior à peticionada (e orçamentada), que conduziu a um resultado processual objectivamente mais favorável aos RR (condenação em quantia inferior).
Por último, quanto à relevância atribuída pelo tribunal a quo à prova testemunhal produzida, entendemos como incontroverso que a circunstância de apenas uma testemunha ter deposto sobre o valor das reparações não enfraquece necessariamente o respectivo valor probatório, encontrando-se há muito afastado o brocardo testis unis, testis nullus. Por outro lado, a circunstância de a testemunha ser filho do autor pode ser considerada irrelevante, desde que tenha sido efectuada uma ''criteriosa utilização do princípio da livre apreciação das provas, assentando em fundamentos racionais(...).[7]
Vejamos, pois, qual o iter seguido pelo tribunal a quo para fundamentar a prova daqueles factos: ''Quanto ao valor despendido pelo autor na reparação do automóvel e portão valeu-se o tribunal do conjunto da prova resultante, das fotografias de fls. 15, 17, 23 e 24 do teor de todos os anteriores depoimentos [A.., J.., F.. e P..] que deram como certa a ocorrência dos mesmos e o teor de fls. 19 a 21. Estes últimos documentos reportam-se a orçamentos para a reparação do veículo e portão. Como referiu testemunha P.. (não obstante ser filho do autor prestou um depoimento que se nos afigurou isento e credível), as reparações em apreço não foram efectuadas de acordo com tais documentos, orçamentos, porque muito dispendiosos. Explicou que o pai, ainda teve o carro parado cerca de um ano e alguns meses por reparar, face ao valor do orçamento. Porém, por falta de meios económicos optou, por sugestão do dono da oficia auto onde o veiculo foi avaliado, que a reparação fosse feita com peças usadas e com a substituição de metade do carro. Assim fez o autor. Comprou na sucata uma metade de um veículo da mesma marca e modelo e efectuou a substituição, sendo que o custo dessa metade ascendeu a € 3.400,00 e a mão-de-obra a € 1500,00. Já a reparação do portão ficou em € 1.100,00.''
Sublinham os recorrentes que a testemunha P..não revelou saber qual o valor exacto alegadamente gasto pelo seu pai nas reparações.
Atendendo ao teor do depoimento da testemunha P.., cuja gravação este tribunal ouviu, destacam-se, relativamente a este específico aspecto, as seguintes passagens: relativamente à aquisição da traseira do automóvel no sucateiro, em resposta à pergunta sobre o respectivo custo, respondeu ''cerca de € 1.500,00 aproximadamente'' (8' e 04''); relativamente ao custo dos demais trabalhos de reparação do veículo, respondeu ''cerca de €3.400,00 aproximadamente, pagados faseados'' ou seja, um total de ''€4.900,00, aproximadamente sim'' (8' e 44''); quanto `reparação do portão, respondeu ''foram mais ou menos €1.100,00, mil e qualquer coisa euros'' (14' e 27'').
Do exposto flui que efectivamente a testemunha não afirmou um valor exacto pago pelo pai pelas reparações em causa, mas apenas valores aproximados. Significará tal imprecisão que se deverá considerar este depoimento totalmente imprestável para fundamentar uma resposta à matéria de facto quanto ao valor daquelas reparações? Entendemos que não. Em primeiro lugar, porque tais valores (quanto à reparação do veículo) até são, como sublinhámos supra, substancialmente inferiores aos orçamentados, ou seja, denotam uma preocupação de contenção de custos. Por outro lado, os demais elementos de prova apontados na decisão (e basta atentar nas fotografias juntas aos autos) já sugerem danos de importância significativa (estamos perante a queda de uma árvore de grande porte num automóvel e num portão); por último, o depoimento de valores aproximados não significa que os mesmos não tenham sido até superiores, indicam apenas a ideia com que a testemunha ficou relativamente aos mesmos, imprecisão que, até considerando o decurso do tempo, se afigura como absolutamente compreensível, sendo certo que, nos termos do depoimento, foram quantias pagas pelo pai da testemunha e não pelo próprio.
Ainda no que respeita à forma do depoimento, também a este tribunal (ainda que com as limitações da mediação e do conteúdo da gravação se reduzir aos aspectos verbais de meio de prova) pareceu ''isento e credível'', prestado de forma serena e objectiva.
Deste modo, analisada criticamente a prova pessoal invocada pelos recorrentes e a restante prova produzida, conclui-se não ter ocorrido qualquer erro de apreciação e valoração da prova, pelo que se mantém a resposta positiva relativamente à prova dos factos em causa.
I – Mostram-se, assim, provados os seguintes factos:
''a - O autor é dono e possuidor do prédio urbano sito na dita Rua .., inscrito na respetiva matriz sob o artº .., e descrito na Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o descrito nº .. – Guardizela e aí registado a favor dos autores sob a inscrição G-1.
b - O autor é dono e possuidor do veículo automóvel de marca BMW, modelo 318 TDS, cuja matrícula é ..IP.
c - Os réus M.., M.., I.., A.., B.., C.., D.. e E.. são donos e legítimos possuidores de um prédio rústico composto por bouça de eucaliptal adjacente à Rua e em frente à residência do autor.
d - Já depois do sinistro, ao adiante referido mandaram cortar os eucaliptos na parte do terreno mais próximo da Rua referida.
e - Após o corte de eucaliptos e após o sinistro em apreço nos autos, os réus autorizaram um aterro que cobriu de terra a parte mais próxima da Rua.
f - O prédio identificado em a) foi objeto de corte de eucaliptos há cerca de cinco anos.
g - Os réus não retiraram ou mandaram retirar, os respetivos reizeiros, tendo florescido rebentos.
h - Os rebentos cresceram e tornaram-se eucaliptos altos.
i - Em 06.10.2005, ocorreu um incêndio na bouça, ficando vários eucaliptos queimados, designadamente, eucaliptos adjacentes à Rua.
j - No dia 30 de Março do ano de 2008, um eucalipto adjacente á Rua caiu sobre o veículo do autor poucos minutos após a sua imobilização na berma.
k - Esse eucalipto atingiu também na queda o portão da residência do autor.
l - Depois da aludida queda do eucalipto sobre os bens do autor, os réus cortaram os eucaliptos nascidos dos reizeiros afetados pelo referido incêndio.
m - Como consequência direta da queda do eucalipto resultaram danos na viatura do autor, designadamente, cúpula, estrutura do teto, tejadilho, painel, tampa da mala, dobradiça, portas de trás esq., vidro óculo, vidro porta trás esq., vidro porta trás esq. Peq., forra de trás, amortecedor traseiro, vidro óculo, friso do vidro óculo, quite cola do vidro óculo e parabrisas, farolim trás dr., lateral, reforço, reforço, reforço, plástico coluna, plástico coluna, guia da porta vidro, friso do friso, raspador, raspador int. borracha porta forro tampa, emblema, diversos, pintura mão de obra friso parabrisas, reforço interior traseira, borracha tampa da mala, quite de frisos, borracha tejadilho, borracha da porta, revestimento da porta, serviço de estofador, alinhamento de direção.
n - Na reparação do veículo, o autor despendeu € 4.900,00.
o - Como consequência direta da queda do eucalipto sobre o portão resultaram danos cuja reparação demandou a substituição do braço do automatismo tendo o custo da reparação importado em € 1.100,00.
p - Por sucessão por morte de A.., a aqui Ré esposa bem como H.. casada no regime da comunhão geral com I..; A.., B..; C..; D.. e E.. adquiriram o prédio rústico de terreno eucaliptal sito no Lugar .., Guardizela, Guimarães - prédio mencionad em a).
q - Entretanto, vieram a falecer os referidos H.. e marido I.., tendo-lhes sucedido F.. e G...
r - Os RR. casaram sem convenção antenupcial em 15/12/1968.
s - O aterro referido foi efetuado por um vizinho devidamente autorizado pela Ré.
t - Como um dos sete comproprietários do terreno em questão, o Réu procede, com relativa periodicidade, ao abate de árvores.
u - Na verdade, nos últimos três anos, 2006, 2007 e 2008, a Ré sempre procedeu ao abate de eucaliptos, zelando assim pela conservação do terreno e verificando se havia árvores que mostrassem sinais de degradação.
v - No dia da ocorrência do sinistro, na freguesia de Guardizela concelho de Guimarães, o céu apresentou-se muito nublado, o vento soprou fraco a moderado e ocorreram períodos de chuva, por vezes forte, passando a regime de aguaceiros fracos; a chuva forte ocorreu durante o final da madrugada sendo a quantidade de precipitação de 12 a 15 mm, a qual ocorreu entre as 05 e as 07 horas locais.''
B – Determinação da responsabilidade dos RR.
B-1. Delimitação subjectiva prévia.
Os RR J.. e M..a casaram, sem convenção antenupcial, em 15.12.1968. (facto provado r))
Mostra-se também provado que por sucessão por morte de F.., a ré M.. bem como H.., casada no regime da comunhão geral com I.., A.., B.., C.., D.. e E.. adquiriram o prédio em causa. (facto provado p))
Segundo o artº 1717º do CC, na falta de convenção antenupcial o casamento considera-se celebrado sob o regime da comunhão de adquiridos. Este é o regime aplicável à situação dos autos, uma vez que, quando o casamento foi celebrado, já o CC de 1967 estava em vigor. [8]
Consequentemente, e uma vez que são bens próprios de cada um dos cônjuges os bens que lhes advierem depois do casamento por sucessão ou doação (cfr. artº 1722º, nº 1, alínea b) do CC), o prédio em causa (adquirido por sucessão após o casamento – cfr. documento de fls. 64) é bem próprio daquela ré e não pertence ao réu José Carlos Ferreira da Silva.
B-2. Os elementos da responsabilidade.
Na perspectiva dos recorrentes, foi ilidida a presunção de culpa estabelecida pelo artº 493º, nº 1 do CC.
Vejamos.
No âmbito da responsabilidade civil por factos ilícitos, a obrigação de indemnizar assenta nos seguintes pressupostos: facto voluntário do agente; ilicitude; culpa; dano; nexo de causalidade entre o facto e o dano.
No que tange à culpa, consubstanciando a mesma um dos pressupostos do direito à indemnização, cabe ao lesado, como credor, fazer a respectiva prova, de acordo com o disposto, quer nos termos gerais (artº 342º, nº 1 do CC), quer de acordo com a disciplina específica da responsabilidade delitual (artº 487º, nº 1 do CC).
Porém, nos termos do artº 493º, nº 1 do CC, epigrafado ''danos causados por coisas, animais ou actividades'', quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar, e bem assim quem tiver assumido o encargo da vigilância de quaisquer animais, responde pelos danos que a coisa ou os animais causarem, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua. [9]
Estamos aqui, pois, perante uma das excepções (legais) ao regime geral de que é ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, ou seja, perante uma presunção legal de culpa. [10]
Nas situações recortadas pelo normativo em causa, o lesado está, pois, dispensado legalmente de provar os factos referentes à culpa, cabendo-lhe tão-só a prova dos demais pressupostos [11] da responsabilidade civil por factos ilícitos.
De acordo com recorte subjectivo daquela disposição impende sobre o detentor da coisa (ie, quem tem o(a) respectivo(a) controle / disponibilidade física / material) o dever de a vigiar, sendo que ''[n]ormalmente a obrigação de vigilância recairá sobre o proprietário da coisa (…)''.[12]
Vejamos, pois, as circunstâncias do caso relevantes.
Desde logo, não se tendo provado que o réu J.. seja proprietário do prédio onde a árvore que provocou os danos se encontrava ou que tivesse o mesmo em seu poder com o dever de o vigiar, mostra-se afastada, in limine, a sua responsabilidade. [13]
Por outro lado, segundos os RR (ora apelantes), os factos – circunstâncias – provados sob as alíneas t), u) e v) traduzem a adopção de ''medidas concretas no sentido de evitar o dano ocorrido, no que respeita ao cumprimento do dever de vigilância relativamente, quer à bouça, quer à árvore que caiu'', ''encontrando-se ilidida a presunção de culpa que sobre eles recaía''.
Recorde-se que de acordo com os dois primeiros factos referidos, os RR procederam ao abate de árvores e, especificamente, nos anos de 2006, 2007 e 2008 (ou seja, no ano da queda do eucalipto e nos dois anos antecedentes) procederam ao abate de eucaliptos, zelando assim pela conservação do terreno e verificando se havia árvores que mostrassem sinais de degradação.
Será que tais circunstâncias permitem afastar a culpa presumida dos RR?
Entendeu-se na douta sentença recorrida que não, posição que também subscrevemos.
Com efeito, tinham os RR, dentro dos seus deveres de vigilância (como detentores da coisa), a obrigação específica de anular todas as circunstâncias que propiciassem a queda da árvore, demonstrando que a mesma estava sã e que exerceram uma fiscalização técnica regular, apropriada e adequada à conservação do conjunto arbóreo implantado na sua propriedade. [14]
Assim, os cuidados dados como provados (abate de árvores e verificação de sinais de degradação) são insuficientes para afastar a presunção de culpa. Como se sublinha (de forma inteiramente correcta) na decisão recorrida, do facto de a árvore apresentar exteriormente um bom estado vegetativo, confirmando-se que o lenho se encontrava em boas condições, não pode extrair-se que aquela árvore não necessitava de qualquer intervenção por parte dos proprietários. É que as boas condições vegetativas e do lenho não traduzem todas as circunstâncias passíveis de influenciar a queda da árvore: não é necessário que se evidenciem quaisquer circunstâncias externas de queda iminente da árvore para que exista o ónus de adopção de medidas que a evitem. Mais especificamente, entendemos que, tratando-se de árvores passíveis de cair na via pública (e causar toda a espécie de danos pessoais e patrimoniais a quem aí circule ou que aí se encontre ou mantenha bens), existe uma acrescida medida de cuidado, que deve ser concretizada na adopção de medidas (por exemplo, aterro do local onde as árvores se encontram – que foi efectivamente feito após a queda da árvore, cfr. facto provado e) - travamento das árvores – recorde-se que árvore em causa era de grande porte, ou seja, notoriamente mais susceptível de cair, dada a maior área de exposição aos elementos - ou até, em determinadas circunstâncias, o próprio corte das árvores) que evitem, quanto ao conjunto e cada uma das árvores em causa, que provoquem danos a outrem.
Vaz Serra [15] , citando Domat [16], diz-nos que ''o vínculo fundamental que reúne os homens em sociedade, não só lhes proíbe que que ofendam por si mesmos os seus semelhantes, como os abriga ainda a ter todas as suas coisas em tal estado que ninguém possa ser ofendido na pessoa, nem danificado na fazenda.''
Pode afirmar-se que terá sido precisamente esta preocupação com os danos que as coisas de cada um pode provocar no património ou na pessoa de terceiros, que os RR vieram (ainda que só a posteriori) a exteriorizar, ao, já depois do sinistro, terem mandado cortar os eucaliptos na parte do terreno mais próximo da via pública. (facto provado d)
Por último, os recorrentes afirmam que na manhã em que se verificou o sinistro as condições atmosféricas foram particularmente adversas e não normais, o que provoca o amolecimento do terreno e deslocações de raízes. É certo que, de acordo com o facto provado v), no dia da ocorrência do sinistro, na freguesia de Guardizela concelho de Guimarães, o céu apresentou-se muito nublado, o vento soprou fraco a moderado e ocorreram períodos de chuva, por vezes forte (esta última ocorreu ocorreu entre as 0500 e as 0700 horas locais, sendo a quantidade de precipitação de 12 a 15 mm), passando a regime de aguaceiros fracos. No entanto, não lograram os recorrentes demonstrar (como também correctamente se refere na sentença recorrida) que a queda da árvore se tenha devido a qualquer acontecimento meteorológico anormal para a época. Aliás, dada a região do País em causa, entendemos como notoriamente normal a ocorrência de chuvas fortes em Março...
Em síntese, mostra-se jurídica e facticamente escorada a responsabilidade dos RR, nos termos definidos na sentença recorrida, que se deve manter, inclusive quanto ao montante dos danos, dada a improcedência da impugnação da matéria de facto, como vimos.
Assim, deve concluir-se, pela procedência parcial do recurso quanto à responsabilidade do réu José Carlos Ferreira da Silva, que se afasta, uma vez que não se provou a sua qualidade de comproprietário, confirmando-se a decisão recorrida quanto ao demais.

4 – Dispositivo.

Pelo exposto, os juízes da segunda secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto, revogando a decisão relativamente à condenação do réu J.., absolvendo-se o mesmo do pedido e confirmar, quanto ao demais, a sentença recorrida.

Custas do recurso de apelação a cargo dos recorrentes (com exclusão do recorrente José Carlos Ferreira da Silva), sendo a taxa de justiça fixada de acordo com a tabela I-B, anexa ao Regulamento das Custas Processuais.
Guimarães, 23 de Outubro de 2012
Edgar Gouveia Valente [17]
António Beça Pereira
Paulo Duarte Barreto
[1] Do CPC.
[2] Do mesmo Código.
[3] Podemos encontrar o levantamento de algumas decisões que ilustram tais correntes em António Santos Abrantes Geraldes – Reforma dos Recursos em Processo Civil, Revista Julgar, nº 4, página 72 a 76
[4] Acórdão da Relação de Coimbra de 17.04.2012 proferido no processo 1483/09.9TBTMR,C1 e disponível em www.dgsi.pt.
[5] Acórdão da Relação de Évora de 03.11.2011 proferido no processo 329/05.1TBSLV e disponível em www.dgsi.pt.
[6] Como acontece, por exemplo, quanto à forma da declaração negocial em certos casos, cfr. artº 364º, nº 1 do CC.
[7] Acórdão da Relação de Coimbra de 17.04.2012 acima citado.
[8] O actual CC entrou em vigor no dia 01.06.1967, cfr. artº 2º, nº 1 do DL 47344, de 25.11.1966.
[9] Itálico e bold da nossa autoria.
[10] Cfr. Antunes Varela in Das Obrigações em Geral,, 6ª edição, Coimbra, 1989, p. 560.
[11] De acordo com o Acórdão da Relação de Coimbra de 24.04.2012 proferido no processo 347/11.0TJCBR.C1 e disponível em www.dgsi.pt, demonstrada pelo lesado a existência do dano e do nexo causal entre este e a coisa detida, fica igualmente provado o facto ilícito, uma vez que este fica preenchido com a ofensa não consentida pela ordem jurídica ao direito de propriedade do lesado.
[12] Assim, Luís Manuel Teles de Meneses Leitão in Direito das Obrigações, Volume I, 4ª edição, Coimbra, 2005, página 308.
[13] Pelo que as referências aos RR infra dirão respeito (apenas) aos demais RR.
[14] Neste sentido, em parte também referenciado na decisão recorrida, vide Acórdão do STJ de 27.05.1997 in ASTJ, CJ, Ano V, Tomo II, página 107.
[15] Responsabilidade pelos Danos Causados por Coisas ou Actividades, BMJ nº 85, página 369.
[16] Lois Civiles, III, página 208 da tradução italiana, cit. por De Cupis, Il Danno, Teoria Generale della Responsabilità Civile.
[17] Relator.