Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1945/12.0TBBCL-A.G1
Relator: ANTÓNIO FIGUEIREDO DE ALMEIDA
Descritores: OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
INJUNÇÃO COM FÓRMULA EXECUTÓRIA
INCONSTITUCIONALIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/01/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1) É inconstitucional a norma contida no artigo 814º do Código do Processo Civil, quando interpretada no sentido de limitar a oposição à execução fundada em injunção à qual foi aposta fórmula executória
2) A fórmula executória é insuscetível de assumir efeito de caso julgado ou preclusivo para o requerido que pode, na ação executiva, controverter a exigibilidade da obrigação exequenda, tal como o pode fazer qualquer executado em relação a qualquer título executivo extrajudicial propriamente dito.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
I. RELATÓRIO
A) J… veio deduzir oposição à execução na execução que a exequente “P…, Lda” lhe moveu, onde conclui entendendo dever a oposição ser julgada procedente, por provada e, em consequência, serem extintos os presentes autos de execução, com o levantamento das penhoras efetuadas, devendo ainda a exequente ser condenada como litigante de má-fé.
Alega, para tanto, o oponente, factos que extravasam o âmbito do disposto no artigo 814º nº 1 do Código de Processo Civil (na redação do Decreto-Lei nº 226/2008, de 20/11).
A exequente e oponida “P…, Lda” apresentou contestação onde conclui entendendo dever ser julgada a oposição improcedente por não provada e, em consequência, ser indeferida liminarmente a oposição à execução por violação expressa do nº 2 do artigo 814º e 816º do Código de Processo Civil, com todas as consequências legais, devendo assim a execução prosseguir seus termos, manterem-se as penhoras efetuadas, condenar o executado no pagamento do valor peticionado no requerimento executivo e como litigante de má-fé, em multa e indemnização, esta última a favor do exequente, a fixar pelo tribunal.
O executado e oponente J… apresentou resposta onde entende dever o pedido de condenação do executado como litigante de má-fé ser julgado improcedente, por não provado.
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Foi proferida a sentença constante de fls. 42 e seguintes, onde se decidiu julgar inadmissível a oposição deduzida, face ao disposto nos artigos 814º nº 1 e 2 e 817º nº 1 alínea b) do Código de Processo Civil e improcedente o pedido de condenação do oponente, como litigante de má-fé, referindo-se na mesma que:
"No que concerne à possibilidade legal de, pese embora a atual redação do n.º 2 do art. 814.º do Código de Processo Civil, poder o executado opor-se à execução baseada noutras causas para além dos casos tipicamente previstos no n.º 1 do citado artigo, importa relembrar a posição afirmada por Lebre de Freitas (in “A Ação Executiva – Depois da reforma da reforma“, pp. 182 e 183,Coimbra Editora, 2009).
De facto, atendendo a que a aposição da fórmula executória pelo respetivo Secretário de Justiça é um mero ato instrumental, não equiparável a decisão judicial – por não se tratar de ato jurisdicional que, por força da nossa Constituição da República Portuguesa, é uma prerrogativa exclusiva dos juízes –, propendemos a defender uma interpretação restritiva desse preceito contido no nº 2 do art. 814º, nos termos da qual apenas nos casos em que o devedor (executado) se conforma com a diminuição de garantias registada no anterior procedimento de injunção – quer dizer, não pondo em causa o seu processo de formação (facto que é expressamente contestado nestes autos) –, se deve limitar os fundamentos da oposição aos mencionados no citado preceito legal. Isto, na medida em que este tipo de procedimento não confere as mesmas garantias de defesa que o normal processo judicial, ao prever a possibilidade do requerido (ora executado) ser notificado da injunção por meio de mera carta simples para o domicílio convencionado (vide art. 12º-A, do D.L. nº 269/98, de 1-09), o que não raras vezes prejudica o seu efetivo direito de defesa.
Compulsado o teor da oposição à execução apresentada, não se vislumbra que haja sido posto em causa o dito processo formativo do título executivo.
Por outra banda, e no requerimento de “resposta” à contestação oferecida pela exequente, onde o executado discorre já sobre a referida questão da possibilidade (ou não) de deduzir oposição no caso em apreço, pese embora o teor dos argumentos ali esgrimidos, em parte alguma é alegada factualidade que ponha em causa a formação do título executivo.
Isto posto, assiste razão à exequente quando refere dever os fundamentos da oposição restringir-se aos mencionados no n.º 1 do art. 814.º do Código de Processo Civil (face ao que dispõe o n.º 2 desse mesmo artigo).
Relida a oposição, não se vislumbra que os fundamentos esgrimidos no dito articulado se subsumam a qualquer um dos fundamentos mencionados no citado art. 814.º n.º 1, do Código de Processo Civil.
Isto posto, cumpre desde já decidir pela inadmissibilidade legal da oposição, face ao disposto, ainda no art. 817.º n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil".
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B) Inconformado com a sentença, veio o executado J… interpor recurso, o qual foi admitido como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos, com efeito devolutivo (fls. 65).
Nas alegações de recurso do apelante são formuladas as seguintes conclusões:
1. O aqui Apelante deduziu uma oposição à execução nos autos recorridos, tendo para tal alegado fundamentos além dos previstos no nº 1 do artigo 814º CPC, nos termos do artigo 816º do CPC.
2. O Tribunal a quo decidiu julgar inadmissível a oposição à execução apresentada pelo aqui apelante, tendo fundamentado que, em virtude de o aqui Apelante não ter deduzido oposição à injunção, não podia em sede de oposição à execução, por aplicação do nº 2º do artigo 814º do CPC, arguir outros fundamentos que não os previstos no nº 1 do artigo 814º do CPC.
3. Ora, o procedimento de injunção, que se encontra-se regulado pelo Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, retificado pela Declaração de Retificação n.º 16-A/98, de 30 de Setembro, é um procedimento que permite que o credor de uma dívida obtenha, de forma célere e simplificada, um título executivo, sem necessidade de promover uma ação declarativa num tribunal.
4. Neste procedimento, o requerido (devedor) é notificado para, em quinze dias, pagar ao requerente a quantia peticionada, acrescida da taxa de justiça paga, ou, no mesmo prazo, deduzir oposição à injunção.
5. O requerido é advertido que “Findo o prazo sem que tenha efetuado o pagamento ou deduzido oposição, será aposta fórmula executória no requerimento, facultando-se ao(s) requerente(s) a possibilidade de instaurar ação executiva”.
6. Se o requerido deduzir oposição ao requerimento de injunção, o processo prossegue como ação declarativa. Caso contrário, e não tendo efetuado o pagamento da quantia peticionada, e salvo ocorrência de irregularidades formais ou em caso de inaplicabilidade do procedimento de injunção, o Secretário Judicial do Balcão Nacional de Injunções apõe ao requerimento injuntivo a fórmula “Este documento tem força executiva ”.
7. Ora, a aposição ao requerimento executivo com a fórmula “Este documento tem força executiva”, confere ao credor a possibilidade de intentar uma ação executiva contra o devedor e, em concomitantemente, permite-lhe atacar de forma imediata o património do devedor.
8. Com a nova redação do artigo 814º do CPC, dada pelo DL nº 226/2008, de 20 de Novembro, precisamente pelo nº 2 do citado artigo, o legislador equipara a sentença judicial ao requerimento de injunção a que foi aposta a fórmula executória, enquanto títulos executivos, e determina que a oposição à execução baseada em requerimento injuntivo com fórmula executória só pode ter como fundamentos os previstos no nº 1 do artigo 814º do CPC, pese embora o regime jurídico da injunção não tenha sofrido qualquer alteração, quer de natureza substantiva ou adjetiva.
9. Contudo, uma vez que limita injustificadamente a oposição à execução baseada em requerimento de injunção a que foi aposta a fórmula executória aos fundamentos previstos para a oposição à execução baseada em sentença, o nº 2 do artigo 814º do CPC viola de forma manifesta o Princípio da Proibição da indefesa ínsito no direito de acesso aos tribunais e justiça, previsto no nº 1 do artigo 20º da Constituição da República Portuguesa.
10. Aliás, tem sido esse, de resto, o entendimento do Tribunal Constitucional que, nas diversas vezes que foi chamado a pronunciar-se quanto a esta matéria, julgou sempre pela inconstitucionalidade da norma contida no nº 2 do artigo 814º do CPC por reconhecer que viola o Princípio da proibição da indefesa.
11. E, na sequência, tem o Tribunal Constitucional entendido que um executado que não haja deduzido oposição à injunção, pode em sede de oposição à execução esgrimir todos os fundamentos e argumentos que lhe seria possível deduzir em sede de processo de declaração.
12. Desta forma, ao decidir de forma contrária, a Douta sentença recorrida viola o Principio de proibição da indefesa, ínsito no direito de acesso aos tribunais e justiça constitucionalmente consagrado no nº 1 do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.
Termina entendendo dever ser dado provimento ao presente recurso, e assim, deve a decisão proferida pelo Tribunal de Barcelos, por sentença datada de 13/02/2011, ser revogada e, em consequência, deve o requerimento de oposição à execução, que fora julgado inadmissível pelo Tribunal a quo, ser admitido e aceite.
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A apelada “P…, Lda” apresentou resposta onde entende dever ser julgado improcedente o presente recurso e, assim, ser confirmada a decisão do tribunal a quo, concluindo-se igualmente pela inadmissibilidade legal da oposição à execução e consequente condenação do apelante no pagamento da quantia exequente peticionada nos presentes autos.
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C) Foram colhidos os vistos legais.
D) A questão a decidir neste recurso é a de saber se na oposição à execução, que tenha como título executivo “injunção a que tenha sido aposta fórmula executória”, podem ser opostos outros fundamentos que não só os previstos para a execução baseada em sentença judicial.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
A) Os factos a considerar são os que constam do relatório que antecede.
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B) O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, não podendo o tribunal conhecer de outras questões, que não tenham sido suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
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C) Nos presentes autos foi deduzida oposição à execução pelo executado J…, que veio defender, nas suas alegações que as disposições contidas nos artigos 814º nº 1 e 2 do Código de Processo Civil são materialmente inconstitucionais por violarem o princípio da proibição da indefesa ínsito no direito de acesso aos tribunais e justiça, previsto no nº 1 do artigo 20º da Constituição da República Portuguesa (CRP).
A este propósito, refere-se no Acórdão da Relação de Guimarães de 07/05/2013, na Apelação n.º 6662/12.9TBBRG-A.G1, relatada pelo Desembargador Paulo Barreto, disponível na Base de Dados do Ministério da Justiça, no endereço www.dgsi.pt, que a questão em apreço não ficou definitivamente resolvida com publicação do Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de novembro, que equiparou o título executivo injunção à sentença.
E como se diz no referido Acórdão, “mantém-se acesa a discussão sobre a constitucionalidade dos limites da oposição à execução fundada em injunção, agora equiparados ao da sentença judicial, em face do direito de acesso à justiça, previsto no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.
Acolhemos a jurisprudência do Tribunal Constitucional plasmada no recente acórdão n.º 437/2012, publicado no DR 2.ª Série, n.º 211 – Parte D, de 31.10.2012, que julgou inconstitucional a norma contida no artigo 814º do Código do Processo Civil, quando interpretada no sentido de limitar a oposição à execução fundada em injunção à qual foi aposta fórmula executória, já proferido na vigência do Decreto-Lei n.º 226/2008.
Deixamos aqui reproduzidos os fundamentos do Tribunal Constitucional:
“Não há dúvida que o legislador é livre na conformação da lei, tendo em conta as situações que com ela pretende regular e os resultados que pretende alcançar; porém, não poderá nunca olvidar, no exercício da sua função legislativa, os princípios constantes da Constituição, enquanto parâmetros validadores da eficácia daquela função.
Daí que, ainda que a questão se coloque com um enfoque diverso do que se colocava anteriormente à redação ora resultante do Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de novembro, se afigure que a solução a dar à questão de (in)constitucionalidade suscitada, tendo em conta o princípio da tutela judicial e efetiva, não possa ser diversa da que foi encontrada nos Acórdãos 658/2006 e 283/2011 deste Tribunal, cuja doutrina, no essencial e decisivo, é aplicável no caso ‘sub judice’.
Ora, no Acórdão n.º 658/2006, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 9 de janeiro, perante uma idêntica situação de limitação dos fundamentos de oposição à execução, cujo título executivo era uma ‘injunção a que havia sido oposta fórmula executória’, tão só aos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do exequente, afirmou-se o seguinte:
[...] “…a característica deste título judicial impróprio, que o afasta dos restantes títulos criados por força de disposição legal, resulta, aliás, do facto de a força executiva ser conferida apenas depois de se conceder ao devedor a possibilidade de, judicialmente, discutir a causa debendi, alegada.
Ou seja, no processo de injunção, o requerido tem a possibilidade de, deduzindo oposição, impedir que seja aposta força executiva à ação”.
Pode talvez dizer-se que o título executivo não é uma sentença porque o devedor optou por, no procedimento de injunção, não se opor à pretensão do requerente.
Mas, seja como for, a falta de oposição e a consequente aposição de fórmula executória ao requerimento de injunção não têm o condão de transformar a natureza (não sentencial) do título, tornando desnecessária, em sede de oposição à execução, a prova do direito invocado, deixando ao executado apenas a alegação e prova de factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do exequente.
Tendo presente, por um lado, que a demonstração do direito do exequente não tem o mesmo grau de certeza relativamente a todos os títulos executivos, reconhecendo-se que o título executivo que resulte da aposição da fórmula executória a um requerimento de injunção demonstra a aparência do direito substancial do exequente, mas não uma sua existência considerada certa, e, por outro lado, que a atividade do secretário judicial não representa qualquer forma de composição de litígio ou de definição dos direitos de determinado credor de obrigação pecuniária, há que evitar a “indefesa” do executado, entendendo-se por “indefesa” a privação ou limitação do direito de defesa do executado que se opõe à execução perante os órgãos judiciais, junto dos quais se discutem questões que lhe dizem respeito.
Nos termos do artigo 18.º, n.º 2, da Constituição, se uma limitação interfere com um direito, restringindo-o, necessário se torna encontrar na própria Constituição fundamentação para a limitação do direito em causa como que esta se limite “ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos” — não podendo, por outro lado, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo, “diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais”.
No caso, a possibilidade de se introduzir limites ao princípio da proibição de “indefesa”, ínsito na garantia de acesso ao direito e aos tribunais, consagrada no artigo 20.º da Constituição, existe apenas na medida necessária à salvaguarda do interesse geral de permitir ao credor de obrigação pecuniária a obtenção, «de forma célere e simplificada», de um título executivo” (9.º § do preâmbulo do Decreto -Lei n.º 269/98, de 1 de setembro), assim se alcançando o justo equilíbrio entre esse interesse e o interesse do executado de, em sede de oposição à execução, se defender através dos mecanismos previstos na parte final do n.º 1 do artigo 815.º do Código de Processo Civil (correspondente hoje ao artigo 816.º, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de março).
Ora a norma em causa, na interpretação perfilhada dos autos, segundo a qual a não oposição e a consequente aposição de fórmula executória ao requerimento de injunção determinam a não aplicação do regime da oposição à execução previsto nos artigos 813.º e segs. do Código de Processo Civil, designadamente o afastamento da oportunidade de, nos termos do atual artigo 816.º do mesmo Código, e (pela primeira vez) perante um juiz, o executado alegar “todos os fundamentos de oposição que seria lícito deduzir como defesa no processo de declaração”, afeta desproporcionadamente a garantia de acesso ao direito e aos tribunais, consagrada no artigo 20.º da Constituição, na sua aceção de proibição de “indefesa”.
[...] Ponderado o que acaba de ser citado, sem deixar de notar que a ‘norma’ em análise resulta, agora, diretamente do texto da lei — artigo 814.º, n.º 2 do Código de Processo Civil — e se projeta na parte inicial do artigo 816.º deste diploma legal, após a alteração introduzida a ambos os preceitos legais pelo Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de novembro, haver-se-á de concluir que apenas se justificam «…normas restritivas quando se revelem proporcionais, evidenciem uma justificação racional ou procurem garantir o adequado equilíbrio face a outros direitos e interesses constitucionalmente protegidos, …» (cf. Acórdão n.º 283/2011, disponível ‘in’ www.tribunalconstitucional.pt), pelo que a ‘norma’ em apreço, na medida em que limita injustificadamente os fundamentos de oposição à execução baseada em ‘requerimento de injunção a que foi aposta fórmula executória’, padece do vício de inconstitucionalidade por violar o ‘princípio da proibição da indefesa’, enquanto aceção do direito de acesso ao direito e aos tribunais consagrado no artigo 20.º, n.º 1 da Constituição”.
De resto, a jurisprudência do Tribunal Constitucional é seguida pela jurisprudência mais recente dos tribunais de apelação, como é o caso do acórdão da Relação de Coimbra, de 29.01.2013, processo n.º 197/12.7TBTMR-A.C1, que expressamente diz que “partilhando o entendimento do Tribunal Constitucional de que o artigo 814º, nº 2 do CPC viola os artigos 18º e 20º da CRP, então torna-se admissível à luz do direito defesa que mesmo após a aposição da fórmula executória sempre o executado pode alegar, em sede de oposição à execução, factos impeditivos – artigo 816º do CPC – na medida em que, sublinha-se, a fórmula executória aposta no requerimento de injunção não contém o reconhecimento de um direito já que não foi objeto de análise e decisão jurisdicional, repetindo-se que a opção legislativa apenas teve em vista dotar de maior celeridade e simplificação a reclamação de dívidas até determinado montante e não obstar, limitar os restringir os direitos do executado em deduzir oposição à execução nos termos do artigo 816º do CPC”.
Cumpre ainda uma referência a Lebre de Freitas: “Dada a natureza não jurisdicional do processo de injunção, a menor garantia que o devedor encontra na notificação que nele lhe é efetuada, maxime quando a notificação é dirigida, por carta simples, para o domicílio convencionado (artigo 12.º -A do Decreto -Lei n.º 269/98. de 1 de setembro), e o facto de a formação do título prescindir de qualquer juízo de adequação do montante da dívida aos factos em que ela se fundaria, a equiparação, ao impedir a oposição à execução fundada na inexistência da dívida à data da injunção, é inconstitucional, por violar o direito de defesa; para salvar o preceito, há que, na adaptação a fazer, circunscrevê-lo de tal modo a que ele se aplique apenas nos casos em que o devedor, na execução, se conforme com a diminuição de garantias registadas no anterior processo de injunção [...]“(A ação executiva, depois da reforma, 5.ª Edição, Coimbra Editora, páginas 182 e 183).
E, finalmente, a opinião do Conselheiro Salvador da Costa: “A aposição da fórmula executória não se traduz em ato jurisdicional de composição do litígio, consubstanciando-se a sua especificidade de título executivo extrajudicial no facto de derivar do reconhecimento implícito pelo devedor da existência da sua dívida por via da falta de oposição subsequente à sua notificação pessoal.
Assim, a fórmula executória é insuscetível de assumir efeito de caso julgado ou preclusivo para o requerido que pode, na ação executiva, controverter a exigibilidade da obrigação exequenda, tal como o pode fazer qualquer executado em relação a qualquer título executivo extrajudicial propriamente dito”. (A injunção e as Conexas Ação e Execução, 2.ª Edição, Coimbra, 2002, p. 172).
Em suma, a aposição da fórmula executória pelo Secretário Judicial não significa o reconhecimento de um direito, mas de uma aparência desse direito.
É um mero ato administrativo, sem controlo jurisdicional, que visa apenas dar celeridade e simplificação à reclamação de dívidas até determinado montante.
Não parece que a intenção do legislador fosse a de limitar ou restringir os direitos do executado em deduzir oposição à execução nos termos do artigo 816º do CPC.
Acresce que nas ações declarativas, mesmo em situação de revelia do réu, a sentença prolatada obedece a um critério jurisdicional, não deixando de sobre elas recair uma apreciação do juiz titular sobre a existência do direito invocado.
Por conseguinte, limitar ou restringir a oposição à execução fundada em injunção nos mesmos termos que a oposição às sentenças judiciais, significa que sobre aquele título executivo não recai um amplo controlo jurisdicional, o que obviamente acarreta fragilidades na defesa do executado.”
De resto, no recentíssimo Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 388/2013. D.R. nº 184, Série I de 2013-09-24, foi declarada, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma constante do artigo 814.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, na redação do Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de novembro, quando interpretada no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimentos de injunção à qual foi aposta a fórmula executória.
Por todo o exposto, resulta que a apelação terá de proceder e, em consequência, terá de ser revogada a decisão recorrida, que deverá ser substituída por outra que determine a subsequente tramitação do processo, a menos que se verifique a existência de fundamento diverso do que está subjacente à decisão recorrida e que obste à admissibilidade da oposição.
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D) Em conclusão:
1) É inconstitucional a norma contida no artigo 814º do Código do Processo Civil, quando interpretada no sentido de limitar a oposição à execução fundada em injunção à qual foi aposta fórmula executória
2) A fórmula executória é insuscetível de assumir efeito de caso julgado ou preclusivo para o requerido que pode, na ação executiva, controverter a exigibilidade da obrigação exequenda, tal como o pode fazer qualquer executado em relação a qualquer título executivo extrajudicial propriamente dito.
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III. DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação procedente, por se entender ser a norma constante do artigo 814.º do Código de Processo Civil materialmente inconstitucional quando interpretado no sentido de restringir os direitos de defesa do executado em deduzir oposição à execução fundada em injunção à qual foi aposta a fórmula executória, por força do disposto no artigo 20.º da CRP, revogando-se a decisão recorrida, que deve ser substituída por outra que determine a subsequente tramitação do processo, a menos que se verifique a existência de razão diversa da que está subjacente à decisão recorrida e que obste à admissibilidade da oposição.
Custas pela parte vencida a final.
Notifique.
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Guimarães, 01/10/2013
Figueiredo de Almeida
Ana Cristina Duarte
Fernando Freitas