Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | JOÃO DIOGO RODRIGUES | ||
Descritores: | ACÇÃO DE REIVINDICAÇÃO DEFICIÊNCIA DA CAUSA DE PEDIR CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 03/09/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | 1 - A causa de pedir na ação de reivindicação é constituída não apenas pela titularidade do direito de propriedade, mas também, necessariamente, pela situação de desconformidade na relação do proprietário com a coisa, a que a entrega deve pôr termo. 2 - Neste enquadramento, se o reivindicante se limitar a invocar, por exemplo, factos consubstanciadores da detenção contrária à sua propriedade, não se pode concluir, liminarmente, que haja falta de causa de pedir. O que pode vir a revelar-se é a insuficiência dessa mesma causa de pedir. 3 - Detetando essa insuficiência no final da fase dos articulados, o tribunal deve convidar a parte que incorreu nesse vício de substanciação a supri-lo, mediante o aperfeiçoamento da exposição ou concretização da matéria de facto já alegada. 4 - Mas, não o fazendo nessa fase, pode, ainda assim, formular esse convite posteriormente, sob pena de vir a revelar-se contraditório o juízo do tribunal que julgue improcedente a ação tendo por fundamento, justamente, a ausência de factos cuja alegação deveria ter sugerido. | ||
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Decisão Texto Integral: | SUMÁRIO 1- A causa de pedir na ação de reivindicação é constituída não apenas pela titularidade do direito de propriedade, mas também, necessariamente, pela situação de desconformidade na relação do proprietário com a coisa, a que a entrega deve pôr termo. 2- Neste enquadramento, se o reivindicante se limitar a invocar, por exemplo, factos consubstanciadores da detenção contrária à sua propriedade, não se pode concluir, liminarmente, que haja falta de causa de pedir. O que pode vir a revelar-se é a insuficiência dessa mesma causa de pedir. 3- Detetando essa insuficiência no final da fase dos articulados, o tribunal deve convidar a parte que incorreu nesse vício de substanciação a supri-lo, mediante o aperfeiçoamento da exposição ou concretização da matéria de facto já alegada. 4- Mas, não o fazendo nessa fase, pode, ainda assim, formular esse convite posteriormente, sob pena de vir a revelar-se contraditório o juízo do tribunal que julgue improcedente a ação tendo por fundamento, justamente, a ausência de factos cuja alegação deveria ter sugerido. * Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:I- Relatório 1- J, instaurou a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, contra F e M, alegando, em breve resumo, que, ele e o seu irmão, L, são donos de dois prédios, um misto e outro rústico, que identifica, em virtude de os terem adquirido por óbito do pai de ambos. Sucede que, no ano de 1999, prometeram vendê-los ao R., o qual passou a ocupá-los a partir do ano seguinte. Todavia, não cumpriu este contrato, ocasionando-lhe, com isso, danos que enumera. Daí que peça para: “a) Ser declarado o direito de propriedade do Autor e de L sobre os prédios, melhor identificados no artigo 1º deste articulado; b) Serem os Réus condenados a reconhecer o direito de propriedade do Autor e de L, sobre os prédios identificado no artigo 1º deste articulado e que estão a usufruir do mesmo de forma ilegítima e ilegal; c) Serem os Réus condenados a restituir ao Autor, devolutos de pessoas e bens os prédios referido na alínea a); d) Pagar aos Autores a título de indemnização por dano de privação do uso a quantia mensal de 1 000,00 € correspondente ao valor locativo, desde Janeiro de 2000 e até efectiva entrega, perfazendo nesta data a quantia de 136 000, 00 € (cento e trinta e seis mil euros), correspondente a 136 meses de ocupação”. 2- Contestaram os RR. refutando esta pretensão, porquanto, e além do mais que não tem interesse para o presente recurso, dono dos citados prédios é o R. por já o ter adquirido por usucapião, como consta de escritura de justificação notarial que celebrou para o efeito. Pede, por isso, em sede reconvencional, que lhe seja reconhecido o referido direito de propriedade e o A. condenado a abster-se de praticar quaisquer atos que perturbem este direito. 3- O A. replicou refutando também esta pretensão, já que não reconhece o direito de propriedade invocado pelo R. 4- Entretanto, o A. veio também em requerimento autónomo chamar à ação a sociedade M e, em simultâneo, ampliar o pedido e causa de pedir, sustentando, em resumo, que os factos relatados na escritura de justificação indicada pelo R. são falsos. Daí que peça, além do mais, a declaração dessa falsidade, bem como a falsidade e nulidade de tal escritura e que se ordene o cancelamento de todos os registos nela baseados. 5- Admitida o referido chamamento e a mencionada ampliação, a sociedade, M, contestou, no que foi contraditada pelo A. e pelo R., este no que toca à admissibilidade do pedido reconvencional por aquela deduzido. 6- Terminados os articulados, foi realizada a audiência prévia, na qual, além do mais, se afirmou a validade do processo, se conferiram os pressupostos processuais, se fixou o objeto do litígio e se definiram os temas da prova, entre eles figurando a questão de saber se os “autores são donos e legítimos proprietários do prédio referido no artigo 1 da Petição Inicial por o haverem adquirido pelo inventário obrigatório referido no artigo 3º do mesmo articulado”. 7- Posteriormente, no âmbito de uma tentativa de conciliação realizada no dia 15/03/2016, foi proferido o seguinte despacho: “a) … atendendo aos pedidos formulados na presente ação verifica-se que a petição inicial é inepta por faltarem factos essenciais na sua causa de pedir, sendo que o único facto relativo ao direito de propriedade invocado e reivindicado reporta-se a uma aquisição derivada por virtude de partilha em sede de inventário, facto esse (de natureza conclusiva) que se encontra vertido no ponto 1º da base instrutória. Na verdade, nos termos do art. 1311 º do Cód. Civil, o proprietário tem a faculdade de exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição daquilo que lhe pertence. São, assim, dois os pedidos que integram e caracterizam a acção de reivindicação: o reconhecimento do direito de propriedade (pronuntiatio), por um lado; e a restituição da coisa (condemnatio), por outro. Trata-se, pois, de uma acção que deve ser proposta pelo proprietário não possuidor contra quem estiver a possuir a coisa, ou pelo proprietário possuidor contra o mero detentor. Trata-se, pois de uma acção que deve ser proposta pelo proprietário não possuidor contra quem estiver a possuir a coisa, ou pelo proprietário possuidor contra o mero detentor. Nas acções reais (como é a acção de reivindicação) a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito de propriedade. Competindo ao autor alegar e provar a sua propriedade sobre a coisa objecto de reivindicação (cf. art. 342º, nº1 do Cód. Civil), terá de demonstrar os factos de que emerge o seu alegado direito. Deverá, então, demonstrar os necessários elementos que levem à conclusão de que adquiriu um direito sobre a coisa por ocupação, usucapião, etc, se invocar uma forma originária de aquisição da propriedade; ou que o direito já existia no transmitente, se invocar uma forma de aquisição derivada, já que a compra e venda, doação, etc, não se podem considerar constitutivas do direito de propriedade, mas apenas translativas desse direito (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, in Cód. Civil Anotado, vol. III, 2ª ed., pág. 115). Pelo que, face à extrema dificuldade da prova (principalmente nalguns casos em que é invocada uma forma de aquisição originária), assumam particular importância as presunções legais, desde logo as resultantes do registo (cf. arts.1268º, nº1 do Cód. Civil e 7º do Cód. Reg. Predial). No caso em apreço, não alegou o A. os necessários factos relativos e conducentes à invocada aquisição derivada, ou seja, repete-se: que o direito já existia no transmitente e passou para si na qualidade de adquirente. A fase processual em que se encontra acção já não permite qualquer despacho de aperfeiçoamento, se se entender que o mesmo deve ter lugar para factos essenciais que caracterizam a causa de pedir. Nestes termos, estaremos em face de uma ineptidão da p.i., por falta de causa de pedir. Sucede, contudo, que o A. veio ampliar o pedido, impugnando a escritura de justificação realizada pelos Réus, ocorrendo então inversão do ónus da prova, competindo aos RR provar a aquisição do direito de propriedade por via da usucapião. Pelo que o prosseguimento dos autos impõe-se para este efeito, e procedendo a uma adequação processual ao “novo objectivo do processo” determina-se que o julgamento se inicie com a prova indicada pelos Réus Fernando Pimenta. Para realização da audiência de discussão e julgamento designa-se o dia…”. 8- Inconformados com este despacho dele recorrem os AA., terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões: “1) Vem o presente recurso interposto do despacho proferido em acta, a fls... pela Instância Central da Comarca de Viana do Castelo, no processo supra referido, de acordo com o qual foi declarada inepta a petição inicial, com as legais consequências. 2) Entendeu o Tribunal a quo, que: “Por último, mas não menos importante, atendendo aos pedidos formulados na presente acção verifica-se que a petição é inepta por faltarem factos essenciais na sua causa de pedir, sendo que o único facto relativo ao direito de propriedade invocado e reivindicado reporta-se a uma aquisição derivada por virtude de partilha em sede de inventário, facto esse (de natureza conclusiva) que se encontra vertido no ponto 1º da base instrutória. Na verdade, nos termos do art. 1311° do Cód. Civil, o proprietário tem a faculdade de exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição daquilo que lhe pertence. São, assim, dois os pedidos que integram e caracterizam a acção de reivindicação: o reconhecimento do direito de propriedade (pronuntiatio), por um lado; e a restituição da coisa (condemnatio), por outro. Trata-se, pois, de uma acção que deve ser proposta pelo proprietário não possuidor contra quem estiver a possuir a coisa, ou pelo proprietário possuidor contra o mero detentor. Trata-se, pois de uma acção que deve ser proposta pelo proprietário não possuidor contra quem estiver a possuir a coisa, ou pelo proprietário possuidor contra o mero detentor. Nas acções reais (como é a acção de reivindicação) a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito de propriedade. Competindo ao autor alegar e provar a sua propriedade sobre a coisa objecto de reivindicação (cf art. 342º nº1 do Cód. Civil), terá de demonstrar os factos de que emerge o seu alegado direito. Deverá, então, demonstrar os necessários elementos que levem à conclusão de que adquiriu um direito sobre a coisa por ocupação, usucapião, etc, se invocar uma forma originária de aquisição da propriedade; ou que o direito já existia no transmitente, se invocar uma forma de aquisição derivada, já que a compra e venda, doação, etc, não se podem considerar constitutivas do direito de propriedade, mas apenas translativas desse direito (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, in Cód. Civil Anotado, vol III, 2ª ed., pág. 115). Pelo que, face à extrema dificuldade da prova (principalmente nalguns casos em que é invocada uma forma de aquisição originária), assumam particular importância as presunções legais, desde logo as resultantes do registo (cf arts. 1268º n.º 1 do Cód. Civil e 7º do Cód. Reg. Predial). No caso em apreço, não alegou o A. os necessários factos relativos e conducentes à invocada aquisição derivada, ou seja, repete-se: que o direito já existia no transmitente e passou para si na qualidade de adquirente. A fase processual em que se encontra acção já não permite qualquer despacho de aperfeiçoamento, se se entender que o mesmo deve ter lugar para factos essenciais que caracterizam a causa de pedir. Nestes termos, estaremos em face de uma ineptidão da p.i ., por falta de causa de pedir. Sucede, contudo, que o A. veio ampliar o pedido, impugnando a escritura de justificação realizada pelos Réus, ocorrendo então inversão do ónus da prova, competindo aos RR provar a aquisição do direito de propriedade por via da usucapião. Pelo que o prosseguimento dos autos impõe-se para este efeito, e procedendo a uma adequação processual ao “novo objectivo do processo” determina-se que o julgamento se inicie com a prova indicada pelos Réus F.” 3) Ora, entendimento diverso tem o Recorrente, porquanto entende que alegou os necessários factos relativos e conducentes à invocada aquisição derivada, ou seja, repete-se: que o direito já existia no transmitente e passou para si na qualidade de adquirente. 4) São requisitos de procedência das acções de reivindicação, com fundamento no direito de propriedade, a prova da titularidade desse direito sobre a coisa reivindicada e a sua ocupação pelos demandados. A demonstração da titularidade do direito de propriedade deve fazer-se pela prova do facto jurídico constitutivo do mesmo, o que implica a demonstração da aquisição originária desse direito, ou pela prova de factos que a lei reconheça como suficientes para presumir a existência dessa titularidade - a posse (art° 1268°, n° 1, do C. Civ.) e o registo (art° 7° do CRP). 5) A presunção do registo é ilidível, mediante a prova de factos demonstrativos que a titularidade do direito de propriedade não corresponde à última aquisição inscrita no registo predial. 6) Refere o Tribunal a quo fundamentando a sua decisão que, “( ... )No caso em apreço, não alegou o A. os necessários factos relativos e conducentes à invocada aquisição derivada, ou seja, repete-se: que o direito já existia no transmitente e passou para si na qualidade de adquirente. “Nos termos do artigo 7° d Código de Registo Predial, o registo definitivo constitui presunção ilidível de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define”. 7) Ao reivindicante, para fazer a prova de que adquiriu a propriedade, não basta alegar que a adquiriu por sucessão por óbito do transmitente, insuficiência que decorre do facto de bem poder suceder que este não fosse o proprietário para lhe poder transmitir tal propriedade, exigindo-se que prove as aquisições dos sucessivos alienantes, na cadeia ininterrupta que se mostre existir até que termine na aquisição originária de um deles. 8) Porque essa prova será as mais das vezes extremamente difícil, é entendimento comum doutrinário e jurisprudencial, o de que ao reivindicante basta alegar a presunção derivada do registo para cumprir o ónus da alegação da propriedade na acção de reivindicação. 9) Razão pela qual entende mui humildemente o Apelante que alegou os necessários factos relativos e conducentes à invocada aquisição derivada, que o direito já existia no transmitente e passou para si na qualidade de adquirente, em 1° 2° e 3° da petição inicial. 10) Senão veja-se: Alegou o Autor no artigo 1º da pi que: “1º O Autor e L, irmão do Autor, são donos e legítimos proprietários, na proporção, cada um, de metade indivisa, dos seguintes prédios: “Prédio misto sitio em Quinta das Fontes, freguesia de Rebordões (Souto), concelho de Ponte de Lima, integrado por prédio urbano sito no Lugar das Fontes, freguesia de Rebordões do Souto, concelho de Ponte de Lima, composto por casa de habitação de rés-do-chão e primeiro andar com jardim interior e quatro dependências, com a área de superfície coberta de 550,00 m2 (quinhentos e cinquenta metros quadrados), com uma área de jardim interior de 25,00 m2 (vinte e cinco metros quadrados), com a área de logradouro de 800,00 m2 (oitocentos metros quadrados), e uma área dependente de 600, 00 m2 (seiscentos metros quadrados), a confrontar de Norte, Sul, Nascente e Poente com Proprietário, com o valor patrimonial de 5 213, 83 e (cinco mil duzentos e treze euros e oitenta e três cêntimos), inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo … da freguesia de Rebordões (Souto);e por prédio rústico sito no Lugar das Fontes, freguesia de Rebordões do Souto, concelho de Ponte de Lima, composto de terreno de lavradio com três mil metros de ramada, oliveiras, citrinos, nogueiras e macieiras, a confrontar de Norte, Sul, Nascente, e Poente com Caminho Público, com a área total de 52 650, 00 m2 (cinquenta e dois mil seiscentos e cinquenta metros quadrados), com o valor patrimonial de 1 077, 98 e (mil e setenta e sete euros e noventa e oito cêntimos), inscrito na respectiva matriz predial rústica sob o artigo … (antiga matriz - artigo …) da freguesia de Rebordões (Souto), descritos como prédio misto na Conservatória do Registo Predial de Ponte de Lima sob o n.º … da freguesia de Rebordões de Souto”.- (Cfr. com documentos que se juntam sob os n. ºs 1, 2, e 3); e, Prédio rústico sito no Lugar das Fontes, freguesia de Rebordões do Souto, concelho de Ponte de Lima, composto de leira de mato na Torrinha, a confrontar de Norte com Caminho de Lamela, de Sul com Caminho Público, de Nascente com Quinta das Fontes e de Poente com Caminho Público, com a área total de 2 700, 00 m2 (dois mil e setecentos metros quadrados), com o valor patrimonial de 0, 63 e (sessenta e três cêntimos), inscrito na respectiva matriz predial rústica sob o artigo … da freguesia de Rebordões (Souto), descrito como prédio misto na Conservatória do Registo Predial de Ponte de Lima sob o n. ° … da freguesia de Rebordões de Souto.- (Cfr. com documento junto sob o n.º 3 e com documento que se junta sob o n.º 4).” 11) Para prova do alegado o Apelante juntou quatro documentos a saber: documento n. ° 1 - caderneta predial urbana relativa ao prédio urbano inscrito na respectiva matriz sob o artigo …, documento n.º 2 - caderneta predial urbana relativa ao prédio rústico inscrito na respectiva matriz sob o artigo … (anterior artigo …); documento n.º 3 - registo de aquisição de propriedade do prédio misto que abrange dois prédios a saber: urbano 196° e rústico … (anterior …) a favor de A, aquisição essa registada pela apresentação nº … de 1937/05/14 que proveio do livro n.º … da descrição …; documento n.º 4 - caderneta predial urbana relativa ao prédio rústico inscrito na respectiva matriz sob o artigo …. 12) Mais, alegou o Autor, em 2° e 3° da pi que, “2º Tal prédios advieram à sua propriedade por óbito de A, pai do Autor e de L através, 3º De inventário obrigatório, processo n.º 43/68, que correu termos na secção do Tribunal Judicial da Comarca de Ponte de Lima em que foi inventariado A e inventariante M. (Cfr. com documento que se junta sob o n. 05).” 13)Para prova do alegado o Apelante juntou o documento n.º 5 correspondente a certidão extraída do inventário obrigatório, processo n.º 43/68, que correu termos na secção do Tribunal Judicial da Comarca de Ponte de Lima em que foi inventariado A, pai do Apelante e transmitente, composta por 51 folhas, contendo as declarações da cabeça de casal e inventariante M, a relação de bens, designadamente as verbas n. ºs 24 e 25° adjudicadas ao aqui Apelante na proporção de metade indivisa, e em discussão nos presentes autos, o mapa de partilha e a respectiva sentença homologatória de partilha (páginas 1, 7, 8 e 37 e 47 do doc. 5). 14) Conforme jurisprudência pacífica e unanime, vertida lapidarmente, aliás, no douto Acórdão datado de 14 de Janeiro de 2014, proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra: “V. Mostrando-se que, no registo predial, a aquisição do direito de propriedade sobre a coisa reivindicada se encontrava inscrita a favor do transmitente à data em que o autor dele a adquiriu derivadamente, não necessita o autor de produzir afirmações acerca da aquisição pelo transmitente desse direito, nem de provar essas afirmações. A lei presume, directamente, a existência do direito do transmitente e, assim, ultrapassada está a prova diabólica, porque encontrado o vendedor originário.” - (sublinhado nosso). 15) No mesmo sentido, vide, Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça datado de 05/03/1991, “I - Nas acções de reivindicação a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva a propriedade. Se a aquisição é derivada, não basta provar o facto que determinou a transmissão. É preciso que o direito exista no transmitente. II - Nos termos do artigo 7 do Código de Registo Predial, o registo definitivo constitui não só presunção de que o direito registado exista, mas também que pertence a pessoa em cujo nome esta inscrito, e nos precisos termos em que o registo o define.” 16) São requisitos de procedência das acções de reivindicação, com fundamento no direito de propriedade, a prova da titularidade desse direito sobre a coisa reivindicada e a sua ocupação pelos demandados. 17) A demonstração da titularidade do direito de propriedade deve fazer-se pela prova do facto jurídico constitutivo do mesmo, o que implica a demonstração da aquisição originária desse direito, ou pela prova de factos que a lei reconheça como suficientes para presumir a existência dessa titularidade - a posse (artº 1268°, n° 1, do C. Civil) e o registo (are 7° do CRP). 18) O que in casu se verifica. 19) Mais, os factos vertidos sob os artigos 1°, 2° e 3° nem sequer tão pouco são contestados pelos Réus. 20) Não obstante os demandados lhes assistir a faculdade de elidir tal presunção, alegando e demonstrando que o A. nunca foi proprietário, facto é que, os demandados nunca impugnaram ou colocaram em crise o facto de os prédios melhor descritos em 1º da pi terem sido adquiridos pelo Autor, em virtude de sucessão, por óbito de seu pai, António Silva Gouveia Vieira Lisboa. 21) Vêm é alegar usucapião sobre os prédios ora em discussão. 22) Face ao supra exposto, entende o Apelante que alegou os necessários factos relativos e conducentes à invocada aquisição derivada, que o direito já existia no transmitente e passou para si na qualidade de adquirente. 23) Inexiste qualquer ineptidão relativamente à pi. Ao decidir em contrário, a decisão proferida violou nomeadamente, o disposto nos artigos, 5°, 186°, 278°, 576°, 577° todos do Código de Processo Civil, e o artigo 1268° do Código Civil, 7° do Código do Registo Predial, pelo que deve ser revogada e, consequentemente, anulado tudo o que vier a ser processado posteriormente”. 9- Em resposta, os RR. pugnam pela manutenção do julgado. 10- Recebido o recurso, após reclamação atendida, e preparada a deliberação, importa tomá-la: * II- Mérito do recurso1- Definição do seu objecto Inexistindo questões de conhecimento oficioso, o objeto do presente recurso, delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente (artigos 608.º n.º 2, “in fine”, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º1, do Código de Processo Civil), restringe-se apenas à questão de saber se a petição inicial não é inepta por falta de causa de pedir. 2- Baseando-nos nos factos descritos no relatório supra exarado - que são os únicos relevantes para o efeito -, vejamos, então, como solucionar esta questão: Estipula o artigo 186.º, n.º 2, al. a), do Código de Processo Civil, que a petição inicial é inepta quando nela falte a causa de pedir. E esclarece o artigo 581.º, n.º 4, do mesmo Código que “[n]as ações reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real”. Com base neste último normativo, poderia ser-se tentado a concluir que, nas ações de reivindicação, que são ações reais, a causa de pedir corresponderia ao facto constitutivo do direito de propriedade; ou seja, ao facto originador desse direito. Mas, não é assim tão simples. Efetivamente, se atentarmos no disposto no artigo 1311.º, n.º 1, do Código Civil, verificamos que nele se confere ao proprietário o direito de “exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence”. Ora, sabendo nós que a condenação do réu no reconhecimento do direito de propriedade não é passível de ser executada por prestação de facto ou mesmo por declaração daquele nesse sentido, fica reduzido o fim principal da ação de reivindicação à obrigação de entrega da coisa indevidamente detida por terceiro. E a tutela desse fim justifica-se porque a ordem jurídica não tolera que o legitimo proprietário da coisa reivindicada fique dela privado, contra a sua vontade, por um ato abusivo de terceiro. A causa de pedir, assim, na ação de reivindicação “não é apenas a titularidade ou os factos constitutivos do direito, mas também necessariamente uma situação de desconformidade na relação com a coisa, a que a entrega deve pôr termo”(1). Por isso se diz que se trata de uma causa de pedir complexa(2). Neste enquadramento, se o reivindicante se limitar a invocar, por exemplo, a detenção contrária à sua propriedade, não se pode concluir, liminarmente, que haja falta de causa de pedir. Até porque o detentor pode aceitar aquele direito e só contraditar a ilegitimidade da sua detenção. Já se assim não acontecer, o que pode vir a revelar-se é a insuficiência da causa de pedir e não a sua falta. Por outro lado, sendo embora certo que a nossa lei acolheu a teoria da substanciação, nos termos da qual a causa de pedir se reconduz aos factos de onde emerge o direito do autor(3), nem sempre a alegação desses factos é feita de modo expresso, mas implícito. É o que sucede, por exemplo, quando o revindicante, à afirmação do seu direito de propriedade, junta, para o comprovar, certidão do registo predial no qual está inscrito esse direito(4). Em todos estes casos, cremos que não se pode falar, definitivamente, em falta de causa de pedir. Isto, repetimos, sem prejuízo de se reconhecer que o referido tipo de alegação pode vir a revelar-se insuficiente. Na verdade, como é sabido, existem diferentes modos através dos quais pode ser adquirido o direito de propriedade: “por contrato, sucessão por morte, usucapião, ocupação, acessão e demais modos previstos na lei” – artigo 1316.º do Código Civil. Mas nem todos eles representam uma forma de aquisição originária da propriedade. Se alguns são constitutivos desse direito, como por exemplo, a ocupação, a usucapião ou a acessão, outros apenas o transmitem, se o mesmo já existir na esfera jurídica do transmitente. É o caso, por exemplo, da compra e venda, da doação e da sucessão por morte, que têm um efeito meramente translativo; isto é, operam uma simples modificação subjetiva na titularidade daquele direito(5). O que obriga o seu titular a comprovar o modo como o mesmo se constituiu na cadeia de transmissões que o antecederam. E isso nem sempre é tarefa fácil. Por isso mesmo, é usual recorrer-se às presunções legais resultantes da posse ou do registo (artigo 1268.º do Código Civil e artigo 7.º do Código de Registo Predial), prevalecendo, no final, em caso de conflito, aquele que tiver melhor título. Mas, no plano do direito adjetivo, que é aquele que nos importa para o caso presente, o que deve reter-se é que, sendo, na ação de reivindicação, a causa de pedir complexa nos termos já apontados, só a ausência de alegação dos factos constitutivos do direito de propriedade ou daqueles que fazem presumir esse direito na titularidade do reivindicante, acompanhado da omissão da alegação da situação de desconformidade na relação com a coisa a que a entrega deve pôr termo, é que pode conduzir à ineptidão da petição inicial, por falta de causa de pedir. Ora, no caso presente, alegando o A. que ele e o seu irmão, L, são donos dos dois prédios identifica, em virtude de os terem adquirido por óbito do pai de ambos, e que os RR. os ocupam sem título bastante, pretendendo, por isso, que tais prédios lhes sejam restituídos, é manifesto, a nosso ver, que não há falta de causa de pedir. Por isso mesmo, e ao contrário do decidido no despacho recorrido, cremos não ser inepta a petição inicial, por esse motivo. Mas, não sendo inepta, a referida petição pode, ainda assim, vir a revelar-se insuficiente para sustentar a pretensão do A. É que, como já vimos, a sucessão por morte só garante a transmissão do direito de propriedade se o mesmo existir na esfera jurídica do transmitente. E o A. nada alegou nesse sentido. Só juntou uma cópia não certificada referente a um dos prédios (fls. 20 a 24), a qual, ainda assim, tem como sujeito ativo inscrito, António Silva Gouveia Vieira Lisboa, e não o A. De modo que, perante a contestação dos RR., a referida insuficiência pode vir a revelar-se determinante para o insucesso da pretensão do A.. O que coloca a questão de saber qual o procedimento a adotar nesta sede e momento. Por regra, sendo detetada essa insuficiência no final dos articulados (que se traduz num vício de substanciação)(6), determina a lei que o tribunal convide a parte a supri-la, mediante o aperfeiçoamento da exposição ou concretização da matéria de facto pela mesma já alegada – artigo 590.º, n.ºs 2, al. b) e 4, do Código de Processo Civil. Mas, não o fazendo, como sucedeu no caso presente, é oportuno questionar se o pode fazer mais tarde, visto que estamos perante a omissão de um ato que a lei prescreve e que constitui, por isso mesmo, uma nulidade processual (artigos 195.º. 197.º, 199.º, 200.º, n.º 3 e 201.º, todos do Código de Processo Civil)(7). Ora, do nosso ponto de vista, a resposta a esta questão só pode ser afirmativa. Efetivamente, do que estamos a tratar, em relação ao tribunal, é de um poder vinculado. De uma manifestação do dever de cooperação tendente à realização da finalidade última do processo, que é a justa composição do litígio (artigo 7.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil). E porque assim é, ou seja, porque o tribunal só prossegue esse objetivo, é que está vinculado a tudo fazer, dentro dos poderes que a lei lhe confere, para prevenir resultados que fiquem aquém ou contrariem aquela finalidade. Mesmo que para isso tenha de exercer uma função assistencial. Não em benefício de uma das partes ou mesmo de ambas, mas tão só da realização da justiça. Não exercendo, pois, essa função, no que ao convite para a superação dos vícios de substanciação concerne, é contraditório o juízo do tribunal que julgue improcedente a ação tendo por fundamento, justamente, a ausência de factos cuja alegação deveria ter sugerido. Mais do que contraditório, Miguel Teixeira de Sousa, considera “que, se o tribunal não convidar a parte a aperfeiçoar o seu articulado e, na decisão da causa, considerar improcedente o pedido da parte pela falta do facto que a parte poderia ter invocado se lhe tivesse sido dirigido um convite ao aperfeiçoamento, (…) verifica[-se] uma nulidade da decisão por excesso de pronúncia (art. 615.º, n.º 1, al. d), nCPC): o tribunal conhece de matéria que, perante a omissão do dever de cooperação, não pode conhecer. Esta nulidade só pode ser evitada se, antes do proferimento da decisão, for dirigido à parte um convite ao aperfeiçoamento do articulado”(8). De resto, no que à ineptidão da petição inicial concerne, a nulidade daí decorrente, se antes o não tiver sido, pode ser conhecida até à sentença (artigo 196.º e 200.º, n.º 2, do Código de Processo Civil). O que demonstra uma clara preocupação da lei em dar prevalência à substância sobre a forma, ou, por outras palavras, à justiça material sobre a formal. Princípio que também deve ser acolhido para a hipótese de aperfeiçoamento da petição inicial. O que significa, por todas as razões já apontadas, que é imperioso o convite ao aperfeiçoamento da petição inicial, no caso presente. Designadamente, no que toca à alegação de factos que permitam a substanciação do direito de propriedade de que o A. se arroga titular. Isto, sob pena de, mais tarde, se incorrer em novo vício. Deste modo, assim, o despacho recorrido deve ser revogado, na parte impugnada, para que, em nova formulação, se convide o A. a aperfeiçoar a petição inicial, nos termos já explicitados. O que basta para a procedência do presente recurso. * III- DECISÃO Pelas razões expostas, acorda-se em conceder provimento ao presente recurso e, consequentemente, revoga-se o despacho recorrido, na parte impugnada, e determina-se que se convide o A. a aperfeiçoar a petição inicial, no sentido do mesmo alegar factos concretos que permitam comprovar, ainda que presumidamente, a constituição do direito de propriedade de que ele se arroga titular. * - Porque decaíram na sua pretensão recursiva, as custas deste recurso serão suportadas pelos Apelados- artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.* 1 - José de Oliveira Ascensão, Acção de Reivindicação (Estudo baseado na conferência proferida nas Jornadas de Homenagem ao Prof. João de Castro Mendes, na Faculdade de Direito de Lisboa), pág. 528, consultável em www.oa.pt 2 - Neste sentido, entre outros, Ac. STJ de 05/05/2008, Processo n.º 08A732, e Ac. RLx, de 01/06/2010, Processo n.º 405/07.6TVLSB.L1-7, consultável em www.dgsi.pt. 3 - José Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, Conceito e Princípios Gerais, 2ª edição Reimpressão, Coimbra Editora, pág. 142; e o mesmo Autor, A Ação Declarativa Comum, À Luz do Código de Processo Civil de 2013, Coimbra Editora, págs. 41 a 46. 4 - Neste sentido, José Oliveira Ascensão, ob cit., págs. 524, 525 e 531. 5 - Expressão que José de Oliveira Ascensão, Direito Civil, Reais, 4ª edição Refundida, Coimbra Editora, pág. 296, nota 1, considera inexpressiva, mas que, quanto a nós, para efeitos expositivos, serve para elucidar o fenómeno jurídico que aqui ocorre. 6 - Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Vol III, 2015, Almedina, págs.179 e 183. 7 - No sentido de que se trata de uma nulidade processual sujeita a este regime, pronuncia-se, José Lebre de Freitas, A Ação Declarativa Comum…, pág. 157. Para Miguel Teixeira de Sousa, Blog do IPPC, em comentário datado de 19/01/2015, “a nulidade que decorre da omissão do despacho de aperfeiçoamento não é absoluta, mas apenas relativa e circunstancial: [pois que] afinal, tudo depende da relevância que a deficiência não suprida pela falta daquele despacho venha a assumir na decisão do pedido”. 8 - Blog do IPPC, em comentário datado de 09/04/2014. |