Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1388/05-2
Relator: TOMÉ BRANCO
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO
AUTOR MATERIAL NÃO IDENTIFICADO
DEFESA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/03/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I – Mostrando os autos que o proprietário de um veículo foi notificado para vir identificar o condutor que terá cometido determinada infracção e que nada veio dizer, não pode fazê-lo depois de condenado pela entidade administrativa.
II – Questão diferente seria se o proprietário viesse alegar e demonstrar não ter recebido a notificação para identificação do condutor, o que aqui não sucedeu, pois a recorrente aceitou que fosse proferida decisão do recurso judicial por simples despacho e, por isso, aceitou a matéria de facto fixada na decisão acoimante.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Relação de Guimarães:

RELATÓRIO
Em processo de contra-ordenação da Direcção Geral de Viação, D, Lda, foi condenada pela prática de uma contra-ordenação, p. e p. pelo art. 27º nºs 1 e 2 a) 2º do C.E., na sanção da apreensão do veículo QX pelo período de 30 dias, após a arguida ter efectuado o pagamento voluntário da coima correspondente.
Não se conformando com esta decisão, dela a arguida interpôs recurso de impugnação para o Tribunal Judicial da Comarca de Guimarães, o qual foi julgado totalmente improcedente.
Inconformado, com tal decisão, traz o arguido o presente recurso para este Tribunal da Relação.
Na sua motivação conclui: (transcrição)
«. A Recorrente foi condenada na prática de uma contra-ordenação p. p. pelo art. 270º nºs 1 e 2 do C.E.
. Como tal foi condenada em coima, que pagou voluntariamente;
. Posteriormente foi notificada da aplicação da sanção acessória de apreensão do veículo QX, pelo período de 30 dias.
. A Recorrente interpôs recurso pedindo a revogação da sanção e identificou o condutor do veículo.
. Através da consulta dos presentes autos, teve a Recorrente conhecimento da notificação datada de 11/04/2004, que lhe permitia identificar previamente o condutor do veículo, e como tal o responsável pela infracção.
. Notificação essa, que nunca foi recebida pela aqui Recorrente e que esteve na origem da falta de identificação da condutora.
. A Recorrente logo que teve oportunidade identificou o condutor.
. A Recorrente não teve conhecimento da notificação acima invocada, como tal apenas identificou o condutor no primeiro acto praticado após ter conhecimento de tal facto;
. Assim, deve a presente decisão ser revogada e aberto novo processo contra a condutora já identificada.

O Ministério Público quer junto da 1ª instância, quer nesta Relação bate-se pela confirmação do julgado.
Foi dado cumprimento ao disposto no artº 417º, nº 2 do C.P.P.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.

FUNDAMENTOS
Com relevância para a decisão do presente recurso, vejamos desde já a matéria de facto dada como provada na 1ª instância:
1. Em 17/10/2003, foi lavrado auto de contra-ordenação ao abrigo do disposto no art. 152º do C.E., dando conta que o veículo ligeiro de mercadorias QX, no dia 17/10/2003, pelas 08h59m, na A-7-Serzedelo, Guimarães, circulava à velocidade de 169,41 km/h quando a velocidade máxima permitida para o veículo no local era de 120Kms/h;
2. Através de carta registada enviada em 11/04/2004, a arguida “D, Ldª” foi notificada do auto de contra-ordenação referido no ponto 1 nos termos e para os efeitos previstos no art. 152º, nº 2 do C.E., para, querendo, impugnar a autuação, bem como para, no prazo concedido para a defesa, identificar devidamente pessoa distinta como autora da contra-ordenação (junto da Delegação Distrital de Viação da área da infracção), caso em que o processo seria suspenso, sendo instaurado novo processo contra a pessoa identificada como infractora nos termos do artº 152º/2 do C.E.;
3. No prazo que lhe foi concedido, a arguida “D, Ldª” não identificou qualquer outra pessoa como autora da contra-ordenação;
4. Por decisão proferida em 22 de Dezembro de 2004, foi a arguida “D, Ldª” condenada pela prática de uma contra-ordenação p. e p. pelo art. 27º nºs 1 e 2 a) 2º do C.E., tendo sido imposta a apreensão do veículo QX pelo período de 30 dias, após a arguida ter efectuado o pagamento voluntário da coima correspondente;
5. A arguida veio através do presente recurso impugnar a decisão administrativa, argumentando que, no dia, hora e local constantes do auto de contra-ordenação, quem conduzia o veículo QX era F;
6. A arguida é proprietária do veículo de matrícula QX.
Motivação
O tribunal fundou a sua convicção no auto de notícia de fls. 5, bem como no comprovativo do registo e cópia da carta remetida à arguida a fls. 7, referido no ponto 2 da matéria de facto; e ainda no teor da decisão de fls. 9 e 10.
***
As conclusões extraídas pelo recorrente demarcam o objecto do correspondente recurso (artº 412º, nº 1, do C.P.P.).
Assim, temos que a questão essencial suscitada no presente recurso consiste em saber se, tendo o auto de contra-ordenação sido levantado nos termos do art. 152º, nº 1 contra a proprietária do veículo e esta sido notificada pela autoridade administrativa para, no prazo de defesa, identificar, querendo, outra pessoa como autora da contra-ordenação Conforme se constata através da análise dos autos, a arguida consentiu expressamente que a decisão da sua impugnação judicial pudesse acontecer através de despacho (cfr. fls. 33), o que significa que, dispondo de um direito próprio, renunciou à realização da audiência de julgamento, conformando-se com a matéria de facto dada como assente pela entidade administrativa acoimante.
Ora a decisão de opção por despacho transitou em julgado, pelo que se fez caso julgado formal sobre o assunto.
Assim, não há que falar na questão suscitada pela arguida do não recebimento da notificação datada de 11.04.2004, face à postura expressa da mesma., sem que o tenha feito, pode, posteriormente, impugnar judicialmente a decisão administrativa que contra ela venha a ser proferida, identificando o condutor do veículo em causa.
O Mmº Juiz a quo, conforme se vê do despacho impugnado, respondeu a esta questão seguindo o entendimento sufragado no Ac. da RC de 6.03.2003, CJ de 2003, Tomo II, pág. 37.
O nosso entendimento é inteiramente coincidente com a posição adoptada no citado acórdão.
Daí que, aderindo nós a toda a argumentação aduzida no despacho impugnado, sem que nada mais se nos ofereça acrescentar, dizer o mesmo, ainda que por outras palavras, seria, quanto a nós, puro «desperdício de tempo e de energias», que bem necessários são a quem tem de julgar elevado número de recursos.
Por isso mesmo, permita-se-nos que passemos, de imediato a transcrever o despacho impugnado.
"Estatui o art. 134º, nº 1 do C.E. (diploma a que se reportam os demais preceitos sem menção de origem) que “sem prejuízo do disposto nos números seguintes, a responsabilidade pelas infracções previstas neste código e legislação complementar relativas ao exercício da condução recai no agente do facto constitutivo da infracção”.
Por sua vez, dispõe o nº 2 do mesmo normativo que “quem for proprietário, adquirente com reserva de propriedade, usufrutuário, locatário em regime de locação financeira, locatário por prazo superior a um ano ou quem, em virtude de facto sujeito a registo, tiver a posse do veículo, é responsável pelas infracções relativas às disposições que condicionem a admissão do veículo ao trânsito nas vias públicas.”
Importa, sobretudo, ter presente o art. 152º.
Assim, nos termos do seu nº 1, “quando o agente de autoridade não puder identificar o autor da contra-ordenação, a responsabilidade recai sobre quem for proprietário, adquirente com reserva de propriedade, usufrutuário, locatário em regime de locação financeira, locatário por prazo superior a um ano ou sobre quem, em virtude de facto sujeito a registo, for possuidor do veículo, sendo instaurado contra ele o correspondente processo.”
Dispõe o nº 2 do mesmo normativo que “ se, no prazo concedido para a defesa, for devidamente identificada como autora da contra-ordenação pessoa distinta das mencionadas no número anterior, o processo será suspenso, sendo instaurado novo processo contra a pessoa identificada como infractora.”
Por último, nos termos do nº 3 do mesmo normativo, “ o processo referido no nº1 será arquivado se for provada a utilização abusiva do veículo ou se se vier a determinar, nos termos do número anterior, que outra pessoa praticou a contra-ordenação.”
A questão que se coloca no âmbito do presente recurso e que nos propomos resolver é a de saber se, tendo o auto de contra-ordenação sido levantado nos termos do art. 152º, nº 1 contra a proprietária do veículo e esta sido notificado pela autoridade administrativa para, no prazo de defesa, identificar, querendo, outra pessoa como autora da contra-ordenação, sem que o tenha feito, pode, posteriormente, impugnar judicialmente a decisão administrativa que contra ela venha a ser proferida, identificando o condutor do veículo em causa.
Que a arguida possa impugnar judicialmente a decisão administrativa com base noutros argumentos apesar de oportunamente não ter apresentado defesa junto da autoridade administrativa é questão que não levanta duvidas.
Poderá, porém, fazê-lo limitando-se a identificar o condutor do veículo ?
A resposta não poderá deixar de ser negativa.
Na verdade, decidiu-se no Ac. RC de 6/03/03, C.J., 2003, Tomo II, pág. 37 que “o proprietário do veículo que, notificado nos termos do art. 134º nº1 do CE para, no prazo de 15 dias, identificar o autor da contra-ordenação, nada diz nesse prazo, é responsável pela prática da contra-ordenação.
Trata-se de uma presunção juris tantum que só pode ser ilidida se for provada a utilização abusiva do veículo ou identificado um terceiro, no prazo legal.
Ultrapassado esse prazo, e aplicada a multa pela autoridade administrativa, já não é possível ilidir a presunção”.
Compreende-se que assim seja.
As sanções contra-ordenacionais, vulgo “coimas”, não constituem penas, mas medidas sancionatórias de carácter não penal, não repugnando que possam recair sobre quem não cometeu o facto ilícito típico, mas sobre quem, em determinadas circunstâncias, o possa e devia evitar, ou quem usufrui das vantagens do meio (veículo) pelo qual foi praticado, ou sobre quem não cumpriu determinadas obrigações.
A responsabilidade da proprietária só é afastada se ela identificar um terceiro no prazo acima referido.
A presunção é “juris tantum”, mas a lei fixa as hipóteses em que pode ser ilidida e, neste caso, fixa o prazo para tanto, tornando-a inilidível após este.
É, pois, contrário ao espírito da lei que tal presunção legal possa ser ilidida mesmo depois de aplicada a coima pela autoridade administrativa.
Efectivamente, a entender-se de modo contrário, tal significaria que a arguida e proprietária do veículo podia quedar-se inerte durante um longo período de tempo, pagando mesmo voluntariamente a coima pelo mínimo (como sucedeu), reservando a identificação do condutor do veículo para a impugnação judicial, isto numa altura em que já não seria possível apurar a responsabilidade pela prática da contra-ordenação, não sendo igualmente possível instaurar processo contra-ordenacional contra o alegado condutor do veículo pois, entretanto, o procedimento estaria prescrito.
Aliás, o caso vertente, é um exemplo paradigmático de tal situação.
Compreende-se, pois, a letra e a ratio da lei tal como se compreende que a jurisprudência tenha vindo a decidir no sentido por nós propugnado".
Assim sendo terá de concluir-se que o recurso não pode proceder.
Resta decidir.
III)
Decisão
Pelo exposto e sem necessidade de maiores considerações, acordam os Juízes desta Relação, em negar provimento ao recurso e, em consequência confirmar integralmente a decisão proferida.
Fixa-se a taxa de justiça devida pelo recorrente em quatro Ucs
Processado por computador e revisto pelo primeiro signatário (artº 94º, nº 2 do C.P.P.)
Guimarães, 3 de Outubro de 2005.