Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1868/08.8TBVCT.G1
Relator: MOISÉS SILVA
Descritores: LOCAÇÃO FINANCEIRA
CONTRATO DE SEGURO
ANULAÇÃO
TERCEIRO
ACIDENTE DE VIAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/11/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I – A resolução do contrato de mútuo celebrado entre a locadora financeira e a mutuária, onde foi acordado que a responsável pela celebração do contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel relativa ao veículo seria a primeira, mediante o pagamento pela última da parte relativa ao prémio de seguro juntamente com a prestação, não produz efeitos em relação ao terceiro lesado, mesmo que a locadora e proprietária do veículo, após o acidente, tenha comunicado à seguradora que anulava o contrato de seguro, atribuindo-lhe efeitos retroativos anteriores à data em que ele ocorreu.
II – A aplicação do disposto no art.º 663.º, n.º 1, parte final, do CPC pressupõe que as partes aleguem os factos respetivos, através de articulado superveniente (art.ºs 506.º e 507.º do CPC) ou que sejam de conhecimento oficioso, como seja a inflação (art.º 514.º do CPC).
III - A tabela médica tem um valor indicativo, importante, mas não único na fixação do valor da indemnização, nomeadamente no âmbito do seguro de responsabilidade civil automóvel.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I - RELATÓRIO

Apelante: B… -Companhia de Seguros, SA (interveniente principal).
Apelados: C… (autor) e outros (demandados).

Tribunal Judicial de Viana do Castelo – 4.º Juízo Cível

1. O A. intentou ação com processo ordinário contra o Fundo de Garantia Automóvel, D…, Lda, e E…, pedindo a condenação destes a pagar-lhe a indemnização global líquida de 76.483,24 euros, bem como uma indemnização não inferior a 10,00 euros por cada dia que decorrer até ao reembolso ao A. do valor da reparação a título de danos patrimoniais e não patrimoniais pela paralisação do veículo, acrescida dos juros de mora vincendos, contados à taxa legal, desde a citação até pagamento.
Alegou que é dono do veiculo ligeiro de passeiros de matrícula NO-…-…, sendo que no dia 6 de Dezembro de 2006, pelas 17horas e 55 m, ocorreu um acidente de trânsito na Av. 25 de abril, na cidade de Viana do Castelo, junto à Igreja do Carmo.
Nesse acidente foram intervenientes os seguintes veículos: 1.º - o veículo automóvel ligeiro de passageiros matrícula NO-…-…, propriedade do A e por ele conduzido; 2.º- o veículo automóvel ligeiro de mercadorias, matrícula …-…-LL, e o 3.º-veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula …-…-VU, propriedade de F… e conduzido por G….
O veículo automóvel ligeiro de mercadorias matrícula …-…-LL era propriedade de D…, Ldª e era conduzido por E….
O E… conduzia o automóvel ligeiro de mercadorias matrícula …-…-LL, ao serviço da 2.ª Ré para que desempenhava as funções de motorista, seguindo instruções que lhe haviam sido previamente determinadas e com conhecimento, com autorização, à ordem, por conta, no interesse e sob direção efetiva de D…, Ldª”.
O A. descreve o acidente, imputando a culpa pela sua eclosão ao veículo LL que agiu com imperícia, inconsideração e negligência, porquanto circulava com velocidade excessiva, de forma distraída, sem prestar atenção à condução que fazia.
Alega, ainda, os danos sofridos.
Diz que a Ré “D…, Ldª” era, à data do sinistro, a proprietária do veículo de matrícula …-…-LL.
Nem a “D…, L.da”, nem o E…, nem qualquer outra pessoa, tinha transferido à data do acidente a responsabilidade civil por danos causados a terceiros pelo seu veículo automóvel de matrícula …-…-LL para qualquer companhia de seguros.
Daí a demanda do Fundo e dos responsáveis civis.
O Fundo de Garantia Automóvel veio contestar dizendo que o acidente lhe foi participado pela B… - Companhia de Seguros, S.A.
Na sequência dessa participação, o ora contestante deu imediatamente início a um processo de averiguações, tendente a determinar a verificação ou não, no caso concreto, dos pressupostos de que depende a emergência do seu dever de indemnizar, de acordo com o Decreto-Lei n.º 522/85, de 31 de dezembro.
Sucede que, terminada a instrução do processo de averiguações, concluiu o Fundo pela responsabilidade do condutor do veículo de matrícula …-…-LL na eclosão do sinistro aqui em crise, tendo decidido assumir a liquidação do mesmo considerando o disposto no n.º 5 do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 522/85, de 31 de dezembro.
Quanto aos danos alegados na petição inicial, impugna os mesmos por desconhecimento.
Diz ainda que nos termos do capítulo III do Diploma legal citado, mais precisamente no seu artigo 21.º, específica, em sentido lato, o âmbito de responsabilidade do Fundo de Garantia Automóvel. Assim, compete ao Fundo de Garantia Automóvel satisfazer, as indemnizações decorrentes de acidentes de viação originados por veículos: - sujeitos ao seguro obrigatório e que sejam matriculados em Portugal ou em países terceiros em relação à Comunidade Económica Europeia que não tenham Gabinete Nacional de Seguros, ou cujo gabinete não tenha aderido à Convenção Complementar entre Gabinetes Nacionais e que não beneficiem de seguro válido e eficaz.
Compulsada a declaração amigável de acidente automóvel, constata-se que o proprietário do veículo de matrícula …-…-LL tinha transferido a sua responsabilidade civil emergente da circulação do seu veículo automóvel para a B… - Companhia de Seguros, S.A., mediante a celebração de um contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel titulado pela apólice n.º 000000000, 000000000, válida até 31 de dezembro de 2006.
A referida seguradora sustenta que o citado contrato de seguro não se encontrava válido e eficaz à data dos factos em crise no presente dissídio, por ter sido supostamente anulado cerca de 3 dias antes do sinistro a pedido do segurado.
Sucede que contactado o indicado segurado foi por este dito que a “…responsabilidade de manutenção de seguro válido.”, cabe ao cliente – o aqui Réu D…, Limitada, e não à Sofinloc.
Ora, como essas informações não coincidem, entendeu o ora contestante assumir, apenas em sede extrajudicial o sinistro tendo por base o disposto no n.º 5 do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 522/85, de 31 de dezembro.
Urge assim apurar quais os factos que estiveram na génese da posição assumida pela sobredita seguradora.
O R. E… veio contestar, invocando a sua ilegitimidade porquanto resulta da leitura da Declaração Amigável de Acidente Automóvel, que, à data do sinistro, ou seja, 6 de dezembro de 2006, o veículo, matrícula …-…-LL, possuía seguro, lendo-se mesmo o número do Certificado Provisório, 000000000, certificado Provisório este que teria o seu terminus em 31 de dezembro de 2006.
O R. ficou surpreendido quando recebeu uma carta do Instituto de Seguros de Portugal comunicando-lhe que havia sido apresentada ao Fundo de Garantia Automóvel, uma reclamação com vista ao ressarcimento dos danos decorrentes daquele sinistro.
Contactada, sucessivamente via telefone, a Seguradora, B…, comunicou que “não lhes seria possível aceitar o risco proposto, pelo que consideravam a proposta de seguro rececionada como nula e de nenhum efeito desde a data do início”, não invocando o motivo da nulidade e nunca informando o réu do que quer que seja.
Em 20 de Agosto de 2008, enviaram um fax onde se pode ler que “A apólice n.º 000000000 foi anulada em 3 de dezembro de 2006 a pedido do segurado”.
Após contacto com a Seguradora, pela mesma foi dito que “a responsabilidade da manutenção de seguro válido”, caberia ao cliente, ou seja, à Ré “D…, Lda.”, e não ao aqui réu que apenas se limitava a conduzir o veículo desconhecendo e não tenho mesmo obrigação de conhecer da (in)existência de seguro válido.
Assim, nunca poderá ser assacada ao aqui Réu qualquer responsabilidade na manutenção de seguro válido, e, consequentemente, no pagamento de qualquer quantia indemnizatória.
A R. D… apresentou contestação nos mesmos termos que o R. E….
Na réplica que apresentou, veio o A. requerer a intervenção principal da companhia de Seguros B…, S.A. e H… – Companhia de Seguros, S.A., o que foi deferido.
H… – Companhia de Seguros, S.A. veio contestar dizendo que por contrato de seguro titulado pela apólice V00000000, assumiu a responsabilidade pelo pagamento das indemnizações devidas pelos danos causados pelo veículo de matrícula …-…-VU.
Porém, como os factos constantes da p.i. não lhe foram participados, impugna-os por desconhecimento.
A Chamada B… veio contestar dizendo que por carta de 27/08/2007, o demandado Instituto de Seguros de Portugal, FGA, assumiu a responsabilidade pelo ressarcimento dos danos causados pelo veículo …-…-LL aos lesados no acidente dos autos.
Fê-lo após a chamada lhe ter participado o acidente dos autos, dado que, à data do acidente, não tinha assumido a responsabilidade perante terceiros pela circulação do veículo LL, tendo-lhe comunicado que o contrato de seguro tinha sido anulado em 03/12/2006, pela tomadora (e segurada) do seguro.
Estamos, no caso, nos termos do artigo 358.º do Código Civil, perante uma confissão extrajudicial em documento particular de que não existia à data do acidente, seguro válido e eficaz, pelo qual a seguradora assumisse os riscos de circulação do veículo LL, "é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária" – art. 352.º do CC.
Deste modo, nenhuma dúvida resulta que o demandado Fundo de Garantia Automóvel assumiu “aceitando” a inexistência de seguro, sendo que posição contrária fará incorrer aquele FGA em abuso de direito, na modalidade de venire contra factum próprio.
A co-demandada D…, Lda. celebrou com a Sofinloc – Instituição Financeira de Crédito, S. A., em Fevereiro de 2003, um contrato de locação financeira (leasing), pelo qual esta cedeu àquela o gozo temporário sobre o veículo automóvel marca Toyota, modelo Dyna 280, matrícula …-…-LL, mediante determinada retribuição, contrato com o nº 56479, pelo período de 6 anos (72 meses), podendo esta, a locatária, adquirir findo o período acordado, adquirir aquele veículo, mediante determinadas condições previamente acordadas.
Entre a Sofinloc – Instituição Financeira de Crédito, S. A., na qualidade de proprietária de veículos automóveis e locadora dos mesmos, e a seguradora, ora chamada, foi celebrado um contrato de seguro automóvel de frota, que se destina a cobrir os riscos de circulação perante terceiros – seguro automóvel obrigatório – e os riscos próprios – cobertura facultativa - de cada um dos veículos que loca, no âmbito do exercício da sua atividade comercial de locação, titulado pela apólice nº 000 000 000.
A Sofinloc, S. A., como proprietária e locadora de veículos, em alguns dos casos, outorga ela própria, com a seguradora o contrato de seguro, com a cobertura obrigatória – perante terceiros – e facultativa – de danos próprios - comunicando a inclusão de cada um dos veículos, coisa segura, no âmbito de cobertura da “apólice/seguro de frota” em questão, mediante ficha de adesão que envia por meio de correio eletrónico, pagando ela própria, enquanto tomadora – e segurada/beneficiária – do seguro, o prémio do seguro, que, naturalmente, fará repercutir na prestação/retribuição a pagar pelo locatário, que incluirá o valor do prémio do seguro a pagar.
Outras vezes, a maioria, será o locatário (tomador) quem celebra o contrato de seguro com a seguradora, a favor do proprietário/locador (segurado, beneficiário do seguro).
No caso dos autos, a Sofinloc, S. A. incluiu ela própria este veículo, matrícula …-…-LL, naquele seguro de grupo/frota, com o nº 000 000 000, mediante ficha de adesão enviada informaticamente para a seguradora, em 10/02/2003, sendo que a seguradora individualizou o contrato de seguro referente aquele veículo LL, atribuindo-lhe a apólice com o nº 000 000 000.
Ora, em 03/12/2006, a tomadora do seguro, outorgante no contrato de seguro titulado pela apólice nº 000 000 000, que segurava o veículo LL, a Sofinloc, S. A., comunicou à seguradora, ora chamada, a anulação do contrato de seguro em mérito, o que fez, conforme convencionado e de acordo com os usos e costumes entre os outorgantes, através de e-mail enviado em ficheiro com formato Excel, enviado mensalmente, no mês imediatamente seguinte, em que contém todas as cessações, anulações, resoluções do mês anterior.
Este ficheiro foi enviado, e rececionado, no dia 02 de Janeiro de 2007, pelas 08:45 horas.
A anulação, como declaração negocial de vontade que é, produz efeitos logo que manifestada, logo que produzida, 41., sendo que, a partir da data da anulação, a segurada deixa de assumir os riscos pela circulação da coisa segura, não cobrando o respetivo prémio a partir dessa mesma data.
Quando a segurada e simultaneamente tomadora do seguro solicitou o respetivo certificado de tarifação, a ora chamada procedeu à sua emissão.
Aquando da verificação do acidente, em 06/12/2006, o contrato de seguro, titulado pela apólice nº 000 000 000, estava anulado, e, por isso, sem efeitos, sendo que os riscos de circulação do veículo LL não estavam cobertos pela seguradora, não estavam transferidos, por não haver seguro válido e eficaz à data do acidente, falta de seguro válido e eficaz que expressamente se invoca.
Além disso, diz que nos termos da Portaria n.º 377/2008, de 26 de maio, conjugada com o DL n.º 291/2007, de 21 de agosto com a nova redação dada pelo Decreto-Lei aprovado em 17 de julho pelo Conselho de Ministros, o cálculo das indemnizações por prejuízo patrimonial, tanto emergente como futuro, passará a ter por base os rendimentos declarados à administração fiscal pelos lesados.
Os critérios constantes da Portaria n.º 377/2008, de 26/05, deverão ser tidos em conta no cômputo das indemnizações a atribuir.
Elaborado despacho saneador e condensação, procedeu-se a julgamento, como consta da acta e foram respondidos os quesitos.

2. Foi proferida sentença com a seguinte decisão:
Pelo exposto, julga-se a presente acção parcialmente procedente e em consequência:
1. Condena-se a Chamada B… a pagar ao A.:
a) A quantia de € 26.700,73 a título de danos patrimoniais, quantia essa acrescida de juros desde a citação, até integral pagamento, à taxa de 4% - portaria 291/2003 de 08.04.
b) A quantia de € 10.000,00 a título de danos não patrimoniais, quantia essa acrescida de juros desde a presente data, até integral pagamento, à taxa de 4% - portaria 291/2003 de 08.04.
2. Absolvem-se os RR. E… e Fundo de Garantia Automóvel e Chamada H… dos pedidos contra si formulados.
3. Custas pelo A. e R. B… na proporção do respectivo decaimento.

3. Inconformada, veio a chamada B… – Companhia de Seguros, SA, interpor recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões que se transcrevem:
OBJECTO DE RECURSO:
aa. A ora recorrente não se pode conformar com a sentença que a condenou a pagar ao lesado a indemnização em resultado de um acidente de viação com o que o seu recurso se cinge a três questões: (a) (in)existência de contrato de seguro válido e eficaz;
(b) impugnação da matéria de facto e (c) os quantuns indemnizatórios atribuídos.
DO CONTRATO DE SEGURO DOS AUTOS E DAS SUAS PARTES – DA (IN) EXISTÊNCIA DE CONTRATO DE SEGURO
ab. Transcreva-se a factualidade provada quanto a esta questão:
- “A R. D…, Lda. celebrou com a Sofinloc – Instituição Financeira de Crédito, S.A., em fevereiro de 2003, um contrato de mútuo com reserva de propriedade a favor do mutuante, tendo sido acordado entre a Sofinloc e a D… que esta, juntamente com a prestação do financiamento, pagaria àquela o prémio de seguro.” – cfr. resposta aos quesitos 37 e 37-A;
- “Entre a Sofinloc – Instituição Financeira de Crédito, S.A., na qualidade de proprietária de veículos automóveis e locadora dos mesmos, e a Companhia de Seguros B…, S.A. foi celebrado um contrato de seguro automóvel de frota, titulado pela apólice com o n.º 000 000 000, no qual se incluía o veículo de matrícula 00-00-LL” – cfr. resposta ao quesito 38;
- “A Companhia de Seguros B…, S.A. individualizou o contrato de seguro referente ao veículo de matrícula …-…-LL, atribuindo-lhe a apólice com o nº 000 000 000” – cfr. resposta ao quesito 39;
- “Conforme convencionado entre a Sofinloc e a Companhia de Seguros B…, foi enviado e rececionado no dia 02 de janeiro de 2007, um pedido de anulação (por parte da Sofinloc) do contrato titulado pela apólice n.º 000 000 000 por referência à data de 03 de dezembro de 2006, que a seguradora considerou anulado por referência à mesma data – 03.12.2006” – cfr. resposta aos quesitos 40, 40-A e 41.
ac. Ora, resulta da factualidade dada como assente e da demais prova documental que a Sofinloc – Instituição Financeira de Crédito, S. A. é a única proprietária do veículo dos autos. Por sua vez, a D…, Lda., demandada primitiva, é/foi uma mera mutuária/adquirente com reserva de propriedade.
ad. No âmbito do contrato de mútuo celebrado entre estas entidades, a Sofinloc, S. A. obrigou-se, entre outras, a celebrar um contrato de seguro cuja coisa segura era aquele automóvel.
ae. Nos termos do art.º 2.º do DL 522/85, de 31 de dezembro (em vigor à data do sinistro), a obrigação de segurar impende sobre o proprietário do veículo, exceto, designadamente, no caso da venda com reserva de propriedade, em que aquela obrigação recai sobre o adquirente.
af. Assim, não obstante a obrigação de segurar caber à mutuária, D…, Lda., nos termos do contrato entre elas celebrado, foi a Sofinloc, S.A. quem procedeu à celebração do seguro.
ag. A ora recorrente nunca celebrou nenhum contrato com a D…, Lda., nunca assumiu nenhuma obrigação perante aquela.
ah. Independentemente de quaisquer vicissitudes nas relações contratuais entre a Sofinloc, S.A., como locadora, e a D…, Lda., a recorrente apenas poderá responder pelas obrigações assumidas perante aquela e não outras.
ai. Tendo em conta a factualidade dada como provada, no que a este tema se refere, ficamos a saber que, em suma, o que se passou foi que, por incumprimento da D…, Lda. das obrigações assumidas perante a Sofinloc, S.A., esta resolveu o contrato de financiamento (compra e venda com reserva de propriedade) que com aquela havia celebrado.
aj. Reproduza-se o teor da carta, registada com AR, enviada por aquela à D…, Lda, em 27 de outubro de 2006;
“(…) A contar da data de recepção desta carta, vimos ainda conceder um prazo suplementar de oito (8) dias úteis para que procedam à liquidação das importâncias em atraso, acrescidas dos juros de mora contratuais, no total de € 1.235,07.
Se, decorrido tal prazo, o pagamento do ora solicitado não se encontrar efetuado, o contrato considera-se automaticamente resolvido, com as legais e convencionais consequências, nomeadamente o acionamento de todas as garantias ao nosso dispor nos termos contratualmente previstos.
Na data de resolução do contrato, quando aplicável, denunciaremos o contrato de seguro associado, chamando a particular atenção de V. Exas. para a responsabilidade em que incorrerão, nos termos legais.” – cfr. docs. 1 e 2 da “resposta” da Sofinloc, S.A., remetida via CTT, datada de 19 de julho de 2011 (REF. do Tribunal: 5170831).
al. A este respeito, a factualidade dada como assente poderá ser insuficiente, com o que deveria haver lugar a uma AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO (assente), com o teor desta mesma carta, o que se requer expressamente.
am. Ao resolver o contrato celebrado com a D…, Lda. a Sofinloc, S.A. recuperou a propriedade plena do veículo automóvel dos autos. Assim, e como bem explica a sentença (p. 30); “após a resolução, cabia a esta (Sofinloc, S.A.), a obrigação de segurar o veículo nos termos do n.º 2 do DL 522/85, enquanto proprietária, obrigação essa que enquanto vendedora com reserva de propriedade já tinha até anteriormente assumido (…)”.
an. CONTUDO, a Sofinloc, S.A., assim que resolveu o contrato celebrado com a D…, Lda., procedeu ao cancelamento, ou melhor, à denúncia do contrato de seguro celebrado com a recorrente.
ao. Ora, a denúncia, tal como feita pela Sofinloc, S.A., está contratualmente prevista, foi feita em total conformidade com o acordado entre as partes no contrato de seguro - tomador e seguradora - e, naturalmente, produziu os seus efeitos, tal como acordado entre as partes. Ou seja, a seguradora nunca assumiu quaisquer riscos após a data de 03 de dezembro de 2006, uma vez que a proprietária, tomadora, e sujeito da obrigação de segurar procedeu à denúncia do contrato de seguro.
ap. Como pode a seguradora assumir um risco que a própria proprietária/tomadora/sujeito da obrigação de segurar, não o quis transmitir? Não se trata de resolução do contrato de seguro por iniciativa da seguradora. A seguradora, aqui recorrente, nada tinha que comunicar à D…, Lda., desde logo porque nunca teve qualquer relação contratual com esta.
aq. Foi o próprio tomador e proprietário que denunciou o contrato e, consequentemente, deixou de pagar os prémios, contrapartida da prestação assumida pela seguradora.
ar. Nunca competiria à seguradora notificar o condutor habitual (adquirente com reserva) da denúncia do contrato por parte do tomador/proprietário. Também não será exigível que se mantenha a cobertura do risco quando o próprio tomador denunciou o contrato e cessou o pagamento dos prémios e não pretende a cobertura.
as. A sentença em crise fundamenta a responsabilidade da ora recorrente nos princípios subjacentes à obrigatoriedade do seguro de responsabilidade civil automóvel e na ratio dos arts. 8.º e 30.º do DL 522/85, regime em vigor à data do sinistro.
at. Na verdade, não obstante o terceiro sinistrado ser, abstratamente, um beneficiário do contrato de seguro, desde logo por emanação dos princípios subjacentes à própria obrigatoriedade de celebrar um contrato de seguro, a verdade é que este interesse do terceiro não poderá sobrepor-se à inexistência de contrato, não poderá determinar uma obrigação para a qual a seguradora não recebeu a contraprestação.
au. É para situações como esta que está previsto que o Fundo de Garantia Automóvel – cfr. art.ºs. 21.º e ss. do DL 522/85, de 31/12 , com o que o demandante nunca ficaria desprotegido.
av. Foi a própria Sonfinloc, S.A. quem se desprotegeu, foi ela que, de livre e consciente vontade, denunciou o contrato cujo objeto era um veículo da sua propriedade. A sua responsabilidade não foi transferida por sua exclusiva vontade.
ax. Ora, provado que o dever de segurar impendia sobre o condutor, parte na presente demanda, e sobre a Sofinloc, S.A., proprietária, alheia à presente ação, os sujeitos passivos desta demanda deveriam ter sido, em litisconsórcio necessário passivo, o FGA e aqueles responsáveis.
az. EM SUMA, a ora recorrente tem que ser absolvida do pedido. Porque não existia seguro válido à data do sinistro, não podia a ora recorrente ser condenada.
DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO: DOS RENDIMENTOS DO SINISTRADO:
ba. A resposta à BI 30 deverá ser alterada. Transcreva-se.
“À data do sinistro, o autor trabalha como pintor da construção civil, por conta própria, auferindo mensalmente, em média, € 1500 (mil e quinhentos euros)” – cfr. resposta ao quesito 30.
bb. Salvo melhor opinião, não há nos autos qualquer elemento que demonstre que o demandante auferia aquele rendimento, bem pelo contrário. Pelo cotejo dos documentos (oficiais) juntos:
- da Segurança Social - de fls. 474 emitido pela Segurança Social e notificado por notificação com referência 5930610 em 20/09/2012 - e, - declaração de IRS de 2004, de fls. … - remetida pelo recorrido por requerimento com a referência 10014396, de 27/04/2012, resulta que o recorrido “cessou a atividade em 29/02/2004” e auferia uma remuneração anual na ordem dos € 3.530,00 (declaração de IRS), sendo que a partir de fevereiro de 2004 não foram declarados quaisquer rendimentos.
bc. Todavia, deu-se como provado precisamente o oposto. Esta prova documental impõe decisão diversa e prova do facto diversa.
bd. Na verdade, apesar de não ter força probatória plena, a declaração de rendimentos, para efeitos fiscais será, tendo em conta o preâmbulo do DL 153/2008, de 06 de agosto, que alterou o DL 291/2007, de 21 de agosto (Regime do Sistema de Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel - RSSORCA), o “elemento mais relevante” para a aferição da remuneração a ter em conta para cálculo da indemnização, e isto por respeito ao objetivo do “reforço de uma ética de cumprimento fiscal”.
be. O art. 64.º do RSSORCA, com as alterações introduzidas por aquele Diploma determina que “o tribunal deve basear-se nos rendimentos líquidos auferidos à data do acidente que se encontrem fiscalmente comprovados uma vez cumpridas as obrigações declarativas relativas àquele período, constantes de legislação fiscal”.
bf. Também o Preâmbulo da Portaria 377/2008, de 26 de maio o refere expressamente:
“É também de destacar que o cálculo das indemnizações por prejuízo patrimonial, tanto emergente como futuro, passa a ter por base, para efeitos de proposta razoável, os rendimentos declarados à administração fiscal pelos lesados.”
bg. Transcreva-se, a propósito, a fundamentação da matéria de facto;
“Relativamente às condições de vida do A., seu trabalho, quanto auferia, o tribunal, na ausência de prova documental, teve por base o depoimento de Manuel …, comerciante de tintas e fornecedor do A. (que é pintor da construção civil) e Luís …, amigo do A., que pelas relações próximas que tinha com aquele, o primeiro, em termos profissionais e o segundo, pela amizade, sabiam que o A. era pintor da construção civil e que, à data do embate, portanto antes da Troika, tinha muito serviço na sua área, auferindo cerca de € 80,00, por dia.”
bh. Ora, independentemente de ser (ou não) verdade que, em “biscates”, o sinistrado auferia aquele rendimento, a verdade é que não poderão a Justiça e os Tribunais ser coniventes com o cidadão que beneficie da fuga às suas obrigações fiscais, quando declaram rendimentos inferiores, ou melhor não declaram quaisquer rendimentos, como é o caso.
bi. Ademais, segundo o PRINCÍPIO ATUALISTA, e tendo em conta o princípio do indemnizatório, o tribunal, para aferição da situação em que estaria o sinistrado, não fosse o facto danoso, terá de atender ao momento mais próximo da prolação da decisão. Não poderá atender-se, como faz o Meritíssimo Julgador, e salvo o devido respeito, a que, à data, porque “antes da Troika”, um pintor da construção civil auferia mais do que hoje aufere.
bj. Só uma análise atualista situação da profissão do sinistrado permite uma justa e correta indemnização, desde logo porque não serve aquela para enriquecer o lesado.
bl. CONCLUINDO, deverá a resposta ao quesito 30 ter a seguinte redacção: “À data do sinistro, o autor trabalhava como pintor da construção civil, por conta própria, auferindo mensalmente, quantia não concretamente apurada”.
bm. Assim, ao julgador impõe-se, na falta de outros elementos, e de acordo com a prova documental, recorrer ao único elemento objetivo: o salário mínimo nacional.
DOS QUANTUNS INDEMNIZATÓRIOS ARBITRADOS:
A. DA INDEMNIZAÇÃO DEVIDA PELOS 210 DIAS DE ITA:
bn. Quanto a este item ficou provado que:
“O A. esteve incapaz de exercer a sua profissão durante 210 dias.” – cfr. resposta à BI 31.
bo. Face ao sobredito e tendo em conta a alteração do quesito 30 que se pretende, atenta a teoria da diferença, não é devida qualquer quantia a título de lucros cessantes, perdas salariais. E a ser devida, serão calculados de acordo com o salário mínimo nacional de 2006/2007.
B. DA INDEMNIZAÇÃO DEVIDA PELA IPG DE TRÊS PONTOS:
bp. Aqui ficou provado que:
“Em resultado do embate ficou com IPG de 3 pontos” – cfr. resposta à BI 29; “As lesões com que o A. ficou são compatíveis com o exercício da sua atividade profissional habitual, mas implicam esforços suplementares” – cfr. resposta à BI 32.
bq. Em primeiro lugar, tendo em conta que a IPG de que o sinistrado ficou a padecer implica, meramente, “esforços suplementares” no exercício da sua atividade profissional, sem qualquer repercussão na sua capacidade de ganho, haverá lugar, exclusivamente, a indemnização por danos não patrimoniais.
br. A IPG dos autos é de tal forma residual que, na prática, apenas poderá significar uma maior penosidade ou esforço no exercício da sua atividade profissional e não uma efetiva perda da capacidade de ganho com o que, salvo o devido respeito, não se trata, in casu, da atribuição de capital que proporcione à vítima a retribuição perdida, desde logo porque aquela IPG em nada interferirá nos rendimentos do lesado.
bs. Assim, e de forma a compensar a maior penosidade e esforços que o lesado sentirá no exercício das suas funções, resultantes de uma IPG de três pontos, afigura-se justa uma indemnização nunca superior a € 5.000,00 (cinco mil euros).
AINDA QUE SE VENHA A ENTENDER QUE TAIS DANOS TÊM NATUREZA PATRIMONIAL (FUTURA),
bt. A quantia arbitrada a título de dano patrimonial futuro, pela IPG de 3 pontos é manifestamente exagerada, desde logo porque a aferição daquela quantia tem de ter em conta a remuneração presente do lesado, porque é sobre ela que se reflete e porque o tribunal não teve em conta os factos acima indicados.
bu. Ademais, de forma a não propiciar ao lesado um enriquecimento ilegítimo, terá que haver um desconto, desconto esse que terá que ter em conta que o lesado irá receber de uma só vez, aquilo que receberia em fracções mensais e anuais (cfr. Ac. do S.T.J. de 2/2/93), desconto esse que não parece ter sido efectuado no caso sub iudice – cfr. ensinamentos do Exmº. Juíz Conselheiro Joaquim José de Sousa Dinis (in CJ – Acórdãos do STJ -, Ano IX, Tomo I, 2001, pág. 5 e ss. “Dano Corporal em Acidente de Viação – Cálculo da Indemnização em situações de Morte, Incapacidade Total e Parcial – Perspectivas Futuras).
C. DA INDEMNIZAÇÃO DEVIDA PELO PERÍODO DE PARALISAÇÃO DO VEÍCULO:
bv. Transcreva-se a sentença:
“Pese embora não termos a data, em concreto, da reparação, sabemos que algum tempo o A. esteve privado do uso do veículo.
Tendo em conta o disposto no art.º 494.º e 496.º C.C. entendemos ser equitativo atribuir-lhe o valor de € 10,000,00, considerado adequado no momento presente.”
bx. Independentemente do entendimento sobre se a privação é um dano em si mesmo ou se é necessária a prova concreta de danos, ao lesado compete o ónus de alegação e prova do período em que esteve privado do uso – cfr. art.ºs 342.º/1 do CC e 264.º/1 do CPC.
bz. O período de paralisação corresponderá ao tempo decorrido entre a data do sinistro e a data da reparação do veículo.
ca. No pedido, solicita-se a condenação no pagamento de € 10,00 por dia de paralisação. O valor arbitrado pelo Meritíssimo Julgador corresponderia a mil dias de paralisação, indemnizados, tal como pedido, por € 10,00/dia.
cb. Se não foi provado o período de paralisação, a data em que o veículo ficou reparado, ou foi substituído por um outro, não se percebe como por o Julgador fixá-lo em mil dias.
cd. Por respeito aos princípios do dispositivo e da repartição do ónus da prova, não se concebe que o demandante não prove a data da reparação e receba indemnização pela privação do uso por mil dias.
ce. Quanto a este alegado prejuízo, nada, em concreto, o demandante logrou provar.
Assim sendo, nenhuma quantia deverá ser arbitrada a esse título.
cf. Não está em causa um dano moral/não patrimonial fixável com recurso a juízos de equidade mas sim um dano patrimonial, cujos contornos devem ser precisos e quantificáveis, para a aplicação da teoria da diferença.
cg. Os juízos de equidade não suprem a inexistência de factos reveladores do dano ou prejuízo reparável derivado de facto ilícito latu sensu, porque o referido suprimento só ocorre em relação ao cálculo do respetivo valor em dinheiro.
ch. Assim, face ao nosso ordenamento jurídico, a mera privação do uso de um veículo automóvel, isto é, sem qualquer repercussão negativa no património do lesado, ou seja, se dela não resultar um dano específico, emergente ou na vertente de lucro cessante, é insuscetível de ser indemnizada.
AS NORMAS JURÍDICAS VIOLADAS:
ci. A sentença em crise violou, entre outras, as normas constantes dos art.ºs 30º do DL 522/85, de 31 de dezembro, art.ºs 2.º, 8.º, 21.º ss. art.º 64.º/7, 8 e 9 do DL 291/2007, de 21 de agosto, art.ºs. 1.º, 7.º e 8.º da Portaria 377/2008, os art.ºs 342.º/1, 483.º, 563.º e 566.º/2 do Código Civil e art.º 264.º/1 do CPC.
TERMOS EM QUE:
deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser a sentença em crise revogada no sentido de:
a) Ser a recorrente absolvida do pedido OU, caso assim não se entenda:
b) ser a resposta dada ao quesito 30.º alterada no sentido supra explanado;
c) Ser a indemnização devida pelo período de ITA calculado de acordo com o salário mínimo nacional de 2006/2007;
d) Ser a indemnização devida pela IPG de três pontos fixada em € 5.000,00 (cinco mil euros) e e) Ser a recorrente absolvida do pagamento de € 10.000,00 (dez mil euros) a título de indemnização pelo período de paralisação do veículo (fim de transcrição).

4. Os recorridos Instituto de Seguros de Portugal, B… e E… vieram responder, tendo todos pugnado pela manutenção do decidido e o autor B… acrescentou que para a hipótese de se considerar inexistente o seguro entre a apelante e a Sofinloc à data do acidente, requer que seja ampliado o âmbito do recurso no sentido de ser conhecida a responsabilidade dos demais réus.

5. Colhidos os vistos, em conferência, cumpre decidir.

6. Objeto do recurso

O objeto do recursos está delimitado pelas conclusões das alegações formuladas (artigos 660.º n.º 2, 664.º, 684.º n.ºs 2, 3 e 4, 685.º-A e 685.º-B do CPC), sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso.
As questões a decidir neste recurso são as seguintes:
1.ª – Apreciar se à data do acidente estava em vigor o contrato de seguro celebrado entre a Sofinloc e a apelante seguradora e, se a resposta for negativa, apreciar a responsabilidade dos demais réus nos termos do que se vier a decidir nas questões indicadas a seguir.
2.ª - Reapreciação da resposta à matéria de facto relativa ao quesito 30.º.
3.ª – Montante da indemnização fixada, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais.

II - FUNDAMENTAÇÃO

A) A sentença recorrida considerou provada a seguinte a matéria de facto, que se transcreve:
1. No âmbito da sua atividade, a H… – Companhia de Seguros, S.A. celebrou com F… um contrato de seguro, titulado pela apólice nº V00000000, em que este transferiu para aquela a responsabilidade civil por danos causados a terceiros em decorrência da circulação do veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula …-…-VU – cfr. al. A dos Factos Assentes.
2. A “B…” remeteu ao Fundo de Garantia Automóvel, uma missiva, com data de 30 de Maio de 2007, com o seguinte teor: “(…)
Refª: Proc. Sin. S631993011, Apólice 000000000 Assunto: Sinistro ocorrido em 06.12.2006 Exmºs Senhores Por reclamação de terceiros e mediante os elementos de prova da responsabilidade do condutor do veículo …-…-LL, a coberto pela apólice em título, demos início à regularização dos danos a terceiros. Posteriormente e no decurso da regularização do sinistro, por contacto com os nossos segurados Sofinloc -Ins. Financeira de Crédito, S.A. fomos informados de que solicitaram a anulação da apólice a partir de 03.12.2006, por incumprimento do locatário. Os pedidos de anulação efetuados pelo nosso segurado em questão são efetuados através de ficheiros, pelo que enviámos cópia do ficheiro referente ao pedido de anulação da apólice em causa. Nesta conformidade, e como o contrato se encontra anulado desde 03.12.2006 tendo o sinistro ocorrido em 06.12.2006, solicitamos nos informem se aceitam a regularização do sinistro, a fim de encaminharmos o lesado para V. Exas. e enviarmos toda a documentação do nosso processo, assim como procederem ao reembolso dos valores já por nós despendidos. (…)” – cfr. al. B dos Factos Assentes.
3. O Instituto de Seguros de Portugal remeteu à B… - Companhia de Seguros, S.A, uma missiva, com data de 6 de Julho de 2007, com o seguinte teor: “(…) Exmºs Senhores Reportamo-nos ao acidente de viação ocorrido em Viana do Castelo, concelho de Viana do Castelo, na data acima indicada, no qual foram intervenientes os veículos LL e NO, VU, conduzidos por E… e G…. Na sequência da vossa reclamação registámos o nosso processo supra identificado, cujo número deve ser indicado em quaisquer contactos que estabeleça com os nossos serviços. Analisada a documentação carreada ao nosso processo, entendemos não estar feita prova da inexistência de seguro à data do sinistro, pelo que se solicita o envio de cópia do pedido de cancelamento da apólice ou mesmo o certificado de tarifação, documentos esses comprovativos da anulação da apólice. (…)” – cfr. al. C dos Factos Assentes.
4. O Instituto de Seguros de Portugal remeteu à B… - Companhia de Seguros, S.A. S.A. uma missiva, com data de 27 de agosto de 2007, com o seguinte teor: “(…) Exmºs Senhores Reportamo-nos ao acidente de viação ocorrido em Viana do Castelo, concelho de Viana do Castelo, na data acima indicada, no qual foram intervenientes os veículos LL e NO, VU, conduzidos por E… e G…. De acordo com o solicitado, cumpre-nos informar que aceitamos a ausência de seguro, pelo que devem encaminhar os lesados para os nossos serviços. Queiram fazer o favor de informar se os danos da viatura lesada foram avaliados, caso a resposta seja afirmativa solicitamos cópias dos relatórios. (…)” – cfr. al. D dos Factos Assentes.
5. A Sofinloc, enquanto tomadora, tinha transferido a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo de matrícula ...-...-LL para a B… - Companhia de Seguros, S.A. mediante a celebração de um contrato de seguro titulado pela apólice nº 000000000 (seguro de frota), individualizado pela apólice nº 000000000, com validade até 31.12.2006 – cfr. resposta ao quesito 35.
6. A R. D…, Ldª celebrou com a Sofinloc – Instituição Financeira de Crédito S.A., em Fevereiro de 2003, um contrato de mútuo com reserva de propriedade a favor do mutuante, tendo sido acordado entre a Sofinloc e a D… que esta, juntamente com a prestação do financiamento, pagaria àquela o prémio de seguro – cfr. resposta aos quesitos 37 e 37-A.
7. Entre a “Sofinloc – Instituição Financeira de Crédito, S.A.”, na qualidade de proprietária de veículos automóveis e locadora dos mesmos, e a B… - Companhia de Seguros, S.A. foi celebrado um contrato de seguro automóvel de frota, titulado pela apólice n.º 000000000, no qual se incluía o veículo de matrícula …-…-LL – cfr. resposta ao quesito 38.
8. A Companhia de Seguros B..., S.A individualizou o contrato de seguro referente ao veículo de matrícula …-…-LL, atribuindo-lhe a apólice com o nº 000000000 – cfr. resposta ao quesito 39.
9. Conforme convencionado entre a Sofinloc e a Companhia de Seguros B..., foi enviado através de e-mail em ficheiro com formato Excel, encaminhado mensalmente, e, no caso, enviado e recepcionado no dia 02 de janeiro de 2007, um pedido de anulação (por parte da Sofinloc ) do contrato de seguro titulado pela apólice nº 000000000 por referência à data de 03 de dezembro de 2006, que a Seguradora considerou anulado por referência à mesma data – 03.12.2006 – cfr. resposta aos quesitos 40, 40-A e 41.
10.No dia 6 de dezembro de 2006, pelas 17H55M, na Avenida 25 de Abril, junto à Igreja do Carmo, em Viana do Castelo, ocorreu um sinistro no qual foram intervenientes o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula NO-…-…, o veículo ligeiro de mercadorias de matrícula …-…-LL e o veículo ligeiro de passageiros de matrícula …-…-VU – cfr. quesito 1.º provado por acordo das partes.
11.O veículo de matrícula NO-…-… pertence ao autor e, nas circunstâncias referidas em 1), era por ele conduzido- cfr. quesito 2º provado por acordo das partes.
12.O veículo de matrícula …-…-LL nas circunstâncias mencionadas em 1), era conduzido pelo Réu E… - cfr. quesito 3º provado por acordo das partes.
13.(…) que o fazia ao serviço da Ré, para quem desempenhava as funções de motorista, seguindo instruções que lhe haviam sido previamente determinadas e com conhecimento e autorização daquela - cfr. quesito 4º provado por acordo das partes.
14.O veículo de matrícula …-…-VU pertence a F… e, nas circunstâncias referidas em 1), era conduzido por G… - cfr. quesito 5º provado por acordo das partes.
15.A Avenida 25 de Abril, no local do sinistro, configura um traçado retilíneo, com boa visibilidade, com piso de pavimento betuminoso, em bom estado de conservação - cfr. quesito 6º provado por acordo das partes.
16.Nas circunstâncias referidas em 1), o autor desenvolvia a sua marcha no sentido poente – nascente, ou seja, CHAM – ponte Eiffel, pela metade direita da faixa de rodagem, atento o sentido de marcha, e a não mais de 30 km/hora- cfr. quesito 7º provado por acordo das partes.
17.Ao aproximar-se da Igreja do Carmo, o autor reduziu a velocidade de que vinha animado e imobilizou a sua viatura - cfr. quesito 8º provado por acordo das partes.
18.Pois o trânsito na Avenida 25 de abril, tendo em conta o sentido em que seguia o autor, encontrava-se imobilizado em fila compacta entre a Igreja do Carmo e a ponte Eiffel - cfr. quesito 9º provado por acordo das partes.
19.Quando o veículo do autor se encontrava imobilizado, foi embatido pelo veículo de matrícula …-…-LL - cfr. quesito 10º provado por acordo das partes.
20.Em virtude de tal embate, o veículo do autor foi projetado para a frente e foi colidir com o veículo de matrícula …-…-VU, que se encontrava imobilizado imediatamente à sua frente- cfr. quesito 11º provado por acordo das partes.
21.O embate referido em 10) ocorreu entre a parte frontal do …-…-LL e a parte traseira do veículo do autor - cfr. quesito 12º provado por acordo das partes.
22.O embate referido em 11) deu-se entre a parte frontal do veículo do autor e a traseira do …-…-VU - cfr. quesito 13º provado por acordo das partes.
23.Momentos antes da ocorrência do sinistro, o …-…-LL circulava na Avenida 25 de abril, no sentido poente – nascente, ou seja, Viana do Castelo, animado de uma velocidade nunca inferior a 50 km/hora - cfr. quesito 14º provado por acordo das partes.
24.O seu condutor, ao aproximar-se da Igreja do Carmo, não reduziu a velocidade de que vinha animado - cfr. quesito 15º provado por acordo das partes.
25.O condutor do LL podia avistar a não menos de 80 metros os veículos que se encontravam imobilizados na via e à sua frente - cfr. quesito 16º provado por acordo das partes.
26.Porque seguia distraído, prosseguiu a sua marcha até embater no veículo do autor - cfr. quesito 17º provado por acordo das partes.
27.Tal embate deu-se na hemi-faixa direita da via, atento o sentido seguido pelo veículo do autor - cfr. quesito 18º provado por acordo das partes.
28.Como consequência direta e necessária do descrito sinistro resultaram danos no veículo do autor, a demandar, para a sua reparação, serviços de mão de obra de estofador, de eletricista, de mecânico, de chapeiro, pintura e a substituição de várias peças, nomeadamente, painel, guarda-lamas, grelha do pára-choques, molas-faróis, faróis, lâmpadas, blindagem – cfr. resposta ao quesito 19.
29.O custo da reparação do veículo do autor ascende ao montante de € 1.795,53 – cfr. quesito 20º provado por acordo das partes.
30.Desde a data do embate e até à data da reparação o A. esteve privado do uso do veículo, único meio que tinha para se deslocar ao trabalho, ir às compras e passear aos fins de semana com a família – cfr. resposta ao quesito 21.
31.Antes do sinistro o A. era uma pessoa saudável, robusta e alegre – cfr. resposta ao quesito 22.
32.Como consequência direta e necessária do referido sinistro resultaram para o autor cervicalgias, omalgia esquerda e toracalgia – cfr. resposta ao quesito 23.
33.Após o sinistro, o autor foi transportado para o Hospital de Viana do Castelo e viu-se na necessidade de usar colar cervical – cfr. resposta ao quesito 24.
34.Posteriormente, o autor recorreu ao seu médico de família e aos serviços clínicos do Hospital Particular de Viana do Castelo – cfr. resposta ao quesito 25.
35.Em resultado do embate o A. apresenta como queixas cervicalgia limitativa dos movimentos laterais do pescoço e parestesias para os membros superiores com agravamento da dor sempre que realiza carga, apresentando como sequelas do acidente ao nível da ráquis, cervicalgia residual – cfr. resposta ao quesito 26.
36.À data do sinistro, o autor era uma pessoa forte, ágil e dinâmica – cfr. resposta ao quesito 27.
37.Em resultado do embate o A. esteve com incapacidade temporária geral total de 3 dias e com incapacidade temporária geral parcial de 210 – cfr. resposta ao quesito 28.
38.O A. em resultado do embate ficou com IPG de 3 pontos – cfr. resposta ao quesito 29.
39.À data do sinistro o autor trabalha como pintor da construção civil, por conta própria, auferindo mensalmente, em média, de 1500 (mil e quinhentos) euros – cfr. resposta ao quesito 30.
40.O A. esteve incapaz de exercer a sua profissão durante 210 dias – cfr. resposta ao quesito 31.
41.As lesões com que o A. ficou são compatíveis com o exercício da sua atividade profissional habitual, mas implicam esforços suplementares – cfr. resposta ao quesito 32.
42.Em medicamentos, realização de exames médicos, consultas e colar cervical o Autor despendeu a quantia de € 305,2 – cfr. resposta ao quesito 33.
43.Em transportes para as consultas e para a farmácia o autor despendeu não menos de 100 (cem) euros – cfr. resposta ao quesito 34.

B) APRECIAÇÃO

As questões a decidir neste recurso são as que elencamos acima:
1.ª – Apreciar se à data do acidente estava em vigor o contrato de seguro celebrado entre a Sofinloc e a apelante seguradora e, se a resposta for negativa, apreciar a responsabilidade dos demais réus nos termos do que se vier a decidir nas questões indicadas a seguir.
2.ª - Reapreciação da resposta à matéria de facto relativa ao quesito 30.º.
3.ª – Montante da indemnização fixada, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais.

B1 - Apreciar se à data do acidente estava em vigor o contrato de seguro celebrado entre a Sofinloc e a apelante seguradora.
Sobre esta matéria está assente que: “2. A “B…” remeteu ao Fundo de Garantia Automóvel, uma missiva, com data de 30 de maio de 2007, com o seguinte teor: “(…) Refª: Proc. Sin. S631993011, Apólice 000000000 Assunto: Sinistro ocorrido em 06.12.2006 Exmºs Senhores Por reclamação de terceiros e mediante os elementos de prova da responsabilidade do condutor do veículo …-…-LL, a coberto pela apólice em título, demos início à regularização dos danos a terceiros. Posteriormente e no decurso da regularização do sinistro, por contacto com os nossos segurados Sofinloc -Ins. Financeira de Crédito, S.A. fomos informados de que solicitaram a anulação da apólice a partir de 03.12.2006, por incumprimento do locatário. Os pedidos de anulação efetuados pelo nosso segurado em questão são efetuados através de ficheiros, pelo que enviámos cópia do ficheiro referente ao pedido de anulação da apólice em causa. Nesta conformidade, e como o contrato se encontra anulado desde 03.12.2006 tendo o sinistro ocorrido em 06.12.2006, solicitamos nos informem se aceitam a regularização do sinistro, a fim de encaminharmos o lesado para V. Exas. e enviarmos toda a documentação do nosso processo, assim como procederem ao reembolso dos valores já por nós despendidos. (…)” – cfr. al. B dos Factos Assentes.
3. O Instituto de Seguros de Portugal remeteu à B… - Companhia de Seguros, S.A, uma missiva, com data de 6 de Julho de 2007, com o seguinte teor: “(…) Exmºs Senhores Reportamo-nos ao acidente de viação ocorrido em Viana do Castelo, concelho de Viana do Castelo, na data acima indicada, no qual foram intervenientes os veículos LL e NO, VU, conduzidos por E… e G…. Na sequência da vossa reclamação registámos o nosso processo supra identificado, cujo número deve ser indicado em quaisquer contactos que estabeleça com os nossos serviços. Analisada a documentação carreada ao nosso processo, entendemos não estar feita prova da inexistência de seguro à data do sinistro, pelo que se solicita o envio de cópia do pedido de cancelamento da apólice ou mesmo o certificado de tarifação, documentos esses comprovativos da anulação da apólice. (…)” – cfr. al. C dos Factos Assentes.
4. O Instituto de Seguros de Portugal remeteu à B… - Companhia de Seguros, S.A., uma missiva, com data de 27 de agosto de 2007, com o seguinte teor: “(…) Exmºs Senhores Reportamo-nos ao acidente de viação ocorrido em Viana do Castelo, concelho de Viana do Castelo, na data acima indicada, no qual foram intervenientes os veículos LL e NO, VU, conduzidos por E… e G…. De acordo com o solicitado, cumpre-nos informar que aceitamos a ausência de seguro, pelo que devem encaminhar os lesados para os nossos serviços. Queiram fazer o favor de informar se os danos da viatura lesada foram avaliados, caso a resposta seja afirmativa solicitamos cópias dos relatórios. (…)” – cfr. al. D dos Factos Assentes.
5. A Sofinloc, enquanto tomadora, tinha transferido a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo de matrícula ...-...-LL para a B… - Companhia de Seguros, S.A. mediante a celebração de um contrato de seguro titulado pela apólice nº 000000000 (seguro de frota), individualizado pela apólice nº 000000000, com validade até 31.12.2006 – cfr. resposta ao quesito 35.
6. A R. D…, Ldª celebrou com a Sofinloc – Instituição Financeira de Crédito S.A., em Fevereiro de 2003, um contrato de mútuo com reserva de propriedade a favor do mutuante, tendo sido acordado entre a Sofinloc e a D… que esta, juntamente com a prestação do financiamento, pagaria àquela o prémio de seguro – cfr. resposta aos quesitos 37 e 37-A.
7. Entre a “Sofinloc – Instituição Financeira de Crédito, S.A.”, na qualidade de proprietária de veículos automóveis e locadora dos mesmos, e a B… - Companhia de Seguros, S.A. foi celebrado um contrato de seguro automóvel de frota, titulado pela apólice n.º 000000000, no qual se incluía o veículo de matrícula …-…-LL – cfr. resposta ao quesito 38.
8. A Companhia de Seguros B..., S.A individualizou o contrato de seguro referente ao veículo de matrícula …-…-LL, atribuindo-lhe a apólice com o nº 000000000 – cfr. resposta ao quesito 39.
9. Conforme convencionado entre a Sofinloc e a Companhia de Seguros B..., foi enviado através de e-mail em ficheiro com formato Excel, encaminhado mensalmente, e, no caso, enviado e recepcionado no dia 02 de janeiro de 2007, um pedido de anulação (por parte da Sofinloc ) do contrato de seguro titulado pela apólice nº 000000000 por referência à data de 03 de dezembro de 2006, que a Seguradora considerou anulado por referência à mesma data – 03.12.2006 – cfr. resposta aos quesitos 40, 40-A e 41.
A seguradora apelante pretende que seja ampliada a matéria de facto relativa ao conteúdo da carta registada com aviso de receção enviada pela Sofinloc, SA à D…, Lda, junta aos autos a fls. 399, para melhor compreensão e solução da questão da vigência do contrato de seguro relativo ao veículo …-…-LL celebrado entre a Sofinloc e a apelante.
Verifica-se nos autos que a carta em referência não foi impugnada, nem o seu conteúdo, como se pode ver de fls. 401 e seguintes.
Assim, não vemos qualquer impedimento em que se amplie a matéria de facto nos termos pretendidos pela apelante, o que se faz nos seguintes termos: “a contar da data de receção desta carta, vimos ainda conceder um prazo suplementar de oito (8) dias úteis para que procedam à liquidação das importâncias em atraso, acrescidas dos juros de mora contratuais, no total de € 1.235,07.
Se, decorrido tal prazo, o pagamento do ora solicitado não se encontrar efetuado, o contrato considera-se automaticamente resolvido, com as legais e convencionais consequências, nomeadamente o acionamento de todas as garantias ao nosso dispor nos termos contratualmente previstos.
Na data de resolução do contrato, quando aplicável, denunciaremos o contrato de seguro associado, chamando a particular atenção de V. Exas. para a responsabilidade em que incorrerão, nos termos legais.”
Decorre dos factos provados que a Sofinloc celebrou com a D… um contrato de mútuo com reserva de propriedade a favor da mutuante, em que acordaram que esta pagaria o prémio de seguro juntamente com a prestação do financiamento. Resulta desta cláusula que a Sofinloc reservou para si a obrigação de efetuar o seguro de responsabilidade civil relativo ao veículo …-…-LL, o que efetivamente fez, como se extrai dos mencionados factos provados e que já transcrevemos.
A regra prevista no art.º 2.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 522/85, de 31 de dezembro, em vigor à data do acidente, prescreve que a obrigação de segurar em caso de usufruto, venda com reserva de propriedade e regime de locação financeira recai sobre o usufrutuário, adquirente ou locatário. O n.º 2 prescreve, todavia, que se qualquer pessoa celebrar, relativamente ao veículo, contrato de seguro que satisfaça o disposto neste diploma legal, fica suprida, enquanto o contrato produzir efeitos, a obrigação das pessoas referidas no número anterior.
O art.º 8.º n.º 1 do mesmo diploma legal prescreve que o contrato garante a responsabilidade civil do tomador do seguro, dos sujeitos da obrigação de segurar previstos no seu art.º 2.º e dos legítimos detentores e condutores do veículo.
Por seu turno, o art.º 14.º prescreve, além do mais que não interessa ao caso, que a seguradora só pode opor aos lesados a resolução do contrato, nos termos legais e regulamentares em vigor, desde que seja anterior ao sinistro.
A Sofinloc, no cumprimento do acordado com a D… e de acordo com as normas legais que acabamos de citar, efetuou o seguro de responsabilidade civil relativo ao veículo …-…-LL e por via do mesmo transferiu para a apelante a responsabilidade civil decorrente da circulação do veículo, até 31.12.2006.
A Sofinloc, através de carta dirigida à D…, datada de 27 de outubro de 2006, comunicou a esta que a contar da data de receção da carta, concedia um prazo suplementar de oito (8) dias úteis para que a última procedesse à liquidação das importâncias em atraso, acrescidas dos juros de mora contratuais, no total de € 1.235,07. Se, decorrido tal prazo, o pagamento do solicitado não se encontrasse efetuado, o contrato considerar-se-ia automaticamente resolvido, com as legais e convencionais consequências e na data de resolução do contrato, quando aplicável, denunciaria o contrato de seguro associado, chamando a particular atenção da D... para a responsabilidade em que incorreria, nos termos legais.
Resulta da cópia do aviso de receção de fls. 400, que a carta não foi reclamada pela D… nos correios, pelo que não a recebeu. Desconhece-se igualmente se terá chegado ao seu conhecimento.
A declaração de resolução do contrato celebrado entre a Sofinloc e a D… constitui uma declaração recetícia. Nos termos do art.º 224.º do CC a declaração negocial torna-se eficaz logo que chega ao poder ou é do conhecimento do destinatário (n.º1). É considerada eficaz a declaração que só por culpa do destinatário não foi por ele recebida (n.º 2), como será o caso em que foi enviada para o domicílio habitual através de correio e o destinatário se ausenta, recusa a receber ou não vai levantá-la aos correios (1).
No caso dos autos, a carta registada com aviso de receção foi enviada para o domicílio da D…, a qual não a foi reclamar e levantar aos correios. Assim, deve considerar-se eficaz a declaração enviada pela Sofinloc.
Então, de duas uma: ou a D… teve conhecimento da declaração de resolução antes da data do acidente e não pagou à Sofinloc a obrigação a que estava adstrita dentro do prazo de oito dias úteis até à data do acidente e, então, o contrato existente entre estas duas partes extinguiu-se e a D… deixou de ser a responsável pela realização do seguro, nos termos do n.º 1 do art.º 2.º do Decreto-Lei n.º 522/85, de 31.12, passando tal obrigação para a Sofinloc, proprietária do veículo; ou o conhecimento e o prazo de pagamento ocorreram em data posterior ao acidente e, então, neste momento o contrato celebrado entre estas partes estava ainda em vigor, e a D… beneficiava do seguro efetuado pela Sofinloc, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 2.º do Decreto-Lei 522/85, de 31.12.
Em qualquer caso, em 06.12.2006, o contrato de seguro do veículo …-…-LL, conduzido pelo motorista da D…, responsável pelo acidente, estava ainda em vigor.
A comunicação da Sofinloc à apelante seguradora a denunciar o contrato de seguro, conforme convencionado entre elas, enviado através de e-mail em ficheiro com formato Excel, encaminhado mensalmente, e, no caso, enviado e rececionado no dia 02 de janeiro de 2007, em que a Sofinloc pede a anulação do contrato de seguro titulado pela apólice nº 000000000 por referência à data de 03 de dezembro de 2006, que a seguradora considerou anulado por referência à mesma data – 03.12.2006 – não pode ter efeitos retroativos em relação ao terceiro lesado e aqui autor nesta ação.
A Sofinloc, D… e a B… – Companhia de Seguros, podem discutir entre si os acordos que efetuaram da forma que entenderem, mas não podem é, face ao regime jurídico legal relativo ao seguro de responsabilidade civil vigente à data do acidente, excluir da cobertura do seguro o terceiro lesado pela circulação do veículo segurado.
Existia efetivamente em 06.12.2006, data do acidente, um seguro válido e eficaz, que garantia a responsabilidade civil adveniente dos riscos de circulação do veículo …-…-LL. Tendo a apelante seguradora assumido a responsabilidade civil que caberia à Sofinloc nos termos do contrato de seguro que efetuou com aquela, já acima identificado, compete-lhe proceder ao ressarcimento dos danos causados ao aqui autor, provocados pelo veículo seguro, verificados os respetivos pressupostos.
Nestes termos, a apelação improcede quanto a esta matéria.

2.ª - Reapreciação da resposta à matéria de facto relativa ao quesito 30.º.

A apelante pretende que seja alterada a resposta à matéria de facto constante do quesito 30.º, cuja redação é a seguinte: “à data do sinistro, o autor trabalha como pintor da construção civil, por conta própria, auferindo mensalmente, em média, € 1500 (mil e quinhentos euros)”.
Conclui a apelante que, “salvo melhor opinião, não há nos autos qualquer elemento que demonstre que o demandante auferia aquele rendimento, bem pelo contrário. Pelo cotejo dos documentos (oficiais) juntos:
- da Segurança Social - de fls. 474 emitido pela Segurança Social e notificado por notificação com referência 5930610 em 20/09/2012 - e, - declaração de IRS de 2004, de fls. … - remetida pelo recorrido por requerimento com a referência 10014396, de 27/04/2012, resulta que o recorrido “cessou a atividade em 29/02/2004” e auferia uma remuneração anual na ordem dos € 3.530,00 (declaração de IRS), sendo que a partir de fevereiro de 2004 não foram declarados quaisquer rendimentos.
Todavia, deu-se como provado precisamente o oposto. Esta prova documental impõe decisão diversa e prova do facto diversa”.
O tribunal recorrido fundamentou a resposta positiva ao quesito 30.º do seguinte modo: “relativamente às condições de vida do A., seu trabalho, quanto auferia, o tribunal, na ausência de prova documental, teve por base o depoimento de Manuel …, comerciante de tintas e fornecedor do A. (que é pintor da construção civil) e Luís …, amigo do A., que pelas relações próximas que tinha com aquele, o primeiro, em termos profissionais e o segundo, pela amizade, sabiam que o A. era pintor da construção civil e que, à data do embate, portanto antes da Troika, tinha muito serviço na sua área, auferindo cerca de € 80,00, por dia. Ora, resulta do conhecimento quase comum o valor cobrado por um pintor da construção civil, pelo que não repugnou ao tribunal considerar que o A. auferia, em média, cerca de € 1 500 por mês, o que significa que nem trabalhava todos os dias úteis do mês”.
O tribunal recorrido fundou-se no depoimento de duas testemunhas para responder a este quesito. A apelante não impugnou estes depoimentos gravados, pelo que o tribunal da relação não pode conhecer deles para apreciar esta questão.
A apelante indicou os documentos que já referimos e que em sua opinião, conduzem a solução diversa e argumenta que “independentemente de ser (ou não) verdade que, em “biscates”, o sinistrado auferia aquele rendimento, a verdade é que não poderão a Justiça e os Tribunais ser coniventes com o cidadão que beneficie da fuga às suas obrigações fiscais, quando declaram rendimentos inferiores, ou melhor não declaram quaisquer rendimentos, como é o caso”.
Pretende que a resposta ao quesito 30.º deverá ter a seguinte redacção: “à data do sinistro, o autor trabalhava como pintor da construção civil, por conta própria, auferindo mensalmente, quantia não concretamente apurada”.
Resulta do documento enviado pela segurança social, a fls. 474, que “a última contribuição paga reporta-se a fevereiro de 2004. Nos períodos pretendidos não foram declaradas remunerações em seu nome nem foi processado subsídio”.
Através da declaração de IRS de 2004, apresentada em 2005 pelo autor, a fls. 437 a 441, resulta que este declarou que auferiu a quantia de € 2 570.00, a título de venda de mercadorias e produtos e a quantia de € 3.530,00, relativa a prestações de serviços e atividades hoteleiras, restauração e bebidas, sendo que a partir de fevereiro de 2004 não foram declarados quaisquer rendimentos.
Face ao rendimento que o A. alega ter usufruído em 2006, é evidente que não só não efetuou descontos para a segurança social sobre os mesmos, como também não terá declarado os rendimentos à administração fiscal.
Todavia, esta é uma matéria que extravasa o âmbito desta ação. Aqui pretende-se apurar a verdade material ou histórica de acordo com a prova produzida. A eventual evasão fiscal do A. não é aqui apreciada para efeitos de a partir daí se alterar a matéria de facto como pretende a apelante.
O tribunal recorrido, tendo em consta os princípios da oralidade e da imediação, respondeu ao quesito 30.º tendo em conta o depoimento de duas testemunhas. Como já referimos, este tribunal de recurso não pode alterar a resposta dada, uma vez que não foi impugnada a matéria de facto com base na prova produzida oralmente, pelo que se mantém a resposta ao quesito 30.º.
Todas as ações e omissões têm consequências, pelo que, a final, será ordenado que se dê vista ao Ministério Público para os efeitos que tiver por bem.
Improcede, assim, a apelação quanto a esta matéria.

3.ª – Montante da indemnização fixada, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais.

3.1 No âmbito do direito civil vigora o princípio geral constante do artigo 562.º do Código Civil, segundo o qual deve reconstituir-se a situação que existiria caso não ocorresse o acidente que obriga à reparação.
A apelante, a propósito dos rendimentos auferidos pelo A. e dados como provados, argumenta que o “princípio atualista, e tendo em conta o princípio do indemnizatório, o tribunal, para aferição da situação em que estaria o sinistrado, não fosse o facto danoso, terá de atender ao momento mais próximo da prolação da decisão. Não poderá atender-se, como faz o meritíssimo julgador, e salvo o devido respeito, a que, à data, porque “antes da Troika”, um pintor da construção civil auferia mais do que hoje aufere.
Só uma análise atualista da situação da profissão do sinistrado permite uma justa e correta indemnização, desde logo porque não serve aquela para enriquecer o lesado”.
Nos termos do art.º 566.º do CC, deve dar-se prevalência à reconstituição natural. Se esta não for possível, a indemnização, quando fixada em dinheiro, tem como medida a diferença entre a situação patrimonial da vítima, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nesta data caso não fossem os danos (2).
Em harmonia com esta norma legal dispõe o art.º 663.º do CPC que a sentença deve tomar em consideração os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à proposição da ação, de modo que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão. Deve ter-se em consideração, nomeadamente, se o atraso na resolução do caso conduziu ao agravamento dos danos, v. g., pelo aumento do custo de reparação do veículo e da privação do seu uso.

Esta norma tem em vista apurar a situação real do lesado no momento mais próximo possível e a situação hipotética em que se encontraria caso não tivesse ocorrido o dano (3).
No caso concreto, está provado que o A. auferia à data do acidente, em média, € 1 500,00/mês, tal como foi alegado por aquele no art.º 42.º da petição inicial. A seguradora apelante, ou outro interveniente processual, não alegou qualquer facto de onde resulte que após a data do acidente o lesado passou a auferir outro rendimento. A aplicação do disposto no art.º 663.º n.º 1 parte final do CPC pressupõe que as partes aleguem os factos respetivos (4), através de articulado superveniente (art.ºs 506.º e 507.º do CPC) ou que sejam de conhecimento oficioso, como seja a inflação (5) (art.º 514.º do CPC).
É notório que a atividade económica se retraiu nos últimos anos devido à situação financeira do país. Contudo, não podemos extrair daqui a conclusão de que o rendimento do A. diminuiu em consequência da crise. Se é um facto que existem pessoas cujo rendimento decresce com a crise económica, também é certo que existem outras que conseguem aumentar os seus proventos. Assim, a crise económica não pode ser considerada para fazer diminuir a indemnização devida ao A., face à prova produzida.
De igual modo, não pode ser aplicada a Portaria n.º 377/2008, de 26.06, pois esta não tem por objeto a fixação definitiva da indemnização, mas apenas, como decorre do seu preâmbulo e do disposto no art.º 39.º n.º 3 do Decreto-lei n.º 291/2007, de 21.08, estabelecer um conjunto de regras e princípios que permita agilizar a apresentação de propostas razoáveis, possibilitando ainda que a autoridade de supervisão possa avaliar, com grande objetividade, a razoabilidade das propostas apresentadas (art.º 1.º). Em qualquer caso, este diploma legal entrou em vigor em data posterior (22.08.2008) ao acidente destes autos e não lhe é aplicável (6).

3.2 Montante relativo aos danos patrimoniais

O tribunal recorrido fixou em € 10 500 a indemnização pela incapacidade temporária absoluta para o exercício da sua profissão.
Está provado que o A. auferia em média € 1 500,00 por mês e que a ITA para o exercício da sua profissão teve a duração de 210 dias, pelo que nada há a apontar à indemnização devida pela incapacidade temporária fixada na sentença (1500:30) x 210 = € 10 500).
No que respeita à incapacidade permanente parcial, o tribunal fixou a indemnização em € 14 000.
Sobre esta matéria está provado que o A. em consequência das lesões sofridas no acidente de viação ficou com uma incapacidade permanente para o trabalho em geral de três pontos; apresenta, como queixas, cervicalgia limitativa dos movimentos laterais do pescoço e parestesias para os membros superiores com agravamento da dor sempre que realiza carga, apresentando como sequelas do acidente ao nível da ráquis, cervicalgia residual; à data do sinistro, o autor era uma pessoa forte, ágil e dinâmica; à data do sinistro o autor trabalha como pintor da construção civil, por conta própria, auferindo mensalmente, em média, € 1 500,00; as lesões com que o A. ficou são compatíveis com o exercício da sua atividade profissional habitual, mas implicam esforços suplementares.
O acidente ocorreu em 06.12.2006, e à peritagem de avaliação do dano corporal aplica-se o disposto no Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro. Este regime de avaliação médico-legal aplica-se a todas as peritagens de danos corporais efetuadas após a sua entrada em vigor, a qual ocorreu em 21 de janeiro de 2008, ex vi do art.º 7.º do mesmo diploma legal e a perícia médica ocorreu em 03.08.2010 (fls. 274).
Resulta dos factos provados e do relatório da perícia de avaliação do dano corporal em direito civil que o autor ficou com uma incapacidade permanente geral para o trabalho de 3%, em consequência das lesões sofridas por causa do acidente de viação. Tendo em conta o grau de incapacidade permanente, o acréscimo de esforço que o A. tem que suportar para exercer a sua atividade, a remuneração auferida, a idade (nasceu em 13.05.1957 – fls. 274), a esperança média de vida e os demais elementos dos autos, afigura-se-nos que a indemnização pela perda da capacidade de ganho deve ser fixada em € 10 000, assim se diminuindo o montante fixado pelo tribunal recorrido, a este título, o qual se mostra desajustado da realidade dos factos provados no processo, por excesso.
Procede, nesta parte, a apelação parcialmente.

3.3 Montante da compensação relativa aos danos não patrimoniais

O tribunal recorrido condenou a apelante a pagar ao A. a quantia de € 10 000, a título de danos não patrimoniais, incluindo neste montante o prejuízo resultante da privação do uso do veículo.
Salvo o devido respeito pelo decidido, o dano de privação do uso do veículo pode ser de natureza patrimonial se se provar que a sua falta causou danos, v. g., quer porque o lesado teve que pagar o aluguer de um veículo de substituição, quer porque deixou de realizar o seu trabalho, ou de danos não patrimoniais, v. g. se a falta da viatura lhe causou danos espirituais ou psicológicos. Nada se provou quanto a este último tipo de danos em relação à privação do veículo, pelo que os danos a ressarcir são de natureza patrimonial.
Com interesse para a decisão sobre esta matéria está provado que: como consequência direta e necessária do descrito sinistro resultaram danos no veículo do autor, a demandar, para a sua reparação, serviços de mão de obra de estofador, de eletricista, de mecânico, de chapeiro, pintura e a substituição de várias peças, nomeadamente, painel, guarda-lamas, grelha do pára-choques, molas-faróis, faróis, lâmpadas, blindagem, cujo custo de reparação ascendeu ao montante de € 1.795,53; desde a data do embate e até à data da reparação o A. esteve privado do uso do veículo, único meio que tinha para se deslocar ao trabalho, ir às compras e passear aos fins de semana com a família.
Ponderados estes factos assentes e os elementos dos autos, há a salientar que o orçamento para reparação do veículo tem data de 24.01.2007, ou seja, um mês e 19 dias após a data do acidente (06.12.2006), o tribunal não conseguiu saber a data em que foi reparado o veículo (como se pode ver pela motivação que deu à resposta à matéria de facto), mas, atendendo a que o montante dos danos foi de € 1.795,53, afigura-se-nos que uma semana seria suficiente para reparar o veículo.
Desconhece-se a data em que tal aconteceu e estranha-se a ausência de fatura/recibo que poderia responder a esta dúvida, que o A. facilmente poderia ter junto aos autos se assim o entendesse. Refira-se também que o A. esteve incapaz para o exercício da sua profissão pelo prazo de 210 dias, em que manifestamente não necessitava do veículo para trabalhar, restando o uso pessoal e do agregado familiar.
Assim, entendemos que o dano correspondente à privação do veículo (7) deve ser fixado equitativamente no montante de € 1 000.
Quanto aos danos não patrimoniais, como escrevemos no acórdão desta relação de 13.12.2012 (8), os danos não patrimoniais são prejuízos insuscetíveis de avaliação em dinheiro. A perda da capacidade de trabalho ou da prática de outras atividades, nomeadamente recreativas e culturais, as dores sofridas, as angústias pela diminuição da capacidade de ganho, não podem ser concretizadas através de uma quantia certa que corresponda ao sofrimento espiritual.
Há quem entenda que os danos não patrimoniais não devem ser reparados, porque a dor não se compra nem tem preço e é impossível calcular a indemnização a atribuir. São, nesta óptica, irreparáveis. O cálculo nesta área é imoral e revela materialismo (9).
Este entendimento não é aceite pela opinião dominante ou quase dominante da doutrina (10).
Não se trata de uma verdadeira indemnização, mas sim de uma compensação em consequência da lesão dos direitos de personalidade. Os danos não patrimoniais não podem ser reintegrados mesmo por equivalente, daí que seja possível compensá-los mediante satisfações que o dinheiro proporciona ao lesado (11) ou aos seus beneficiários, de molde a minorar o sofrimento. Trata-se de um ato de justiça.
Não existe imoralidade, porquanto a reparação do dano não patrimonial não tem como objetivo tornar indemne o lesado, nem punir o agente pelo ato ilícito. Em nosso entender, imoral é não ressarcir, através de compensação pecuniária, os danos não patrimoniais. Não se trata de fazer comércio dos bens de ordem imaterial (12) e a dificuldade em calculá-los pela via equitativa, com o eventual perigo de graduação segundo a diferente sensibilidade psíquica de cada pessoa, não deve constituir obstáculo ao seu ressarcimento.
É inescapável a diferente sensibilidade patenteada por diferentes seres humanos perante a desgraça, incluindo o juiz (13). O direito contém um dever-ser geral e abstrato, igual para todos os cidadãos, colocados nas mesmas circunstâncias, considerados de forma geral e abstrata (14).
A aplicação do direito não se resume a um ato de pura subsunção. O julgador parte da compreensão do conflito para atingir a objetividade. O direito existe na relação dos homens entre si e as coisas (15). A auto-compreensão do juiz é fundamental para escapar ao erro de pensar que interpreta a lei sem qualquer subjetividade. O juiz precisa de ter consciência deste facto para entrar na pré-compreensão da realidade e fundamentar argumentativamente o que tinha antecipado como provisório (16).
O direito norma transforma-se em direito de resultado (17). O direito de resultado tem por objeto o facto e a norma numa relação dialética permanente com vista a resolver o conflito.
Desta forma, a gravidade do dano é avaliada por um padrão objetivo e não à luz de fatores subjetivos (18). Os simples incómodos ou contrariedades não justificam a indemnização por danos não patrimoniais.
Desta forma é possível atribuir um montante pecuniário equitativo, não discricionário e nunca arbitrário ao sabor da sensibilidade de quem julga, ficando assim arredado este argumento para não reparar os danos não patrimoniais.
Para compensar o sinistrado, deverá aplicar-se o disposto nos artigos 494.º e 496.º do Código Civil, tendo em conta que houve culpa do condutor que deu causa ao acidente de viação donde promanam os danos (19). A aplicação do artigo 494.º deve ser tida em consideração nas situações em que o responsável responde com culpa. O bom senso manda atender às circunstâncias concretas do caso. Daqui resulta que a compensação a atribuir poderá ser fixada em montante inferior ou superior àquele em que o seria normalmente, se o justificarem a situação económica do responsável e do sinistrado e as demais circunstâncias do caso.
O artigo 494.º do CC prescreve em geral para todos os danos, patrimoniais e não patrimoniais (20). Tem em vista permitir atenuar a responsabilidade se as circunstâncias do caso concreto o justificarem.
Por seu turno, a primeira parte do n.º 3 do artigo 496.º do CC estabelece o critério especial que deve ser aplicado para calcular o montante pecuniário da compensação pelos danos não patrimoniais, quer exista ou não fundamento para a atenuação especial prevista no artigo 494.º do CC (21). Os danos serão liquidados equitativamente pelo tribunal, tendo em conta a gravidade dos danos em si e as circunstâncias do caso.
O bom senso e a inteligência do juiz são elementos essenciais para julgar ex aequo et bonu. A motivação deve ser adequada a deixar claro quais os fundamentos que presidiram ao cálculo do montante a atribuir ao sinistrado (22).
Desta forma é possível atribuir um montante pecuniário equitativo, não discricionário e nunca arbitrário ao sabor da sensibilidade de quem julga, ficando assim arredado este argumento para não reparar os danos não patrimoniais.
Com interesse para a decisão sobre esta matéria está assente que: antes do sinistro o A. era uma pessoa saudável, robusta e alegre; como consequência direta e necessária do referido sinistro resultaram para o autor cervicalgias, omalgia esquerda e toracalgia; após o sinistro, o autor foi transportado para o Hospital de Viana do Castelo e viu-se na necessidade de usar colar cervical; posteriormente, o autor recorreu ao seu médico de família e aos serviços clínicos do Hospital Particular de Viana do Castelo; em resultado do embate o A. apresenta como queixas cervicalgia limitativa dos movimentos laterais do pescoço e parestesias para os membros superiores com agravamento da dor sempre que realiza carga, apresentando como sequelas do acidente ao nível da ráquis, cervicalgia residual; à data do sinistro, o autor era uma pessoa forte, ágil e dinâmica; em resultado do embate o A. esteve com incapacidade temporária geral total de 3 dias e com incapacidade temporária geral parcial de 210 e em resultado do embate ficou com IPG de 3 pontos.
Ponderando os critérios normativos enumerados nos art.ºs 494.º e 496.º n.º 3 do CC, a que já fizemos referência, a forma violenta e súbita como ocorreu o acidente culposo, o qual, de acordo com as regras da experiência comum, não terá deixado de causar algum susto e medo à vítima, o tempo em que esteve incapacitado para o trabalho, os medicamentos que teve que ingerir e as dores que suportou – quantum doloris de grau 3 (perícia médica de fls. 276 verso) – afigura-se-nos que a compensação a título de danos não patrimoniais sofridos pela vítima, aqui A., deve ser fixada em € 7 000, atualizada até à data da prolação da sentença recorrrida, pois mostra-se mais ajustada aos critérios legais e às circunstâncias do caso, que a compensação fixada em pelo tribunal recorrido, o qual não fez distinção entre estes danos e os danos decorrentes da privação do uso do veículo.
Nesta conformidade, a apelação procede parcialmente quanto ao montante da compensação pelos danos não patrimoniais, fixando-se estes em € 7 000, e os danos pela privação do uso do veículo fixam-se em € 1 000, nos termos que já referimos, mantendo-se o mais.
Nesta conformidade, procede parcialmente a apelação da ré seguradora nos termos acima referidos e confirma-se quanto ao mais a sentença recorrida.

Sumário: I – A resolução do contrato de mútuo celebrado entre a locadora financeira e a mutuária, onde foi acordado que a responsável pela celebração do contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel relativa ao veículo seria a primeira, mediante o pagamento pela última da parte relativa ao prémio de seguro juntamente com a prestação, não produz efeitos em relação ao terceiro lesado, mesmo que a locadora e proprietária do veículo, após o acidente, tenha comunicado à seguradora que anulava o contrato de seguro, atribuindo-lhe efeitos retroativos anteriores à data em que ele ocorreu.
II – A aplicação do disposto no art.º 663.º n.º 1 parte final do CPC pressupõe que as partes aleguem os factos respetivos, através de articulado superveniente (art.ºs 506.º e 507.º do CPC) ou que sejam de conhecimento oficioso, como seja a inflação (art.º 514.º do CPC).
III - A tabela médica tem um valor indicativo, importante, mas não único na fixação do valor da indemnização, nomeadamente no âmbito do seguro de responsabilidade civil automóvel.

III - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar:
1 - Parcialmente procedente a apelação interposta pela apelante B… -Companhia de Seguros, SA, nos termos acima expostos e:
a) - Revogar a sentença recorrida na parte em que fixou em € 14 000 (catorze mil euros) a indemnização pelos danos patrimoniais relativos à incapacidade permanente sofrida pelo A. e condenar a apelante a pagar-lhe a este título, a quantia de € 10 000 (dez mil euros).
b) Revogar a sentença recorrida na parte em que condenou a apelante a pagar ao A. a quantia de € 10 000 (dez mil euros) a título de danos não patrimoniais e condená-la a pagar a quantia de € 1 000,00 (mil euros), a título de danos patrimoniais pela privação de uso pessoal do veículo e a quantia de € 7 000,00 (sete mil euros), a título de danos não patrimoniais, ambas as quantias já atualizadas até à data da sentença.
2. Ampliar a matéria de facto, nos termos que referimos.
3. Confirmar a sentença recorrida quanto ao mais.
Custas pela apelante e apelado autor na proporção do respetivo decaimento.
Notifique e dê-se vista ao Ministério Público após trânsito em julgado, em primeira instância, para os fins que tiver por bem.
(Acórdão elaborado e integralmente revisto pelo relator).
Guimarães, 11 de julho de 2013.
Moisés Silva (Relator)
Manuel Bargado
Helena Melo
_______________________________________
(1) Lima, Pires, e Varela, Antunes, Código Civil Anotado, vol. I, Coimbra Editora, 1982, p. 213.
(2) Ac. STJ, de 06.10.1971, BMJ, 210.º, p. 51 e Varela, Antunes, RLJ, 103.º, p. 173.
(3) Ac. STJ, de 04.06.1998, BMJ, 478.º, p. 344.
(4) Reis, Alberto, RLJ, 84.º, p. 6 e seguintes.
(5) Ac. STJ, de 15.01.1992, BMJ, 413.º, p. 487.
(6) Gaspar, Cátia e Ramalho, Maria, A Valoração do Dano Corporal, Edições Almedina, SA, Coimbra, julho 2012, p. 9.
(7) A este propósito, Ac. STJ, de 11.12.2012, processo n.º 549/05.9TBCBR-A.C1.S1, www.dgsi.pt/jstj.
(8) Ac. RG, de 13.12.2012, processo 358/08.3TBPTL.G1.
(9) Varela, Antunes, Das Obrigações em Geral, vol I, 4.ª edição, Livraria Almedina, Coimbra, 1982, p. 529, nota 2, em que cita a argumentação expendida em processo judicial.
(10) Jorge, Pessoa, Direito das Obrigações, 1.º vol. 1.º vol., Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, Lisboa, 1975/1976, p. 575.
(11) Varela, Antunes, Das Obrigações em Geral, …, p. 530; Telles, Inocêncio Galvão, Direito das Obrigações, 6.º edição revista e actualizada, Coimbra Editora, Lda, Livraria Almedina, Coimbra, 2004, pp. 377 e ss.; Costa, Mário Júlio de Almeida, Direito das Obrigações, 9.ª edição revista e aumentada, Livraria Almedina, Coimbra, 2004, p. 549 e ss. e Jorge, Pessoa, Direito das Obrigações, 1.º vol,…, pp. 574 e ss.
(12) De cupis, Il Danno, Teoria Generale della Responsabilitá Civile, 2.ª edição, Milão, 1966.
(13) Arthur Kaufman, Filosofia do Direito, 2.ª edição, Edição da Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2007 p. 69 e 70.
(14) Lúcio, Álvaro Laborinho, Director do Centro de Estudos Judiciários, Sobre a Aplicação do Direito, Lisboa, 1985, p. 15 (também publicado em separata no BMJ, n.º 348).
(15) Arthur Kaufman, Filosofia do Direito, …, p. 69.
(16) Arthur Kaufman, Filosofia do Direito, …, p. 69 e 70.
(17) Lúcio, Álvaro Laborinho, Director do Centro de Estudos Judiciários, Sobre a Aplicação do Direito,…, pp. 16 e ss.
(18) Lima, Pires e Varela, Antunes, Código Civil Anotado, vol. I, 3.ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, Limitada, 1982, p. 473.
(19) Varela, Antunes, Das Obrigações em Geral, …, pp. 611 a 613; Serra, Vaz, Revista de Legislação e Jurisprudência, anos 103.º, pp. 511 e 512 e 105.º, pp. 219 e ss.
(20) Telles, Inocêncio Galvão, Direito das Obrigações, …, p. 381, nota 1.
(21) Costa, Mário Júlio de Almeida, Direito das Obrigações, …, p. 553, nota 1 e Telles, Inocêncio Galvão, Direito das Obrigações, …, p. 381, nota 1.
(22) - Varela, Antunes, Das Obrigações em Geral, …, pp. 531 e ss.