Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | JOÃO LEE FERREIRA | ||
Descritores: | PENA ACESSÓRIA MEIOS DE CONTROLO À DISTÂNCIA FISCALIZAÇÃO DO CUMPRIMENTO | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 09/21/2015 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | JULGADO PROCEDENTE | ||
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Sumário: | A utilização de meios de vigilância electrónica do cumprimento da uma pena acessória de proibição de contacto com a vítima (artº 152º, nºs 4 e 5 do CP) depende, não só da verificação de um concreto juízo de imprescindibilidade dessa medida para a protecção da vítima, mas também da obtenção de consentimento do arguido, da vítima e das pessoas que vivam com o agente ou a vítima e das que possam ser afectadas pela permanência obrigatória do arguido ou do agente em determinado local. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes da secção penal do Tribunal da Relação de Guimarães,
1. Nestes autos 572/14.2GBBCL, o Exmº juiz da secção criminal da instância local de Barcelos da comarca de Braga, proferiu em 18 de Maio de 2015 o seguinte despacho (transcrição) : “Por sentença já transitada em julgado, veio o arguido Freitas S. a ser condenado, além do mais, na pena acessória de proibição de, por qualquer forma, contactar e/ou se aproximar da ofendida Maria B., incluindo a proibição de se deslocar ou aproximar da sua residência e do seu local de trabalho, pelo período de 3 anos, nos termos do disposto no art. 152.°, n.° 4 e 5 do Código Penal. Comunique a sentença proferida nos presentes autos, sem dados nominativos, nos termos e para os efeitos previstos no art. 37° da Lei n° 112/2009, de 16/09, para os endereços electrónicos conhecidos (de acordo com a divulgação n° 29/12, do CSM). Proceda-se à recolha de amostras biológicas ao arguido para inserção na base de perfis de ADN, nos termos dos arts. 8°, n° 2 e 18°, n° 3 da Lei no 5/2008, de 12/02. D.n. (solicitando à entidade competente a sua realização)” 2. Inconformado, o arguido Freitas S. interpôs recurso e das motivações extraiu as seguintes conclusões (transcrição) : “1-) A decisão constante do douto despacho ora recorrido contém erros de interpretação e de aplicação da lei processual, acabando por se afastar da justiça que o caso requer. 2-) A obrigação imposta ao arguido de não contactar a ofendida e de se afastar da sua residência e do seu local de trabalho não constitui qualquer pena, principal ou acessória, sendo antes uma medida de coação, e que vem prevista no artigo 200º, do Código do Processo Penal. O Ministério Público, representado pela magistrada na instância local de Barcelos, apresentou resposta concluindo que o recurso deve ser julgado improcedente, confirmando-se o douto despacho recorrido. 3. O Exmª Procurador-Geral Adjunto, no momento processual a que se reporta o artigo 416.º do Código do Processo Penal (adiante designado C.P.P.), exarou nos autos que subscrevia no essencial o parecer do Exm.º magistrado do M.P. na primeira instância. Recolhidos os “vistos” e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir. 4. Como tem sido entendimento unânime, o objecto do recurso e os poderes de cognição do tribunal da relação definem-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, onde deve sintetizar as razões da discordância do decidido e resumir as razões do pedido - artigos 402º, 403.º e 412.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, naturalmente que sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso (cfr. Silva, Germano Marques da, Curso de Processo Penal, Vol. III, 1994, p. 320; Albuquerque, Pinto de, Comentário do Código de Processo Penal, 3ª ed. 2009, pag 1027 e 1122, Santos, Simas, Recursos em Processo Penal, 7.ª ed., 2008, p. 103; entre outros os Acs. do S.T.J., de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242; de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271; de 28.04.1999, CJ/STJ, Ano VII, Tomo II, p. 196). A questão a resolver consiste em saber se se encontram preenchidos os pressupostos de que depende a utilização de meios técnicos de controlo à distância para a fiscalização do cumprimento da pena acessória de proibição de contactos e de aproximação com a vítima. 5. O arguido foi julgado e condenado pelo cometimento de um crime de violência doméstica, por factos ocorridos entre data não apurada do ano de 1989 e o dia 16 de Junho de 2014 e as normas jurídicas aplicáveis são fundamentalmente as constantes do artigo 152.º n.ºs 4 e 5 do Código Penal, em conjugação com os artigos 35.º e 36.º do regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à protecção e à assistência das suas vítimas, aprovado pela Lei 112/2009, de 16 de Setembro. Interessa aqui reter alguns elementos referentes ao processo legislativo de alteração destes preceitos, ocorrido em Março de 2013 : Na redacção da Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, preceituava o artigo 152, n.ºs 4 e 5 do Código Penal que, “4 - Nos casos previstos nos números anteriores, podem ser aplicadas ao arguido as penas acessórias de proibição de contacto com a vítima e de proibição de uso e porte de armas, pelo período de seis meses a cinco anos, e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica. 5 - A pena acessória de proibição de contacto com a vítima pode incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento pode ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância.” Ao mesmo tempo, a Lei 112/2009, de 16 de Setembro estabelecia no artigo 35.º que, “1- O tribunal, com vista à aplicação das medidas e penas previstas nos artigos 52.º e 152.º do Código Penal, no artigo 281.º do Código de Processo Penal e no artigo 31.º da presente lei, pode, sempre que tal se mostre imprescindível para a protecção da vítima, determinar que o cumprimento daquelas medidas seja fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância;” Nos termos do artigo 36.º do mesmo diploma legal na redacção anterior, 1 - A utilização dos meios técnicos de controlo à distância depende do consentimento do arguido ou do agente e, nos casos em que a sua utilização abranja a participação da vítima, depende igualmente do consentimento desta. 2 - A utilização dos meios técnicos de controlo à distância depende ainda do consentimento das pessoas que o devam prestar, nomeadamente das pessoas que vivam com o arguido ou o agente e das que possam ser afectadas pela permanência obrigatória do arguido ou do agente em determinado local. A Lei n.º 19/2013 de 21 de Fevereiro procedeu a alteração na redacção do n.º 5 do artigo 152.º do Código Penal, estabelecendo-se agora que o cumprimento da pena acessória deve ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância. No âmbito da mesma alteração legislativa, procedeu-se a modificação da redacção da Lei n.º 112/2009. Em termos similares ao da norma do Código Penal, o artigo 35º prescreve agora que, “O tribunal, com vista à aplicação das medidas e penas previstas nos artigos 52.º e 152.º do Código Penal, no artigo 281.º do Código de Processo Penal e no artigo 31.º da presente lei, deve, sempre que tal se mostre imprescindível para a proteção da vítima, determinar que o cumprimento daquelas medidas seja fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância E prescreve a redacção vigente do artigo 36.º da Lei n.º 112/2009 sobre a vigilância electrónica que, “1 - A utilização dos meios técnicos de controlo à distância depende do consentimento do arguido ou do agente e, nos casos em que a sua utilização abranja a participação da vítima, depende igualmente do consentimento desta. 2 - A utilização dos meios técnicos de controlo à distância depende ainda do consentimento das pessoas que o devam prestar, nomeadamente das pessoas que vivam com o arguido ou o agente e das que possam ser afectadas pela permanência obrigatória do arguido ou do agente em determinado local. 3 - O consentimento do arguido ou do agente é prestado pessoalmente perante o juiz, na presença do defensor, e reduzido a auto. 4 - Sempre que a utilização dos meios técnicos de controlo à distância for requerida pelo arguido ou pelo agente, o consentimento considera-se prestado por simples declaração deste no requerimento. 5 - As vítimas e as pessoas referidas no n.º 2 prestam o seu consentimento aos serviços encarregados da execução dos meios técnicos de controlo à distância por simples declaração escrita, que o enviam posteriormente ao juiz 6 - Os consentimentos previstos neste artigo são revogáveis a todo o tempo. 7 - Não se aplica o disposto nos números anteriores sempre que o juiz, de forma fundamentada, determine que a utilização de meios técnicos de controlo à distância é imprescindível para a proteção dos direitos da vítima. Cumpre aqui notar que a substituição do termo “pode” pelo “deve” na previsão da fiscalização de cumprimento pelos meios de controlo à distância tem um alcance limitado. Ao invés do que uma leitura apressada da norma poderia sugerir, o legislador não prevê a fiscalização por meios electrónicos como o “regime regra”, muito menos “impõe” que assim se proceda, mantendo-se a exigência, em todo o caso, de um juízo positivo sobre a imprescindibilidade da utilização desses meios para a protecção da vítima. A alteração do teor dos artigos 35.º e 36.º da Lei 112/2009 teve origem no Projecto de Lei n.º 194/XII-1ª do B.E.. Na redacção original do projecto constava a revogação de todo o artigo 36.º, desse modo se pretendendo suprimir as exigências de consentimento para a implementação dos meios de controlo http://debates.parlamento.pt/catalogo/r3/dar/s2a/12/01/136/2012-03-07/47?pgs=47-48&org=PLC. . No âmbito da audição parlamentar deste processo legislativo, o Professor Germano Marques da Silva, discordou do projecto, pronunciando-se nos seguintes termos: “C) Revogação do artigo 36° da lei n° 112, de 16 de setembro O consentimento para a utilização de meios técnicos de controlo à distância não respeita apenas ao arguido, mas também à própria vítima e das pessoas que vivam com o agente ou a vítima. Não é razoável impor medidas restritivas da liberdade à própria vítima ou a terceiros inocentes sem o seu consentimento. Também a necessidade de consentimento do arguido pressupõe que na falta de consentimento são aplicáveis medidas alternativas mais gravosas. Parece-me de todo inaceitável a revogação deste artigo 36° porque a medida seria então inconstitucional por imposição de uma medida restritiva de liberdade à própria vítima ou a terceiros inocentes. No que respeita ao arguido poder-se-ia prescindir do seu consentimento, considerando que a imposição da medida constitui uma pena, mas a experiência da vigilância eletrónica mostra a ineficácia da medida quando não é aceite pelo arguido. Se a medida de vigilância controlada for imposta sem consentimento é necessário prever a sanção para o seu incumprimento, sanção que há-de ser equivalente à que seria aplicável na falta de consentimento. Por isso que também relativamente ao arguido não pareça justificar-se a revogação do art. 36°, embora neste caso não se suscitem questões de inconstitucionalidade.” http://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheAudicao.aspx?BID=93762 Esta apreciação terá merecido parcial concordância na comissão parlamentar da especialidade e a redacção final do artigo 36.º, com o actual n.º 7, surgiu de uma proposta do grupo parlamentar autor do projecto inicial. Assim, a utilização de meios de vigilância electrónica do cumprimento da medida depende, não só da verificação de um concreto juízo de imprescindibilidade dessa medida para a protecção da vítima, mas também da obtenção de consentimento do arguido, da vítima e das pessoas que vivam com o agente ou a vítima e das que possam ser afectadas pela permanência obrigatória do arguido ou do agente em determinado local. A anuência das pessoas afectadas com a restrição da liberdade pode ser suprida se o tribunal, em decisão fundamentada, concluir que na situação concreta e perante a ponderação dos valores e direitos em conflito, a aplicação de meios técnicos de controlo à distância constitui uma medida indispensável para a protecção dos direitos da vítima. Sendo caso de definição de uma pena acessória, a indicação das concretas razões de facto que subjazem ao juízo de imprescindibilidade de aplicação dos meios electrónicos e da dispensa do consentimento deve constar da própria sentença. Na sentença destes autos e sobre a aplicação da pena acessória, consta unicamente o seguinte (transcrição): “2.3. Pena Acessória de Proibição de Contacto com a Vítima Dispõe o n.° 4 do artigo 152.° do Código Penal que “nos casos previstos nos números anteriores, podem ser aplicadas ao arguido as penas acessórias de proibição de contacto com a vítima…” No caso presente e face ao que verificado apurou, cremos que a melhor forma de se compatibilizarem os desígnios de reinserção do arguido e de defesa da vítima será a de, não determinando (por ora) o cumprimento efectivo de uma pena de prisão, obrigar o arguido compulsivamente a afastar-se da ofendida Maria Beatriz Silva. De resto, com a aplicação de tal medida, ficará o arguido consciente não só de que, além da eventual revogação da suspensão de que beneficie (no caso de violar esta proibição), incorrerá o arguido na prática de um novo crime. Nestes termos, e pelo prazo de 3 anos, proíbo o arguido de, por qualquer forma, contactar ou se aproximar da ofendida Maria Beatriz, incluindo obviamente a proibição de o arguido se aproximar ou deslocar à residência desta ofendida ou ao seu local de trabalho.” A fundamentação da sentença não contem qualquer referência sobre a imprescindibilidade de aplicação dos meios técnicos de controlo à distância. Assim como nos autos não houve diligência para obtenção do consentimento do arguido e das pessoas directamente afectadas com o eventual controlo por meios electrónicos, nem se formulou a apreciação e fundamentação de uma concreta situação susceptível de justificar a dispensa desse consentimento, ao abrigo do disposto no n.º 7 do art.º 36.º da Lei 112/2009, de 16 de Setembro. Em conclusão, não se pode manter a imposição ao arguido dos meios electrónicos para a fiscalização do cumprimento da pena acessória, o recurso merece provimento, embora por diferente fundamento e deve ser revogado o despacho recorrido. 6. Pelos fundamentos expostos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedente o recurso do arguido Freitas S. e em revogar o despacho recorrido. Oficie de imediato à DGRSP solicitando a remoção do equipamento de vigilância electrónica. Guimarães, 21 de Setembro de 2015. |