Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | JORGE TEIXEIRA | ||
Descritores: | PODER JURISDICIONAL SENTENÇA REFORMA DA SENTENÇA ERRO DE JULGAMENTO RECTIFICAÇÃO DE ERROS MATERIAIS | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 06/01/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: |
I- O instituto da reforma da decisão constitui uma importante e necessária limitação no império absoluto do princípio do esgotamento do poder jurisdicional, conferindo ao próprio julgador que proferiu a decisão a possibilidade de alterar o decidido, mesmo nos casos em que se verifica não uma “omissão”, mas antes um “activo erro de julgamento”. II- Mas quando encontre esgotado o poder jurisdicional quanto à matéria da causa, apenas será lícito ao juiz reformar sentença, quando tenha ocorrido manifesto lapso do juiz na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos ou quando constem do processo documentos ou quaisquer elementos que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida e que o juiz, por lapso manifesto, não haja tomado em consideração. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.
I – RELATÓRIO. Recorrente: Herança Ilíquida e Indivisa aberta por óbito de AA. Recorridos: BB e CC. Tribunal Judicial de Vila Real – Instância Local, Secção Cível, J1. Veio a herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de AA arguir a nulidade da deliberação de aprovação do plano de insolvência, alegando em suma que votou contra o plano com um valor que na realidade não corresponde ao valor do seu crédito, porquanto a decisão que lhe conferiu um crédito de € 500.000,00 acrescido de juros transitou em julgado. Não foi exercido qualquer contraditório. Foi proferido despacho que julgou a alegada nulidade improcedente. Inconformado com tal decisão, apela a Requerente, e, pugnando pela respectiva revogação, formula nas suas alegações as seguintes conclusões: 1- O despacho ora em crise, padece de uma clara falta de fundamentação, porquanto o Tribunal a quo limitou-se a justificar a sua decisão no facto de, no seu entender, o poder jurisdicional do Juiz já estar esgotado, nos termos do disposto no artigo 613°, n.º 1 do CPC. 2- Ora, com o devido respeito, não pode o douto tribunal fundamentar uma decisão apenas com recurso ao argumento de estar esgotado o poder jurisdicional, sem mais. 3- ln casu, o tribunal, não especificou os factos concretos que levaram a concluir por tal decisão, nem fundamentou de direito tal decisão. 4- O que há luz do artigo 615°, n." 1 al. b) ex vi n.º 3 do artigo 613° do C.P.C conduz à nulidade do despacho ora em crise. 5- Cumpre ainda referir que, de acordo com os dispositivos consagrados na Constituição da República Portuguesa, mais propriamente o artigo 205°, n." 1, as decisões dos Tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei. 6- Ora, o despacho em mérito não é de mero expediente, porquanto deveria o mesmo ter sido devidamente fundamentado nos termos do disposto nos artigos 615°, n.º 1 aI. b) e 613°, n." 3 do C.P.C. e 205°, n.º 1 da CRP. 7- ln casu tal não aconteceu, a decisão recorrida, este normativo Constitucional e imperativo na nossa ordem jurídica, pois está consagrado na Lei Fundamental, que em termos de prevalência de lei, prefere às demais. 8- Violou assim o tribunal as normas ínsitas nos artigos 615°, n.º 1 al. b) e 613°, n.º 3 do C.P.C. e 205°, n.º 1 da CRP, o que fere o aludido despacho de nulidade. 9- O Tribunal a quo considerou que a assembleia de credores é válida, uma vez que está esgotado o poder jurisdicional. 10- Ou seja, entende que uma vez aprovado o plano na assembleia realizada no dia 18.02.2016, a qual foi homologada por sentença, nada mais há a decidir, uma vez que se encontra esgotado o poder jurisdicional. 11- Ora, como é possível que seja o próprio tribunal a quo a proferir um despacho onde confirma a existência do crédito da herança aberta por óbito de António Ilídio Gonçalves Gomes, no valor de € 500.000,00, como um crédito subordinado. 12- E logo a seguir entenda que a aprovação do plano de insolvência nos termos em que foi feita, foi válida, não existindo qualquer fundamento para a não homologação oficiosa do plano de insolvência, nos termos do disposto no artigo 215° do CIRE. 13- Ora, não pode a recorrente conformar-se com tal entendimento por parte do tribunal a quo, porquanto a aprovação do plano não teve em conta a concreta realidade, isto é, não teve em conta o crédito real da herança de António Ilídio Gonçalves Gomes. 14- Considerou ainda o Tribunal a quo que a assembleia de credores é válida, uma vez que está esgotado o poder jurisdicional. 15- Ou seja, entende que uma vez aprovado o plano na assembleia realizada no dia 18.02.2016, a qual foi homologada por sentença, nada mais há a decidir, uma vez que se encontra esgotado o poder jurisdicional. 16- Mais dizendo que a nulidade invocada no requerimento apresentado pela credora ora recorrente em 23.02.2017, não se insere em nenhum dos casos previstos nos artigos 613°,614° e 615º do CPC. 17- Com o devido respeito, nenhuma razão assiste ao douto tribunal a quo, na medida em a sentença, neste caso, a homologação da deliberação tornada em assembleia de credores podia como pode ser rectificada pelo douto Tribunal se a mesma teve por base considerações erradas e erro na percentagem de votos atribuída aos credores, especialmente à credora e ainda se constam do processo, corno efectivamente constam, documentos que por si só, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida. 18- Existia já na data da assembleia que aprovou o plano, como existe agora expressamente reconhecido pelo douto tribunal a quo no seu despacho datado de 17.02.2017, com a referência 30794217, prova irrefutável de que o crédito da credora herança de António Ilídio Gonçalves Gomes é de € 500.000,00 a título de capital, acrescido de juros legais, e é um crédito comum e não subordinado conforme erradamente o classificou o AI. 19- Porquanto, no dia 18.02.2016 foi realizada a assembleia de credores na qual foi aprovado o plano de insolvência tendo as deliberações sido aprovadas considerando que a Credora ora Recorrente tinha apenas um crédito no valor de € 125.000,00, como crédito subordinado, o que correspondia a 9,1% dos votos contra, 20- Todavia, tal deliberação foi erradamente tornada, porquanto as percentagens de votos não correspondiam à concreta verdade e realidade materiais. 21- O que, efectivamente configura uma nulidade da assembleia de credores e consequentemente da decisão que homologou o plano de insolvência, nos termos do disposto no artigo 615°, n." 1, al. c) e 616°, n." 2 al, b) do CPC ex vi artigo 207º, n.º 2 do CIRE, o que foi arguido pela Credora. 22- Dispõe a alínea c) do n." 1 do artigo 615° do CPC que "É nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível." 23- De facto, aquando da homologação do plano de insolvência, o tribunal a quo fundamentou essa homologação dizendo que estavam acautelados os efeitos da eventual procedência das impugnações da lista de credores reconhecidos, nos termos do n.º 3 do artigo 209° do CIRE. 24- Todavia, de facto e na realidade não acautelou o douto tribunal esses efeitos, uma vez que ainda estava por decidir a impugnação da lista de credores oferecida pela Credora recorrente, bem corno de outros credores, e também estava ainda por decidir a acção com o processo n." 1368/08.6TBVRL.Gl, que correram termos na comarca de Vila Real, Instância Central, Secção Cível - J2, em que é Autora a HERANÇA ILÍQUIDA E INDIVISA ABERTA POR ÓBITO DE AA e Ré a BB, onde é discutido o crédito reclamado pela credora Recorrente. 25- De facto, na assembleia de credores, na qual a Credora Recorrente esteve presente e votou contra a aprovação do plano, para efeitos de votação, não foi considerado o crédito reclamado e objecto de impugnação da Credora, mas apenas o crédito de € 125.000,00, o que correspondia a 9,1 % dos votos. 26- Portanto, a assembleia de credores não traduziu na prática os efeitos da eventual procedência das impugnações da lista de credores reconhecidos, nos termos do n.º 3 do artigo 209° do CIRE, tal como fundamentou o tribunal a quo, o que configura uma nulidade da sentença homologatória nos termos do disposto no artigo 615°, n.º, aI. c) do CPC. 27- O que tudo foi alegado e invocado pela credora em vários requerimentos datados de 09.03.2016, 17.03.2016,22.03.2016 e 29.03.2016, e agora mais recentemente por requerimento de 23.02.2017, que deu azo ao despacho em crise. 28- Por outro lado, a sentença homologatória do plano também deveria ser rectificada ou reformada, tal como requerido pela Credora em 09.03.2016, 17.03.2016, 22.03.2016 e 29.03.2016, e agora mais recentemente por requerimento de 23.02.2017, porquanto, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 616° do CPC: "Não cabendo recurso da sentença (de facto não cabia nos termos do artigo 207°, n.º 2 do CIRE) é ainda lícito a qualquer das partes requerer a reforma da sentença quando, por manifesto lapso do juiz constem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida". 29- Porquanto, logo após a realização da assembleia, cujo adiamento foi requerido pela Credora, atentos os fundamentos supra expostos, não tendo o seu pedido sido acolhido pelo douto Tribunal, foi a Credora notificada do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, no âmbito do processo n." 1368108.6TBVRL.Gl, em que é Autora a HERANÇA ILÍQUIDA E INDIVISA ABERTA POR ÓBITO DE AA e Ré a BB. 30- Tal acórdão decidiu julgar a apelação improcedente confirmando a decisão recorrida e em consequência condenou a Ré Cooperativa Agrícola de Vila Real a pagar à Autora a quantia de € 500.000,00, acrescida de juros de mora, contados desde a data da citação até efectivo e integral pagamento, à taxa de 4% ao ano. 31- Com efeito, foi confirmado pelo Tribunal da Relação e após, pelo Supremo Tribunal de Justiça, que a Credora Recorrente é credora da BB no valor de € 500.000,00 acrescido dos juros de mora desde a citação (05.08.2008) que até à presente data se computam em € 172.658,00, perfazendo assim um total em dívida de € 672.658,00 ao que acrescem as custas de parte no valor de € 5.233,15. 32- O que perfaz um montante total em dívida de € 677.891,15. 33- Acresce ainda que em assembleia de credores realizada no dia 12.01.2016, foi aprovado o plano de recuperação. 34- Nessa assembleia, as deliberações foram aprovadas considerando que a Credora ora Recorrente tinha apenas um crédito no valor de € 125.000,00, o que correspondia a 9,1 % dos votos contra. 35- Todavia, compulsados os autos, e após notificação do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, o crédito da Credora é no valor de € 677.891,15, o que se traduz numa percentagem superior a 34,34% dos votos. 36- Por seu turno, dispõe o artigo 212º do ClRE que "A proposta de plano de insolvência considera-se aprovada se, estando presentes ou representados na reunião credores cujos créditos constituem, pelo menos, um terço do total dos créditos com direito de voto, recolher mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos ... ". 37- Pelo exposto, sendo o crédito da credora no valor de € 677.891,15 a deliberação sobre a aprovação do plano deveria recolher mais de dois terços da totalidade dos votos, logo deveria corresponder a valor superior a € 1.275.513,20, correspondendo a mais de 66,66% dos votos. 38- Todavia, sendo o voto da Credora no valor de € 677.891,15 o correspondente a mais de 34,34% não permite a aprovação do plano por maioria de 2/3 tal corno é exigido. 39- Neste quadro, foi requerido em 09.03.2016,17.03.2016,22.03.2016 e 29.03.2016, e agora mais recentemente por requerimento de 23.02.2017 ao douto Tribunal a declaração de nulidade da deliberação de aprovação do plano de insolvência, tomada em sede de Assembleia de Credores, ordenando que seja elaborada nova assembleia de credores, tendo em conta a posição real dos créditos, ou então, que tendo em conta a percentagem real dos votantes presentes na assembleia, seja rectificada a votação do respectivo plano, com as necessárias consequências legais, por forma a assegurar o disposto no n.º 3 do artigo 209° do CIRE. 40- Ou caso assim não se entenda, o que não se concede nem se concebe, ordenasse o tribunal a quo a rectificação oficiosa da atá da assembleia de credores no sentido de atribuir à credora ora requerente a sua percentagem real e concreta de voto, o que se traduzirá na não aprovação do plano de insolvência por falta de quórum, nos termos do disposto no artigo 212° do CIRE. 41- Portanto, como pode o douto tribunal considerar que não existe qualquer nulidade da deliberação de aprovação do plano, quando por despacho proferido em 17.02.2017 vem assumir que o crédito da Herança de António Ilídio Gonçalves Gomes sempre foi de € 500.000,00 e não de apenas € 125.000,00. 42- Entende a Recorrente que existiu manifesto lapso do juiz a quo ao aprovar e homologar o plano de insolvência, atendendo às percentagens de votos erradas, quando já constavam dos autos documentos que faziam prova plena do real crédito da herança, como aliás agora veio admitir por despacho datado de 17.02.2017. 43- Destarte, violou o tribunal a quo o disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 616° ex vi n.º 3 do artigo 613° e 617°, n.º 1, todos do CPC, por aplicação do artigo 17° do CIRE, o que configura uma nulidade do despacho que expressamente se invoca, para os devidos efeitos legais. * O Apelado apresentou contra alegações concluindo pela improcedência da apelação interposta. * Colhidos os vistos, cumpre decidir. * II- Do objecto do recurso. Sabendo-se que o objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso, a questão decidenda é, no caso, a seguinte: - Apreciar da invocada nulidade da decisão recorrida por falta de fundamentação, prevista no artigo 615, nº 1, al. b), do C.P.C.. - Apreciar da existência de nulidade da deliberação de aprovação do plano de insolvência. * III- FUNDAMENTAÇÃO. Fundamentação de facto. Foram aduzidos no despacho recorrido os seguintes fundamentos de facto e de direito: “Veio a herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de AA. arguir a nulidade da deliberação de aprovação do plano de insolvência, alegando em suma que votou contra o plano com um valor que na realidade não corresponde ao valor do seu crédito, porquanto a decisão que lhe conferiu um crédito de €500.000,00 acrescido de juros transitou em julgado. Não foi exercido qualquer contraditório. Cumpre decidir: No que respeita ao crédito da requerente o plano de insolvência prevê o seguinte: ”b) Os créditos sob condição relacionados com o credor Luiz António Domard - Cabeça-de-casal da herança aberta por óbito de AA., dada a dimensão do crédito reclamado, foi previsionada a liquidação no presente plano de pagamentos em consonância com o previsto para os demais credores comuns, muito embora aguarde discussão no âmbito do processo judicial em curso. A proposta apresentada (perdão de juros vencidos e vincendos, perdão de 70% do capital e o seu pagamento em 15 trimestralidades decorrido um ano do trânsito em julgado da sentença de homologação do plano) aplicar-se-á posteriormente à quantia de capital fixada no âmbito do processo.” O plano foi aprovado pela maioria dos votos e foi homologado por sentença datada de 16.02.2016. Por requerimentos de 09.03.2016, 17.03.2016, 22.03.2016 e 29.03.2016, veio a herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de AA. requerer que fosse realizada nova Assembleia de aprovação do plano na medida em que foi notificada do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães que confirmou a decisão da primeira instância que lhe atribuiu um crédito sobre a insolvente no valor de €500.000,00, ou que o Tribunal procedesse à rectificação oficiosa da acta da Assembleia já realizada no sentido dela ficar a constar a percentagem de votos correspondente ao crédito de €500.000,00, sempre com a consequência da não aprovação do Plano. Os herdeiros de Francisco aderiram ao requerido e a insolvente opôs-se alegando que o referido Acórdão não transitou em julgado, para além do que o poder jurisdicional do Juiz está esgotado no que concerne à homologação do Plano. Por despacho de 04.04.2016 o Tribunal decidiu o seguinte: “Independentemente de debatermos a questão dos efeitos da decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Guimarães, designadamente se a mesma transitou em julgado ou não, a verdade é que em 18.02.2016, o Tribunal homologou por sentença a deliberação dos credores que aprovou, nos seus precisos termos, o plano de insolvência. Vale dizer que o poder jurisdicional do Juiz no que respeita à apreciação da validade e conformidade da deliberação dos credores em Assembleia de aprovação do Plano de Insolvência, está neste momento esgotado (artigo 613º, nº1 do CPC), pelo que o requerido não poderá proceder. Nesta conformidade indefere-se o requerido.” Mais uma vez vem a herança de AA. insurgir-se contra a aprovação do plano e consequentemente contra a sentença homologatória da votação do plano de insolvência, que, do que resulta dos autos, foi já confirmada pelo Supremo Tribunal de Justiça. Na sentença homologatória do plano de insolvência o Tribunal já apreciou a validade e a conformidade da deliberação dos credores, designadamente entendeu não existir qualquer fundamento para a não homologação oficiosa (artigo 215º do CIRE), tendo ainda rejeitado a não homologação a solicitação de interessado (artigo 216º do CIRE). Entendeu assim o Tribunal que nenhuma invalidade ocorria pelo facto da herança de BB votar com uma percentagem correspondente a um crédito de € 125.000,00, que lhe foi reconhecido sob condição. Conforme se sumariou no Ac. do STJ de 12.03.2015, proc: 756/09.5TTMAI.P2.S1, publicado em www.dgsi.pt, “É inerente à natureza/essência do processo que, proferida a sentença, fique imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa (art. 613.º, n.º 1, CPC), embora o mesmo possa e deva continuar a exercer no processo o seu poder jurisdicional para resolver as questões e incidentes que surjam posteriormente e não exerçam influência na sentença ou despacho que emitiu.” Na fundamentação do mesmo aresto lê-se ainda o seguinte: “Como já referia o Prof. Alberto dos Reis, a justificação deste princípio justifica-se por uma razão de ordem doutrinal e por outra de ordem pragmática, a saber: “Razão doutrinal: o juiz, quando decide, cumpre um dever – o dever jurisdicional – que é a contrapartida do direito de acção e defesa. (…) E como o poder jurisdicional só existe como instrumento destinado a habilitar o juiz a cumprir o dever que sobre ele impende, segue-se logicamente que, uma vez extinto o dever pelo respectivo cumprimento, o poder extingue-se e esgota-se. A razão pragmática consiste na necessidade de assegurar a estabilidade da decisão jurisdicional. (…)” Para além da Sentença, o juiz pode apenas rectificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a sentença nos termos dos artigos 614º, 615º e 616º do CPC, como resulta do nº 2 do artigo 613º do CPC. A nulidade invocada pela credora não se insere em nenhum dos casos previstos nos artigos 613º, 614º e 615º pelo que não pode o Tribunal dela conhecer, por se mostrar esgotado o poder jurisdicional quanto à apreciação da validade e conformidade da deliberação que aprovou o plano de insolvência. Nesta conformidade indefere-se a requerida apreciação de nulidade. (…) Fundamentação de direito. A fundamentar a invocada nulidade da decisão recorrida, por falta de fundamentação, prevista no artigo 615, nº 1, al. b), do C.P.C., alega o Recorrente que em tal despacho o Tribunal a quo se limitou a justificar a sua decisão no facto de, no seu entender, o poder jurisdicional do Juiz já estar esgotado, nos termos do disposto no artigo 613°, n.º 1 do CPC.
No entanto, em seu entender, não pode o tribunal fundamentar uma decisão apenas com recurso ao argumento de estar esgotado o poder jurisdicional, sem mais, sendo que, na presente situação, não foram especificados os factos os factos concretos que levaram a concluir por tal decisão, nem se fundamentou de direito tal decisão. E assim sendo, devendo as decisões dos Tribunais que não sejam de mero expediente ser fundamentadas na forma prevista na lei, ao não fundamentar o despacho recorrido, o Tribunal a quo violou as normas ínsitas nos artigos 615°, n.º 1 al. b) e 613°, n.º 3 do C.P.C. e 205°, n.º 1 da CRP, enfermando, assim, tal despacho, de uma nulidade á luz do disposto nos nestes mesmos preceitos legais. Às decisões judiciais aplica-se o princípio geral decorrente do art. 154º, nº1, do C. P. Civil, a saber, encontra-se neste preceito imposto um dever geral de fundamentação de todas as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo, acrescentando no nº 2 que a justificação não pode consistir na mera adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição. Estruturalmente, na arquitectura do nosso ordenamento jurídico, a fundamentação das decisões constitui a sua verdadeira e válida fonte de legitimação, e por isso tal específico dever se encontra constitucionalmente plasmado (art. 205º, nº 1 da C.R.P., ao prescrever que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente devem ser fundamentadas na forma prevista na lei). Tal dever de fundamentação (1) cumpre, em geral, duas funções: uma, de ordem endoprocessual, que visa essencialmente impor ao juiz um momento de verificação de controle crítico da lógica da decisão, permitir às partes o recurso da decisão com perfeito conhecimento da situação, e ainda colocar o tribunal de recurso em posição de exprimir, em termos mais seguros, juízo concordante ou divergente; outra, de ordem extraprocessual, que procura tornar possível um controlo externo e geral sobre a fundamentação factual, lógica e jurídica da decisão, garantindo a transparência do processo e da decisão. A necessidade de fundamentação radica quer na função dos tribunais como órgãos de pacificação social, o que torna necessária a explicitação dos fundamentos das decisões como forma de persuasão das partes sobre a legalidade da solução encontrada (procurando o convencimento das partes mediante a argumentação dialéctica própria da ciência jurídica), quer na recorribilidade das decisões judiciais, o que implica a necessidade da parte vencida conhecer os fundamentos em que o julgador se baseou para os poder impugnar devidamente (2). Tal exigência de fundamentação – garantia integrante do próprio conceito de Estado de direito democrático e do direito fundamental de recurso, que com essa justificação modela a fórmula constitucional e o conteúdo de tal exigência (3) – está expressamente consagrada, em termos gerais, no art. 154º do C.P.C., mostrando-se ainda patente em vários preceitos processais civis – vejam-se o art. 607º, nº 4 do C.P.C. (quanto à exigência de fundamentação do despacho que decida da matéria de facto controvertida), o art. 607º, nº 3 do C.P.C. (relativo à exigência de fundamentação da sentença) e o próprio art. 615º, nº 1, b) do C.P.C. (que comina com a nulidade os despachos ou sentenças que não observem o dever de fundamentação). Para que a decisão careça de fundamentação “não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito” (4). Assim, por exemplo, Miguel Teixeira de Sousa (5) refere que “... esta causa de nulidade verifica-se quando o tribunal julga procedente ou improcedente um pedido (e, por isso, não comete, nesse âmbito, qualquer omissão de pronúncia), mas não especifica quais os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão. Nesta hipótese, o tribunal viola o dever de motivação ou fundamentação das decisões judiciais (artigo 208º, nº 1 CRP e artigo 158º, n° 1 CPC) ...o dever de fundamentação restringe-se às decisões proferidas sobre um pedido controvertido ou sobre uma dúvida suscitada no processo ( ... ) e apenas a ausência de qualquer fundamentação conduz à nulidade da decisão ( ... ); a fundamentação insuficiente ou deficiente não constitui causa de nulidade da decisão, embora justifique a sua impugnação mediante recurso, se este for admissível". No mesmo sentido se pronuncia, Lebre de Freitas (6), afirmando que "... há nulidade quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto da decisão ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão, não a constituindo a mera deficiência de fundamentação". De igual modo, Antunes Varela (7), entende que a nulidade existe quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão e não a mera deficiência de fundamentação. Acresce que, conforme decorre do exposto, nos termos do n° 2 do citado art. 154º do CPC a fundamentação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade, tudo circunstâncias que não se verificavam no caso concreto. O legislador, neste preceito legal, “... afasta a fundamentação meramente formal ou passiva, consistente na mera declaração de aderência a razões invocadas por uma parte, exigindo a fundamentação material ou activa, consistente na invocação própria de fundamentos que, ainda que coincidentes com os invocados pelas partes, sejam expostos num discurso próprio, capaz de demonstrar que ocorreu uma verdadeira reflexão autónoma. De tudo o exposto, como evidente resulta que, quer a ausência total de fundamentação, quer a existência de uma fundamentação de facto ou de direito que seja insuficiente e em termos tais que não permitam ao destinatário da decisão judicial a percepção das razões de facto e de direito da decisão judicial, constituirão causas de nulidade da sentença por falta de fundamentação. E à luz de tudo o exposto, temos como incontornável que a decisão recorrida não enferma do vício de falta de fundamentação subsumível à previsão contida no artigo 615, nº 1, al. b), do C.P.C.. Isto porque, pese embora não ter sido efectuada a sua atomização formal, não se nos afigura que nessa mesma decisão não tenham sido indicados os factos concretos que levaram a concluir por tal decisão, e bem assim, que a mesma decisão não contenha explicitadas a razões de direito que lhe serviram de fundamento. Com efeito, o despacho recorrido faz expressa referência e sustentou a sua decisão de direito nos factos que a seguir se enunciam: 1- No que respeita ao crédito da requerente o plano de insolvência prevê o seguinte: ”b) Os créditos sob condição relacionados com o credor Luiz - Cabeça-de-casal da herança aberta por óbito de AA., dada a dimensão do crédito reclamado, foi previsionada a liquidação no presente plano de pagamentos em consonância com o previsto para os demais credores comuns, muito embora aguarde discussão no âmbito do processo judicial em curso. A proposta apresentada (perdão de juros vencidos e vincendos, perdão de 70% do capital e o seu pagamento em 15 trimestralidades decorrido um ano do trânsito em julgado da sentença de homologação do plano) aplicar-se-á posteriormente à quantia de capital fixada no âmbito do processo.” 2- O plano foi aprovado pela maioria dos votos e foi homologado por sentença datada de 16.02.2016. 3- Por requerimentos de 09.03.2016, 17.03.2016, 22.03.2016 e 29.03.2016, veio a herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de AA. requerer que fosse realizada nova Assembleia de aprovação do plano na medida em que foi notificada do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães que confirmou a decisão da primeira instância que lhe atribuiu um crédito sobre a insolvente no valor de € 500.000,00, ou que o Tribunal procedesse à rectificação oficiosa da acta da Assembleia já realizada no sentido dela ficar a constar a percentagem de votos correspondente ao crédito de € 500.000,00, sempre com a consequência da não aprovação do Plano. - Os herdeiros de Francisco aderiram ao requerido e a insolvente opôs-se alegando que o referido Acórdão não transitou em julgado, para além do que o poder jurisdicional do Juiz está esgotado no que concerne à homologação do Plano. 4- Por despacho de 04.04.2016 o Tribunal decidiu o seguinte: “Independentemente de debatermos a questão dos efeitos da decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Guimarães, designadamente se a mesma transitou em julgado ou não, a verdade é que em 18.02.2016, o Tribunal homologou por sentença a deliberação dos credores que aprovou, nos seus precisos termos, o plano de insolvência. Vale dizer que o poder jurisdicional do Juiz no que respeita à apreciação da validade e conformidade da deliberação dos credores em Assembleia de aprovação do Plano de Insolvência, está neste momento esgotado (artigo 613º, nº1 do CPC), pelo que o requerido não poderá proceder. Nesta conformidade indefere-se o requerido.” 6- Na sentença homologatória do plano de insolvência o Tribunal já apreciou a validade e a conformidade da deliberação dos credores, designadamente entendeu não existir qualquer fundamento para a não homologação oficiosa (artigo 215º do CIRE), tendo ainda rejeitado a não homologação a solicitação de interessado (artigo 216º do CIRE). Entendeu assim o Tribunal que nenhuma invalidade ocorria pelo facto da herança de AA. votar com uma percentagem correspondente a um crédito de €125.000,00, que lhe foi reconhecido sob condição. E é com fundamento nesta materialidade que o tribunal recorrido conclui no sentido de que, vindo mais uma vez vem a herança de AA. insurgir-se contra a aprovação do plano e consequentemente contra a sentença homologatória da votação do plano de insolvência, essa questão já foi apreciada pelo tribunal. Isto porque, do que resulta dos autos, tal decisão foi já confirmada pelo Supremo Tribunal de Justiça, e na qual o Tribunal já apreciou a validade e a conformidade da deliberação dos credores, designadamente entendeu não existir qualquer fundamento para a não homologação oficiosa (artigo 215º do CIRE), tendo ainda rejeitado a não homologação a solicitação de interessado (artigo 216º do CIRE), entendendo, assim, que nenhuma invalidade ocorria pelo facto da herança de António Ilídio votar com uma percentagem correspondente a um crédito de € 125.000,00, que lhe foi reconhecido sob condição. E assim sendo, entendeu a decisão recorrida, e em nosso entender correctamente, que, para além da sentença, apenas podendo o juiz rectificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a sentença nos termos dos artigos 614º, 615º e 616º, do CPC, como resulta do nº 2, do artigo 613º, do CPC, a nulidade invocada pela credora não se insere em nenhum dos casos previstos nos artigos 613º, 614º e 615º, do mesmo diploma legal, pelo que não pode o Tribunal dela conhecer, por se mostrar esgotado o poder jurisdicional quanto à apreciação da validade e conformidade da deliberação que aprovou o plano de insolvência. Sendo isto evidente, salvo o muito e devido respeito, contrariamente ao alegado pelo Recorrente, “não pode o tribunal fundamentar uma decisão apenas com recurso ao argumento de estar esgotado o poder jurisdicional, sem mais”, se esse não constituir, efectivamente, o verdadeiro fundamento da decisão a proferir, ou seja, se, de facto, não se estiver perante situação em que, tendo sido proferida decisão, em conformidade com o que se dispõe no artigo 613, nºs 1) e 2), do C.P.C, se encontre esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa, e em que, por isso mesmo, apenas lhe seja licito rectificar erros materiais, suprir nulidades, esclarecer dúvidas existentes na sentença e reformá-la, quando tenha ocorrido manifesto lapso do juiz na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos ou quando constem do processo documentos ou quaisquer elementos que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida e que o juiz, por lapso manifesto, não haja tomado em consideração – artigo 616, nº2, als. a) e b), do C.P.C.. Ora, como bem se expende na decisão recorrida, tendo já sido objecto de anteriores decisões, a nulidade invocada pela credora não se insere em nenhum dos casos previstos nos artigos 613º, 614º e 615º, do C.P.C., pelo que não pode o Tribunal dela conhecer, por se mostrar esgotado o poder jurisdicional quanto à apreciação da validade e conformidade da deliberação que aprovou o plano de insolvência. E assim sendo, encontrando-se esgotado o poder jurisdicional do juiz como evidente se constata, por um lado, que teria de ser esse o fundamento da decisão recorrida, inexistindo assim a invocada nulidade por falta de fundamentação, e, por outro, que não podia o juiz volta a conhecer de questão sobre a qual já incidiu decisão anterior, havendo, por isso, de improceder a presente apelação, com a consequente manutenção da decisão recorrida.
IV- DECISÃO. Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a decisão recorrida. Guimarães, 01/ 06/ 2017. Processado em computador. Revisto – artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil. Jorge Alberto Martins Teixeira |