Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | MANSO RAÍNHO | ||
Descritores: | AGENTE DE EXECUÇÃO ADJUDICAÇÃO DE BENS JUIZ DE EXECUÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 02/06/2014 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | I - Com a reforma da ação executiva operada a partir de 2003 passaram para a figura do agente de execução competências executivas até então atribuídas ao tribunal, entre estas as que têm a ver com a adjudicação de bens móveis. Ao juiz ficou, neste particular, reservado o conhecimento de possíveis reclamações ou impugnações dos atos ou das decisões do agente de execução. II - Tendo o agente de execução decidido que os bens móveis penhorados seriam vendidos mediante negociação particular por valor igual ou superior ao que indicou, e não tendo as partes apresentado qualquer impugnação contra tal decisão perante o juiz da execução, não podia este invalidar depois a venda por supostas irregularidades subjacentes a tal decisão. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: M… instaurou, em 9 de janeiro de 2012, execução para pagamento de quantia certa contra F…, Unipessoal, Lda., pretendendo haver desta o pagamento coercivo de €125.000,00 e juros. Em 8 de fevereiro de 2012 a Agente de Execução (AE) procedeu à penhora de diversos bens móveis da Executada. Do respetivo auto não foi feito constar o valor dos bens, aduzindo a AE não o fazer por desconhecer o respetivo valor. Em 3 de janeiro de 2013 a AE, nos termos do art. 886º-A do CPC, tomou a seguinte decisão, dizendo fazê-lo depois de ouvidas as partes: que os bens seriam vendidos mediante negociação particular, mas sendo que, mais anunciou a AE, a Exequente havia pedido a respetiva adjudicação para pagamento do seu crédito; que seriam aceites propostas iguais ou superiores a €75.000,00. Desta decisão foram as partes notificadas, sendo informadas que podiam apresentar a sua discordância perante o juiz, nos termos do nº 5 do art. 886º-A do CPC (v. pp. 79 e 81 do processo digital). Nenhuma discordância foi apresentada. Na sequência, foram as partes notificadas de que se encontrava agendado o dia 15 de fevereiro de 2013, pelas 10:00 horas, “para a realização da diligência de venda mediante negociação particular: adjudicação de todos os bens penhorados à Exequente, no escritório da Agente de Execução”. (v. pp. 85 e 86 do processo digital). Os bens vieram a ser adjudicados à Exequente pelo indicado valor de €75.000,00. E de tal foi notificada a Executada. (v. p. 95 do processo digital). Em 13 de março de 2013 veio a Executada a ser declarada insolvente. Em 7 de maio de 2013 a Administradora da Insolvência deu conta desse fato, requerendo a suspensão da execução. Foi então proferido, no dia 8 de maio de 2013, o seguinte despacho (excertos relevantes): «Vi os autos de penhora lavrados a 8.2.2012, nos quais não foi atribuído qualquer valor aos bens penhorados, nem discriminadamente nem por forma global. (…) «Vi a decisão da venda, por meio de adjudicação requerida pela exequente por 75.000,00 Eur. (setenta e cinco mil euros). (…) «Vi que a AE designou também o dia 15.2.2013 para abertura de propostas, no seu escritório, e que veio a adjudicar os bens à exequente como resulta das posteriores notificações feitas e mencionadas no citius. (…) «Resulta do disposto nos arts. 875.º, n.º 1 e 3 e 877.º do C.P.Civil, que o exequente pode requerer a adjudicação dos bens penhorados, indicando o preço que oferece, o qual não pode ser inferior ao valor a que alude o art. 889.º, n.º 2 – 70% do valor base, cabendo ao AE fazer a adjudicação, que será publicitada e efectivada caso no dia designado para abertura de propostas não seja apresentada outra proposta ou alguém se apresente a exercer o direito de preferência. «Ora, no caso dos autos não só não se atribuiu qualquer valor aos bens penhorados, nem se colocou essa questão ao Tribunal, o que logo inviabiliza que se possa considerar válido o valor oferecido para a adjudicação, como a executada entretanto foi declarada insolvente no processo n.º 7836/12.8TBBRG do 1.º Juízo cível de Braga, como resulta do requerimento ontem enviado a juízo. «Assim, não só não se autoriza qualquer diligência de remoção, com auxílio da força pública, por inválida a adjudicação efectuada pela AE, considerando o valor oferecido e aceite, sem determinação prévia do valor dos bens penhorados, como se determina a imediata suspensão da execução, nos termos do art. 88.º do CIRE. (…)». Inconformada com o assim decidido, apela a Exequente. Da respectiva alegação extrai as seguintes conclusões: 1. No dia 08 de Fevereiro de 2012 foram penhorados bens móveis propriedade da Executada que se encontravam no interior de quatro estabelecimentos comerciais de talho propriedade desta. A Agente de Execução não atribuiu valor a estes bens móveis declarando não o fazer por desconhecer o valor real dos mesmos. 2. Em 7 de Novembro de 2012 e em cumprimento do disposto no artº 864º do CPC foram citados os credores da Executada. 3. No 10 de Dezembro de 2012, a Agente de Execução notificou a Exequente, a Executada e demais credores reclamantes para se pronunciarem sobre a modalidade de venda dos bens móveis penhorados. 4. Em 13 de Janeiro de 2013, notificou Exequente, Executada da decisão da modalidade de venda, mencionando expressamente que seriam aceites propostas de valor igual ou superior a € 75.000,00, (setenta e cinco mil euros). 5. Foi designado dia para a venda por negociação particular o qual foi devidamente notificado às partes. 6. A Recorrente requereu a adjudicação dos bens penhorados pelo valor de € 75.000,00 (setenta e cinco mil euros) 7. No dia agendado, para a venda não apareceram quaisquer propostas de valor superior à apresentada pela Exequente, tendo os bens sido adjudicados à Recorrente pelo valor de €75.000,00 (setenta e cinco mil euros). 8. O tribunal a quo decidiu anular a adjudicação porquanto “não se atribuiu qualquer valor aos bens penhorados, nem se colocou esta questão ao tribunal o que logo inviabiliza que se possa considerar válido o valor oferecido para adjudicação, como a Executada entretanto foi declarada insolvente”. 9. Aquando da notificação acerca da modalidade de venda, a Sra Agente de Execução atribuiu um valor aos bens penhorados, nos termos do disposto no nº 4º do artº 886º-A do CPC. 10. Por essa razão se discorda da Mma Juiz a quo quando afirma que não foi atribuído qualquer valor aos bens penhorados. 11. Não o foi à data da penhora e aquando da elaboração do auto respetivo. No entanto à data da decisão sobre a modalidade de venda e aquando da notificação desta aos sujeitos processuais, este valor estava definido e constava da decisão notificada às partes. 12. Assim se terá de concluir que decorreu todo a tramitação processual prevista nos artigos 886.º e seguintes do Código de Processo Civil, e que integram a subsecção VI – Venda. 13. Foi decidida a venda por negociação particular pelo valor base de € 75.000,00 (setenta e cinco mil euros) o que não mereceu oposição nem da Exequente, que a tal tinha já anuído, nem da Executada, nem de qualquer credor. 14. Foram cumpridas as formalidades de publicidade da venda e na data agendada, dia 15 de Fevereiro de 2013, em face da inexistência de qualquer proposta de valor superior, adjudicaram-se à Exequente os bens móveis pelo valor de €75.000,00 (setenta e cinco mil euros),os quais, a partir dessa data, passaram a integrar o seu património. 15. A Executada veio a ser declarada insolvente em 23 de Abril de 2013, volvidos mais de dois meses desde a data da adjudicação dos bens móveis à Exequente. 16. Depois de lhe terem sido adjudicados, a Exequente transmitiu a terceiros, por contratos de compra e venda, a propriedade dos bens móveis que adquiriu, entregando-os e recebendo o preço respetivo. 17. À data da declaração de insolvência já tinha ocorrido o acto translativo de propriedade que deu origem ao pagamento de parte da quantia exequenda. 18. A douta decisão impugnada não pode manter-se, pois preteriu o disposto nos artsº 870º e 875º do CPC, pelo que deve ser proferido douto acórdão a revogá-la e ordenando se julgue válido o despacho de adjudicação de fls. + A parte contrária não contra-alegou (é certo que a Massa Insolvente de F…, Unipessoal, Lda. chegou a apresentar uma contra-alegação ao recurso inicialmente apresentado pela Exequente, mas este não foi admitido, ficando assim sem efeito as pertinentes alegações). + Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir, tendo-se sempre presentes as seguintes coordenadas: - O teor das conclusões define o âmbito do conhecimento do tribunal ad quem, sem prejuízo para as questões de oficioso conhecimento, posto que ainda não decididas; - Há que conhecer de questões, e não das razões ou fundamentos que às questões subjazam; - Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido. + É questão única a conhecer a de saber se a adjudicação é inválida. + Plano Fatual: Damos aqui por reproduzidas as incidências fático-processuais acima narradas. Plano Jurídico-conclusivo: Como se vê da factualidade acima apontada, a AE decidiu que os bens penhorados seriam vendidos mediante negociação particular por preço igual ou superior a €75.000,00; de igual forma, exarou na sua decisão, e disso deu conhecimento à Executada, que a Exequente havia requerido que lhe fossem adjudicados todos os bens penhorados. Contra tal decisão nenhuma impugnação foi apresentada perante o juiz da execução. Também, a Agente de Execução marcou dia “para a realização da diligência de venda mediante negociação particular: adjudicação de todos os bens penhorados à Exequente, no escritório da Agente de Execução”. Ninguém impugnou o assim determinado. Os bens acabaram por ser adjudicados à Exequente pelo valor mínimo indicado pela AE, e disso foi notificada a Executada. Esta de nada se queixou perante o juiz da execução. Tudo isto se passou antes da declaração de insolvência da Executada. A decisão recorrida veio, porém, a considerar inviabilizado o valor oferecido para a adjudicação e a invalidar a adjudicação. Da decisão retira-se que o fundamento dessa inviabilização e invalidação reside na circunstância de aos bens não ter sido atribuído valor aquando da penhora, nem se ter colocado a questão ao tribunal, sendo que o preço a indicar no requerimento de adjudicação teria que corresponder a pelo menos 70% do valor base dos bens. A nosso ver, a decisão recorrida não pode ser subscrita. Desde logo importa observar que com a reforma da ação executiva operada a partir de 2003 (DL nº 38/2003 e DL nº 226/2008), que visou fundamentalmente a desjudicialização do processo executivo, passaram para a figura, então criada, do agente de execução competências executivas até então atribuídas ao tribunal, entre estas as que têm a ver com a adjudicação de bens móveis (v., entre outros, os art.s 808º, 875º nº 4 e 876º nº 3 do CPC anterior, o vigente à data dos fatos). Ao juiz ficou, neste particular, reservado o conhecimento de possíveis reclamações ou impugnações dos atos ou das decisões do agente de execução (v. art. 809º do CPC). Com as alterações introduzidas na ação executiva pelo DL nº 226/2008, a atividade do agente de execução deixou inclusivamente de ser exercida sob o controlo do juiz. Ora, no caso vertente nenhuma reclamação ou impugnação dos atos ou decisões da AE foi apresentada perante o juiz da execução, pelo que o despacho recorrido é ilegal por falta de competência e legitimidade para a intervenção decisória que foi feita. Não encontramos, assim, e contra o que se aponta no despacho recorrido, que a questão do valor tivesse que ser colocada ao tribunal, justamente porque se tratava de assunto da competência da AE. À parte isto, importa dizer que a circunstância de no auto de penhora não se ter indicado o valor dos bens - ou a circunstância do valor não ter vindo depois a ser especificamente declarado a partir da ajuda de algum perito - (art. 849º nºs 1 e 2 do CPC), não tem qualquer rebate na questão da regularidade da venda ou da adjudicação dos bens. Isto é assim porque o valor de referência para a venda ou para a adjudicação dos bens móveis é o valor base estabelecido adrede pelo agente de execução, conforme resulta claro do art. 886º-A nºs 2 c) e 4 do CPC. Não o valor porventura indicado aquando da penhora. O móbil da lei ao determinar que do auto de penhora de bens móveis deve ser feito constar o respetivo valor, não tem sido sempre o mesmo. Nos tempos do Prof. Alberto dos Reis, ensinava este (v. Processo de Execução, Volume 2º, pp. 166 e 167) que a indicação do valor não tinha relevância alguma para o efeito da venda, sendo apenas um meio destinado à escolha de um depositário idóneo ou abonado. Com o CPC de 1961 (art. 896º) o valor, que era determinado por um louvado, e a avaliação passou a servir para fixar a base da futura venda (v. Gama Prazeres, Do Processo de Execução no Actual Código de Processo Civil, 1963, p. 258). Esta função manteve-se depois essencialmente a mesma, sem prejuízo das alterações operadas no CPC em 1995 e 1996, assinalando a doutrina (v. por todos, Jorge Barata, Direito processual Civil II, Parte II, 1976/1977, p. 174) que o valor das verbas penhoradas era relevante para determinar a abonação do depositário e para determinar o preço da venda dos bens. Porém, com a reforma da ação executiva acima mencionada é manifesto que o valor a consignar no ato da penhora volta a não servir para determinar o valor mínimo pelo qual os bens podem ser vendidos ou adjudicados. Na realidade, desde então apenas se antolha na exigência da indicação do valor a função de determinação da idoneidade do fiel depositário e a de estabelecer, no confronto do montante da dívida e acréscimos, os limites da penhora (esta cessa quando o valor atribuído aos bens atinge o montante da dívida e encargos adicionais). Acrescente-se que a indicação do valor nem sequer é uma inevitabilidade. A indicação só é feita quando seja possível (art. 849º nº 1 do CPC). Ora, a AE indicou oportunamente que seriam aceites propostas iguais ou superiores a €75.000,00. Ou seja, estabeleceu, como era da sua competência, o valor base dos bens. E contra tal, nenhum interessado se insurgiu judicialmente. E foi por esse valor que a adjudicação foi feita. Assim sendo, julgamos que a Apelante tem razão quando sustenta que a adjudicação não podia ter sido invalidada nos termos e pelas razões em que o foi. Repetimos: nos termos e pelas razões em que o foi. Só disto se cuida ou pode cuidar no presente recurso. Procede assim a apelação. ++ Decisão: Pelo exposto acordam os juízes nesta Relação em julgar procedente a apelação, revogando a decisão recorrida. Regime de custas: Sem custas de recurso. + Guimarães, 6 de fevereiro de 2014 José Rainho Carlos Guerra José Estelita de Mendonça |