Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1198/12.0TBGMR-E.G1
Relator: ANTÓNIO SANTOS
Descritores: RECURSO
INSOLVÊNCIA
EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
PROCESSO URGENTE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/23/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECLAMAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I - Tendo o processo de insolvência, incluindo todos os seus incidentes, apensos e recursos, carácter urgente (art. 9.º, n.º1, do CIRE), o prazo ( que é contínuo, cfr. artº 144º’, nºs 1 e 5, alínea b), do Código de Processo Civil, na redacção dada pelo Decreto-Lei 35/2010, de 15 de Abril ) para a interposição de recurso de decisão proferida em incidente de exoneração do passivo restante é de 15 dias (cfr. artº 691,nº5, do CPC), que não o mais alargado e prazo regra de 30 dias ( aquele a que alude o nº1, do artº 685º, do CPC ) .
Decisão Texto Integral: Acordam, em Conferência, os Juízes na 2ª Secção do Tribunal da Relação de Guimarães

1 - Relatório
Em autos de insolvência a correr termos no 4º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Guimarães, e no âmbito do qual foram E… e E…, judicialmente declarados como insolventes, na sequência da prolação de despacho judicial que determinou [ ao abrigo do nº2, do artº 239º, do CIRE ] que durante os cinco anos subsequentes ao encerramento do processo fosse cedido a fiduciário o rendimento que os devedores viessem a auferir , proferiu a Exmª Juiz titular a [ em 17/10/2012 ] seguinte decisão :
“ Sendo os insolventes pais de dois filhos menores - de 15 e 14 anos de idade - , conforme vindo de comprovar a fls. 251 a 252, e encontrando-se aqueles em idade escolar, representando um incremento nas despesas familiares, determino que os insolventes cedam, cada um , ao Sr. Administrador de Insolvência o montante superior à remuneração mínima garantida, acrescido de 1/4 desse valor, que venham a auferir durante o período posterior à admissão da exoneração.
Notifique. G., d.s. “;
1.1.- Notificados da decisão indicada em 1 [ por via electrónica, a 17/10/2012, presumindo-se portanto como tendo sido efectuada a 22/10/2012 - cfr. artº 254º, nº 5, do CPC e artº 21-A, nº5 , da Portaria nº 114/2008 de 6/2, com a redacção introduzida pela Portaria nº 1538/2008 de 30/12 ] , e a 21 de Novembro de 2012, atravessaram então nos autos os insolventes E… e E…, requerimento de interposição de apelação, ao qual juntaram as competentes alegações.
1.2- Debruçando-se sobre o requerimento identificado em 1.1., e a 13/12/2012, proferiu o tribunal a quo despacho de admissão do recurso de apelação, considerando ser ele admissível, tempestivo e interposto por quem para tal tem legitimidade.
1.3. - Remetidos os autos a este Tribunal da Relação, não obstante o referido em 1.2. e porque a decisão do a quo - a indicada em 1.2. - não vincula o tribunal superior ( cfr. artº 685º-C,nº5, do CPC), e tendo como subjacente entendimento diverso do sufragado pelo a quo no tocante à tempestividade da apelação, foi satisfeito o contraditório ( cfr. artº 704º, do CPC ) e, de seguida, proferiu então o Relator concreta decisão que pôs termo à instância recursória, por entender não poder conhecer-se do objecto do recurso, porque para todos os efeitos interposto extemporaneamente.
Foi do seguinte teor, e em síntese, a referida decisão do relator :
“ (…)
Diz-nos o nº1, do artº 685º, do CPC, que “ O Prazo para a interposição do recurso é de 30 dias, salvo nos processos urgentes e nos demais casos expressamente previstos na lei, e conta-se a partir da notificação da decisão “.
Por sua vez, o nº 5, do artº 691º, do CPC, reza que “ Nos casos previstos nas alíneas a) a g) e i) a n) do nº2, bem como no nº4 e nos processos urgentes, o prazo para a interposição de recurso e apresentação de alegações é reduzido para 15 dias”.
Finalmente, já no âmbito do CIRE, preceitua o nº1, do artº 9º, que “ O processo de insolvência, incluindo todos os seus incidentes, apensos e recursos, tem carácter urgente e goza de precedência sobre o serviço ordinário do tribunal”.
Ora, em razão do disposto nos normativos legais acabados de citar, e tendo presente que em sede de interpretação da Lei ( cfr. artº 9º, do CC ), importa atender v.g. à unidade do sistema jurídico e as circunstâncias em que a lei foi elaborada, parece-nos inquestionável que o prazo de recurso de decisões proferidas em incidentes [ como o é o respeitante ao pedido de exoneração do passivo restante ] de processo de insolvência , é manifestamente o prazo de 15 dias, que não o de 30 dias.
Acresce que, não podendo ser considerado pelo intérprete um qualquer pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, não se nos afigura pertinente o entendimento – senão expresso, pelo menos implícito – dos apelantes no sentido de a atribuição do carácter ou natureza urgente do procedimento não pode ser um valor absoluto e de aplicação automática, e , consequentemente, o regime determinado pelo respectivo carácter “urgente” só deverá operar/valer quando estiverem em causa as razões que determinaram a excepcionalidade da urgência, e não quando no processo de insolvência estão já tomadas e devidamente transitadas em julgado todas decisões fulcrais que nele têm lugar.
Ademais, tal como se mostra actualmente redigido o nº1, do artº 9º do CIRE, é hoje claro que o legislador não deixou qualquer margem de discricionariedade ao julgador no âmbito da qualificação/atribuição do carácter urgente a processado em processo de insolvência, e , estando em causa - como in casu está - precisamente questão de primordial importância como o é o do prazo aplicável para a interposição de recursos de decisões nele proferidas, percebe-se a insegurança jurídica que passariam a estar sujeitas as partes quando da escolha de aplicação da norma reguladora ao caso concreto.
De resto, e a propósito, importa atentar ainda que, rezando o “pretérito” artº 10º ,nº1, do CPEREF ( DL nº 132/93, de 23 de Abril ) que “ os processos de recuperação da empresa e de falência, incluindo os embargos de e recursos a que houver lugar, têm carácter urgente e gozam de preferência sobe o serviço ordinário do tribunal, tudo obriga a concluir que a redacção do actual artº 9º,nº1, do CIRE passou a ser mais abrangente e incisiva, ao atribuir ex lege o carácter de urgente a todos os incidentes, apensos e recursos do processo de insolvência.
E, mesmo à luz do pretérito CPEREF, entendiam já Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda (1), que em face do disposto no respectivo artº 10º, e ao contrário do que vinha sucedendo com o artº 1179º,nº2, do CPC e artº 7º,nº 2, do DL nº 177/86 e 9º, do DL nº 10/90, a “ novidade deste artigo está, pois, na determinação do carácter urgente e do benefício da precedência sobre o serviço ordinário do tribunal para qualquer dos processos, seja qual for a fase em que se encontram, incluindo os embargos e os recursos que eventualmente hajam sido deduzidos por quem tiver legitimidade para o efeito “.(2)
Por fim, tendo presente que atribuiu o legislador carácter urgente (3) ao processo de insolvência, incluindo todos os seus incidentes, apensos e recursos interpostos, processados e julgados no âmbito do processo de insolvência, neles se incluindo aqueles que venham a ter lugar nos apontados incidentes e apensos, e não distinguindo ( para o referido efeito) o mesmo legislador qual a natureza, fase e importância do incidente ou apenso, recorda-se que, segundo as regras da hermenêutica jurídica, onde o legislador não distinguiu, não cabe ao intérprete fazê-lo ( ubi lex non distinguit nec nos distinquere debemus ).
Destarte, porque in casu foram os apelantes notificados a 22/10/2012 da decisão proferida pelo a quo a 17/10/2012, mas , apenas a 21 de Novembro de 2012, atravessam nos autos instrumento de interposição da apelação, manifesto é que, aquando da prática do referido acto processual, há muito que se mostrava decorrido o prazo estabelecido na lei (de 15 dias ) para a respectiva prática ( havia terminado a 6/11/2012).
É que, não constando do CIRE uma qualquer norma específica relativamente ao prazo de interposição de recurso de decisões proferidas em incidente de exoneração do passivo (4) restante, e aplicando-se supletivamente ( cfr. artº 17º, do CIRE ) o nº 5, do artº 691º, do CPC [ em face do disposto no artº 9º,nº1, do CIRE e 685º,nº1, do CPC – rezando este normativo que o prazo para a interposição do recurso é de 30 dias, salvo nos processos urgentes ] , tudo obriga a concluir que é de 15 dias o prazo de interposição de recurso.
Em suma, impõe-se in casu a prolação de decisão a que alude o nº1, do artº 704º, do CPC.
Em jeito de remate, dir-se-á que:
I - Tendo o processo de insolvência, incluindo todos os seus incidentes, apensos e recursos, carácter urgente (art. 9.º, n.º1, do CIRE), o prazo ( que é contínuo, cfr. artº 144º’, nºs 1 e 5, alínea b), do Código de Processo Civil, na redacção dada pelo Decreto-Lei 35/2010, de 15 de Abril ) para a interposição de recurso de decisão proferida em incidente de exoneração do passivo restante é de 15 dias (cfr. artº 691,nº5, do CPC), que não o mais alargado e prazo regra de 30 dias ( aquele a que alude o nº1, do artº 685º, do CPC ) .
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3 - Decidindo,
Em face do acabado de expor , ao abrigo do disposto nos artºs 685º-C, nº 5, 700º, nº1, alínea b) e 704º, todos do Código de Processo Civil, decido que não se pode conhecer do objecto da apelação, porque interposta esta após o decurso do prazo peremptório de 15 dias ( cfr. artº 685º,nº1, do CPC ) disponível para o efeito, tendo portanto os apelantes E… e E…, deixado extinguir/precludir o direito de praticar o competente acto.
Custas pelos apelantes . “
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1.4.- Discordando da decisão/despacho do relator e referida em 1, in fine, apresentaram de imediato os recorrentes E… e E…, a sua reclamação, requerendo que sobre a matéria do despacho incidisse um acórdão, tendo para tanto sustentado, que:
- O recurso foi interposto no dia 21/11/2012, ou seja, no 30º dia após a notificação do despacho.
Ora,
- Estabelece o artº, 685º do CPC que: "O prazo para a interposição do recurso é de 30 dias, salvo nos processas urgentes e nos demais casos expressamente previstas na lei, e contando-¬se a partir do notificação do decisão. "
- Quanto a este questão o CIRE é omisso, pela que se tem entendido que o prazo de interposição de recurso do que ora se encontra em análise é o prazo geral previsto no art. 685º do CPC.
- Não havendo, nesta sede, nenhuma disposição semelhante à do n.º 2, do artº 40º , ¬único número deste artigo para o qual o preceito em anotação não remete , tem de entender-se que o prazo de recurso é o geral , contido no artº 685º, do CPC ( cfr. Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, Anotado, Volume I, Quid Júris, de Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, anotação ao artº 42º) .
- É, pois, clara a referência ao prazo geral, por contraponto ao prazo especial contido no art. 691°, n.º 5 do CPC. efectuada pelos autores supra transcritos.
- De facto, nesta matéria em concreto, já não se Justifica que o prazo seja especialmente curto, porquanto as decisões fulcrais do processo de insolvência estão já tomadas e devidamente transitadas em julgado.
- Trata-se "apenas" de aferir qual o montante disponível para o Insolvente e qual o montante a entregar mensalmente por este ao Ex.mo Sr. Administrador de insolvência.
- O encurtamento de prazos previsto para os processos urgentes apenas fará sentido nas decisões fulcrais do processo de insolvência, sejam elas tomadas em sede de autos principais. incidentes, apensos ou recursos.
- Face à matéria que está em causa no presente recurso é o prazo geral dos recursos, previsto no art. 6850 do CPC (30 dias) aquele 00 qual se deverá atender.
- Neste contexto, deve o recurso apresentado ser considerado tempestivo. Concluindo-¬se como nas conclusões apresentadas.
1.5. - Decorrido o prazo legal para a parte contrária, querendo, se pronunciar ( cfr. artº 700º, nº3, in fine, do CPC), nada foi porém dito.
Designado dia para a Conferência, realizou-se ela com intervenção do relator e dos dois adjuntos, cfr. artº 31º, ex vi artº 54º, da Lei nº 3/99 ex vi artº 64º, da Lei nº 52/2008 .
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2. É apenas uma a questão a decidir:
A) Se nada obsta ao conhecimento do objecto da apelação interposta pelos ora reclamantes, pois que, sendo o prazo para a interposição do recurso de 30 dias, que não de 15 dias, foi ele deduzido em tempo, impondo-se assim a revogação da decisão em contrário do Relator.
Decidindo.
Como decorre do processado nos autos, as razões ora aduzidas pelos reclamantes para impetrarem a revogação do despacho proferido pelo Relator, são ainda as mesmas que foram já pelos apelantes invocadas aquando da respectiva pronúncia em sede de respeito pelo contraditório ( cfr. artº 704º, do CPC), sendo que todas elas mostram-se já escalpelizadas e afastadas em sede do despacho supra referido.
Acresce que, tudo visto e ponderado, porque não descortina o colectivo existirem razões válidas, de facto e/ou de direito, que importem/justifiquem a alteração da decisão do relator supra indicada, com os fundamentos que da mesma constam e acima indicados, consideram todos os juízes que intervieram na presente conferência que nada impede, antes tal se impõe, que se mantenha a decisão proferida nestes autos e neste Tribunal da Relação a 11/3/2013.
De resto, o entendimento sufragado pelo Relator na sua decisão de 11/3/2013, foi já defendido por este mesmo Tribunal da Relação de Guimarães o que sucedeu designadamente no âmbito da reclamação decidida em 23 de Novembro de 2010, e referente ao Processo nº 145/09.1TBCBT-AG.G1 (5).
Em conclusão, impondo-se terminar, nada justifica, portanto, a revogação da decisão que da presente reclamação é objecto, que assim se deve manter
3- Sumário:
I - Tendo o processo de insolvência, incluindo todos os seus incidentes, apensos e recursos, carácter urgente (art. 9.º, n.º1, do CIRE), o prazo ( que é contínuo, cfr. artº 144º’, nºs 1 e 5, alínea b), do Código de Processo Civil, na redacção dada pelo Decreto-Lei 35/2010, de 15 de Abril ) para a interposição de recurso de decisão proferida em incidente de exoneração do passivo restante é de 15 dias (cfr. artº 691,nº5, do CPC), que não o mais alargado e prazo regra de 30 dias ( aquele a que alude o nº1, do artº 685º, do CPC ) .
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4.- Decisão.
Em face do acabado de expor, acordam, em Conferência, os Juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães (2ª secção Cível ), em julgar improcedente a reclamação apresentada por E… e E…, mantendo-se assim a decisão que dela foi objecto .
Fixa-se em 2 UC a taxa de justiça devida pelo incidente de reclamação para a conferência, e sem prejuízo da condenação proferida em sede de decisão - reclamada - do relator.
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(1) In CPEREF, anotado, Quid Júris, 1994, pág. 71.
(2) Neste sentido vide o Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 15 de Março de 2007, in www.dgsi.pt.
(3) Tendo o legislador, no preâmbulo do DL n.º 53/2004, de 18 de Março, sido claro em deixar bem vincada a “necessidade de rápida estabilização das decisões judiciais, que no processo de insolvência se faz sentir com particular intensidade, motivou a limitação do direito de recurso a um grau apenas, salvo nos casos de oposição de acórdãos em matéria relativamente à qual não exista ainda uniformização de jurisprudência “.
(4) Sobre a natureza incidental do pedido de exoneração do passivo restante, chama-se à colação a decisão do Tribunal Constitucional, de 27 de Junho de 2012 [ in Diário da República, 2.ª série - N.º 222 - 16 de Novembro de 2012 ], sendo o respectivo comando decisório do seguinte teor: “ Pelo exposto, concedendo provimento ao recurso, decide-se: a) Julgar inconstitucional, por violação do princípio da igualdade consagrado no n.º 1 do artigo 13.º da Constituição, a norma que resulta das disposições conjugadas do artigo 15.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março, e do n.º 1 do artigo 678.º do Código de Processo Civil, interpretados no sentido de que, no recurso de decisões proferidas no incidente de exoneração do passivo restante em processo de insolvência, o valor da causa para efeitos de relação com a alçada do tribunal de que se recorre é determinada pelo activo do devedor “.
(5) Cuja Relatora foi a Exmª 2 dª Desembargadora Adjunta que subscreve o presente Acórdão , Dr.ª Ana Cristina Oliveira Duarte.
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Guimarães, 23/04/2013
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António Manuel Fernandes dos Santos
António Manuel Figueiredo de Almeida
Ana Cristina Oliveira Duarte