Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1154/13.1TBVCT.G1
Relator: HELENA MELO
Descritores: HERANÇA
PERSONALIDADE JUDICIÁRIA
SOCIEDADE IRREGULAR
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/30/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: .A herança aceite e não partilhada não tem personalidade judiciária, nem personalidade jurídica, pelo que não pode outorgar um contrato e não corresponde a uma realidade diferente do conjunto dos herdeiros; a falta de personalidade da herança não jacente decorre precisamente da circunstância de os seus titulares já estarem determinados, pelo que a herança corresponde, na prática, ao conjunto dos herdeiros.
.A menção no texto do contrato à intervenção na qualidade de herdeiro da herança aberta terá por fim a afirmação de que os herdeiros actuam no interesse da herança e não em interesse próprio e exclusivo, sendo os outorgantes os herdeiros e não a herança que não tem personalidade jurídica.
.O contrato de sociedade dita irregular é um contrato sui generis que não é contrato de sociedade comercial nem contrato de sociedade civil, mas ao qual se aplicam as normas desta último tipo de sociedades, embora não todas, não tendo a sociedade dita irregular personalidade jurídica.

.O contrato celebrado entre os herdeiros da herança indivisa e o R., mediante o qual a gestão de um estabelecimento de farmácia era conjunta, com o fim de repartir os lucros, não é um contrato de sociedade dita irregular, por não se ter provado a contribuição com bens ou serviços de um dos outorgantes nem se ter provado que as partes pretendiam constituir futuramente uma sociedade comercial.
.Reunindo o contrato características de diversos tipos contratuais é um contrato de associação atípico, o qual se rege pelas estipulações das partes, pelas regras gerais dos contratos e pelas regras dos contratos típicos mais próximos, na falta de disposições aplicáveis.
. O R. não pode ser condenado a distribuir lucros quando não se apurou que da exploração da farmácia tivesse resultado quaisquer lucros. A condenação nos termos do artº 609º, nº 2 do CPC pressupõe a prova de um dano na acção, mas que não foi possível quantificar, o que não é o caso dos autos. A liquidação não se destina à prova do dano, mas apenas à sua quantificação.
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Guimarães:
I – Relatório
B., Lda, instaurou ação declarativa sob a forma ordinária, contra C. e D., pedindo que os RR. sejam condenados solidariamente a:
- restituir-lhe o quantitativo global já apurado de € 396.889,05 (correspondente aos prejuízos ou passivo do estabelecimento “Farmácia …” na data de 31/12/2010, que o R. regularizou em 2011 com capitais da herança e da A., e às importâncias de que se apropriou até Outubro de 2011 provenientes de pagamentos por TPA) e os demais valores que se venham a apurar em sede de liquidação, a que deverão acrescer os competentes juros moratórios à taxa legal desde o momento em que tais quantitativos foram transferidos, ou apropriados pelo R., ou assim não se entendendo desde a citação;
- a pagar-lhe os “lucros” de exploração do estabelecimento “Farmácia …” desde 02/01/2001 a 31/12/2010, em conformidade com o estatuído na cláusula quinta do aditamento ao “contrato de cessão de exploração” e na proporção aí fixada (20% para cada um dos aí intervenientes – 80% para a sociedade A.), a determinar em sede de liquidação, acrescidos dos competentes juros moratórios à taxa legal, e desde a data em que os mesmos lucros deveriam ser apurados (31 de Dezembro de cada ano), até integral pagamento.
Para fundamentar tais pretensões, a A. alegou que, não obstante o clausulado no aditamento ao contrato de cessão de exploração celebrado entre os sócios da A. (na altura na qualidade de herdeiros de E.) e o R. no sentido de que o mesmo geria em conjunto com um dos herdeiros (F.) a “Farmácia …”, a verdade é que toda a gestão do estabelecimento “Farmácia …”, durante a vigência daquele contrato (de 02/01/2001 a 31/12/2010), foi da exclusiva responsabilidade do R. .
Entende, por isso, que os RR. devem restituir o valor do passivo ou prejuízos que a “Farmácia …” apresentava quando o contrato findou, que a herança e a A. suportaram (mormente os decorrentes do pagamento de dívidas de fornecimentos respeitantes ao ano de 2010, descontos perdidos dos fornecedores, falhas de caixa e outras importâncias que o R. transferiu para a sua conta bancária) e os montantes de que o R. se apropriou provenientes de pagamentos por TPA (Multibanco) após 31/12/2010, os quais ascendem até à data ao montante de € 396.889,05, e ainda a pagar à A. todos os montantes de “lucros” de exploração do estabelecimento “Farmácia …” durante todo o período em que se verificou a sua exploração pelo R. previstos na cláusula quinta do aditamento ao contrato de cessão de exploração.
Citados, os RR. apresentaram contestação, na qual impugnaram a versão dos factos apresentada pela A. e alegaram que o R. apenas assumiu a direcção técnica da farmácia, tendo ficado acordado que as responsabilidades financeiras seriam da responsabilidade exclusiva dos herdeiros; que todas as compras e compromissos com os fornecedores tinham o conhecimento dos herdeiros F. e G.; que foram feitas transferências da conta do estabelecimento para a conta pessoal dos herdeiros, sem qualquer autorização do R.; que da conta do estabelecimento era efectuados pagamentos, sem o conhecimento ou a autorização do R., do telefone da residência da herdeira H., do vencimento da empregada de limpeza e da empregada doméstica, do combustível para as viaturas dos herdeiros, do gás da residência, e dos jardineiros; que os herdeiros levantavam dinheiro da caixa do estabelecimento para pagamento de almoços, revistas e jornais; que era o herdeiro F. quem levantava e fazia o apuro do caixa diário e guardava o dinheiro no cofre; que, sem a autorização do R., saíam da farmácia produtos e medicamentos para os herdeiros, sem serem pagos; que, a partir de 21 de Dezembro de 2010, a conta corrente da farmácia foi só movimentada pelo herdeiro F., sem a autorização ou o conhecimento do R.
Deduziram ainda reconvenção pelos danos não patrimoniais que alegaram ter sofrido com a propositura da presente acção e que fixaram em € 75.000.
Concluíram pela improcedência da acção e pela procedência da reconvenção.
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A A. apresentou réplica, na qual impugnou a matéria alegada pelos RR., pugnou pela inadmissibilidade da reconvenção e reafirmou a posição já assumida na petição inicial.
Alegou ainda que os RR. litigam com má fé processual, pelo que deverão, juntamente com o seu mandatário, ser condenados em multa e indemnização não inferior a € 5.000,00.
Conclui pela improcedência do pedido reconvencional e pela condenação dos RR. e do seu mandatário como litigantes de má fé em multa e indemnização não inferior a € 5.000,00.
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A reconvenção deduzida pelos RR. não foi admitida e foi designada dia para a audiência prévia, na qual as partes requereram a suspensão da instância.
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Decorrido o prazo da suspensão da instância, sem que as partes chegassem a um acordo, foi proferido o despacho saneador, identificado o objecto do litígio e enunciados os temas de prova.
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Procedeu-se à realização da audiência de julgamento e a final foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, e em consequência:
a) condenou os RR. a pagar à A.:
1.- a importância correspondente a 20% do valor do passivo da Farmácia …na data de 31/12/2010, a determinar em sede de liquidação, acrescida dos juros, à taxa de 4%, vencidos desde a citação até integral pagamento;
2.- a importância correspondente a 80% dos “lucros” de exploração do estabelecimento “Farmácia …” desde 02/01/01 a 31/12/10, a determinar em sede de liquidação, acrescida dos juros, à taxa de 4%, vencidos desde a citação até integral pagamento.
b)- absolveu os RR. do demais peticionado, mormente do pedido de condenação como litigantes de má fé.
Os RR. não se conformaram e interpuseram o presente recurso de apelação, onde formularam as seguintes conclusões:
A. Vem o presente Recurso de Apelação interposto da sentença proferida no dia 4 de Janeiro de 2016, pela Secção Cível (J3) da Instância Central da Comarca de Viana do Castelo, que julgou a presente ação parcialmente procedente e com a qual não se conformam os Réus, ora Recorrentes, porquanto
B. Ficou evidenciado que o Réu em nada contribuiu para os prejuízos da “Farmácia …”, nunca desviou qualquer montante ou adoptou qualquer conduta contrária à lei ou aos seus deveres de gerência;
C. Nunca houve qualquer distribuição de lucros da “Farmácia …”, pelo que o Réu não recebeu qualquer montante a título de dividendos;
D. Provou-se que os herdeiros subtraíam dinheiro e produtos da Autora, para seu uso pessoal e sem o consentimento do Réu;
E. Ficou provado que da “Farmácia …” era subtraído dinheiro para efectuar pagamentos pessoais, nomeadamente de telefone e gás, de empregada de limpeza e doméstica, bem como de jardineiro, da residência pessoal da herdeira H..;
F. Por sua vez, o herdeiro F. retirava dinheiro diretamente da caixa para pagar os seus almoços, revistas, jornais;
G. Os herdeiros retiravam produtos e fármacos da “Farmácia …”, sem por estes pagarem, tudo sem autorização do Réu – Factos Provados 19, 20 e 21 da Sentença.
H. O pedido formulado na Petição Inicial pela Autora, ora Recorrida, advém directamente da celebração do “Contrato de Cessão de Exploração de Estabelecimento Comercial” e respetivo aditamento, que teve como Partes, por um lado, o Réu, e, por outro lado, H., F., por si e na qualidade de gestor de negócios de …, e G. (conforme Facto Provado 1 da Sentença);
I. Por conseguinte, a Autora é terceiro na relação jurídica contratual estabelecida entre os Outorgantes e de cujo alegado incumprimento, ou cumprimento defeituoso, vem agora reclamar e fundar a sua pretensão;
J. O referido contrato, de harmonia com o princípio da relatividade, é, no tocante à Autora, ora Recorrida, res inter alios acta, pelo que a Autora não é, manifestamente, sujeito ativo dos direitos de crédito que se arroga.
K. Nos termos dos artigos 577.º, alínea d), a falta de legitimidade da Autora configura uma exceção dilatória que, ao abrigo do n.º 2, obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa e dá lugar à absolvição dos Réus da instância, e que, por força do artigo 578.º, é de conhecimento oficioso, podendo – e devendo – ser apreciada pelo tribunal ad quem, conforme n.º 2, do artigo 573.º, todos do CPC;
Para além disto,
L. Não podem os Réus concordar com a conclusão a que chega a decisão recorrida, que qualifica o contrato como “inominado”; o contrato celebrado entre os sócios da Autora e o Réu,
M. Tendo em conta as cláusulas contratuais ali apostas, o mesmo configura inequivocamente um contrato de sociedade, previsto nos artigos 980.º, e seguintes, do Código Civil;
N. Trata-se de um contrato plurilateral, em que os Outorgantes se obrigaram a fazer contribuições para o fundo comum (entradas em espécie, como o estabelecimento comercial, pelos Primeiros Outorgantes, e know-how e entrada em indústria, por parte do Segundo Outorgante, aqui Réu), para o exercício de uma atividade económica, no caso, a exploração do estabelecimento comercial, com o objetivo de realização de lucro e sua repartição por todos os sócios, tendo-se estabelecido a sua distribuição em partes iguais por todos os contraentes/sócios;
O. A exploração de uma farmácia é uma atividade comercial, pelo que esta sociedade deveria adoptar a forma comercial e sujeitar-se ao regime previsto no Código das Sociedades Comerciais (cfr. artigo 1.º, n.º 3 CSC);
P. Porque tal não sucedeu, a sociedade constituída pelos sócios da Autora e o Réu é uma sociedade comercial irregular, à qual, nos termos do n.º 2, do artigo 36.º CSC, se devem aplicar as regras das sociedades civis;
Q. Donde, a decisão do caso em juízo deve assentar nesta qualificação do contrato como um contrato de sociedade comercial, irregularmente constituída, devendo, por isso, ser regulada pelos artigos 980.º e seguintes, do Código Civil, com todas as consequências legais daí advenientes e que se alastram à parte dispositiva da Sentença;
R. Nunca foi deliberado nem distribuído o eventual lucro gerado por aquela sociedade, conforme, aliás, foi dado como provado (cfr. Facto Provado 6, a página 6 da Sentença); S. A distribuição de lucros depende de uma deliberação tomada pela maioria dos sócios, conforme artigo 991.º, do Código Civil;
T. A decisão de distribuição de lucros não dependia do Réu e que este não podia e não devia ter procedido à distribuição de quaisquer lucros, já que, para o fazer, precisava de se fundar numa deliberação dos sócios nesse sentido, a qual nunca foi tomada pelos contraentes/sócios;
U. Não tendo havido qualquer distribuição de lucros, o Réu nunca recebeu o quinhão a título de lucros, a que tem direito legal e contratual;
V. Pelo que, pelo exposto, deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que considere esta ação totalmente improcedente e absolva os Réus, aqui Recorrentes, inteiramente do pedido, como é imperativo inderrogável de Justiça;
Acresce que,
W. Pela Sentença recorrida vem condenado não só o Réu, como também a sua mulher, por serem casados no regime de comunhão de adquiridos – cfr. §6 da página 26 da Sentença;
X. É uma decisão com a qual não podem os Réus, e em especial a Ré mulher, conformarse, por no seu entender, não estar de acordo com a Lei e o Direito;
Y. As considerações (sejam as que constam da parte decisória, sejam as que resultam dos factos provados) são manifestamente conclusivas e envolvem juízos de valor e conceitos de direito, pelo que não poderá nem deverá tal matéria ser levada em consideração na decisão, devendo considerar-se a mesma como não escrito;
Z. A decisão de condenação da Ré mulher não se pode bastar com aquela fatualidade, uma vez que, a ser assim, seria “a ação resolvida com um único quesito. Na lógica daquela tese, não seriam necessários mais quesitos, nem mais provas” – cfr. Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 4/2001, do Supremo Tribunal de Justiça;
AA. O Tribunal a quo ao considerar que os “rendimentos que o R. retirou da sua actividade na farmácia reverteram em proveito comum do casal”, traçou inexoravelmente – por força do disposto no artigo 1691.º, n.º 1, alíneas c) ou d), do Código Civil – a sorte da ação no que diz respeito à Ré mulher, aqui Apelante, sem que haja sequer qualquer possibilidade de sindicância por parte de um Tribunal superior;
BB. Por outro lado, a decisão do tribunal a quo não cumpre o dever de fundamentação da Sentença, previsto no artigo 607.º, n.º 4, do CPC;
CC. E a consequência da falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que sustentam uma determinada decisão é a que decorre da alínea b), do n.º 1, do artigo 615.º: a nulidade;
DD. O tribunal a quo não refere, em qualquer dos 52 (cinquenta e dois) Factos Provados, a existência de um efetivo ganho ou lucro ou proveito provenientes da exploração da “Farmácia das Neves”, para qualquer um dos Réus;
EE. Ao invés, ficou efetivamente provado na ação que “O lucro anual a que alude a cláusula quinta do escrito referido em 2) [“Aditamento” ao “Contrato de Cessão de Exploração de Estabelecimento Comercial”] nunca foi dividido pelas pessoas e nos termos previstos na mencionada cláusula” – cfr. Facto Provado 6;
FF. A sentença não indica os factos que estiveram na base da ilação da existência de um proveito, para a Ré, nem concretiza as normas legais donde retira a consequência da responsabilidade da Ré, ora Recorrente;
GG. Omissão que, ao abrigo do n.º 4, do artigo 607.º, e da alínea b), do n.º 1, do artigo 615.º, ambos do CPC, faz enfermar a sentença de nulidade;
HH. A sentença recorrida não especifica qual a alínea aplicável, o que se compreende porque, em boa verdade, nenhuma das situações previstas nas alíneas do n.º 1, do artigo 1691.º, do Código Civil é reconduzível à fatualidade apurada nos autos;
II. Nenhuma alegação ou prova foi feita sobre o consentimento da Ré mulher quanto à atuação do seu marido ou sobre se as dívidas dos autos foram contraídas para acorrer aos encargos normais da vida familiar – cfr. als. a) e b) do n.º 1 do artigo 1619.º CC;
JJ. O “proveito comum do casal” não se presume, conforme decorre expressamente do n.º 3 do artigo 1691.º do Código Civil, pelo que cabia à Autora não só alegar, como também fazer prova, no processo da existência de um efetivo proveito comum para os Réus, decorrente da celebração do “Contrato de Cessão de Exploração de Estabelecimento Comercial” e seu “Aditamento”, o que não fez;
KK. O tribunal a quo limitou-se a condenar a Ré, com base na apresentação de um requerimento de apoio judiciário pelos Réus, donde extraiu a ilação de que os mesmos “têm uma economia de vida comum” – cfr. §8, da página 17, da Sentença;
LL. O facto de os Réus serem casados e terem uma vida comum é distinto do facto de determinado rendimento reverter em proveito comum do casal;
MM. Não pode, por isso, a Ré mulher ser condenada com fundamento na alínea c) do n.º 1 do artigo 1691.º CC.
NN. Não pode também igualmente ser condenada com fundamento na alínea d), uma vez que esta norma apenas se aplica ao cônjuge devedor que é comerciante e o Réu não pode ser considerado comerciante, porque no exercício da atividade de gerente que exercia não praticava actos de comércio em nome próprio (cfr. artigo 13.º do Código Comercial).
OO. A falta de fundamentação de facto e de direito da sentença configura a nulidade prevista na alínea b), do n.º 1, do artigo 615.º, conforme já invocado.
PP. Donde, não pode a Ré mulher ser condenada nesta ação, porque a situação fática provada nos autos não pode ser juridicamente reconduzida a nenhuma das alíneas do n.º 1, do artigo 1691.º do Código Civil, pelo que deverá ser, em qualquer caso, absolvida do pedido, o que se requer.
NESTES TERMOS,
e nos mais que V. Exas. doutamente suprirão, deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a decisão do Tribunal de 1.ª Instância, substituindo-a por outra que absolva os RR. apelantes do pedido ou, quando menos, da instância, conforme supra exposto.
A parte contrária não contra-alegou.
II – Objecto do recurso
Considerando que:
. o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes, estando vedado a este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso; e,
. os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu acto, em princípio delimitado pelo conteúdo do acto recorrido,
as questões a decidir são as seguintes:
. se a sentença é nula por falta de fundamentação por não indicar os factos que estiveram na base da ilação da existência de proveito comum do casal constituído pelos RR., nem concretizar as normas legais donde retira a consequência da responsabilidade da R. e por não referir a existência de um efectivo ganho ou lucro proveniente da exploração da “Farmácia …” para qualquer dos RR..
. se a A. é parte ilegítima para instaurar a presente acção, por não ter sido interveniente nos contratos celebrados e juntos aos autos;
. em caso negativo;
. se o contrato celebrado entre as partes é um contrato de sociedade irregular, ao qual se aplica o disposto no Código Civil relativamente às sociedades civis;
. se a decisão de distribuição de lucros não dependia do R., e como tal não pode ser condenado a pagar aos demais contratantes 80% dos lucros relativos ao período de 2001 a 2010;
. se os RR. devem ser condenados a pagar 1/5 das despesas suportadas pela A. relativamente ao passivo de 2010; e,
. caso se conclua ser o R. responsável pelo pagamento de lucros e/ou de dívidas da sociedade, durante o período em que foi gestor da mesma, se a R. é responsável juntamento com o R. pelo pagamento dessas quantias
III - Fundamentação
Na primeira instância foram considerados provados e não provados os seguintes factos:
.A.- Factos provados
.1. H., F., por si e na qualidade de gestor de negócios de …, e G. (sócios da sociedade A. e, na altura, na qualidade de herdeiros do (pai) Dr. E., como primeiros outorgantes, e o R. C., como segundo outorgante, subscreveram, nele apondo as respectivas assinaturas, o escrito que se encontra junto por fotocópia a fls. 7 a 9 do Apenso A, datado de 02/01/2001 e intitulado “Contrato de Cessão de Exploração de Estabelecimento Comercial” (que aqui se dá por integralmente reproduzido), no qual ficou, além do mais, estipulado que os primeiros outorgantes cediam ao segundo a exploração do estabelecimento comercial denominado “Farmácia …” pelo prazo de 5 anos, com início em 1 de Janeiro de 2001 e fim em 31 de Dezembro de 2005, podendo o mesmo renovar-se automaticamente e pelo mesmo período desde que não ocorresse qualquer denúncia das partes, e ainda que o valor da prestação mensal a pagar pelo segundo outorgante era de 1.490.000$00 durante o primeiro ano de vigência, sendo a este valor acrescido, nos anos subsequentes, o valor da taxa de inflação publicada (art.ºs 1.º e 2.º da p.i.);
.2. Aqueles H., F. e G., como primeiros outorgantes, e o R. C., como segundo outorgante, subscreveram, nele apondo as respectivas assinaturas, o escrito que se encontra junto por fotocópia a fls. 11 a 13 do Apenso A intitulado “Aditamento ao Contrato de Cessão de Exploração de Estabelecimento Comercial” (o qual se dá aqui por integralmente reproduzido), com data de 02/01/2001, no qual as partes complementaram e alteraram o escrito referido em 1), estipulando, além do mais, o seguinte (art.ºs 1.º, 2.º e 4.º da p.i. e art.º 10.º da contestação):
(…)
Segunda
Pelo presente contrato fica estabelecida entre as partes que a exploração do referido estabelecimento de farmácia pertence a todos os outorgantes (…)
(…)
Quarta
A gestão comercial do estabelecimento será efectuada pelo segundo outorgante e por F., nomeado pelos restantes herdeiros como seu representante.
& primeiro - Todos os actos de investimento e bem como a assunção de responsabilidades, como aceites, letras, livranças e garantias que envolvam o estabelecimento carecem de consentimento de todos os herdeiros, agora primeiros outorgantes.
& segundo - Para a contratação de novos funcionários bem como o despedimento dos existentes é necessário o acordo de todos os herdeiros, únicos proprietários do estabelecimento comercial.
Quinta
A renda acordada no contrato de cessão de exploração, entregue mensalmente aos primeiros outorgantes, será depositada em conta aberta para o efeito.
O segundo outorgante receberá mensalmente a quantia de 500.000$00 a título de remuneração, subsídio de férias e subsídio de Natal.
O lucro anual do estabelecimento líquido das despesas inerentes à exploração será dividido por H., (…), F., G. e C., cabendo a cada um a percentagem de 20%.
Sexta
Ficam a cargo do estabelecimento comercial o pagamento de todas as contribuições, impostos, taxas e multas devidas ao Estado.
Sétima
Todas as obras a efectuar carecem da autorização H., (…), F., G. e C..
Nona
Ambos os outorgantes declaram que aceitam estas cláusulas que são aditadas ao contrato de cessão de exploração e substituem as anteriormente exaradas.
.3.A exploração da “Farmácia …” ao abrigo dos escritos referidos em 1) e 2) iniciou-se em 02/01/2001 e terminou em 31/12/2010 (art.º 3.º da p.i.);
.4.No período de 02/01/2001 a 31/12/2010 o R. efectuou compras, pagou a fornecedores e com eles negociou as aludidas compras, liquidou salários, estabeleceu planos de férias e demais actos atinentes à gestão da farmácia, mormente liquidando também em seu nome os impostos (IRS e IVA) inerentes àquela sua atividade (art.ºs 5.º e 6.º da p.i. e 14.º da réplica);
.5.A prestação mensal prevista na cláusula quinta do escrito referido em 1) nunca foi actualizada (art.º 7.º da p.i.);
.6.O lucro anual a que alude a cláusula quinta do escrito referido em 2) nunca foi dividido pelas pessoas e nos termos previstos na mencionada cláusula (art.º 8.º da p.i. e 11.º da contestação);
.7.O R. estava ciente, no decurso do ano de 2010, de que este seria o último ano de exploração da “Farmácia …” ao abrigo dos escritos referidos em 1) e 2) (art.º 9.º da p.i.);
.8.Foi sob a figura de “herança indivisa” aberta por óbito de E. que a “Farmácia…” laborou desde o dia 01/01/2011 ao dia 31/03/2011 (art.º 12.º da p.i.);
´9.A partir de 01/04/2011 a “Farmácia …” laborou sob a figura de sociedade comercial por quotas (ora A.), para onde foi transmitido na íntegra todo o activo e passivo da referida herança (art.ºs 13.º e 16.ºda p.i.);
.10.Em 31/12/2010 o estabelecimento “Farmácia …” tinha dívidas a fornecedores, mormente à J., C.R.L. e L., S.A. (art.º 10.º da p.i.);
.11.A partir de 01/01/2011, o R. manteve-se como director-técnico da “Farmácia…” (art.º 14.º da p.i.);
.12.O R. é farmacêutico, qualidade que os sócios da sociedade A. não detêm (art.º 14.º da p.i.);
.13.O R. tinha a confiança dos sócios da sociedade A. (art.º 15.º da p.i.);
.14.Foram efectuadas, por débito na conta Depósitos à Ordem n.º … do Banco… titulada por Herdeiros de E., para crédito na conta Depósitos à Ordem n.º … (anteriormente com os n.ºs … e …) titulada pelo R. e pelo herdeiro F., as transferências de € 20.000, de € 12.000, de € 35.000 e de € 8.000 em 15/02/11, 03/03/11, 15/03/11 e 15/04/11, respectivamente (art.º 17.º da p.i.);
.15.As transferências referidas em 14) destinaram-se a efectuar o pagamento de fornecimentos de 2010 aos credores (art.º 17.º da p.i.);
.16.Os pagamentos à “J.” em 2011 orçaram, pelo menos, € 112.564,59 e diziam respeito a facturação/fornecimentos ocorridos em 31/10/10, 30/09/10, 30/11/10, 31/12/10, 31/05/10, 31/08/10, 30/06/10 e 31/07/10, sendo que foram efectuados os pagamentos de € 33.992,37, de € 33,144,58, de € 35.348,28 e de € 10.887,02 por cheques sacados sobre a conta referida em 14) (art.º 18.º da p.i.);
.17.Tais pagamentos, porque efectuados depois do prazo (a partir de Janeiro até Abril de 2011), foram penalizados com a perda do desconto financeiro de € 6.125,81 (art.º 19.º da p.i.);
.18.O TPA (mecanismo destinado à liquidação pelos clientes por “multibanco”) que, em 31/12/2010, se encontrava associado à conta Depósitos à Ordem referida em 14) (art.º 20.º da p.i. e art.º 18.º da contestação);
.19.Não foi alterado em 2011 (art.º 21.º da p.i.);
.20. Pelo que tais valores continuaram a ser creditados na conta Depósitos à Ordem referida em 14) até Outubro de 2011 (art.ºs 22.º e 23.º da p.i.);
.21. Em Outubro de 2011, o R. foi despedido pela A., deixando de prestar qualquer actividade/função laboral no estabelecimento “Farmácia …” (art.º 23.º da p.i.);
.22.O fornecedor L., em extracto remetido à A., informou que o débito em conta corrente da “Farmácia …” durante o período de 01/01/2010 a 31/12/2010 era de € 108.992,22, que a A. liquidou (art.º 24.º da p.i.);
.23. E na “M. CRL”, a “Farmácia …” possuía um débito acumulado, no período de 01/01/2010 a 31/12/11, de € 42.862,89 (art.º 25.º da p.i.);
.24. No mês de Novembro (a 16) de 2011 a A. realizou um acordo de regularização de dívida com um dos fornecedores (J.) (art.º 26.º da p.i.);
.25. Estes 3 fornecedores (Alliance, Cooprofar e Cofanor) integram os principais fornecedores da A. (art.º 29.º da p.i.);
.26. A “Farmácia …” apresentava “falhas de caixa” que totalizam € 60.776,91 (art.º 33.º da p.i.);
.27.O R. é casado no regime da comunhão de adquiridos com a também R. desde 07/01/1984 (art.º 45.º da p.i.);
.28.Os proventos da actividade farmacêutica do R. também beneficiaram a R., que deles usufruiu no dia a dia conjugal (art.º 45.º da p.i.);
.29. As compras e compromissos com fornecedores tinham, pelo menos, o conhecimento do herdeiro F., que trabalhava na farmácia (art.ºs 15.º e 16.º da contestação);
.30. F. assinava e emitia cheques da conta referida em 14) (art.º 18.º da contestação);
31. G. era gerente no Banco …– Viana do Castelo, onde se encontrava aberta a conta referida em 14) (art.º 20.º da contestação);
A conta referida em 14) era a única que a farmácia detinha (art.º 21.º da contestação);
.33.O herdeiro G., na qualidade de gerente e gestor daquela conta sempre a poderia fiscalizar (art.º 22.º da contestação);
.34.Da farmácia saíam quantias para pagamentos pessoais dos herdeiros, sem autorização do R., designadamente telefone e gás, empregada de limpeza e doméstica da residência da herdeira H. e jardineiros da mesma residência (art.º 23.º da contestação);
.35.E, inúmeras vezes, levantadas directamente da Caixa, pelo herdeiro F. para pagamento de almoços, revistas, jornais (art.º 24.º da contestação);
.36.Quer o R. quer o herdeiro F. levantavam e faziam o apuro do caixa diário e guardavam o dinheiro num cofre (art.º 25.º da contestação);
.37.Por vezes, o Banco…, através dos seus funcionários, como do próprio G., deslocavam-se à farmácia para recolherem dinheiro para depositar na conta (art.º 27.º da contestação);
.38. E era o F. ou o R. a entregar tal dinheiro (art.º 28.º da contestação);
.39. Da farmácia e sem autorização do R., saíam produtos e fármacos para os herdeiros sem serem pagos (art.º 29.º da contestação);
.40. Após ter sido despedido pela A., o R. ficou desempregado (art.º 32.º da contestação e art.º 34.º da réplica);
.41. Em 31/12/2010, foi deixado em stock existências do montante de € 61.053,41 quando em 31/12/2000 aquele stock era do montante de € 57.561,90 (PTE 11.540.125$00) (art.º 37.º da contestação);
.42. Foram executadas obras de melhoramento do estabelecimento com a autorização e conhecimento dos herdeiros, designadamente G. (art.º 38.º da contestação);
.43. Foi substituído todo o sistema informático do Sistema Clássico para o Sifarma 2000 com custos (art.º 39.º da contestação);
.44. No final do ano de 2012 os herdeiros liquidaram todos os encargos com a Farmácia, inclusive a conta caucionada no valor de € 50.000,00 (art.º 42.º da contestação);
.45. Em 2011, a conta referida em 14) foi movimentada pelo herdeiro F. (art.º 43.º da contestação);
.46. O IRS do R. relativo ao ano de 2010 foi pago com um cheque preenchido e assinado pelo punho do herdeiro F. (art.º 47.º da contestação);.
47. Os RR. venderam a sua casa em 13/02/2013 (art.º 60.º da contestação);
.48. O R. celebrou o contrato de mediação mobiliária para a venda daquela casa em 10 de Novembro de 2011 (art.º 61.º da contestação);
.49. O TOC do R. (Sr. …) não prestou a Dr. … esclarecimentos/e informações contabilísticas da empresa (art.º 22.º da réplica);
.50. O R. não exibiu a documentação contabilística nem a entregou ao novo TOC da sociedade (Dr. …) (art.ºs 14.º e 24.º da réplica);
.51. O R. laborou desde Maio de 2012 a 1 de Março de 2013 em outra Farmácia, onde auferia o vencimento base de €1.976,00/mês (art.º 33.º da réplica);
.52. Em 16/01/13 o R. celebrou em juízo (laboral) com a A. um acordo de liquidação dos salários entretanto vencidos e não pagos (sem qualquer tipo de indemnização) no montante de € 7.000,00 (art.º 37.º da réplica).
*
B) - Factos não provados
Não resultaram provados outros factos com relevância para a boa decisão da causa, designadamente que:
a) Os herdeiros ignoravam em 31/12/2010 que a Farmácia tinha dívidas a fornecedores (art.º 10.º da p.i.);
b) O R., de caso pensado e com intuito manifesto de lesar patrimonialmente a A., pagou, em 2011, as dívidas referidas em 10) respeitantes ao seu exercício, com verbas pertença dos herdeiros/herança do falecido Dr. E. e da sociedade A. (art.ºs 11.º, 12.º e 13.º da p.i.);
c) O R. transferiu para pagamento a fornecedores da conta de depósitos à ordem da Herança e mais tarde da sociedade A. € 75.000 para a sua conta pessoal em 15/02/2011, 03/03/2011, 15/03/2011 e 15/04/2011 (art.º 17.º da p.i.);
d) Os pagamentos referidos em 16) foram em numerário (art.º 18.º da p.i.);
e) O TPA (mecanismo destinado à liquidação pelos clientes por “multibanco”) em 31/12/2010 encontrava-se em nome do R. (art.º 20.º da p.i.);
f) O R. apropriou-se dos quantitativos recebidos através do TPA até Outubro de 2011 (art.º 23.º da p.i.);
g) O R. apropriou-se da quantia de € 336.112,24 (art.º 32.º da p.i.);
h) O R. celebrou contrato de exploração da farmácia, a convite dos herdeiros, face à grave dificuldade financeira e técnica que a mesma atravessava, com sério risco de perder o alvará (art.º 5.º da contestação);
i) Após o que, para salvaguardar os interesses dos herdeiros, celebrou o aditamento ao contrato de exploração inicial (art.º 6.º da contestação);
j) O R. só anuiu à celebração dos referidos contratos porque lhe foi garantido pelos herdeiros que a situação seria temporária (art.º 8.º da contestação);
k) Mas sempre e só em que este assumia, como assumiu, a direcção técnica e as responsabilidades financeiras seriam da inteira e exclusiva responsabilidade dos herdeiros (art.º 9.º da contestação);
l) Além da remuneração mensal, o R. nunca recebeu quaisquer lucros (art.º 11.º da contestação);
m) Os herdeiros recebiam, mensalmente, avultadas quantias (art.º 12.º da contestação);
n) Os herdeiros reconheceram que tais lucros só eram possíveis devido à boa gestão técnica do R. (art.º 13.º da contestação);
o) Por isso, renovaram e mantiveram durante largo período de tempo o R. como director técnico (art.º 14.º da contestação);
p) Sendo certo que toda a responsabilidade financeira, nomeadamente compras e compromissos com fornecedores tinha o conhecimento do herdeiro G. (art.º 15.º da contestação);
q) Todos os anos era enviada uma carta a autorizar a transferência do valor da renda para a conta pessoal de cada um dos herdeiros (art.º 17.º da contestação);
r) Tendo sido feitas inúmeras transferências para a conta pessoal dos herdeiros sem qualquer autorização do R. (art.º 19.º da contestação);
s) Cuja responsabilidade e iniciativa cabe em exclusivo ao F. e/ou G. (art.º 20.º da contestação);
t) O herdeiro G., na qualidade de gerente e gestor da conta da “Farmácia”, fiscalizava e movimentava a conta referida em 14) (art.º 22.º da contestação);
u) Desta conta saíam quantias para pagamentos pessoais dos herdeiros e sem o conhecimento ou autorização do R., designadamente, telefone da residência da herdeira H., empregada de limpeza e empregada doméstica, combustível para as viaturas pessoais dos herdeiros, gás da residência, jardineiros, pequenas obras de restauro e reparação (art.º 23.º da contestação);
v) A chave do cofre encontrava-se apenas na posse do herdeiro F. (art.º 25.º da contestação);
w) Nunca o R. teve acesso àquele cofre ou ao Caixa sem a presença e autorização do F. (art.º 26.º da contestação);
x) Sempre foi o F. a entregar o dinheiro que se encontrava guardado no cofre aos funcionários do Banco… (art.º 28.º da contestação);
y) Os únicos e exclusivos beneficiários da actividade da farmácia foram, como são, os herdeiros respectivos (art.º 30.º da contestação);
z) No relatório elaborado pelo Revisor Oficial de Contas, Dr. …, as contas foram aprovadas por todos os herdeiros e eram do seu conhecimento (art.º 33.º da contestação);
aa) Durante o primeiro ano da exploração da farmácia foram saldadas dívidas anteriores (art.º 36.º da contestação);
bb) A Farmácia foi objecto de sucessivas inspecções fiscais e nunca lhe foi aplicada qualquer coima, cuja contabilidade se encontrava imaculada (art.º 40.º da contestação);
cc) A partir de 21/12/2010 a conta corrente da Farmácia foi só e sempre movimentada pelo herdeiro F., e sem autorização ou conhecimento do R., e/ou pelo herdeiro G. (art.º 43.º da contestação);
dd) O IRS do R. de 2010 foi pago com o acordo dos herdeiros (art.º 47.º da contestação);
ee) O sócio e herdeiro F. assinou os contratos de fornecimento e avalizou os restantes (art.º 50.º da contestação);
ff) O R. é pessoa séria, honesta, competente e por todos respeitado (art.º 53.º da contestação);
gg) O R. contribuiu para o desenvolvimento, fixação e angariação de clientes para a Farmácia (art.º 54.º da contestação);
hh) Considerando os herdeiros amigos e como família, em quem sempre confiou (art.º 55.º da contestação);
ii) Os RR. venderam a casa, dada a sua situação patrimonial actual, por não terem dinheiro para continuar a amortizar capital e juros mutuados com a N. (empréstimo para habitação), no intuito de pagar a esta e saldar dívidas a terceiros (art.º 60.º da contestação);
jj) Muito antes de qualquer processo instaurado e porque, precisamente, foi despedido a 31 de Outubro de 2011, o R. resolveu vender a casa (art.º 61.º da contestação);
kk) O R. chegou à exploração deste estabelecimento com inúmeras dívidas (mormente à “OCP”) anteriores a fornecedores, provenientes estas da exploração de uma outra (em Santo Tirso) Farmácia (art.º 27.º da réplica);
.II. Dívidas estas que terão sido pagas posteriormente, ou seja durante a exploração da “Farmácia …” (art.º 28.º da réplica).

Da nulidade da sentença
Dispõe o artº 615º, nº 1, alínea b) do CPC que a sentença é nula quando não contenha os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
A exigência de fundamentação tem consagração constitucional (artº 205º, nº 1) e também ao nível do direito infra constitucional (artº 154º do CPC). Bem se compreende esta imposição. Só conhecendo os fundamentos da decisão poderá a parte a quem a decisão for desfavorável, decidir se deve ou não conformar-se com a mesma. E também o Tribunal de recurso tem de conhecer esses fundamentos para aferir se a mesma se mostra ou não correta.
Como é entendimento uniforme, apenas a total ausência de fundamentos de facto e/ou de direito constitui causa de nulidade. A deficiente fundamentação poderá conduzir à revogação da sentença, mas não a fere de nulidade.
Não se deve confundir a nulidade da sentença com o erro de julgamento. O que os apelantes vêm alegar para fundamentar a nulidade da sentença, não é caso de nulidade, mas sim de erro de julgamento. Alegam os apelantes que a sentença não indica os factos que estiveram na base da ilação da existência de proveito comum do casal constituído pelos RR.
Ora, se os factos são insuficientes para que o Tribunal possa concluir pela comunicabilidade da dívida, o que se verifica é erro de julgamento e não nulidade da sentença. O mesmo se diga quanto à invocada nulidade por não constarem dos factos provados que a exploração da sociedade tenha gerado lucros. Se os factos são insuficientes para que os RR. possam ser condenados a pagar os lucros, então a acção deverá improceder parcialmente, mas a sentença não é nula.
Também não se verifica a nulidade por ausência de fundamentação de direito, no que concerne à responsabilidade da R. mulher. Escreveu-se na sentença recorrida “A R. é também responsável pelas referidas dívidas, já que era casada com o R. no regime de comunhão de adquiridos na data em que foi celebrado o contrato referido, como ainda e até hoje, e os rendimentos que o R. retirou da sua actividade na farmácia reverteram em proveito comum do casal (artº 1691º do CC).” A Mma. Juíza a quo como transparece cristalinamente do extracto acabado de transcrever, fundamentou de direito a sua decisão, pelo que não assiste razão aos apelantes.
Improcede assim a invocada nulidade.

Da ilegitimidade da A.
Vieram agora os RR., apenas em sede de recurso, suscitar a exceção de ilegitimidade da A. para instaurar a presente acção, alegando que o contrato não foi celebrado com a A. mas sim com H., F., (…) e G., pelo que não tendo sido a A. interveniente no contrato e assentando a causa de pedir no incumprimento contratual do R. marido, a A. não tem interesse em demandar.
É por demais conhecida a controvérsia que opôs os defensores da tese do Prof. Barbosa de Magalhães, aos defensores da tese do Prof. José Alberto dos Reis que dividiu a jurisprudência durante décadas, mas que se encontra totalmente ultrapassada, pelo que nos dispensamos de a referir, desde a alteração do CPC introduzida pelos DL 329-A/95 de 12/12 e mormente pelo DL 180/96 de 25/9, com o aditamento, na parte final do nº 3 do art. 26º, da expressão “tal como é configurada pelo A.” e que se mantém desde então até ao actual artº 30º, nº 3 do CPC, aprovado pela Lei 41/2013. Não oferece actualmente dúvidas que a apreciação deste pressuposto processual não exige o conhecimento do mérito e não se confunde com o mesmo, sendo distinto e prévio a esse conhecimento, de preferência, deverá ser invocado o mais cedo possível ou conhecido oficiosamente, para evitar a prática de actos inúteis e a sua repetição, pois que a ilegitimidade conduz à absolvição da instância, não impedindo a instauração de nova acção.
Uma vez que apenas foi proferido despacho tabelar sobre a questão da ilegitimidade, o tribunal não está impedido de a apreciar e, embora seja questão nova, também não está impedido de a conhecer, por ser de conhecimento oficioso.
A A. conclui, pedindo:
. a condenação solidária dos RR. a restituir à A. sociedade o quantitativo global de 396.889,05, relegando-se para a competente execução de sentença os demais valores que se venham a apurar ;
. a condenação dos RR. a liquidar, a pagar à A. todos os montantes de lucros que não foram distribuídos, durante os anos em que explorou a farmácia.
A causa de pedir que invocou foi a celebração de um contrato entre os herdeiros da herança indivisa, aberta por óbito do Dr. E. e o R. e alegou factos de onde concluíu pelo incumprimento do contrato. Mais alega que posteriormente foi constituída uma sociedade, a ora A., para a qual foi transferido todo o activo e o passivo da sociedade.
Vejamos:
Desde 1.04.2011 que quem explora o estabelecimento comercial “Farmácia …” é a A. Os herdeiros do Dr. E. constituíram uma sociedade para a qual transmitiram todo o activo e passivo da herança (facto provado 9).
Os contratos juntos aos autos, foram outorgados pelos herdeiros do Dr. E. invocando a qualidade de herdeiros legitimário da herança aberta por óbito do Dr. E., como nos mesmos contratos expressamente consta.
Importa primeiro que se concretiza quem é que é parte, para além do R., no contrato e aditamento em causa.
A personalidade judiciária é a susceptibilidade de ser parte (cfr. art. 11º, nº 1, do actual CPC) e coincide, por regra, com a personalidade jurídica, dado que, como estabelecem os nºs 2 das citadas disposições legais, quem tiver personalidade jurídica tem igualmente personalidade judiciária.
A correspondência entre personalidade jurídica e personalidade judiciária não é absoluta. Casos há, taxativamente previstos, em que se conferiu personalidade judiciária a determinadas entidades desprovidas de personalidade jurídica, tal como decorre do estatuído nos arts. 12º e 13º do actual CPC. Nomeadamente, de acordo com o disposto na alínea a) do artº 12º do CPC, a herança jacente e os patrimónios autónomos detêm personalidade judiciária, mas não têm personalidade jurídica.
De acordo com o disposto no artº 2046º do CC, a herança jacente é a herança aberta, mas ainda não aceite nem declarada vaga para o Estado. A morte do autor da herança determina a imediata abertura da herança e o chamamento à titularidade das relações jurídicas do falecido daqueles que gozam de prioridade na hierarquia dos sucessíveis (arts. 2031º e 2032º do CC). No entanto, ainda que os sucessíveis sejam conhecidos tal não significa que estejam determinados, pois podem não aceitar a herança e repudiá-la expressa ou tacitamente (cfr. arts. 2050º e segs. do CC). E se assim o fizerem, irão ser chamados os sucessíveis subsequentes e assim sucessivamente (art. 2032º, nº 2, do CC), podendo, na falta de sucessíveis, ser declarada vaga a favor do Estado. Enquanto a herança não for aceite pelos sucessíveis chamados, não estão determinados os efectivos titulares dos direitos e relações jurídicas que fazem parte da herança e é neste período transitório que a herança se considera como jacente.
Conforme se defende no Ac. do TRC de 24.02.2015 (proferido no proc. 1530/12 e que temos vindo a seguir de perto) “… herança jacente é coisa diversa da herança que, não obstante permanecer ainda em situação de indivisão (por não ter sido efectuada a partilha), já foi aceite pelos sucessíveis que foram chamados à titularidade das relações jurídicas que dela fazem parte.
Ora, sendo indiscutível que a herança (seja ela uma herança jacente ou uma herança já aceite mas ainda indivisa) não dispõe de personalidade jurídica, é também indiscutível que só à primeira a lei conferiu personalidade judiciária.(…)
Com efeito, a necessidade de atribuição de personalidade judiciária à herança jacente radica, precisamente, na circunstância de os respectivos titulares não estarem determinados (por isso o legislador também aludiu, na mesma alínea, a outros patrimónios semelhantes cujo titular não esteja determinado), coisa que não acontece com a herança já aceite, mas ainda indivisa, porquanto, neste caso, estão já determinados (por via da aceitação da herança) os respectivos titulares (herdeiros) e, como tal, poderão ser estes a exercer e a assumir os respectivos direitos e deveres, sem que exista, portanto, uma real necessidade de atribuir personalidade judiciária à herança indivisa, personalidade esta que seria redundante.
Neste sentido se tem pronunciado, aliás, a nossa jurisprudência, podendo ver-se, entre outros, o Acórdão do STJ de 15/01/2004 (proc. nº 03B4310), o Acórdão do STJ de 12/09/2013 (proc. nº 1300/05.9TBTMR.C1.S1), o Acórdão do STJ de 31/01/2006 (proc. nº 05A3992), o Acórdão da Relação do Porto de 13/12/2011 (proc. nº 54/10.1TBBGC-H.P1), Acórdão da Relação de Coimbra de 28/05/2013 (proc. nº 325/09.0TBCTB.C2) e Acórdão da Relação de Coimbra de 16/11/2010 (proc. nº 51/10.7TBPNC.C1)”.
No caso, não estamos perante uma herança jacente, mas sim uma herança aceite pelos herdeiros, pois praticaram actos de aceitação – a gestão do estabelecimento de farmácia -, sendo conhecida a identidade dos herdeiros, mas que não se encontra ainda partilhada. A herança aceite e não partilhada não tem personalidade judiciária, nem personalidade jurídica, pelo que não podia outorgar um contrato. A prática do acto teria que ser efectuada pelo cabeça de casal, se o acto se compreendesse dentro dos seus poderes de administração, ou com a intervenção de todos os herdeiros (artºs 2087º a 2091º do CC), como ocorreu no caso.
A herança indivisa não corresponde a uma realidade diferente do conjunto dos herdeiros; a falta de personalidade da herança não jacente decorre precisamente da circunstância de os seus titulares já estarem determinados, pelo que a herança corresponde, na prática, ao conjunto dos herdeiros (cfr. também se defende no Ac. do TRC citado).
A menção à intervenção na qualidade de herdeiro da herança aberta terá por fim a afirmação de que os herdeiros actuam no interesse da herança e não em interesse próprio e exclusivo.
Os outorgantes são os herdeiros e não a herança que não tem personalidade jurídica.
Mas se os outorgantes são os herdeiros, dir-se-á então que os credores são também os herdeiros e não a sociedade A., relativamente aos créditos provenientes de eventuais lucros devidos a estes e dos fornecimentos por si pagos, pelo que se colocaria a questão de falta de legitimidade.
No entanto, os herdeiros constituíram uma sociedade para explorar o estabelecimento comercial, e para o qual foi transmitido todo o activo e passivo da herança (artº 9º), transmissão esta entendida como transmissão de todos os créditos e débitos de que os herdeiros eram titulares, razão pela qual lhe assiste legitimidade, de acordo com a da A., para instaurar a presente acção.
Improcede assim a alegada ilegitimidade.


Do contrato celebrados entre as partes
Os apelantes aceitam que o contrato que foi celebrado entre as partes, não obstante o nomen iuris que lhe foi atribuído – “contrato de cessão de estabelecimento comercial”, não é um contrato de cessão de exploração de estabelecimento.
O contrato de cessão de estabelecimento comercial ou de cessão de exploração é o contrato mediante o qual alguém transfere temporária e onerosamente para outrem, juntamente com o gozo do prédio, a exploração de um estabelecimento comercial ou industrial nele instalado.
O objecto da cessão de exploração não é o imóvel em si, mas sim o estabelecimento como um bem unitário, compreendendo a globalidade dos elementos que o integram e a sua destinação ao prosseguimento de uma dada actividade mercantil.
O que releva para a qualificação de um tipo contratual são efectivamente as obrigações e os direitos das partes consagrados no contrato e não o nomen iuris que foi feito constar, devendo ser considerada toda a relação efectivamente estabelecida para discernir da qualificação do contrato.
No nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da liberdade contratual. As partes são livres, dentro dos limites da lei, de celebrar contratos diferentes dos previstos no código civil e incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver (artº 405º, nº 1 do CC). As partes podem ainda reunir num único contrato regras de dois ou mais negócio, total ou parcialmente regulados na lei (artº 405º, nº 2 do CC).
Na sentença recorrida considerou-se tratar-se de um contrato atípico.
Os apelantes, em sede de recurso, vêm defender que se trata de um contrato de sociedade comercial irregular, ao qual se aplicam as disposições do artº 980º e ss Código Civil, por força do disposto no artº 36º nº 2 do CSC.
A jurisprudência portuguesa tem decidido, de forma constante, que a sociedade prevista no art. 36.º, n.º 2, do CSC só existe se se verificarem, entre outros, os elementos do contrato de sociedade civil constantes do artº 980º do CC.
Os elementos a ter em conta são os seguintes:
. acordo entre duas ou mais pessoas;
.que contribuem com bens ou serviços, contribuindo em conjunto para o exercício de uma actividade em comum;
. com o fim de repartir os lucros.
No entanto, os dois contratos – o contrato de sociedade civil e o contrato de sociedade dita irregular não se confundem.
São as seguintes as diferenças entre o contrato de sociedade civil e o contrato de sociedade, dita irregular e que se podem resumir da seguinte forma: a) enquanto o contrato de sociedade civil nunca tem por objeto a prática de atos de comércio, o contrato de sociedade do art. 36.º, n.º 2, do CSC tem sempre por objeto a prática desses atos; b) enquanto o contrato de sociedade civil simples beneficia do regime jurídico respetivo desde o momento da sua celebração, o contrato que está na origem da sociedade do art. 36.º, n.º 2, só se submete ao mesmo regime a partir do momento em que o acordo é posto em prática; e, c) enquanto o contrato de sociedade civil simples é consensual (pode assumir qualquer forma), exceto quando forma especial seja obrigatória para a transmissão dos bens que são levados para a sociedade, o contrato de sociedade do art. 36.º, n.º 2, é não escrito, ou, pelo menos, celebrado por um escrito que não respeita as exigências previstas para o contrato de sociedade comercial (art. 7.º do CSC). (cfr. se defende no estudo “Sociedade irregular. Contrato de sociedade. O acordo a que se reporta o artigo 36.º, 2, do Código das Sociedades Comerciais – Natureza e validade”, Verbo Jurídico, acessível em http://www.verbojuridico.net/ficheiros/doutrina/comercial/higinacastelo_sociedadeirregular.pdf, da autoria da 1ª adjunta deste colectivo e publicado também em Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Carlos Ferreira de Almeida, IV volume, com o título «O acordo a que se reporta o artigo 36.º, 2, do Código das Sociedades Comerciais – Natureza e validade».
A situação descrita no artº 36º nº 2 do CSC é caracterizada pela existência de um acordo com vista à constituição de uma sociedade comercial, mas antes da celebração do contrato de sociedade comercial, tendo os sócios iniciado a sua actividade.
Exemplo desta situação e que ocorre com frequência é a entrada de um dos sócios ser constituída por um seu estabelecimento, já em funcionamento; acontecendo também as entradas dos vários sócios serem constituídas por estabelecimentos de várias sociedades comerciais; mesmo quando o estabelecimento, ou o bem de cuja exploração comum se pretende lucrativa para todos, é adquirido ab initio com vista à formação da nova sociedade, a aquisição é formalizada apenas por um dos sócios, que fica com o estabelecimento, ou com o bem, em seu nome pessoal. As partes pretendem constituir uma sociedade, mas iniciam a sua atividade antes (cfr. é exemplificado no estudo já referido, p. 13).
O contrato de sociedade dita irregular pode ser caracterizado como um contrato sui generis que não é contrato de sociedade comercial nem contrato de sociedade civil, mas ao qual se aplicam as normas desta último tipo de sociedades, embora não todas, não tendo a sociedade dita irregular personalidade jurídica (como se conclui no estudo citado, p. 27).
No caso em apreço o contrato é celebrado entre os herdeiros da herança indivisa e o R. – mais que duas pessoas, as quais contribuem em conjunto para o exercício de uma actividade comum – a exploração conjunta de um estabelecimento de farmácia, com o fim de repartir os lucros - cláusulas segunda e quinta do aditamento.
O contrato celebrado apresenta de modo manifesto pontos de contacto com o contrato de sociedade dito irregular, mas levantam-se, desde logo, algumas dúvidas quanto ao pressuposto da contribuição com bens e/ou serviços para a sociedade por parte do R. Defendem os apelantes que o contributo do R. era o seu know how, mas afigura-se-nos que tal não se provou. Mas ainda que se assim não se entendesse e se considerasse que a entrada do R. se concretizou com o seu know how advinda da sua qualidade de farmacêutico, ainda assim, não se apurou outro pressuposto da sociedade a que alude o artº 36º, nº 2 do CPC – o acordo quanto à constituição futura de uma sociedade comercial.
Não se apurou qualquer facto concludente no sentido de que as partes acordaram nos termos em que acordaram com vista à constituição futura de uma sociedade comercial. Pelo contrário, o que se apurou é que em 2011 veio a ser constituída uma sociedade, a ora A., sem que da mesma faça parte o R. como sócio.
O contrato celebrado entre as partes tem características do contrato de sociedade dita irregular, mas falta-lhe o contributo em bens e serviços do R. e o acordo quanto à futura constituição de uma sociedade, tem características do contrato de cessão de exploração, pagamento de renda pela exploração de um estabelecimento, mas falta-lhe a cessão total do estabelecimento temporária, já que os cedentes também se mantém na exploração e características do contrato de mandato (atribuição da gestão total a um dos herdeiros e ao R., mediante remuneração pela gestão, relativamente ao R.), mas o mandato reporta-se apenas à prática pelo mandatário de actos jurídicos e a gestão exige também a prática de diversos actos materiais. Tem ainda pontos de contacto com o mandato comercial que é o conferido para a prática de actos de comércio, mas ficam excluídos todos os demais actos praticados pelo gestor que o mandato não contempla.
E como tal, reunindo características de diversos tipos contratuais é um contrato de associação atípico, o qual se rege pelas estipulações das partes, pelas regras gerais dos contratos e pelas regras dos contratos típicos mais próximos, na falta de disposições aplicáveis.
A aplicação analógica de regimes, quanto a cada norma e cada caso, exige uma particular atenção na definição das normas a aplicar analogicamente e das situações a que respeitam, no enquadramento do concreto negócio «a fim de verificar se, na perspectiva das finalidades prosseguidas por cada uma das normas que integram o regime jurídico da agência, se comprova a existência do “círculo de semelhança” (ou a eadem ratio) que permite detectar, em simultâneo, uma lacuna de regulamentação e a necessidade do seu preenchimento mediante recurso à disciplina ditada por essa mesma norma»(cfr. se defende no Ac. do TRL de 14.11.2013, proferido no proc.3054/03).
Feito o enquadramento jurídico do contrato, há que apreciar as demais questões suscitadas pelos apelantes.
Distribuição dos lucros:
Nos termos da cláusula 4ª do aditamento “ a gestão comercial do estabelecimento será efectuada pelo segundo outorgante, o agora R. e por F., nomeado pelos restantes herdeiros como seu representante”.
Ao contrato celebrado entre as partes na parte relativa à gestão do estabelecimento, aplicam-se as regras do contrato de mandato, na parte não regulada entre as partes, por ser aquelas cuja aplicação por analogia se justifica, tendo em conta o supra dito.
Se alguém incumbir duas ou mais pessoas da prática dos mesmos actos jurídicos, haverá tantos mandatos quanto as pessoas designadas, salvo se o mandante declarar que devem agir conjuntamente.
Não referindo o contrato expressamente que a gestão é conjunta (entre o R. e o herdeiro F.), aplica-se o disposto no artº 1160º do CC e o cumprimento da obrigação de distribuição dos lucros pode ser exigida a qualquer um dos gestores.
Só que, desde logo, o R. não pode ser condenado a pagar lucros quando não se apurou que da exploração da farmácia tivesse resultado quaisquer lucros. A condenação nos termos do artº 609º, nº 2 do CPC pressupõe a prova de um dano na acção, mas que não foi possível quantificar, o que não é o caso dos autos. A liquidação não se destina à prova do dano, mas apenas à sua quantificação.
Para apurar da existência dos lucros e seu montante, a A. deveria ter interposto acção de prestação de contas, o que não fez.
Ainda que assim não se entendesse, o R. não poderia ser condenado a distribuir os lucros, pois que essa exigência só poderia ser satisfeita, se o R. se mantivesse ainda em funções. Tendo o R. deixado de gerir a sociedade, não poderia ser condenado a pagar os lucros eventuais que não distribuiu, a não ser que o mesmo se tivesse locupletado com eles, o que também não se alegou e não se provou. Cessada a gestão, os lucros anuais que eventualmente existiram, integraram o activo do estabelecimento/herança.

E quanto ao pedido de pagamento de parte do passivo da Farmácia na data de 31.12.2010, data em que cessou o contrato entre as partes?
O pedido da A. tem como pressuposto incumbir ao R.. exclusivamente a exploração do estabelecimento, o que a A. não logrou provar.
Na sentença recorrida entendeu-se condenar o R. a pagar 20% do passivo do estabelecimento.
Ora, tendo se apurado que da farmácia saíam quantias para pagamentos pessoais dos herdeiros, sem autorização do R., era levantado dinheiro da sua caixa inúmeras vezes para pagamentos de almoços, revistas e jornais pelo herdeiro F. e eram levados medicamentos pelos herdeiros sem que fosse paga a respectiva contrapartida (cfr. pontos 34, 35 e 39 dos Factos provados), o que não pode deixar de se reflectir necessariamente no seu passivo, nunca o R. poderia ser condenado a responder, sem quaisquer restrições, sobre 20% do passivo do estabelecimento.
Mas também não recai sobre o R. a obrigação de suportar quaisquer concretos encargos. O contrato junto aos autos e o seu aditamento, assim como a demais factualidade, não permite concluir pela responsabilidade do R. por quaisquer pagamentos. A mera inserção da expressão “exploração conjunta” no texto do contrato, só por si, não permite esta conclusão.
À A. incumbia alegar e provar os termos do contratado entre as partes quanto ao passivo do estabelecimento, mas não o fez.

Prejudicadas ficam as demais questões.

Sumário:
.A herança aceite e não partilhada não tem personalidade judiciária, nem personalidade jurídica, pelo que não pode outorgar um contrato e não corresponde a uma realidade diferente do conjunto dos herdeiros; a falta de personalidade da herança não jacente decorre precisamente da circunstância de os seus titulares já estarem determinados, pelo que a herança corresponde, na prática, ao conjunto dos herdeiros.
.A menção no texto do contrato à intervenção na qualidade de herdeiro da herança aberta terá por fim a afirmação de que os herdeiros actuam no interesse da herança e não em interesse próprio e exclusivo, sendo os outorgantes os herdeiros e não a herança que não tem personalidade jurídica.
.O contrato de sociedade dita irregular é um contrato sui generis que não é contrato de sociedade comercial nem contrato de sociedade civil, mas ao qual se aplicam as normas desta último tipo de sociedades, embora não todas, não tendo a sociedade dita irregular personalidade jurídica.

.O contrato celebrado entre os herdeiros da herança indivisa e o R., mediante o qual a gestão de um estabelecimento de farmácia era conjunta, com o fim de repartir os lucros, não é um contrato de sociedade dita irregular, por não se ter provado a contribuição com bens ou serviços de um dos outorgantes nem se ter provado que as partes pretendiam constituir futuramente uma sociedade comercial.
.Reunindo o contrato características de diversos tipos contratuais é um contrato de associação atípico, o qual se rege pelas estipulações das partes, pelas regras gerais dos contratos e pelas regras dos contratos típicos mais próximos, na falta de disposições aplicáveis.
. O R. não pode ser condenado a distribuir lucros quando não se apurou que da exploração da farmácia tivesse resultado quaisquer lucros. A condenação nos termos do artº 609º, nº 2 do CPC pressupõe a prova de um dano na acção, mas que não foi possível quantificar, o que não é o caso dos autos. A liquidação não se destina à prova do dano, mas apenas à sua quantificação.

IV – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal em julgar procedente a apelação e, consequentemente, revogam a sentença recorrida, absolvendo os RR. do pedido.
Custas pela apelada.
Notifique.
Guimarães, 30 de Novembro de 2016
Helena Gomes de Melo
Higina Orvalho Castelo
João Peres Coelho