Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | MANSO RAINHO | ||
Descritores: | FIADOR ARRESTO RESERVA DE PROPRIEDADE QUINHÃO HEREDITÁRIO | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 04/23/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | JULGADA IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | I) Havendo a possibilidade de na acção vir a ser reconhecido ao garante um direito de regresso sobre quantia que este ainda não pagou, nada impede que se decrete arresto para garantia dessa quantia. II) Não pode ser arrestado, em arresto contra o comprador, veículo automóvel vendido com reserva de propriedade a favor do vendedor. Mas não alegando e provando o comprador, na oposição subsequente que deduziu contra a providência de arresto, que a obrigação que justificou a reserva ainda está por cumprir, é de manter o arresto conforme inicialmente decretado. III) Pode ser arrestado o quinhão hereditário do requerido sobre a herança indivisa de que é titular. O que não pode ser arrestado é bem concreto integrante dessa herança indivisa. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência na Secção Cível da Relação de Guimarães: A requereu contra B e C procedimento cautelar de arresto, pretendendo que fossem arrestados os dois veículos automóveis que identifica e o quinhão hereditário das requeridas na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito da mãe destas. Alegou para o efeito, em síntese, que se tornou fiador das requeridas em relação a um empréstimo que elas contrataram com um Banco, tendo o requerente constituído a favor desse Banco um penhor sobre um direito de crédito resultante de seguro de vida. Sucede que as requeridas deixaram de pagar ao Banco as prestações inerentes ao dito empréstimo, razão pela qual o requerente foi chamado a cumprir em vez das requeridas, tendo já pago algumas das prestações e juros, e tendo de vir a pagar prestações subsequentes. Por outro lado, as requeridas encontram-se em situação económica difícil, tendo dívidas por saldar e o propósito de colocar à venda os bens que possuem e que são aqueles cujo arresto se pretende. A providência foi decretada. Na sequência vieram as requeridas deduzir oposição, concluindo pela ilegitimidade de uma delas e pretendendo a redução do objecto do arresto: Subsidiariamente pretenderam a substituição dos bens arrestados. A oposição foi indeferida. Inconformadas com o assim decidido, apelam as requeridas. Da respectiva alegação extraem as seguintes conclusões: 1. Na sua oposição as recorrentes levantaram as seguintes questões: a) ilegitimidade da requerida C, b) formulação dissimulada de dois pedidos pelo requerente e consequente excesso dos limites do arresto decretado em relação ao crédito; c) arresto de veículo sobre o qual impende registo de reserva de propriedade a favor de terceiro; d) arresto indevido do quinhão hereditário. 2. Quanto às últimas três questões a decisão recorrida está desprovida de fundamentação de facto e de direito, sendo nula nos termos das al. b) e d) do nº 1 do art. 668º do CPC. 3. Resulta dos autos que o requerente pagou ao banco credor apenas a quantia de 2.154,03€, correspondente às prestações em atraso dos meses de Fevereiro e Março e respectivos juros e às prestações de Abril e Maio. 4. Não existe neste processo notícia de outra quantia que tenha sido paga por aquele, designadamente a quantia de 16.152,02 ainda em dívida ao banco. 5. O que significa que essa quantia nem sequer é um crédito provável, de acordo com o disposto nos art.s 406º e 407º do CPC, o que implica necessariamente a não verificação, quanto a tal montante, de um dos requisitos necessários à decretação da providência de arresto. 6. A obrigação das recorrentes perante o banco credor só foi extinta pelo requerente na quantia de 2.154,03€, pelo que só sobre esta parte é que o requerente pode exercer o seu direito de regresso sobre aquelas na acção principal, uma vez que o exercício do direito de regresso pressupõe sempre o cumprimento da obrigação. 7. Nessa acção de exercício de direito de regresso o requerente apenas pode pedir que as requeridas sejam condenadas a restituir-lhe o montante efectivamente pago, sob pena de ao cumular dois pedidos – um em que peça a condenação das devedoras a reembolsá-lo do que já pagou e outro na condenação de uma quantia que ainda não desembolsou – estar a actuar de forma abusiva e manifestamente ilícita. 8. Igual raciocínio tem necessariamente que ser aplicado à providência de arresto. 9. Esta formulação caracteriza uma acumulação ilícita de pedidos por violação do princípio da instrumentalidade que exige que cada pedido cautelar só possa ser cumulado com outro se na acção também for lícita a mesma acumulação e configura uma excepção dilatória inominada que leva à absolvição das instância das recorrentes no tocante ao segundo pedido formulado. 10. Deveria o Mmº juiz a quo ter-se pronunciado favoravelmente quanto à redução do arresto aos justos limites para segurança normal do crédito no montante de 2.154,03€ - como não o fez violou os art.s 406º, 407º e 408º do CPC. 11. Em sede de oposição foram suscitadas duas questões: uma relacionada com a existência de um registo de reserva de propriedade do veículo a favor de D e outra com a inadequação, por esse motivo, da providência de arresto requerida sobre aquele bem em concreto a que o Mmº juiz respondeu no sentido de que ao caso em concreto se deveria aplicar antes a disposição do art. 119º do CRP. 12. Dispõe o art. 619º do CC que o arresto há-de recair sobre bens do devedor. 13. A cláusula de reserva de propriedade suspende o efeito translativo da propriedade, até à verificação do cumprimento integral do devedor. 14. A regra do art. 409º nº 1 do CC constitui excepção à regra consagrada no art. 408º de que a transferência da propriedade se opera por mero efeito do contrato. 15. Pelo que é inequívoco que a função económica da reserva de propriedade é a de garantir o crédito do vendedor pelo preço da compra. 16. Para ser oponível a terceiros, a reserva de propriedade tem de estar definitivamente registada, exigindo-se igual procedimento para a sua caducidade. 17. Neste sentido o Ac do STJ de 10/2008 para uniformização de jurisprudência que afasta por completo o chamamento à colação do artº 119º do CRP, uma vez que também nos presentes autos não existem quaisquer dúvidas sobre o titular do direito de reserva de propriedade. 18. Esta questão leva-nos necessariamente à segunda questão levantada em sede de oposição e sobre a qual o Mmº juiz nem sequer se pronunciou: que é da oportunidade e adequação da providência de arresto à situação concreta. 19. De acordo com jurisprudência e doutrina bastante, deveria antes o requerente da providência ter lançado mão de uma providência cautelar não especificada, para poder reivindicar o veículo como meio de garantia do seu crédito, o que mais uma vez afasta a aplicação do art. 119º do CRP. 20. Assim sendo, o Mmº juiz violou o disposto no art. 619º, nº 1 do CC e o art. 668º, nº 1 d) do CPC. 21. Os bens que compõem o “quinhão hereditário” das recorrentes pertencem à herança ainda ilíquida e indivisa aberta por óbito da mãe, sendo esta herança enquanto instituto com personalidade e capacidade judiciárias a sua titular. 22. Nesta medida, mais uma vez o arresto recaiu sobre bens dos quais as recorrentes não são titulares, em violação do disposto no art. 619º nº 1 do CC por aplicação das disposições aplicáveis à penhora nos termos do art. 402º do CPC. 23. Para assegurar a legitimidade das recorrentes para a presente providência, quanto a esta parte, o requerente do arresto deveria também ter deduzido esta providência contra a herança representada por todos os seus herdeiros. 24. Também sobre esta questão não houve pronúncia, violando-se novamente o disposto no art. 668º nº 1 d) do CPC, o que implica nulidade. 25. A disposição do art. 860º-A do CPC não é aplicável ao caso concreto. 26. O tribunal recorrido violou as disposições legais invocadas. + A parte contrária contra-alegou, concluindo pela improcedência do recurso. + Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir. + Quanto à matéria das conclusões 1ª a 10ª: Embora de forma sucinta, o despacho recorrido pronunciou-se acerca da temática da redução do arresto, entendendo que os 16.102,52€ que estavam por pagar podiam ser levados em linha de conta para efeitos do arresto. De igual forma, entendeu que a reserva de propriedade não obstava ao arresto do veículo. Ainda, entendeu que o arresto podia recair sobre o quinhão hereditário das requeridas. Tudo isto desponta claramente da decisão recorrida. E mais não podemos dizer. In claris non fit interpretatio. Leia-se a decisão recorrida. Donde, não se verificam as nulidades de decisão a que aludem as al. b) e d) do nº 1 do art. 668º do CPC. Quanto à matéria das conclusões 11ª a 23ª e 25ª: Entendem aqui as recorrentes que se decidiu mal no segmento em apreço nessas conclusões. A nosso ver carecem de razão. Justificando: É certo que as providências cautelares visam acautelar direitos, de forma que nelas não se pode obter mais do que aquilo que se poderá obter na acção. Não duvidamos também que a efectivação do direito de regresso pressupõe o cumprimento da obrigação do garante. Sabemos igualmente que da dívida alegadamente afiançada o ora recorrido apenas pagou até ao momento (rectius, até à data em que requereu o arresto) uma fracção dela. Simplesmente, não há razão alguma para supor que na acção o ora recorrido não possa vir a ver reconhecido um direito de regresso sobre toda a quantia que ainda não está paga ao Banco, mas que ele está adstrito a satisfazer. Basta que, como já fez, vá pagando o que se for vencendo, e proceda depois à correspondente ampliação do pedido. Portanto, prevenindo essa possibilidade, temos como óbvio que a presente providência, justamente porque é cautelar, pode levar em linha de conta tudo aquilo a que o recorrido está sujeito a ter de pagar em lugar das requerentes. Nem de outra forma poderia ser, sob pena de ter de haver lugar a tantos arrestos quantos os pagamento feitos, o que não nos parece lá muito cabido… O que significa que não se verídica a cumulação indevida de pedidos de que falam as recorrentes. Donde, a este nível não há razão para reduzir o arresto. No que respeita ao veículo automóvel, há que dizer o seguinte: É certo que a cláusula de reserva de propriedade (condição suspensiva da translação do direito de propriedade, isto pelo menos segundo a doutrina mais categorizada; v., por todos, Pedro Romano Martinez, Direito das Obrigações, Contratos, 2ª ed., p. 36) implica que o bem não pertença ao comprador até cumprimento da obrigação que justificou a reserva. E não pertencendo ao comprador (mas sim ao beneficiário da reserva, o vendedor), não é bem desse mesmo comprador e, como tal não pode ser arrestado, na certeza de que o arresto deve incidir (em princípio) apenas sobre o património do devedor. O art. 406º do CPC e o art. 619º do CC são claros quanto a isto. Como assim, o comprador terá apenas uma expectativa de aquisição (v. Nuno Pinto Oliveira, Contrato de Compra e Venda, p. 52, Ac RL de 23.9.04, Col Jur 2004, IV, p. 98). Deste modo, o arresto não poderá incidir sobre veículo nestas circunstâncias. Todavia, há a acrescentar de imediato que, contra o que dizem as recorrentes, também não caberia ao caso uma providência não especificada. De facto, a citação que a propósito as recorrentes fazem do Ac da RL de 4.7.91 carece de pertinência, pois que não está aqui em causa (como estava naquele acórdão) um arresto requerido pelo vendedor. E somente neste caso faria sentido uma providência não especificada como medida conservatória de um bem do próprio vendedor mas na posse do comprador. Mas a verdade é que há que ver que em sítio algum da sua oposição as ora recorrentes alegaram que a obrigação que provocou a reserva está por cumprir, de modo que não sabemos se a propriedade do veículo ainda pertence a terceiro. Na realidade, limitam-se a concluir que a existência de um registo de reserva contende com o arresto, mas isto por si só não é decisivo. Por outro lado, embora no auto de apreensão do veículo se faça referência à existência de documento donde consta uma reserva de propriedade (o que só por si não significa que a obrigação ainda subsista e que nenhuma das requeridas seja presentemente efectiva dona do veículo), a verdade é que tal reserva teria de ser provada mediante o competente documento registral, como é de lei. Isto leva também a dizer que a invocação que o tribunal recorrido faz do art. 119º do CRPredial não é injustificada. Injustificada seria, de facto, se acaso se devesse concluir ab initio que o veículo não pertencia às requeridas. Pois que, nesse caso, e como se demonstra no Ac da RL de 4.12.03 (Col Jur 2003, V, p. 114), não faz sentido atender-se a tal normativo. Não é o que se passa no caso vertente. Cabe acrescentar que o Ac do STJ para uniformização de jurisprudência nº 10/08 (DR-I Série de 14.11.08), incidentalmente citado pelas recorrentes, nada tem a ver com o caso, sendo de observar, de resto, que nele nem sequer se discute a possibilidade de penhora (mas sim a possibilidade de seguimento da execução, o que não é a mesma coisa) de um veículo cuja propriedade foi reservada a favor do vendedor. Como assim, no caso concreto não encontramos razão para afastar o veículo do arresto, na certeza de que vem dado como assente na decisão que decretou a providência que o mesmo é pertença das requeridas e isto não está consistentemente invalidado na oposição. No que se refere ao arresto do quinhão hereditário, é por demais óbvia a falta de razão das recorrentes. Pois que o que foi arrestado foi o direito das requeridas à herança ainda indivisa por morte da mãe, e este direito apenas a elas pertence, não à herança ou a outros sucessores. Também aqui a jurisprudência que as recorrentes citam não vem nada a propósito, pois que incidiu sobre situação em que se pediu o arresto sobre bens concretos da herança. E, num contexto que tal, sem dúvida que o arresto não poderia ter lugar, justamente por se objectivar em bens que não pertenciam ainda (e poderiam nunca vir a pertencer) ao devedor. Não é o que se passa no caso vertente. Quanto à matéria da conclusão 24ª: Pelo que fica dito se vê que nulidade alguma de decisão foi atinentemente cometida pelo tribunal recorrido. Aliás, aqui as recorrentes confundem manifestamente nulidade (fenómeno processual, error in procedendo) com erro de decisão (fenómeno substantivo, error in judicando). Tratar-se-ia, se acaso tivessem razão (e não têm) no que dizem como substrato da pretensa nulidade, de erro de decisão, não de nulidade de decisão. Quanto à matéria da conclusão 26ª: Também pelo que fica dito se conclui que na decisão recorrida não se violaram as disposições legais aí pressupostas. Improcedem pois as conclusões do recurso e, com elas, a apelação. + Decisão: Pelo exposto acordam os juízes nesta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida. Regime de Custas: As apelantes são condenadas nas custas do recurso. ++ Guimarães, 23 de Abril de 2009 |