Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | MANUEL BARGADO | ||
Descritores: | RESPONSABILIDADE CIVIL DANO AMBIENTE PREVENÇÃO PROVA REDE ELÉCTRICA | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 06/14/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | I – O julgador de facto, que é o “guardador da porta” das provas trazidas ao processo, terá mais ou menos possibilidade (sob um ponto de vista racional), de utilizar a sua livre convicção na razão inversa do peso constrangedor da prova científica, se esta for mais ou menos unidireccional para determinado tipo de conclusão. II - Quando mais coerente for aquela prova, menos o julgador terá margem de manobra para a sua apreciação, ou, dito de outra forma, quanto mais contraditória, menos peso probatório terá. III – Situando-se os valores medidos no prédio urbano dos autores abaixo dos limites fixados pela Organização Mundial de Saúde para a exposição máxima a campos electromagnéticos e dentro dos limites constantes do Anexo à Portaria nº 1421/2004, de 23 de Novembro, e mostrando-se cumpridos os normativos legais que definem as distâncias das linhas de 3ª classe aos edifícios (e, em especial, o disposto no artigo 29º do Regulamento de Segurança de Linhas Eléctricas de Alta Tensão, aprovado pelo Decreto Regulamentar n.º 1/92, de 18 de Fevereiro, a ele anexo), tem de se concluir que as linhas de alta tensão situadas a cerca de 40 metros daquele prédio não são prejudiciais para a saúde dos autores. IV – A fórmula básica do princípio da precaução é a de que a necessidade de protecção dos bens ambientais proíbe a intervenção (ou impõe-na) ainda que não haja certeza científica, nem quanto aos seus efeitos, nem quanto à relação de causalidade entre aquela e estes. V – Porém, o princípio da precaução não foi adoptado como critério de decisão da prova, não podendo com base na mera falta de certeza da não produção de danos ambientais ou para a saúde pública o julgador concluir pela existência de receio de produção de danos ambientais e para a saúde pública, quando não se demonstra positivamente a existência de uma probabilidade séria de eles virem a ocorrer. V - As medidas baseadas no princípio da precaução não implicam, nem pressupõem, a erradicação de todo e qualquer risco, desde logo e também, porque a ciência, em determinado estado evolutivo, poderá mesmo conduzir a que se julgue completamente afastada a ocorrência de um risco que vem, porém, mais tarde, a verificar-se. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam nesta Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I - RELATÓRIO Isilda, Paula e marido Manuel, e Alberto, todos residentes na Quinta da Pereira, na freguesia de Fermentões deste concelho de Guimarães, intentaram a presente acção declarativa, na forma de processo ordinário, contra R… Rede Eléctrica…, S.A., com sede na Av. dos Estados Unidos da América, nº …, em Lisboa, pedindo que a ré seja condenada a: a) retirar, de imediato, os cabos das linhas de alta tensão do espaço aéreo do prédio dos autores identificado no art. 1º da petição inicial; b) pagar aos autores uma indemnização a título de danos morais em montante não inferior a € 40.000,00; c) na hipótese do pedido formulado em a) não ser viável de imediato, por razões sócio económicas, subsidiariamente, deve a ré ser condenada a afastar os cabos da linha de alta tensão para uma distância da casa dos autores de modo que os valores dos campos electromagnéticos medidos na casa, incluindo o logradouro, estejam conformes às recomendações da Organização Mundial de Saúde, ou seja, os seus valores em qualquer zona do prédio urbano, inclusive no seu espaço aéreo, sejam inferiores, o campo magnético a 0,2 micro tesla e o campo eléctrico a 100 volts por metro, o que implica um afastamento do seu prédio urbano para uma distância não inferior a 100 metros. Alegaram, em síntese, serem donos de um prédio misto que identificam e onde implantaram a casa onde residem, pelo qual a ré fez passar uma linha de muito alta tensão que emite campos eléctricos e electromagnéticos, os quais atingem aquela habitação em valores superiores ao de exposição máxima recomendados pela Organização Mundial de Saúde que dizem ser, respectivamente, de 100 volts por metro e de 0,2 uT, o que, dada a existência de milhares de casos de doenças por ano que podem ser associados ao facto de as pessoas viverem perto de linhas de alta tensão, lhes causa nervosismo, grande ansiedade, instabilidade, tristeza e desgosto, além de os impedirem de realizar uma ampliação do sótão da casa e de usufruírem de gás proveniente de um depósito. Acresce que no dia 24 de Agosto de 2008, através de uma árvore, houve uma descarga eléctrica nesse prédio, seguida de uma grande explosão e incêndio que provocou diversos danos materiais no local, nomeadamente, com a destruição de uma árvore, videiras e parte de uma ramada, tendo, ainda, aberto fissuras no edifício e queimado diversos electrodomésticos A ré contestou, impugnando parte da factualidade alegada pelos autores, contrapondo que a máxima medição obtida foi de 3,10 uT a 1,80 metros acima do telhado, sendo que esse valor se situa muito abaixo do limite máximo de segurança recomendado pela Organização Mundial de Saúde e que foi devido à poda da vinha ter deixado de ser feita após a morte do marido da autora Isilda, entre o verão de 1997 e 1998, que levou a que um dos rebentos se aproximasse da linha e provocasse a explosão dia 24 de Agosto de 2008. Mais alegou serem infundados os receios dos autores, face à inexistência de qualquer perigo de explosão permanente no local e também pelo facto de a evidência cientifica actual não mostrar que existam quaisquer consequências para a saúde em resultado da exposição a campos electromagnéticos de baixa intensidade, pois que as mesmas só poderão ocorrer acima daqueles máximos de segurança definidos também por recomendação da União Europeia e que são de 100 uT (sendo de 5 quilovolts para o campo eléctrico). Os Autores vieram replicar, afirmando a circunstância de a ré exercer uma actividade perigosa e, nessa medida, sobre ela impender uma presunção de culpa, concluindo como na petição inicial. Após ter sido suspensa a instância, com várias prorrogações do prazo a pedido das partes, foi proferido despacho saneador tabelar com subsequente enunciação dos factos assentes e da pertinente base instrutória, com reclamação dos autores totalmente desatendida O despacho que indeferiu a reclamação dos autores foi proferido a fls. 2011.. Os autores ampliaram o pedido a fls. 409, pedindo a condenação da ré no pagamento da quantia de € 57.816,49, a título de danos patrimoniais, pelos estragos causados em consequência da explosão: fissuras na casa de habitação; inutilização de uma máquina de lavar, um frigorífico e um motor de bombear água; quarenta e cinco enxertos de videiras, quarenta e sete videiras, duas árvores de suporte e quatro pés de roseiras queimados. A ré contestou tal ampliação do pedido Fê-lo à cautela, pois como decorre do requerimento que apresentou a fls. 419, considerou não ter sido devidamente citada da ampliação do pedido., invocando a excepção da prescrição, alegando terem passado mais de três anos desde o dia 24 de Agosto de 1998, data em que ocorreram os estragos cujo ressarcimento só agora os autores peticionam, impugnando, à cautela, a factualidade alegada. Os autores responderam, concluindo pela improcedência da excepção da prescrição e pela procedência da ampliação. A instância esteve novamente suspensa a requerimento das partes e, findo o prazo da suspensão, foi proferido despacho a julgar a ré regularmente notificada do pedido de ampliação do pedido, tendo este sido admitido, relegando-se para decisão final o conhecimento da excepção da prescrição e aditaram-se à base instrutória novos artigos contemplando a matéria de facto controvertida e decorrente da admitida ampliação do pedido Cfr. fls. 485-486. . A Ré agravou do despacho que indeferiu a suscitada irregularidade da notificação, tendo o recurso sido admitido Cfr. fls. 489 e 536., mas não foram apresentadas alegações, pelo que o mesmo ficou deserto, o que ora se declara. Instruído o processo e após vicissitudes várias Além das perícias realizadas durante a fase da instrução, a instância esteve de novo suspensa a pedido das partes e os autores formularam novo pedido de ampliação do pedido, que foi indeferido (cfr. fls. 797, 992 e 1145, respectivamente)., veio finalmente a proceder-se à realização da audiência de julgamento com gravação dos respectivos depoimentos e inspecção ao local, após o que o Tribunal a quo proferiu a decisão sobre a matéria de facto, a qual não foi objecto de reclamações Cfr. fls. 2019 e segs.. Foi proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, decidiu: «a) julgar prescrito o direito à peticionada indemnização por fissuras alegadamente causadas na casa de habitação dos Autores e absolver a Ré, do respectivo pedido de condenação no pagamento da quantia de € 4.500,00; b) condenar a Ré, a pagar aos Autores a quantia de € 3.067,56 (três mil e sessenta e sete euros e cinquenta e seis cêntimos), acrescida de juros moratórios, vencidos e vincendos, calculados às taxas legais sucessivamente emergentes do disposto no artº. 559º/1 do Código Civil, actualmente 4%, desde 29 de Novembro de 2004 e até integral pagamento; c) julgar extinta a instância do pedido de retirada dos cabos de alta tensão do espaço aéreo do prédio referido em I.1., por inutilidade superveniente da lide, nos termos do disposto no artº. 287º/ e). do C. P. Civil; d) julgar improcedente o pedido subsidiário formulado pelos Autores e absolver a Ré, do mais que vem peticionado.» Desta sentença apelaram os autores, terminando as alegações com a formulação das seguintes conclusões que, integralmente, se transcrevem: «1 - Discordam os apelantes da douta sentença em crise, por entenderem que, salvo o devido respeito, em face dos elementos de prova constantes dos autos, outra deveria ter sido a decisão sobre a matéria de facto, bem como a aplicação dos comandos legais a ela atinentes, sendo a total procedência da acção o desfecho certo e justo do pleito, nomeadamente no que concerne ao afastamento dos condutores das linhas de alta tensão, para uma distância de segurança relativamente ao prédio dos Recorrentes, pelo risco para a saúde destes que a permanência dos mesmos acarreta. 2 - Com efeito e em nosso entender, o ponto 18º devia ter obtido uma resposta totalmente positiva ao passo que o ponto 26º deveria ter tido uma resposta restritiva, esclarecendo que os valores de referência da OMS respeitam apenas a exposições de curta duração e não a exposições permanentes, como a dos autos, e os pontos 42º, 43º, 44º e 45º deveriam ter sido considerados como não provados. 3 - De toda a prova produzida, afigura-se-nos que a mais objectiva, credível e incontroversa, foi a pericial, a ela se tendo referido o Meritíssimo Julgador “a quo” profusamente no douto aresto em crise. 4 - A prova documental junta aos autos pelas partes, consistente em estudos científicos, revelou-se igualmente de grande importância, não obstante a respectiva interpretação e confronto pelo tribunal pudesse esbarrar na diversidade de opiniões, a requerer conhecimento específicos das diversas matérias abordadas que, neste caso, só os senhores peritos puderam fornecer com isenção. 5 - Como efeito, no que concerne à prova testemunhal, se a maioria das testemunhas arroladas pelos Recorrentes, foram indicadas a factos relacionados com a falada descarga eléctrica e a percepções e efeitos das radiações electromagnéticas, a totalidade das testemunhas apresentadas pela Recorrida eram funcionários desta, que depuseram em consonância com as posições tomadas pela Recorrida nos autos sobre as questões em análise. 6 - Contrariamente ao afirmado na douta sentença em crise, não foram os Recorrentes, mas sim o Meritíssimo Julgador “a quo”, que laborou em erro na interpretação dos relatórios periciais, donde decorria com meridiana clareza que as recomendações da OMS a respeito dos limites para as radiações electromagnéticas, são válidas apenas para as exposições de curta duração, uma vez que não existem recomendações, nem estudos que estabeleçam esses limites para exposições de longa duração, ou permanentes, como é a do caso dos Recorrentes, sendo certo que os valores apontados por aquela instituição para os denominados valores de exposição permanente, são apenas meras extrapolações das medições encontradas para as exposições de curta duração. 7 - Isto mesmo, como se disse, é a opinião unânime dos peritos. 8 - Deste modo, não podia o Meritíssimo Julgador “a quo” responder à matéria de facto do modo impugnado, nem tão pouco interpretar, do modo como o fez, os comandos legais aplicáveis e referidos na douta sentença em crise, pela simples razão de que, a nosso ver, o seu raciocínio ficou condicionado por tal erro de leitura e interpretação, que inquinou todo o desenvolvimento da douta sentença em crise. 9 - Perante isto, na resposta ao ponto 26º da base instrutória teria de se explicitar esta realidade, ou seja, que tais recomendações da Organização Mundial de Saúde, com base em pareceres do ICNIRP, não se reportam a exposições permanentes e, por isso mesmo, pouco ou nada têm que ver com a realidade dos autos, por tal ser de capital importância, quanto a nós, para a decisão do mérito da causa. 10 - Deste modo, ao consagrar tais elementos de referência na respectiva legislação, o Estado português fê-lo de modo acrítico e até irresponsável. 11 - Aliás, para verificar até o absurdo da situação, basta atentar nos valores constantes dos autos relativamente às medições feitas no prédio dos Recorrentes, em que se encontrou o valor de 14,5 microtesla no telhado do mesmo, que dista dos condutores cerca de 10 metros. 12 - Com efeito, se os mencionados valores de 100 ou mesmo 200 microtesla tivessem algo a ver com este tipo de exposição, uma medição deste tipo, dita de segurança, seria encontrada a escassa distância dos cabos, o que no mínimo accionaria o denominado arco eléctrico, sendo insuportável para qualquer ser humano permanecer a essa distância dos condutores. 13 - Tendo-se dado como provado nos pontos 18 de 19 da base instrutória, que vários estudos epidemiológicos associam as radiações ao risco de contrair, por exemplo, cancro, tal lacuna legislativa assume foros de uma gravidade socialmente mesmo criminosa. 14 - Afigura-se-nos que das respostas dadas aos pontos 42º e 43º da base instrutória, parece transparecer a ideia de que os estudos epidemiológicos não são científicos e que a relação causa-efeito é a única matriz do conhecimento científico, o que é totalmente errado. 15 - Não nos parece, por isso, restarem dúvidas de que, apesar das respostas dadas aos pontos 18 e 19 da base instrutória, o modo como se respondeu aos pontos 42 e 43 não só nos parecem desvalorizar os primeiros, como encerra uma flagrante contradição relativamente aos pressupostos do conhecimento científico sobre o assunto em análise, no ramo do conhecimento científico que aqui nos interessa e que é a medicina. 16 - O mesmo se refira relativamente à resposta dada ao ponto 44 da base instrutória, onde se afirma estar cientificamente provado que os CEMs não podem provocar lesões na estrutura do material biológico. 17 - Com efeito, no requerimento junto aos autos pelos Recorrentes em 23 de Fevereiro do corrente ano (Ref: 6564313), alude-se a estudos científicos que evidenciam a possibilidade da existência desse tipo de lesões. 18 - O mesmo se poderá dizer da resposta dada ao ponto 45 da base instrutória, quando se afirma que a zona onde se situa do prédio dos Recorrentes não pode ser qualificada como de forte poluição do ar, entendendo-se por tal se as radiações em causa interferem ou não com as respectivas características em temos de poderem influenciar o próprio ambiente, visto que do relatório do Professor Lemos Antunes resulta que os campos eléctricos que emanam de linhas de AT ionizam partículas no ar na sua vizinhança e essas partículas são carcinogénicas, facto este que é a génese do argumento de que os campos eléctricos estão associados ao cancro. 19 - A inutilidade superveniente da lide declarada na douta decisão em crise relativamente a um dos pedidos, só teve que ver com o facto dos condutores das linhas atravessarem espaço aéreo do prédio dos Recorrentes, o que conduzia a questões de violação do direito de propriedade dos Recorrentes, que deixaram de existir a partir do momento em que a Recorrida, no decurso do processo, afastou os condutores para a estrema do mesmo prédio. A pretendida deslocalização da linha para a indicada distância de 200 metros, pelo contrário, respeita ao discutido problema dos efeitos das radiações electromagnéticas na saúde humana. 20 - O chamado efeito de shielding (escudo) existe apenas em relação ao campo eléctrico, porque para os campos magnéticos não há escudo que valha, daí que tecer considerações sobre a ilicitude do comportamento da Recorrida, nos termos em que tal lhe é imputado pelos Recorrentes, com base nesse pressuposto, não é certo nem faz qualquer sentido, em nosso modesto entendimento. 21 - A referência na douta sentença recorrida de que a pretensão dos Recorrentes em que os condutores sejam afastados para mais de cem metros do seu prédio é arbitrária e sem sustentação, não tem, salvo o devido respeito, ela própria qualquer fundamento, visto que a necessidade de salvaguardar uma distância de 200 metros das linhas de alta tensão relativamente às casas de habitação, é um imperativo que resulta da opinião também unânime dos senhores peritos e consta dos respectivos relatórios juntos aos autos. 22 - Deste jeito e pelas razões expostas, ou seja, por força da errada apreciação das provas produzidas, o Meritíssimo Juiz “a quo” poderia e deveria ter respondido de forma diferente e conforme acima proposto, aos mencionados pontos da base instrutória e, não, do modo como o fez e com os fundamentos aduzidos. 23 - Deste modo, se conclui ter havido erro na apreciação das provas, por parte do Meritíssimo Juiz “a quo”, uma vez que na decisão proferida sobre a fixação da matéria de facto, respeitante àquelas matérias, o Tribunal recorrido não valorizou, correctamente, os relatórios periciais e esclarecimentos prestados pelos peritos na audiência de julgamento, bem como toda a prova documental produzida nos autos, nos aspectos apontados, as quais apontavam, quanto a nós de forma inequívoca, no sentido de que o ponto 18º devia ter obtido uma resposta totalmente positiva ao passo que o ponto 26º deveria ter tido uma resposta restritiva, esclarecendo que os valores de referência da OMS se referem apenas a exposições de curta duração e não a exposições permanentes, como a dos autos, e os pontos 42º, 43º, 44º e 45º deveriam ter sido considerados como não provados. 24 - Sem prejuízo de tudo o que atrás se disse, a aplicação do direito que o Meritíssimo Juiz “a quo” fez à matéria de facto considerada provada parece-nos, salvo o devido respeito, totalmente incorrecta. 25 - Parece-nos que ficou demonstrado impor-se o afastamento das linhas de alta tensão em causa para uma distância que permita aos Recorrentes viverem em segurança e que, segundo o laudo coincidente dos senhores Peritos, será de, pelo menos, 200 metros. 26 - Nenhum estudo existe, relativamente aos efeitos sobre a saúde humana, das radiações eléctricas e magnéticas, em simultâneo, como é o caso dos autos, em que as linhas de muito alta tensão emitem radiações dessa natureza, ou seja, electromagnéticas. 27 - Foi dado como provado que, na sequência de vários estudos epidemiológicos, o facto de as pessoas viverem perto de linha de alta tensão é associado ao risco de contrair leucemia infantil e cancro, bem como que vários estudos do mesmo tipo concluíram que a exposição a campos electromagnéticos acima de 0,4 microTesla pode duplicar o risco de contrair leucemia infantil linfoblástica aguda. 28 - Os Recorrentes vivem perto de uma dessas linhas e, pelos valores medidos em 2001, aqueles terão estado sujeitos, desde 1997, data da instalação da linha, a campos magnéticos com valores dezenas de vezes (no caso do exterior da habitação, cerca de 50 vezes) superiores àquele limite. 29 - A alegada falta de relação causa-efeito dos campos magnéticos na saúde humana, não invalida de modo algum, do ponto de vista científico, qualquer dos estudos epidemiológicos aludidos nos autos, designadamente pelos senhores peritos, nem muito menos os valores recomendados por estes como sendo os valores mínimos de segurança no que concerne aos efeitos nefastos dos campos magnéticos. 30 - O artigo 152º-1 do Tratado da União Europeia prescreve que: “Na definição e execução de todas as políticas e acções da Comunidade será assegurado um elevado nível de protecção da saúde pública”, dando especial relevo ao denominado Princípio da Precaução, segundo o qual, em matéria de saúde e segurança física das pessoas, e sempre que as circunstâncias assim o exijam, impõe a adopção de especiais medidas de cuidado em vista dos interesses a acautelar, princípio este que resulta dos diplomas da União Europeia, designadamente do artigo 130-R (actual art°174) do Tratado de Maastricht. 31 - Este princípio ancora-se, por conseguinte, na possibilidade da produção de danos e tem como principal campo de aplicação situações como as do caso em apreço, em que o risco da ocorrência de danos graves na saúde humana justifica, por si só, que se desconsiderem quaisquer dúvidas que tenham como objectivo a suspensão ou o afastamento de medidas preventivas de danos dessa natureza. 32 - A sujeição dos Recorrentes a exposições electromagnéticas desta natureza, configura uma autêntica ofensa ao seu direito de personalidade, direito este que é fundamental e desdobra-se nos direitos à integridade física e moral, ao repouso e à saúde, essenciais à vida, princípios estes que têm consagração constitucional e prevalecem, por serem absolutos, sobre os demais, na hipótese de conflito. 33 - Por isso que, à face de todos os citados preceitos legais, origem nacional e do direito internacional, é inadmissível a imposição aos Recorrentes duma situação como aquela em que vivem, cabendo à Recorrida eliminar o risco para a saúde daqueles que representam as faladas linhas de alta tensão, deslocando-as para a aludida distância de segurança recomendada pelos senhores Peritos nos presentes autos. 34 - Para além da errada apreciação da prova, ao decidir-se pela improcedência da acção, na parte objecto de recurso, agiu o Meritíssimo Julgador "a quo" com violação, além do mais, do disposto nos artigos 16º, 64º e 66º da Constituição da República Portuguesa, nos artigo 70º e 335º do Código Civil e artigo 5º da Lei nº 24/96, de 31 de Julho e ainda dos designados Princípios da Prevenção e da Precaução, consagrados na legislação europeia e que obtiveram consagração no ordenamento jurídico nacional.» A ré contra-alegou, formulando as seguintes conclusões: «I. A sentença do Tribunal a quo não merece qualquer reparo, ao contrário do que alegam os Recorrentes, pois raras vezes uma peça jurídica espelha tão fiel e rigorosamente a prova de facto produzida em audiência de julgamento. Recorrentes e Recorrida foram brindados com um documento de excelente qualidade jurídica, resultado de aturada investigação, fundamentação e análise, que merece louvor e, por isso, inatacável do ponto de vista jurídico-material. II. Nenhum dos pontos da matéria de facto necessita ser alterado/corrigido pois não evidenciam qualquer contradição com a prova produzida em audiência, tanto pericial como testemunhal, que representou grande mais-valia para a decisão, pois quer os relatórios periciais quer os esclarecimentos prestados pelos peritos, quer mesmo o depoimento das testemunhas indicadas pelas Recorrida, cujo teor nunca esteve limitado por pressões ou posições, conforme se alega, foram decisivos para a formação da convicção do Tribunal a quo no sentido exposto. III. A sentença recorrida não merece qualquer reparo quanto à sua fundamentação de direito nem quanto à subsunção da legislação nacional e comunitária ao caso em concreto. IV. Quer os relatórios periciais quer os esclarecimentos prestados pelos peritos, quer mesmo o depoimento das testemunhas indicadas pelas Recorrida, cujo teor nunca esteve limitado por pressões ou posições, conforme se alega, foram decisivos para a formação da convicção do Tribunal a quo. V. Entendeu o Tribunal a quo, e bem, que não se justificavam os receios dos Recorrentes, que tentaram provar que as emissões de Campos Eléctricos e Magnéticos (CEM) na gama de baixa frequência do espectro electromagnético causam efeitos adversos na saúde humana e que vivem atemorizados com a presença da LAT, não havendo qualquer fundamento científico e legal para deferir o pedido principal - o afastamento dos condutores da habitação dos Recorrentes - nem com base no alegado não cumprimento dos limites das emissões, nem com base numa alegada implantação ilícita da LAT. VI. Pedem os Recorrentes outra decisão relativamente aos pontos 18°, 26°, 42°, 43°, 44° e 45° da matéria de facto, cuja fundamentação merecia outra interpretação das normas legais aplicáveis, pretendendo que o Tribunal dê como assente que há milhares de casos de doenças por ano que podem ser associadas ao facto de as pessoas viverem perto de linhas de alta tensão; que os valores recomendados pela OMS não são suficientes para proteger as populações; que há uma relação causa-efeito entre danos para a saúde e a exposição a CEM de baixa intensidade; que está cientificamente provado que os CEMs podem provocar lesões na estrutura do material biológico; e ainda que a zona do prédio dos Recorrentes é considerada de forte poluição do ar. VII. Tal pretensão é infundada e em nenhum momento dos relatórios periciais juntos aos autos e dos esclarecimentos prestados pelos senhores peritos e testemunhas, bem como da restante documentação, se leram ou ouviram afirmações que poderiam levar a estas absurdas conclusões, constitui uma inversão total da prova produzida em audiência, sendo pela comunidade científica encarado com as devidas reservas qualquer afirmação/estudo no sentido daquelas conclusões. VIII. Importa também referir que a agência internacional para as questões da saúde — Organização Mundial de Saúde — cujo mérito científico é reconhecido pela maioria, teve em consideração praticamente todos os estudos realizados ao longo dos últimos 20 anos, nas diferentes zonas do globo e nas mais variadas áreas tendo proferido um documento onde se espelham os resultados desses estudos. IX. A DM5 iniciou, em 1996, uma investigação denominada Projecto Internacional CEM cujas conclusões foram apresentadas por Emillie Van Deventer, em Julho de 2007, através da publicação de uma extensa monografia «Extremely Low Frequency Fields Environmental Health Criteria Monografy n° 238)), documento considerado o mais completo e credível, em todo o mundo sobre a matéria, salientam-se desta investigação os seguintes pontos fundamentais: A) existe uma evidência limitada da acção dos campos magnéticos para a carcinogenicidade em humanos em relação à leucemia infantil; B) para todas as outras formas de cancro, as evidências não são compatíveis com a carcinogenicidade em humanos com os CEM; C) existe evidência não relacionável com as experiências em animais para a carcinogenicidade por acção dos campos magnéticos a muito baixa frequência; D) não existem dados relevantes disponíveis sobre experiências de carcinogenicidade em animais pela acção dos campos eléctricos a muito baixas frequências. X. Na sequência dos diversos estudos que vêm sendo desenvolvidos a ICNIRP fez também publicar, em 2010, uma publicação denominada (Linhas de orientação para o estabelecimento de limites de exposição a campos eléctricos e magnéticos variáveis ao longo do tempo (frequências de 1 Hz a 100 Khz)», cuja leitura verdadeiramente se recomenda, e que, naturalmente, não pôde deixar de ser considerada aquando da tomada de decisão pelo Tribunal a quo. Xl. Esta publicação tem pois como objectivo, entre outros, compilar as conclusões dos vários estudos laboratoriais e epidemiológicos, sobre os efeitos directos e indirectos dos CEM; definir os critérios básicos de avaliação da exposição e níveis de referência para avaliação prática dos riscos, bem como definir ainda as linhas de orientação tanto para exposição ocupacional como do público em geral, salientando esta Comissão que as limitações descritas se basearam nas evidências comprovadas relacionadas com os efeitos agudos e que os conhecimentos actuais nos dizem que o cumprimento dos mesmos protege os trabalhadores e a população de efeitos adversos para a saúde provocados pela exposição a CEM de baixas frequência. XII. Este trabalho da ICNIRP confirma, por isso, a necessidade de manutenção dos níveis de precaução já existentes, cujos valores se encontram actualmente, para o público em geral, em 5Kv por metro para o campo eléctrico, e 200 ut para o campo magnético (este valor foi até alterado de 100 ut para 200 ut, nesta última revisão). XIII. O ICNIRP, a OMS e reputadas instituições americanas concluíram que não há ligação entre radiações electromagnéticas e o cancro. Veja-se, igualmente, um Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, de 25/11/2010, in www.dgsi.pt, onde se conclui no mesmo sentido, baseando-se exactamente a decisão nos mais recentes estudos sobre a matéria. XIV. Ainda assim, e porque se reconhece a necessidade de intensificação da aplicação do princípio da precaução e da prevenção de eventuais riscos, a Recorrida não permite que os equipamentos atinjam sequer os valores referenciados na legislação nacional e comunitária, porquanto reconhece a necessidade premente de proteger as populações contra eventuais efeitos ainda não determinados pelo avanço da ciência, sendo uma forma de respeitar as inquietações crescentes da população quanto a estas matérias. XV. O que não é juridicamente aceitável é a imposição, como defendem os Recorrentes, de implementação de um «risco zero)), uma autêntica «não emissão» relativamente aos CEM e relativo também aos próprios equipamentos de exploração energética, pois nessa medida seria necessário o levantamento total da rede de transporte de energia eléctrica. Aliás, a política do «risco zero)) nunca foi um objectivo a que a Europa se tenha proposto, tal como plasmado na douta sentença e por referência, com a Directiva 92/43, de 21 de Maio, que institui a Rede Natura 2000, e que permite o desenvolvimento de actividades ou a realização de projectos no território dos Estados Membros, mesmo que afectem negativamente aquela importante rede ecológica de salvaguarda do património comum europeu. XVI. Como refere a douta sentença recorrida a imposição de um risco zero em qualquer actividade humana é incompatível com a operatividade do princípio da precaução, não sendo possível satisfazer uma reivindicação social de segurança absoluta do ser humano. (Z) Com efeito a estipulação de níveis de exposição máximos na legislação, em resultado de trabalhos científicos coligidos pela Organização Mundial de Saúde garante um padrão de segurança suficiente e socialmente aceitável e inclui já no seu seio a aplicação do princípio da precaução (…). XVII. Os princípios da precaução e da prevenção no caso concreto estão já plenamente consagrados pela adopção de limites aceitáveis de segurança definidos por instituições públicas reconhecidas, com a agravante de que no caso dos Recorrentes os níveis de radiação electromagnética medida na habitação se encontram muitíssimo abaixo dos recomendados pela OMS e adoptados pela União Europeia. XVIII. A sentença recorrida decidiu pois que seria desproporcionado e arbitrário determinar judicialmente o afastamento da linha de alta tensão da casa do Recorrentes por ser escassa a concreta factualidade apurada e por ser legal e socialmente aceitável e admissível e muito inferior aos limites máximos admitidos por lei, o grau de risco suportado pelos Recorrentes, usando de fundamentação doutrinal e legal inimpugnável, pelo que se deverá manter nos exactos termos a decisão do Tribunal a quo, assim se fazendo justiça.» Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. II - ÂMBITO DO RECURSO O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões dos recorrentes (arts. 684º, nº 3 e 690º, nºs 1 e 3, do CPC, na redacção anterior ao Decreto-Lei nº 303/2007, de 24.08, aqui aplicável), coloca como questões a decidir as seguintes: - se há que alterar a matéria de facto fixada na 1ª instância; - se os condutores da linha de alta tensão que passam perto do prédio dos autores devem ser deslocados para uma distância não inferior a cem metros por se encontrar exposto a campos electromagnéticos não aceitáveis e se in casu se justifica a convocação do princípio da precaução para determinar tal afastamento. III - FUNDAMENTAÇÃO A) - OS FACTOS Na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos Mantém-se a identificação dos factos provados tal como consta da sentença recorrida.: 1. Existe o prédio misto, sito no lugar da Pereira, freguesia de Fermentões, concelho de Guimarães, composto por uma casa de rés-do-chão e 1.º andar, com a área coberta de 230 m2 e logradouro com 500m2, e pelo Campo de Gil Afonso ou Girafonso, com a área de 9.760 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o número 004…, o qual confronta do norte com Domingos Martins, do sul com caminho público e do nascente e poente com Maria do Carmo Mendes de Abreu (cf. documento que se encontra junto a fls. 17 a 21 e cujo teor aqui se dá por reproduzido) – alínea A. dos Factos Assentes (F.A.). 2. A aquisição do prédio identificado em 1. está inscrita na Conservatória do Registo Predial de Guimarães, através da inscrição G7, a favor da autora Paula, casada sob o regime da comunhão de adquiridos com o autor Manuel, por lhe ter sido doado por seus pais Alberto e Isilda, por escritura de doação outorgada em 23 de Dezembro de 1994 e lavrada a folhas 63 a 64 do livro 321-B do Cartório Notarial de Fafe, prédio esse que anteriormente estava registado, pela inscrição G6, a favor do referido Alberto, por divisão de coisa comum (documentos que se encontram juntos a fls. 12 a 16 e 17 a 21 e cujo teor aqui se dá por reproduzido) – alínea B. dos F.A.. 3. Por escritura de revogação de doação outorgada em 8 de Fevereiro de 1996 e lavrada a folhas 48 v.º a 49 v.º do livro 350-A do Cartório Notarial de Fafe, a autora Paula, e seus pais, de comum acordo, revogaram a doação referida em 2 (cfr. documento que se encontra junto a fls. 22 a 26 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido) – alínea C. dos F.A.. 4. Por escritura outorgada em 16 de Abril de 1998 e lavrada a folhas 18 e 18 v.º do livro 251-D do 1º Cartório Notarial de Guimarães, os autores Isilda, viúva, Paula Cristina, casada com Manuel, e Alberto, foram habilitados como únicos herdeiros de Alberto Ribeiro, falecido a 16/07/1997 (cfr. documento de fls. 27 a 30 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido) – alínea D. dos F.A.. 5. A ré fez atravessar o prédio identificado em 1. por uma linha eléctrica, composta por seis condutores, com uma tensão nominal de 400.000 volts – alínea E. dos F.A.. 6. Tal linha de alta tensão emite radiações electromagnéticas – alínea F. dos F.A.. 7. No dia 24 de Agosto de 1998, pelas 12:41 horas, no prédio identificado em 1., em zona contígua à casa, de uma das linhas para o solo, através de uma árvore, houve uma descarga eléctrica, seguida de uma grande explosão, incêndio e provocação de uma grande vibração num raio de cerca de 100 metros – alínea G. dos F.A.. 8. Tal descarga, seguida de explosão, incêndio e vibração, provocou diversos danos no local, nomeadamente, destruiu uma árvore e várias videiras, destruiu parte de uma ramada e queimou diversos electrodomésticos – alínea H. dos Factos Assentes. 9. Em 26/09/2001, foram realizadas medições do campo eléctrico no prédio identificado em A), tendo-se registado os seguintes valores: no interior da habitação, inferior a 100 volts por metro; na varanda, junto ao peitoril, 2.300 volts por metro; na varanda, não junto ao peitoril, 3.000 volts por metro; e no telhado, a 1,8 metros acima, 8.000 volts por metro – alínea I. dos F.A.. 10. Posteriormente à colocação da linha referida em 5., a ré substituiu as cadeias de suspensão por cadeias de amarração, com o objectivo de fazer subir essa linha, tendo subido a altura dessa mesma linha em, mais ou menos, 4 metros – alínea J. dos F.A.. 11. No Diário de Notícias de 8/03/2001, foi publicado um artigo com as conclusões da investigação dos cientistas britânicos professor Denis Henshaw e Peter Fews (cf. documento de fls. 58 cujo teor aqui se dá por reproduzido) – alínea L. dos F.A.. 12. Para manter a segurança da linha referida em 5., a ré mandou proceder a uma inspecção a tal linha, inspecção essa que estava a decorrer em 24/08/1998 e que havia sido iniciada em 9/07/1998, tendo os funcionários da ré procedido aos cortes e decotes das árvores que punham em perigo a segurança da linha – alínea M. dos F.A.. 13. No exercício dessa inspecção que abrangia os vários quilómetros de extensão da linha, os funcionários da ré encontravam-se, no dia 24/08/1998, a cerca de 5 km do local onde ocorreu a descarga eléctrica referida em 7. – alínea N. dos F.A.. 14. A União Europeia emitiu uma recomendação, subscrita por Portugal, que define os limites de exposição do público em geral aos campos electromagnéticos (CEMs) – cfr. documento que se encontra junto a fls. 134 a 145 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido – alínea O. dos F.A.. 15. Os autores têm a sua residência própria e permanente na casa implantada no prédio misto identificado em 1. – resposta ao artº. 1º da Base Instrutória (B.I.). 16. Na totalidade do prédio referido em 1. verificam-se radiações electromagnéticas – resposta ao artº. 2º da B.I.. 17. Em 26/09/2001, foram realizadas medições do campo de indução magnético no prédio identificado em 1., tendo-se registado os seguintes valores máximos: no exterior da habitação (terreno), 5,06 microteslas (uT); no interior da habitação (escritório, sala e garagem) 1,7 microteslas; na varanda, 2,38 microteslas; em 12 e 13/04/2010, foram realizadas medições do campo de indução magnético no prédio identificado em 1., tendo-se registado os seguintes valores máximos: no exterior da habitação, em cima do telhado, 1,03 microteslas, e perto do estacionamento, a três metros acima do nível do solo, 1,15 microteslas; no interior da habitação (canto da sala, a 1,80 metros acima do solo) 0,83 microteslas; na varanda, 0,92 microteslas – respostas aos arts. 3º a 5º da B.I.. 18. As altas temperaturas de verão podem provocar a dilatação dos condutores e os ventos fortes podem aproximar os condutores da habitação e, em ambos os casos, de modo pontual e temporário, aumentar os valores da radiação electromagnética efectivamente medidos, num máximo nunca superior a dez por cento – resposta ao artº. 6º da B.I.. 19. Os Autores e as pessoas que se deslocam na envolvente da casa referida em 1. sofrem choques eléctricos de tensão mínima e baixa intensidade em dias de maior humidade e quando tocam em zonas metálicas sem ligação à terra – resposta ao artº. 9º da B.I.. 20. Um primo dos Autores, portador de pace-maker, sentiu uma dor ao aproximar-se da casa dos Autores – resposta ao artº. 11º da B.I.. 21. A Autora Isilda apresentou na Câmara Municipal um pedido de informação prévio de viabilidade para aproveitamento do sótão para uma sala de estar – resposta ao artº. 13º da B.I.. 22. O facto de as pessoas viverem perto de linha de alta tensão é, por vários estudos epidemiológicos, associado ao risco de contrair leucemia infantil e cancro – resposta ao artº. 18º da B.I.. 23. Vários estudos epidemiológicos concluíram que a exposição a campos electromagnéticos acima de 0,4 microteslas pode duplicar o risco de contrair leucemia infantil linfoblástica aguda – resposta ao artº. 19º da B.I.. 24. Os Autores, dia a dia, quer no passado, quer no presente, de modo continuado sentem medo e receio de contraírem doenças, nomeadamente, cancro, o que lhes causa ansiedade e instabilidade – respostas aos arts. 20º a 22º da B.I.. 25. A edificação implantada no prédio misto identificado em 1. situa-se fora da faixa de protecção da linha referida em 5., a qual tem 45 metros de largura, sendo 22,5 metros para cada lado do seu eixo – resposta ao artº. 23º da B.I.. 26. Por extrapolações operadas pelo Labelec a partir dos resultados das medições efectivamente realizadas chegou-se aos seguintes valores de campo de indução magnética máximo previsível para a carga máxima da linha em período de Inverno (1150 MVA): no exterior da habitação (terreno), 20,2 microteslas (uT); no interior da habitação (escritório, sala e garagem) 7,84 microteslas; na varanda, 9,52 microteslas – resposta ao artº. 25º da B.I.. 27. À data das medições referidas em 17., os limites máximos recomendados pela Organização Mundial de Saúde e pela União Europeia eram de 5 kV/m para o campo eléctrico e 100 uT para o campo electromagnético quanto à exposição da população em geral e de 10 kV/m e de 500 uT quanto à exposição ocupacional, sendo, desde de Novembro de 2010, de 5 kV/m para o campo eléctrico e 200 uT para o campo electromagnético quanto à exposição da população em geral e de 10 kV/m e de 1 mT quanto à exposição ocupacional – resposta ao artº 26º da B.I.. 28. Quando a servidão administrativa foi constituída atendeu-se à “flecha máxima” da linha, isto é, teve-se em consideração a temperatura ambiente máxima, os ventos fortes e a carga máxima da linha – resposta ao artº 27º da B.I.. 29. Actualmente, o condutor que se situa mais próximo da casa referida em 1. passa a cerca de 39,60 metros dessa mesma casa, medidos a partir da linha perpendicular ao solo do mesmo – resposta ao artº. 28º da B.I.. 30. Há risco de curto-circuito e explosão quando qualquer objecto invade a zona de segurança adjacente à linha de alta tensão – resposta ao artº. 29º da B.I.. 31. Na altura em que a linha referida em 5. foi inaugurada, em Junho de 1997, o marido, pai e sogro dos autores Alberto Ribeiro cuidava da vinha do prédio identificado em 1., podando regularmente as árvores que eram suporte dessa mesma vinha – resposta ao artº. 30º da B.I.. 32. Uma das árvores que suportava a ramada da vinha lançou, a partir do seu cabeço, um rebento que atingiu, em cerca de um ano, mais de 3 metros de altura e, ao aproximar-se da linha referida em 5., provocou a descarga eléctrica referida em 7. – resposta aos arts. 32º e 33º da B.I.. 33. A Ré, a pedido dos Autores, fez vistorias no quintal do prédio referido em 1., nomeadamente na rede de vedação do galinheiro – resposta ao artº. 34º da B.I.. 34. Os choques referido em 19. não assumem nem representam qualquer perigo e não causam danos à saúde de quem os sente – resposta ao artº. 37º da B.I.. 35. O nível de referência adoptado pelo ICNIRP e pela OMS para o limite de exposição ocupacional para o campo eléctrico é de 10 kV/m – resposta ao artº. 38º da B.I.. 36. O valor de 8.000 volts por metro (ou 8kV/m) referido em 9. foi alcançado numa medição feita à altura de 1,8 m acima do telhado – resposta ao artº. 39º da B.I.. 37. As paredes e o telhado têm um efeito de blindagem (efeito de shielding) relativamente aos campos eléctricos, que faz reduzir o valor da intensidade do campo eléctrico entre 20 e 50 vezes, por forma que o valor do campo eléctrico dentro do sótão da casa de habitação referida em 1. será sempre inferior a 8.000 volts por metro – respostas aos arts. 40º e 41º da BI.. 38. Não foi cientificamente comprovada qualquer relação causa-efeito entre danos para a saúde e a exposição a campos electromagnéticos de baixa intensidade - respostas aos arts. 42º e 43º da B.I.. 39. Está cientificamente provado que os CEMs não podem provocar lesões na estrutura do material biológico - resposta ao artº. 44º da B.I.. 40. A zona onde se situa o prédio identificado em A) não pode ser qualificada como de forte poluição do ar – reposta ao artº. 45º da B.I.. 41. A descarga eléctrica referida em 7. danificou definitivamente uma máquina de lavar e um frigorífico que os Autores possuíam no prédio referido em 1., cujo custo global foi de € 1.103,26, e estragou o motor com que os Autores bombeiam água do poço do logradouro do prédio referido em 1., cuja reparação custou € 207,00 (Esc. 41.500$00) – respostas aos arts. 49º e 50º da B.I.. 42. A descarga eléctrica referida em 7. queimou 45 enxertos de videiras, com o valor de cerca de € 180,00 (cento e oitenta euros) e 4 pés de roseira, no valor total de cerca de € 100,00 – respostas aos arts. 51º e 52º da B.I.. 43. E queimou 2 árvores de suporte de videiras, com o valor de € 25,00 e destruiu 47 videiras, colocadas em ramada, afectas à produção de vinha das castas borraçal e tinto – respostas aos arts. 53º e 54º da B.I.. 44. Tais videiras eram novas e produziam, em média, 282 litros de vinho – resposta ao artº. 55º da B.I.. 45. Os Autores vendiam o litro desse vinho por € 2,00 – resposta ao artº. 56º da B.I.. 46. O tempo médio de vida dessas videiras é de cerca de 50 anos – resposta ao artº. 57º da B.I.. 47. A destruição dessas videiras causou aos Autores um prejuízo de cerca de € 1.452,30 (mil, quatrocentos e cinquenta e dois euros e trinta cêntimos) – resposta ao artº. 58º da B.I.. 48. Os condutores da linha de alta tensão estão, actualmente, fora do espaço aéreo da propriedade dos Autores, no qual apenas se encontra instalado um dos esticadores dessa linha – cfr. auto de inspecção judicial a fls.1986. B) O DIREITO Da alteração da matéria de facto fixada na 1ª instância. Defendem os autores/recorrentes que a prova produzida nos autos impunha resposta diversa aos artigos 18º, 26º, 42º, 43º, 44º e 45º da base instrutória. Segundo os recorrentes, a prova pericial foi a “mais objectiva, credível e incontroversa”, revelando-se também de grande importância a prova documental junta aos autos pelas partes, a qual consistiu em estudos científicos, “não obstante a respectiva interpretação e confronto pelo tribunal pudesse esbarrar na diversidade de opiniões, a requerer conhecimento específicos das diversas matérias abordadas que, neste caso, só os senhores peritos puderam fornecer com isenção.” Já quanto à prova testemunhal, defendem os recorrentes que “se a maioria das testemunhas arroladas pelos Recorrentes, foram indicadas a factos relacionados com a falada descarga eléctrica e a percepções e efeitos das radiações electromagnéticas, a totalidade das testemunhas apresentadas pela Recorrida eram funcionários desta, que depuseram em consonância com as posições tomadas pela Recorrida nos autos sobre as questões em análise.” Considerando o corpo das alegações e as suas conclusões, não há dúvida que os recorrentes cumpriram os ónus impostos pelo nº 1 do art. 685º-B do CPC, já que: - indicaram os concretos pontos da materialidade fáctica que consideram incorrectamente julgados, com referência ao que foi decidido na sentença recorrida; - e referiram os concretos meios de prova que, na sua óptica, impunham decisão diversa, tendo mesmo transcrito parte dos esclarecimentos prestados pelos senhores peritos na audiência de julgamento, os quais pretendem ver reapreciados e que se mostram gravados no CD de suporte. No que respeita à questão da alteração da matéria de facto face à incorrecta avaliação da prova produzida, cabe a esta Relação, ao abrigo dos poderes conferidos pelo art. 712º do CPC, e enquanto tribunal de 2ª instância, reapreciar, não apenas se a convicção expressa pelo tribunal a quo tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova e os restantes elementos constantes dos autos revelam, mas, também, avaliar e valorar (de acordo com o princípio da livre convicção) toda a prova produzida nos autos em termos de formar a sua própria convicção relativamente aos concretos pontos da matéria de facto objecto de impugnação, modificando a decisão de facto se, relativamente aos mesmos, tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento da matéria de facto. Presente deve ter-se, outrossim, que o sistema legal, tal como está consagrado, com recurso à gravação sonora dos meios probatórios oralmente produzidos, não assegura a fixação de todos os elementos susceptíveis de condicionar ou influenciar a convicção do julgador perante o qual foram produzidos os depoimentos em causa, sofrendo a apreciação da matéria de facto pela Relação, naturalmente, a limitação que a inexistência da imediação de forma necessária acarreta, além de que no caso em apreço, o Mm.º Juiz pôde ainda constatar a situação existente no local através da inspecção judicial aí realizada (cfr. fls. 1986). Feitas estas breves considerações, vejamos então a factualidade posta em causa e o que se afere dos meios de prova que na 1ª instância estiveram na base das respostas que foram dadas aos referidos quesitos. Uma vez que estão intimamente relacionadas as matérias dos artigos 18º, 42º, 43º e 44º da base instrutória, procederemos à sua análise conjunta. Assim, no artigo 18º formulou-se a seguinte pergunta: «Há milhares de casos por ano que podem ser associados ao facto das pessoas viverem perto de linhas de alta tensão, designadamente o risco de leucemia infantil, os cancros da pele e do pulmão, doenças causadas pela poluição atmosférica, e casos de suicídio e depressão?». A resposta a este artigo foi: «Provado apenas e com o esclarecimento que o facto de as pessoas viverem perto de linha de alta tensão é, por vários estudos epidemiológicos, associado ao risco de contrair leucemia infantil e cancro». No artigo 42º, por sua vez, fez-se a seguinte pergunta: «Não existem quaisquer consequências para a saúde em resultado da exposição a CEMs Campos electromagnéticos. de baixa intensidade?». E no artigo 43º formulou-se a seguinte pergunta: «Só poderá haver danos para a saúde se os CEMs provocarem exposição dos seres humanos acima de 5 quilovolts por metro para o campo eléctrico e de 100 microtesla para o campo magnético?». Foi dada a seguinte resposta a estes artigos: «Provado apenas que não foi cientificamente comprovada qualquer relação causa-efeito entre danos para a saúde e a exposição a campos electromagnéticos de baixa intensidade». No artigo 44º formulou-se a seguinte pergunta: «Está cientificamente provado que os CEMs não podem provocar lesões na estrutura do material biológico?». A resposta a este artigo foi afirmativa. O Mm.º Juiz fundamentou aquelas respostas, assim como a resposta ao artigo 19º, do seguinte modo: «As respostas as artigos 18º, 19º, 42º, 43º e 44º da Base Instrutória resultaram essencialmente da leitura atenta e crítica do teor da variada documentação técnica junta aos autos (cfr. fls.111 e seg., fls. 500 e seg., 592 e seguintes, fls. 938 e seg., fls.1732 e seg. e fls.1990 e seg.) com os relatórios periciais subscritos pelos Prof. Massano Cardoso e Lemos Antunes (complementados pelos esclarecimentos presenciais prestados por estes conceituados Srs. Peritos), bem como do teor de fls.1525 e seguintes e fls.1636 e seguintes (referentes a certidões extraídas do processo conhecido por Bizarria que correu termos no Círculo Judicial de Ponta Delgada), tendo-se também tomado em consideração, em menor medida, os depoimentos das testemunhas indicadas a essa matéria. Assim sendo e uma vez que todo esse manancial probatório vai no sentido unânime e único – sem qualquer contestação – de que não há, até à data, a qualquer evidência medico-científica de que a exposição contínua a campos electromagnéticos seja causa ou concausa de qualquer doença, o julgador ficou convicto do que se responde em 42º e 43º, sendo certo, por outro lado, que o contrário também nunca foi demonstrado, o que determinou a resposta ao artigo 42º da Base Instrutória. O que ressalta de toda a documentação junta aos autos – e também do relevante, completo e recentíssimo estudo do Prof. Pinto de Sá (a fls.1732 e seguintes) – é que na matéria em causa (e apesar dos muitos estudos realizados na Europa e nos Estados Unidos na América) não há certezas do que quer que seja, sendo manifesta, por inúmeras razões que seria fastidioso e escusado replicar aqui (mas, desde logo, a impossibilidade de experimentação humana), a dificuldade de elaborar estudos científicos e epidemiológicos seguros para a avaliação rigorosa e concludente dos efeitos na saúde humana dos campos electromagnéticos. Nessa medida (o que é bem relevante pois que é também isso que vem questionado sob o artigo 18º da Base Instrutória) o ponto tónico da questão tem vindo a ser colocado no plano epidemiológico, o qual não assenta já numa relação de causa-efeito, mas sim no âmbito de uma relação de associação, conforme é explicado de modo profundo a fls. 953 e seg. pelo Prof. Massano Cardoso, adoptando-se também nas respostas aos artigos 18º e 19º da Base Instrutória o conceito de risco conforme definido a fls. 527 na Nota Informativa nº. 5/2001 do Parlamento Europeu (e não confundível com o termo «perigo»), ou seja, enquanto mera “eventualidade (ou probabilidade) de as pessoas sofrerem danos físicos resultantes de um determinado perigo”. Assim, no que se refere à resposta ao artigo 18º da Base Instrutória considerou-se, para a não prova da associação a casos de suicídio e depressão, o concludentemente referido a fls.1653 e 1766, não constando da demais documentação junta aos autos elementos capazes de inferir aquelas conclusões. Todavia e no que se refere à associação da proximidade das linhas de alta tensão ao risco de ocorrência de cancros, fez-se uso do sustentadamente defendido, respectivamente e em especial, pelos Prof. Lemos Antunes (a fls. 887 a 889 e 1543 verso a 1545), Massano Cardoso (a fls. 925 e 926) e Pinto Sá (a fls. 1760 a 1766, 1782 e 1783), bem como do que consta a fls.1654 (subscrito pelos Prof. Carolino Monteiro e Barata Tavares e pelo Engº. Jorge Santiago Pires) onde, embora se realce a contradição entre os resultados dos estudos epidemiológicos e os dados resultantes dos estudos experimentais, não se põe em causa a validade daqueles estudo epidemiológicos. De todo o modo, nas respostas aos artigos 18º e 19º considerou-se não propriamente a associação dos efeitos apenas dos campos electromagnéticos, mas primordialmente a associação aos decorrentes da proximidade das linhas de alta tensão, revelando, por isso, a circunstância evidenciada, além do mais, a fls.1783 no que se refere ao fenómeno da ionização do ar decorrente do chamado efeito-coroa e à consequente formação de partículas poluentes do tipo aerossol, passíveis de serem inaladas pelos humanos. Como é evidente, as contribuições de todos estes Ilustres Professores resultam de aprofundado estudo sobre a matéria e da interpretação que cada um deles faz dos estudos publicados e desenvolvidos por outros cientistas, sendo a decisão do julgador assente num processo não acrítico de síntese, onde se deu prevalência aos denominadores comuns e prevalecentes nessas superiores opiniões, vista ademais o grau de incerteza científica ainda predominante, maxime em sede da relação causa-efeito.» Analisados os relatórios periciais, a vasta documentação técnica junta ao processo e ouvidos na íntegra os esclarecimentos prestados pelos Professores Massano Cardoso e Lemos Antunes bem como os depoimentos das testemunhas que depuseram à matéria em causa – António Manuel, José Luís, António Albino, Agostinho Manuel e José Carlos - adiantamos já que se nos afiguram correctas as respostas dadas pelo Mm.º Juiz aos artigos 18º, 42º, 43º e 44º da base instrutória. Assim, começando por analisar o relatório do Prof. Lemos Antunes, o qual, em certa medida, mais se aproxima da posição sustentada pelos recorrentes, verificamos que sob o título “Sobre os Efeitos Potenciais decorrentes de exposição prolongada a campos electromagnéticos ELF, a fls. 887-889, se escreveu o seguinte: «- Os efeitos biológicos de campos electromagnéticos de baixa frequência são assunto e tema de grande preocupação e controvérsia desde 1979, quando a epidemiologista Nancy Wertheimer apresentou os primeiros trabalhos de investigação em que reportava uma ligação entre campos electromagnéticos ELF e a leucemia infantil. Desde então tem vindo a crescer a consciencialização das pessoas e o interesse da comunidade científica sobre os possíveis riscos associados à exposição de longa duração, a campos electromagnéticos ELF, como são os emanados de Linhas de Alta Tensão. - Durante muitos anos os resultados dos estudos epidemiológicos que avaliam a relação entre campos ELF e a sua incidência sobre a leucemia nas crianças foram variáveis e até contraditórios. - O tema é complexo demais para se poder responder de forma segura como as pessoas querem e pretendem, isto é, são prejudiciais? Sim ou não? Tipo preto ou branco. Nós cientistas tenderemos sempre a responder, decorrente até do próprio processo científico e evolução do conhecimento, em níveis de cinzento. Parece assim importante e oportuno fazer um enquadramento actual sobre o tema dos efeitos biológicos decorrentes da exposição prolongada a campos electromagnéticos ELF. - Considerando a totalidade das evidências existentes e reportadas até hoje, há indicações fortes que o risco para a saúde humana existe, quando sujeita a exposições prolongadas a campos magnéticos ELF superiores a 0.2 uT. - Os campos magnéticos ELF emanados por Linhas de AT são classificados em 2001, pela Agência Internacional de Pesquisa sobre o Cancro (Organização Mundial de Saúde) como possivelmente carcinogénicos. - Há evidência extremamente forte de que a exposição a campos magnéticos ELF com uma intensidade superior a 0.2 uT duplica o risco de uma criança contrair leucemia. Da análise conjunta de estudos de casos de controlo conduzidos desde 1995 (16 em 19) identifica-se uma relação estatística significativa entre campos magnéticos de intensidade compreendida entre 0.2 e 0.4 uT, e um factor 2 – 4 de aumento do risco em contrair leucemia. Por exemplo, refere-se o estudo de Ahlbom e tal em 2000, financiado pela Comissão Europeia, onde os especialistas chegam a uma conclusão uniforme que o risco de leucemia nas crianças pode aumentar para o dobro, quando estas estão expostas por longos períodos a campos magnéticos superiores a 0.4 uT. (…). - Há uma evidência substancial que liga os campos magnéticos ELF de intensidade superior a 1.2 uT e o cancro de peito.» O mesmo Prof. Lemos Antunes, quando prestou esclarecimentos no início da audiência de julgamento, referindo-se ao IARC (International Agency for Research on Cancer), que reputou acima de qualquer suspeita, referiu que nos últimos trabalhos e estudos que fez, apesar de não haver uma relação causal objectiva entre o nível do campo e a sua afectação em relação ao desenvolvimento do cancro, em particular no que toca à leucemia infantil, recomenda que os campos L sejam considerados possivelmente carcinogénicos, por estar confirmado que a sua presença aumenta esse risco, sem que se possa garantir uma relação causa-efeito, sendo neste momento impossível dizê-lo: “Não há ninguém cientificamente honesto que o possa dizer. E eu também não o vou dizer. Para já, não sou médico e por outro lado, por aquilo que leio, não me parece possível dizer. Também sou consciente. Agora que há aumento de risco, ai isso há. Isso há. E todos os relatórios efectivamente provam. Provam”. Também o Prof. Massano Cardoso, respondendo ao primeiro quesito da perícia, onde se perguntava se na elaboração do Relatório de Medição da “Lablec” haviam sido tidos em consideração os critérios científicos mais recentes sobre esta matéria, designadamente no concernente ao perigo de exposição do ser humano às radiações electromagnéticas, escreveu, a fls. 925-926, o seguinte: «Face à leitura do relatório técnico, sobre as medições efectuadas, não encontro matéria para duvidar dos critérios utilizados. No entanto, como epidemiologista, informo que os pontos de corte relativamente aos campos magnéticos variam de autor para autor e de país para país, havendo evidências científicas de risco acrescido de leucemia infantil para valores superiores a 0.2 microTesla. Foco esta situação por se tratar de todas as afecções aquela para a qual a evidência científica parece inquestionável. De facto, quanto a outras afecções, e são muitas, para as quais têm sido atribuída alguma responsabilidade às radiações electromagnéticas, existem estudos que apontam para uma associação, enquanto outros não são tão conclusivos. As razões prendem-se, muito provavelmente, com as dificuldades inerentes a estes tipos de estudos, com a complexidade no seu desenho e execução, com a potência estatística exigida, com o controlo de variáveis de confundimento e de inúmeros vieses. Com base no princípio da precaução e face aos resultados de muitos estudos já efectuados não é de excluir a associação entre a exposição às radiações electromagnéticas e vários tipos de afecções». Por seu turno, respondendo directamente à questão c) do objecto da perícia (Com base no princípio de precaução e face aos resultados de muitos estudos já efectuados não é de excluir a associação entre a exposição a radiações electromagnéticas e vários tipos de afecções”, escreveu o mesmo Professor a fls. 952: «Quando se faz a afirmação de “risco de leucemia” significa apenas que a media de associação utilizada, risco relativo, aumenta quando se estabelece um determinado valor variável em causa, neste caso a distância”, No entanto, repito, estamos a falar de medidas de associação. Relativamente ao conceito de causalidade a abordagem é muito mais complexa, porque em medicina , não havendo causalidade única, é preciso utilizar os denominados critérios de Bradford Hill.» O mesmo ilustre Professor, durante os esclarecimentos prestados em julgamento, a dado momento, depois de fazer uma analogia com o cancro do pulmão e os fumadores e não fumadores, concluiu que no conjunto das pessoas expostas a campos electromagnéticos o risco é ligeiramente maior, sendo essa a única coisa que os cientistas podem dizer, e perguntado sobre o caso concreto em apreciação, afirmou que o risco existente é pequeno. Por sua vez, no “Parecer Sobre relatório de Perícia Relativo a Eventual Exposição a Campos Electromagnéticos da Habitação Família Bizarra”, a fls. 16536 e segs., cujo processo judicial correu termos no 1º Juízo do Tribunal Judicial de Ribeira Grande, subscrito pelos Profs. Carolino Monteiro e Barata Tavares e pelo Eng.º Jorge Santiago Pires, escreveu-se o seguinte: «Não há evidência para uma associação entre cancro da mama, cancro cerebral e leucemia na população adulta e uma exposição a campos magnéticos ELF. Tal é válido também para todos os outros cancros. É de salientar que também não há evidência que a exposição a campos magnéticos ELF em combinação com carcinogénicos conhecidos potencie a acção destes. Contudo, os estudos efectuados até ao momento não foram suficientemente esclarecedores para que a classificação da IARC fosse alterada. De facto, há um conflito entre os dados epidemiológicos, os quais mostram uma associação entre a exposição a campos magnéticos ELF e um aumento da leucemia infantil, e os dados resultantes de estudos experimentais, os quais não sustentam a causalidade desta associação estatística – facto que é imprescindível para comprovar que naquela observação epidemiológica há, ou não, uma causalidade para além da associação estatística (critérios de Hill) [cfr. fls. 1654]». É também esta a posição sustentada no minucioso estudo/relatório do Prof. José Luís C. Pinto de Sá a fls. 1732 e segs, denominado “CAMPOS ELECTROMAGNÉTICOS DE EXTREMAMENTE BAIXA FREQUÊNCIA, SAÚDE PÚBLICA E LINHAS DE ALTA TENSÃO” Este estudo/relatório, como é referido pelo seu autor, baseia-se fundamentalmente nos resultados publicados numa monografia publicada pela OMS no âmbito de um projecto de investigação iniciado em 1996 e desenvolvido em colaboração com diversas outras entidades, conhecido como o “Projecto Internacional de CEM” (cfr. fls. 1740)., onde se pode ler, nomeadamente, o seguinte: «A possibilidade da exposição a campos electromagnéticos de baixa intensidade aumentar o risco de cancro foi sujeita a profusa investigação epidemiológica e experimental nas décadas de 80 e 90, e os seus estudos foram extensamente revistos por grupos de peritos internacionais. A associação entre a leucemia infantil e os campos magnéticos das correntes residenciais, identificada primeiramente por Wertheimer & Leeper (1979) e encontrada subsequentemente num certo número de estudos epidemiológicos, promoveu a avaliação experimental e epidemiológica da investigação e do risco neste tema, tendo conduzido em 2002 à classificação dos campos magnéticos da corrente eléctrica, pela International Agency for Research on cancer (IARC), como “possivelmente carcinogénicos para os seres humanos”. Idêntica classificação fora já realizada pelo NIEHS norte-americano Um dos membros que votou favoravelmente a decisão foi mais tarde acusado pela comunidade científica de falsificação intencional de resultados de investigação que reportavam efeitos celulares dos CEMEBF. (…). , em 1998. (…). Considerando os baixos níveis de energia das interacções moleculares, a OMS considera fisicamente altamente implausível que campos de extremamente baixa frequência (CEMEBF) causem danos genéticos directos (isto é, danifiquem as moléculas de ADN de que os genes são feitos). Contudo, tem sido teorizado que os CEMEBF poderiam potenciar danos genéticos causados por outra fontes (por exemplo radicais endógenos), ou que interferências epigenéticas (não-genotóxicas) na transdução de sinais poderiam reforçar a formação do cancro, De facto, uma vez que o potencial maligno tenha sido estabelecido num tumor primário, a progressão da doença pode ser influenciada por outros factores, como a vigilância imunitária e a dependência hormonal. Tem sido colocada a hipótese, por isso, de os CEMEBF poderem interferir com estes factores que desempenham um papel no desenvolvimento dos estágios finais da formação de tumores. De qualquer forma, as considerações da IARC em 2002, mantidas pela OMS em 2007 face aos resultados de investigações posteriores, como se referirá adiante, e que serviram de base à classificação do campo magnético como “possivelmente cancerígeno”, resumem-se no segui te, segundo a própria OMS: · Existe uma evidência limitada (sublinhados da OMS) para a carcinogenicidade humana de campos magnéticos de frequência extremamente baixa (CMEBF), em relação com a leucemia infantil. · Não existe evidência adequada para a carcinogenicidade humana de campos eléctricos e magnéticos estáticos e a muito baixas frequências (até 3 kHz). · Não existe evidência adequada em experiências com animais para carcinogenicidade de campos magnéticos a muito baixas frequências. · Não existem dados disponíveis relevantes sobre experiências de carcinogenicidade com animais e campos e campos eléctricos a muito baixas frequências. Estas cinco conclusões conduzem ao seguinte sumário: · Os campos magnéticos de extremamente baixas frequências são possivelmente carcinogénicos para os seres humanos (grupo 2B). · Os campos eléctricos de extremamente baixas frequências não são classificáveis quanto à carcinogenicidade humana (grupo 3)» [cfr. fls. 1760-1761]. E, mais adiante, a fls. 1762: «Como se vê, os CMEBF emparelham em perigosidade atribuída com agentes como o café ou os vegetais de conserva e, na verdade, a classificação de “possibilidade” de carcinogenicidade significa apenas que não está provado que sejam inócuos.». Prosseguindo a sua análise o Prof. Pinto de Sá, dá-nos conta do estudo Draper et al, realizado depois da tomada de posição da IARC, publicado em 2005, considerado por muito investigadores uma referência decisiva na matéria, cujos resultados constam da tabela 4.14, a fls. 1781. Como escreve aquele ilustre Professor, «…, o que muitos investigadores consideram, a começar pela própria Associação britânica de engenheiros electrotécnicos, o ITE, e também pela National Grid, é que estes resultados demonstram duas coisas: 1) Que, indubitavelmente, parece existir uma associação entre a proximidade geográfica das linhas de Muito Alta tensão e um aumento da incidência de leucemia infantil, no Reino Unido; 2) Que é improvável que essa associação tenha a ver com os campos magnéticos gerados pelas linhas, devendo resultar de outros factores (ditos “de confusão”) que terão uma correlação com a proximidade geográfica das linhas, ou seja, que existirá uma relação, mas não uma relação de causa-efeito. Este corolário deriva de, a distância como as consideradas, para lá de entre 50 a 100 metros, o campo magnético originado pelas linhas já ser tão fraco que se torna indiscernível dos campos gerados pelos usos correntes de energia eléctrica, nomeadamente electrodomésticos.» [cfr. fls. 1782].» E, mais adiante, a fls. 1783: «Em todo o caso, é de sublinhar que uma outra conclusão extraível deste estudo é que, numa população quase sêxtupla da portuguesa e ao longo de 1/3 de século, o número de casos de leucemia infantil associável, em média, à proximidade das linhas de Muito Alta Tensão, teria sido de 69. Ou seja, 0.7%, uma média de 2,09 por ano, dos quais eventualmente terá resultado, em média, uma morte cada 2 anos. Supondo admissível a extrapolação para Portugal, onde ocorrem em média cerca de 50 diagnósticos anuais de leucemia infantil com uma taxa de mortalidade de 30%, estes números implicariam um caso de leucemia infantil associado às linhas de Muito Alta tensão cada 3 anos, com um óbito entre cada 10 20 anos…». Consistente com estas afirmações se mostrou, outrossim, o “testemunho” pericial, onde podemos integrar os engenheiros inquiridos, que podemos considerar testemunhas com especiais conhecimentos técnicos Sobre peritos e testemunhas, ver, com interesse, Francesco Carnelutti, La Prueba Civil, Ediciones Depalma, Buenos Aires, 1982, págs. 82 a 89, 126 a 130 e 244., e que o Tribunal a quo teve também em consideração, embora em menor medida. A prova pericial, como aliás a documentação constituída por estudos e pareceres técnicos juntos ao processo, acabaram por funcionar pois, fundamentalmente, como “meio de integração da actividade” do juiz Francesco Carnelutti, ob. cit., pág. 89., permitindo-lhe a compreensão e o enquadramento técnico dos mecanismos subjacentes aos factos em causa (“o que caracteriza um parecer é a sua especificidade analítica que irá ajudar o julgador - porque essa especificidade, naturalmente, escapa ao seu conhecimento, nomeadamente em termos de cultura geral - a extrair as suas conclusões dos factos provados, decidindo” Ac. TC nº 934/96, Alves Correia, DR, II Série, pág. 17064. . Para além das perícias propriamente ditas, as explicações que podem ser dadas a propósito e as opiniões entretanto explicitadas por outros peritos, formam um todo de prova, na qual, a metodologia, as conclusões, as explicações, são factores a ter em conta e a passar pelo crivo da convicção, que procura avaliar a significação, a causalidade, a probabilidade estatística, de cada um desses factores. Do indício, da primeira aparência, do vestígio, da axiomatização, até à dedução, a prova científica só ganha pé quando finalmente permite a aproximação segura aos sedimentos de facto que o resto da instrução permite colectar, para a firmar ou informar, fornecendo, em qualquer caso, a explicação de uma ou outra variante de juízo. Neste estado de coisas, o julgador de facto, que é o “guardador da porta” das provas trazidas ao processo, terá mais ou menos possibilidade (sob um ponto de vista racional), de utilizar a sua livre convicção na razão inversa do peso constrangedor da prova científica, se esta for mais ou menos unidireccional para determinado tipo de conclusão. Quando mais coerente, menos o julgador terá margem de manobra para a sua apreciação, ou, dito de outra forma, quanto mais contraditória, menos peso probatório terá. No caso concreto, atendendo ao pendor maioritário das conclusões que se podem extrair da prova pericial e científica carreada para os autos, estão plenamente justificadas as respostas dadas pelo Mm.º Juiz aos artigos 18º, 42º, 43º e 44º da base instrutória. Uma resposta a esses artigos onde se afirmasse uma simples relação de causa-efeito entre a exposição a campos electromagnéticos e a saúde das pessoas, nomeadamente o aparecimento de cancro, além de não estar comprovado, como demonstra a vasta documentação científica junta ao processo, muito menos na ordem de grandeza alegada pelos recorrentes, constituiria uma afirmação demasiado temerária que nem os que defendem de forma mais vigorosa os riscos que para a saúde pública podem resultar da exposição aos campos magnéticos se atrevem a fazer. Nem se diga que o modo como se respondeu aos artigos 42º e 43º desvalorizam as respostas dadas aos artigos 18º e 19º, ou que isso “encerra uma flagrante contradição relativamente aos pressupostos do conhecimento científico sobre o assunto em análise, no ramo do conhecimento científico que aqui nos interessa e que é a medicina”. Quanto ao primeiro ponto, afigura-se evidente que não foram desvalorizadas as respostas aos artigos 18º e 19º pelo modo como se respondeu aos artigos 42º e 43º, existindo perfeita lógica e harmonia entre tais respostas, parecendo esquecerem os recorrentes que uma coisa é a existência de estudos epidemiológicos que associam o risco de contrair leucemia infantil e cancro às pessoas que vivem perto das linhas de alta tensão, e outra, bem diferente, a existência de estudos que comprovem uma relação causa-efeito dessa associação. Quanto ao segundo ponto, escusamo-nos a repetir tudo o que acima deixámos dito relativamente aos pressupostos do conhecimento científico, sendo que o conjunto da prova pericial e documental existente no processo apenas permite afirmar que há estudos epidemiológicos realizados que associam o facto das pessoas que vivem perto das linhas de alta tensão poderem contrair leucemia infantil e cancro, e que apenas uma exposição a campos electromagnéticos acima de 0,4 microteslas pode duplicar o risco de contrair leucemia infantil linfoblástica aguda, facto este que não é sequer posto em causa pelos recorrentes, já que não impugnaram a resposta dada ao artigo 19º da base instrutória. E quanto ao artigo 44º, a resposta dada pelo Mm.º Juiz de que está cientificamente provado que os CEM não podem provocar lesões na estrutura do material biológico encontra respaldo, nomeadamente, na publicação da Organização Mundial de Saúde, Centro Regional para a Europa, sobre os Campos Electromagnéticos, junta a fls. 111 a 126, onde se escreveu o seguinte: «Alguns tipos de radiação, como é o caso dos raios X, provocam a rotura das ligações químicas das moléculas, podendo assim danificar directamente o material genético e provocar o cancro. Este mesmo mecanismo não se aplica aos campos electromagnéticos que não podem, assim, provocar a destruição da estrutura do material biológico» (sublinhado nosso) – cfr. fls. 112 verso. E também no estudo/relatório do Prof. Pinto de Sá acima referido, o mesmo respondeu do seguinte modo à pergunta “Que relação têm os campos electromagnéticos das linhas de Alta Tensão com a radioactividade?”: «Nenhuma. A energia radiada nos campos electromagnéticos é proporcional à sua frequência (a rapidez com que oscilam). A partir de um dado valor, que só ocorre para radiações electromagnéticas com frequências próximas da da luz visível, essa energia é capaz de arrancar electrões aos átomos da matéria, dizendo-se então que é ionizante. As radiações ionizantes podem, em princípio, alterar as moléculas do ADN e, por conseguinte, causar mutações cancerígenas. A luz do Sol, por exemplo, é cancerígena para a pele. As radiações cósmicas, as dos elementos radioactivos, os raios X, são todos ionizantes e reconhecidamente cancerígenos quando a exposição humana a esses agentes é intensa e prolongada. Os campos electromagnéticos gerados pelos condutores de energia eléctrica, pelo contrário, têm Extremamente Baixas Frequências (EBF) e por isso não são ionizantes, sendo incapazes de alterar o ADN. O quase-estático campo magnético da Terra, que é aliás muito mais intenso que o gerado por qualquer linha portuguesa de Alta tensão, até nos protege dos efeitos cancerígenos da radiação cósmica e das partículas de alta energia dos ventos solares, desviando-os para os pólos. Na verdade, os especialistas em energia eléctrica nunca usam o termo “radiações” para se referirem aos campos electromagnéticos da Alta Tensão. (…)». Perante esta evidência científica, outra não se afigura que pudesse ser a resposta dada ao artigo 44º da base instrutória, até porque não se mostra junto ao processo o estudo citado no requerimento dos autores/recorrentes de 23 de Fevereiro de 2011, a fls. 1910, não sendo, por isso, possível formular um qualquer juízo crítico sobre a validade das afirmações aí feitas pelos recorrentes. Mantêm-se, pois, as respostas dadas aos artigos 18º, 42º, 43º e 44º da base instrutória. Pretendem igualmente os recorrentes que seja alterada a resposta dada ao artigo 26º da base instrutória, onde se formulou a seguinte pergunta: «Os valores referidos em 3) a 5) situam-se muito abaixo do limite máximo de segurança, isto é, abaixo do limite recomendado pela Organização Mundial de Saúde?». A resposta a este artigo foi: «Provado apenas que, à data das medições referidas em 3º a 5º, os limites máximos recomendados pela Organização Mundial de Saúde e pela União Europeia eram de 5 kV/m para o campo eléctrico e 100 uT para o campo electromagnético quanto à exposição da população em geral e de 10 kV/m e de 500 uT quanto à exposição ocupacional, sendo, desde de Novembro de 2010, de 5 kV/m para o campo eléctrico e 200 uT para o campo electromagnético quanto à exposição da população em geral e de 10 kV/m e de 1 mT quanto à exposição ocupacional.» Segundo os recorrentes devia explicitar-se que as recomendações da Organização Mundial de Saúde, com base em pareceres do ICNIRP, não se reportam a exposições permanentes e, por isso mesmo, pouco ou nada têm que ver com a realidade dos autos. Vejamos. A publicação da Organização Mundial de Saúde, Centro Regional para a Europa, sobre os Campos Electromagnéticos, junta a fls. 111 a 126, e que já acima fizemos referência, demonstra a falta de razão dos recorrentes. Aí se escreveu (cfr. fls. 116) o seguinte: «O ICNIRP International Commission on Non-Ionizing Radiation Protection. estabelece normas para os limites de exposição a campos electromagnéticos. Efectuou um estudo aprofundado da literatura científica e das normas existentes relativas a valores de exposição para CEM cobrindo a gama de frequências até 300 GHz2 Esse estudo encontra-se a fls. 592 a 670 dos autos.. Como já foi referido o ICNIRP considerou separadamente a questão dos telemóveis. As normas de exposição apresentam uma dependência complexa dos valores das frequências, não permitindo a listagem dos valores de todas as normas para todas as frequências: ver tabela com um resumo das últimas recomendações internacionais para situações de exposição contínua.» (sublinhado nosso). Analisando a referida tabela, que se encontra a fls. 116 verso, vemos claramente que é feita a distinção entre “níveis de referência para exposição da população” e “níveis de referência para exposição ocupacional”, sendo que os níveis de referência adoptados eram, para corpo inteiro, de 5 kV/m para o campo eléctrico e 100 uT para a exposição da população em geral e de 10k/Vm e de 500 uT para a exposição ocupacional. A exposição da população em geral e a imposição dos respectivos níveis de referência implica, como bem referiu o Mm.º Juiz na fundamentação da decisão de facto, “a consideração da possibilidade de permanência de uma pessoa, durante 24 horas por dia e toda a vida, em exposição aos campos electromagnéticos”, convocando, a propósito, o relatório pericial elaborado pelo Prof. Carlos Lemos Antunes, no qual se escreveu o seguinte: “[o] público em geral compreende indivíduos de todas as idades e diferentes estados de saúde. Esta população não está disposta a aceitar quaisquer riscos, mesmo que mínimos, associados à exposição. O público em geral pode estar exposto 24 horas por dia, durante toda a vida” A tal não obsta, como é bom de ver, a afirmação feita por aquele ilustre Professor no seu relatório, de que “os actuais limites internacionais de exposição a campos electromagnéticos foram estabelecidos com base nos efeitos relacionados com a exposição intensa de curta duração (não com a exposição de longa duração, eventualmente mais reduzida)”, pois a fixação de limites para uma exposição contínua não pode ignorar a possibilidade de exposição permanente aos campos electromagnéticos. (cfr. fls. 886). Também o relatório da LABELEC - Estudos, Desenvolvimento e Actividades Laboratoriais, S.A., de fls. 361 a 371, fazendo uso dos valores fornecidos por entidades internacionais (CENELEC e ICNIRP), faz uma clara distinção entre “exposição contínua” e “exposição de algumas horas por dia” relativamente ao grande público, em total sintonia, aliás, com a tabela da OMS a que acima se fez referência (cfr. fls. 364). É isto também o que se retira do Parecer do Comité das Regiões sobre os efeitos dos campos electromagnéticos de alta tensão publicado no Jornal Oficial das Comunidades Europeias de 13 de Outubro de 1999 (cfr. fls. 521 a 524), nomeadamente do seu ponto 4.4.1.1. do seguinte teor: “Em Janeiro de 1990, a AIRP (Associação Internacional de Protecção contra as Radiações), sob a égide da OMS (Organização Mundial de Saúde), assim como, em 1998, a CIPRI (Comissão Internacional para a Protecção de Radiações Ionizantes), publicaram «As orientações provisórias sobre os limites de exposição aos campos eléctricos e magnéticos entre 50 e 60 Hz». Os limites de exposição nelas recomendados para a população em geral são os seguintes: 5 kV/m para os campos eléctricos e 0,1 mT para os campos magnéticos”. Não faria, aliás, qualquer sentido, a realização de estudos desta natureza para exposições de curta duração da população em geral, sabido que esta pode estar exposto 24 horas por dia, durante toda a vida”. Como não faria qualquer sentido, diga-se, a distinção feita nos vários estudos citados, relativamente às características da exposição: “exposição ocupacional” versus “exposição para a população em geral”. Mantém-se, assim, a resposta dada ao artigo 26º da base instrutória. Resta, por último, o artigo 45º da base instrutória, no qual se formulou a seguinte pergunta: «A zona onde se situa o prédio identificado em A) não pode ser qualificada como de forte poluição do ar?». O Mm.º Juiz respondeu “provado” a este artigo, entendendo os recorrentes que a resposta devia ser “não provado”. A resposta afirmativa a este artigo 45º foi assim justificada na fundamentação da decisão de facto: «O depoimento da testemunha José Carlos estribou a resposta ao artigo 45º da base instrutória, salientando o facto de, naquele local, ao contrário de outros onde a poluição é muita, não ser necessário lavar as cadeias de isoladores dado não acumularem sujidades e poeiras, nada se tendo apurado em contrário pois que nas imediações do local não existem focos de poluição relevantes, o que, aliás, também a testemunha João Afonso Guincho confirmou, sendo igualmente conhecedora daquele local». Ouvidos os depoimentos das referidas testemunhas, que não foram sequer questionados pelos recorrentes, entendemos que se afigura correcta a resposta de “provado” dada pelo Mm.º Juiz. Por outro lado, contrariamente ao que sustentam os recorrentes no corpo das alegações, a resposta afirmativa ao artigo 45º não é posta em causa com aquilo que escreveu o Prof. Lemos Antunes no relatório pericial que apresentou no processo conhecido por Bizarria que correu termos no Círculo Judicial de Ponta Delgada, o qual se encontra junto aos autos a fls. 1525 e seguintes. Na verdade, o facto dos campos eléctricos que emanam de linhas de Alta Tensão ionizarem partículas no ar na sua vizinhança, não significa, como é bom de ver, que a zona onde se situa o prédio dos recorrentes tenha de ser qualificada como “de forte poluição do ar”, o que, aliás, foi afastado pelos depoimentos esclarecedores das testemunhas José Carlos Figueiredo e João Afonso Guincho Cfr., no sentido de que «o valor da prova pericial civil, contrariamente ao que acontece com a prova pericial penal, não vincula o critério do julgador, porquanto os dados de facto que servem de base ao parecer estão sujeitos ao princípio da livre apreciação da prova, e o juízo científico ou parecer, propriamente dito, também não requer uma crítica material e científica, mas, para não resvalar em arbitrariedade, deve ser apreciada pelo Juiz, segundo a sua experiência, prudência e bom sendo, embora não vinculado a quaisquer regras, mediadas ou critérios», o Ac. do STJ de 05.07.2006, proc. nº 1785/06, Hélder Roque, cujo texto integral pode ser acedido in www.dgsi.pt. . Ademais, a afirmação de que os campos eléctricos que emanam de linhas de Alta Tensão ionizam partículas no ar, foi feita no sentido de demonstrar que os campos eléctricos estão associados ao cancro e não a uma qualquer poluição do ar, pelo que se mantém inalterada a resposta ao artigo 45º da base instrutória. Resulta assim do exposto, que não se vislumbra uma desconsideração da prova pericial e documental produzida E ainda, se bem que em menor escala, da prova testemunhal. , mas sim uma correcta apreciação conjugada e concatenada de toda essa prova, não se patenteando a inobservância de regras de experiência ou lógica, que imponham entendimento diverso do acolhido. Ou seja, no processo da formação livre da prudente convicção do Tribunal a quo não se evidencia nenhum erro que justifique a alteração da decisão sobre a matéria de facto, designadamente ao abrigo do disposto no art. 712º, nº 1, al. a), do CPC. Assim, teremos de concluir que, perante a prova produzida, bem andou o Tribunal de 1ª instância na decisão sobre a matéria de facto, pelo que não vemos razão para alterar a mesma. Da (in)comportável exposição do prédio dos autores aos campos electromagnéticos gerados pelas linhas de alta tensão da ré e o invocado princípio da precaução. Está em causa um longo e persistente litígio quanto a saber quais os efeitos decorrentes da exposição das pessoas aos chamados campos electromagnéticos (CEM) gerados pelas linhas de alta tensão da ré, cujos condutores se encontravam à data da propositura da acção sobre o espaço aéreo da propriedade dos autores, onde estes têm a sua habitação, mas que já no decurso da demanda foram colocados fora daquele espaço. Por isso, relativamente ao pedido principal de retirada imediata “dos cabos das linhas de alta tensão do espaço aéreo do prédio” dos autores, escreveu-se o seguinte na sentença recorrida: «A propósito do mérito dessa primeira pretensão perscruta-se na panóplia da factualidade apurada em audiência de julgamento que a Ré fez atravessar o prédio dos Autores por uma linha eléctrica composta por seis condutores e que actualmente o condutor que se situa mais próximo da casa dos Autores passa a cerca de 39,60 metros da dita casa. Todavia, também se provou que os condutores (ou cabos na terminologia adoptada pelos Autores) da linha de alta tensão estão, actualmente, fora do espaço aéreo da propriedade dos Autores, no qual apenas se encontra instalado um dos esticadores dessa linha – cfr. auto de inspecção judicial a fls.1986 e ponto I.48 dos Factos Provados. Ou seja, em consequência de alterações levadas a cabo, no decurso desta já longa demanda, por iniciativa da própria Ré – como esta admite – nenhum dos ditos condutores ou cabos atravessa e ocupa, actualmente, o espaço aéreo da propriedade dos Autores. Em face disso, tal pedido terá de ser julgado extinto por inutilidade superveniente da lide, nos termos do disposto no artº. 287º/ e), do C. P. Civil, por ausência do concreto objecto do pedido em causa, posto que inicialmente existente». Coloca-se, assim, como questão a decidir no presente recurso, saber se os condutores das linhas de alta tensão da ré devem ser colocados a uma distância não inferior a cem metros da habitação dos autores, ora recorrentes. O pedido subsidiário formulado pelos autores e que constitui a questão decidenda neste recurso, pressupõe que os valores dos campos electromagnéticos medidos na sua casa, incluindo o logradouro, “estejam conformes às recomendações da Organização Mundial de Saúde, ou seja, os seus valores em qualquer zona do prédio urbano, inclusive no seu espaço aéreo, sejam inferiores, o campo magnético a 0,2 micro Tesla e o campo eléctrico a 100 volts por metro”, o que no entendimento dos autores implica o afastamento das linhas de alta tensão do seu prédio urbano para uma distância não inferior a 100 metros. Porém, como bem se observa na sentença recorrida, e resulta da matéria de facto provada, «(…), os limites máximos recomendados pela Organização Mundial de Saúde e pela União Europeia eram, em 2001, de 5 kV/m para o campo eléctrico e 100 uT para o campo electromagnético quanto à exposição da população em geral e de 10 kV/m e de 500 uT quanto à exposição ocupacional, sendo, desde Novembro de 2010, de 5 kV/m para o campo eléctrico e 200 uT para o campo electromagnético quanto à exposição da população em geral e de 10 kV/m e de 1 mT quanto à exposição ocupacional.» Ora, como resultou provado, em 26/09/2001, foram realizadas medições do campo de indução magnético no prédio dos autores, tendo-se registado os seguintes valores máximos: no exterior da habitação (terreno), 5,06 microteslas (uT); no interior da habitação (escritório, sala e garagem) 1,7 microteslas; na varanda, 2,38 microteslas; em 12 e 13/04/2010, foram realizadas medições do campo de indução magnético no mesmo prédio, tendo-se registado os seguintes valores máximos: no exterior da habitação, em cima do telhado, 1,03 microteslas, e perto do estacionamento, a três metros acima do nível do solo, 1,15 microteslas; no interior da habitação (canto da sala, a 1,80 metros acima do solo) 0,83 microteslas; na varanda, 0,92 microteslas (cfr. nº 17 dos factos provados supra). Por sua vez, como já referimos aquando da discussão sobre a impugnação da matéria de facto, a exposição da população em geral e a imposição dos respectivos níveis de referência implica a consideração da possibilidade de permanência de uma pessoa, durante 24 horas por dia e toda a vida, em exposição aos campos electromagnéticos, o que não pode deixar de estar considerado naqueles limites máximos. Ademais, considerando que actualmente o edifício habitacional dos autores se encontra fora da faixa de protecção da linha de alta tensão (cfr. nº 25 dos factos provados supra) e, mais propriamente, se encontra a cerca de 39,60 metros da linha perpendicular ao solo do condutor mais próximo (cfr. nº 29 dos factos provados supra), não sofre a menor dúvida que a ré cumpre os normativos legais que definem as distâncias das linhas de 3ª classe aos edifícios (e, em especial, o disposto no artigo 29º do Regulamento de Segurança de Linhas Eléctricas de Alta Tensão, aprovado pelo Decreto Regulamentar n.º 1/92, de 18 de Fevereiro, a ele anexo), o que, de resto, já acontecia antes das alterações efectuadas pela ré na dita linha (cfr. fls. 371 dos autos). Subscrevemos aqui o entendimento expresso na sentença recorrida de que não colhe a argumentação dos autores “de que ninguém pode suportar encontrar-se, nem temporária, nem permanentemente, à distância legal mínima fixada no supra aludido artigo 29º do Regulamento de Segurança de Linhas Eléctricas de Alta Tensão, aprovado pelo Decreto Regulamentar n.º 1/92, de 18 de Fevereiro. É que, além de não estar tal asserção demonstrada factualmente nos autos, olvidam os Autores que tal distância é fixada em relação a edifícios e não a pessoas, tomando-se, consequentemente, em consideração o denominado efeito de shielding relativamente ao campo eléctrico a que se faz referência na matéria de facto provada (cfr. I.37)». Diga-se, a este propósito, não colher a crítica que os recorrentes dirigem a este ponto específico da sentença recorrida, pois é sabido que o campo magnético, contrariamente ao campo eléctrico, consegue atravessar as paredes dos edifícios, sendo que as linhas de muito alta tensão só podem ter significado específico, quanto ao campo magnético que geram, para distâncias inferiores àquelas em que o valor do seu campo seja superior ao existente normalmente nos ambientes domésticos, onde os campos magnéticos estão também presentes, como fruto dos electrodomésticos e circuitos eléctricos de baixa tensão aí existentes, os quais podem atingir, dentro da normalidade, até 0,2 uT, como está devidamente explicado no estudo/relatório do Prof. Pinto de Sá (cfr. fls. 1788-1789). No caso em apreço não se mostram, pois, violados os limites fixados pela OMS para a exposição máxima a campos eléctricos e campos magnéticos, situando-se ainda dentro dos limites constantes do Anexo à Portaria nº 1421/2004, de 23 de Novembro, como resulta de forma clara das conclusões da perícia realizada pela Kema (cfr. fls.1456, 1458 e 1459). Vejamos agora o princípio da precaução convocado pelos autores para demonstrar a razão da sua pretensão. Quanto a este ponto, remetemos desde já, data venia e no omitido, para a sentença recorrida, onde se fez um estudo aprofundado da matéria, com abundantes citações doutrinais e jurisprudenciais, inclusive ao nível do direito comunitário, demonstrativas do modo como deve ser encarado aquele princípio no âmbito do direito do ambiente, com necessária implicação nos direitos da personalidade. Como refere Carla Amado Gomes In Dar o duvidoso pelo (in)certo? Reflexões sobre o “Princípio da Precaução”, Revista Jurídica do Urbanismo e do Ambiente, nºs 15/16 – Junho/Dezembro, 2001, I.D.U.A.L., Lda. e Almedina, págs. 10 e 11., “(…) a fórmula básica do princípio da precaução é a de que a necessidade de protecção dos bens ambientais proíbe a intervenção (ou impõe-na) ainda que não haja certeza científica, nem quanto aos seus efeitos, nem quanto à relação de causalidade entre aquela e estes.” Depois de uma formulação inicial, nos anos 60, na Suécia, com o “Swedish Environmental Protection Act”, de 1969, e na Alemanha enquanto “Vorzorgeprinzip” foi a Declaração do Rio de 1992 “Princípio 15 – Os Estados, de acordo com as suas capacidades, a uma abordagem ampla e preventiva devem proteger o ambiente. Sempre que haja ameaças de danos graves ou irreversíveis, a falta de provas científicas não deve ser dada como justificação para o adiamento da prevenção dos referidos danos quando existem medidas economicamente viáveis para a prevenção da degradação do ambiente.” que lhe deu um grande fôlego, sendo absorvido, enquanto princípio da precaução, sob inspiração desta formulação, noutros diplomas legais e declarações de princípios ou ideias norteadoras de actuação de instituições e estados. Como nos dá conta Júlio Barbosa e Silva Os princípios da prevenção e da precaução no âmbito do direito do ambiente – A perspectiva jurídico-administrativa (necessariamente) geral, in Revista do Ministério Público nº 123, Julho/Setembro 2010, pág. 218. , “o leading case nesta matéria, a nível comunitário, é o Acórdão Pfizer Animal Health S.A. contra o Conselho, de 11 de Setembro de 2002, que consagrou, expressamente, como ratio decidendi, o princípio da precaução” Em traços largos, o caso reportava-se à proibição, constante de um regulamento comunitário, da comercialização de um antibiótico utilizado como aditivo nos alimentos para animais. Tal proibição implicava a revogação das autorizações que a Pfizer detinha, pedindo, face a isto, a suspensão da eficácia do referido regulamento até à decisão de anulação entretanto proposta. Tal suspensão foi indeferida com base no interesse público saúde pública, referindo expressamente o princípio da precaução.. Porém, como refere Carla Amado Gomes In A protecção do ambiente na jurisprudência comunitária. Uma amostragem, Separata da Revista de Direito do Ambiente e Ordenamento do Território, nº 14/15, Almedina, págs. 83 e segs.. , a lógica de antecipação de risco já vinha sendo utilizada pelo Tribunal de Justiça há muito (cfr. Caso C-180/96, de 12 de Julho de 1996, mais conhecido pelo caso da doença das vacas loucas). O princípio da precaução (e também o princípio da prevenção), tem consagração expressa, em Portugal, na Lei nº 58/2005, de 29 de Dezembro, que aprova a Lei da Água, transpondo para a ordem jurídica nacional a Directiva nº 2000/60/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Outubro, e estabelecendo as bases e o quadro institucional para gestão sustentável das águas. Refere o art. 3º, nº 1, alíneas e) e f) daquela lei que “Para além dos princípios gerais consignados na Lei de Bases do Ambiente e dos princípios consagrados nos capítulos seguintes da presente lei, a gestão da água deve observar os seguintes princípios: (…) e) Princípio da precaução, nos termos do qual as medidas destinadas a evitar o impacte negativo de uma acção sobre o ambiente devem ser adoptadas, mesmo na ausência de certeza científica da existência de uma relação causa-efeito entre eles; f) Princípio da prevenção, por força do qual as acções com efeitos negativos no ambiente devem ser consideradas de forma antecipada por forma a eliminar as próprias causas de alteração do ambiente ou reduzir os seus impactes quando tal não seja possível;” Vale isto por dizer que a precaução, quer se queira, quer não, é já uma realidade jurídica no nosso país, tendo-se mesmo pretendido expandir a sua consagração para outras matérias, como a que aqui nos ocupa Cfr. o Projecto de Lei nº 651/x, do Bloco de Esquerda, publicado no DAR, II série A, nº 62/X/4 de 29.01.2009, o qual “Garante o princípio da precaução face aos campos electromagnéticos produzidos pelas linhas e instalações eléctricas de alta e muito alta tensão”. O projecto de lei viria a ser rejeitado, não obstante contar com os votos a favor de todos os partidos da oposição, pelos votos contra do PS, que na altura detinha a maioria absoluta no Parlamento.. Porém, o recurso ao princípio da precaução só se justifica, como refere Lígia Carvalho Abreu In A Análise do Risco no Contexto do Princípio da Precaução, Direito e Ambiente, Revista do ILDA, Instituto Lusíada para o Direito do Ambiente, Ano I, nº 1, Out/Dez 08, Universidade Lusíada Editora, pág. 168, citada por Júlio Barbosa Silva in ob. cit., pág. 220. “mediante a existência das seguintes condições prévias: a identificação dos efeitos potencialmente negativos, a avaliação dos dados científicos disponíveis e da extensão da incerteza científica.” O princípio da precaução distingue-se do princípio da prevenção pelo “grau estimado de probabilidade da ocorrência do dano (certeza versus verosimilhança). Nessa medida o poder público, para bem efetivar o princípio da precaução, age na presunção – menos intensa do que aquela que obriga a prevenir – de que a interrupção proporcional e provisória do nexo de causalidade consubstancia, no plano concreto, atitude mais vantajosa do que a resultante da liberação do liame de causalidade.” Juarez Freitas, in O princípio constitucional da precaução e o Direito Administrativo Ambiental, Scientia Iuridica, tomo 51º, nº 309, Janeiro/Março 2007, pág. 31 Ou, como diz Carla Amado Gomes A Prevenção à Prova no Direito do Ambiente, em especial os actos autorizativos ambientais, Coimbra Editora, 2000, pág. 34, citando, a propósito, F. Össenbuhl, Vorsorge als Rectprinzip im Gesundheits-, Arbeits – und Umweltschutz, in NVwZ, 1986, Heft 3, pág. 163. , “[a] diferença entre prevenção e precaução resulta, assim, da ténue linha traçada entre o terminus da previsibilidade de um perigo e o início da consideração de um risco”. Como salienta Júlio Barbosa e Silva Ob. cit., pág. 220, “[é] tudo, então, uma questão de riscos, face ao estado de coisas científico e de precaver/prevenir esses mesmos riscos ao ponto de permitir, não permitir ou permitir com reticências e com condições apertadas uma determinada actividade económica e/ou poluidora. Se assim é terá de se associar toda e qualquer actividade eventualmente ou potencialmente nociva à avaliação desses mesmos riscos e do impacto que determinada actividade poderá ter no meio ambiente. Para isso é necessário utilizar o conhecimento científico no qual se basearão entidades administrativas e particulares interessados (quer na prossecução das actividades nocivamente incertas quer no travão a essas mesmas actividades). Como se escreveu na sentença recorrida, “[a] determinação do nível de risco considerado inaceitável implica portanto, para as instituições comunitárias, a definição dos objectivos políticos prosseguidos no âmbito das competências que lhes são atribuídas pelo Tratado É o Tratado de Lisboa, em cujo art. 174º, nº 2, está contemplado o princípio da precaução. . Embora estejam impedidas de adoptar uma abordagem puramente hipotética do risco e de orientar as suas decisões por um nível de «risco zero», as instituições comunitárias devem todavia ter em conta a sua obrigação, por força do artigo 129.°, n.° 1, primeiro parágrafo, do Tratado, de assegurar um elevado nível de protecção da saúde humana que, para ser compatível com esta disposição, não deve de modo necessário ser tecnicamente o mais elevado possível (acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Julho de 1998, Safety Hi-Tech, C-284/95, Colect., p. I-4301, n.° 49). A determinação do nível de risco considerado inaceitável depende da apreciação feita pela autoridade pública competente sobre as circunstâncias específicas de cada caso concreto. Na matéria, esta autoridade pode ter em conta, nomeadamente, a gravidade do impacte de superveniência deste risco sobre a saúde humana, incluindo a extensão dos efeitos adversos possíveis, a sua persistência, a reversibilidade ou os efeitos retardados possíveis destes danos, bem como a percepção mais ou menos concreta do risco com base no estado dos conhecimentos científicos disponíveis. Em tais circunstâncias, a realização de uma avaliação científica dos riscos é um preliminar da tomada de qualquer medida preventiva.” Segundo Carla Amado Gomes A Prevenção à Prova…, cit. págs. 53-54. , “[o] princípio da precaução deverá ser entendido, (…), como decorrente de uma interpretação qualificada do princípio da prevenção (a interpretação mais amiga do ambiente, nas palavras de Gomes Canotilho), ou seja, obrigando a uma ponderação agravada do interesse ambiental em face de outros interesses, económicos, nomeadamente”, sendo que a falta de consagração explícita do princípio da precaução na nossa Constituição, “não impede, contudo, que quer o legislador, quer o administrador português, se encontrem vinculados a um dever de ponderação agravada do interesse ambiental, por força de uma leitura sistemática da Lei Fundamental e do imperativo da proporcionalidade.” Acresce que, nos termos do art. 66º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, todos têm direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender. E, em regulamentação ordinária desse direito ao ambiente, veio a Lei n.º 11/87, de 7 de Abril (Lei de Bases do Ambiente, por sua vez regulamentada, nomeadamente em matéria de águas, pelos Decretos - Lei nºs 45/94, 46/94, e 47/94, de 22/2, diplomas estes, por sua vez, revogados pela Lei 58/2005 a que acima se fez referência), definir as bases da respectiva política, reconhecendo mesmo aos cidadãos directamente ameaçados ou lesados nesse direito legitimidade para pedirem, nos termos gerais de direito, a cessação das causas de violação e a respectiva indemnização (art.º 40º, n.º 4). Neste diploma se previne (art.º 8º) o lançamento para a atmosfera de quaisquer substâncias, seja qual for o seu estado físico, susceptíveis de afectarem de forma nociva a qualidade do ar e o equilíbrio ecológico ou que impliquem risco, dano ou incómodo grave para as pessoas e bens, acrescentando-se que todas as instalações cuja actividade possa afectar a qualidade da atmosfera devem ser dotadas de dispositivos ou processos adequados para reter ou neutralizar as substâncias poluidoras, e se fixam medidas destinadas a evitar a poluição das águas (art.º 10º) e do solo (art.º 13º), considerando factores de poluição do ambiente, genericamente proibida no seu art.º 26º, todas as acções e actividades que afectam negativamente a saúde, o bem estar e as diferentes formas de vida, o equilíbrio e a perenidade dos ecossistemas naturais e transformados, assim como a estabilidade física e biológica do território, e como causas de poluição todas as substâncias e radiações lançadas no ar, na água, no solo e no subsolo, que alterem, temporária ou irreversivelmente, a sua qualidade ou interfiram na sua normal conservação ou evolução (art.º 21º). Por outro lado, todos têm o direito à protecção da saúde e o dever de a defender e promover (art. 64º, nº 1, da CRP). Certo é, também, que na Constituição estão igualmente sediados objectivos ligados ao desenvolvimento económico, campo onde o confronto entre a preservação dos recursos naturais e a necessidade da sua utilização avulta. Nos termos do art. 81º da CRP, constituem incumbências prioritárias do Estado no âmbito económico-social: “ a) Promover o aumento do bem-estar social e económico e da qualidade de vida das pessoas, em especial das mais desfavorecidas, no quadro de uma estratégia de desenvolvimento sustentável; (…); d) Orientar o desenvolvimento económico e social no sentido de um crescimento equilibrado de todos os sectores e regiões e eliminar progressivamente s diferenças económicas e sociais entre a cidade e o campo; (…); l) Adoptar uma política nacional de energia, com preservação dos recursos naturais e do equilíbrio ecológico, promovendo, neste domínio, a cooperação internacional; m) Adoptar uma política nacional da água, com aproveitamento e gestão racional dos recursos hídricos”; E, nos termos do art. 100º, o Estado conduz a sua política industrial, entre outros, de acordo com objectivos de: - “aumento da produção industrial num quadro de modernização e ajustamento de interesses sociais e económicos e de integração internacional da economia portuguesa” [al. a)]; - “reforço da inovação industrial e tecnológica” [al. b)]; - “aumento da competitividade e da produtividade das empresas industriais” [al. c)]. Como escreve Carla Amado Gomes A Prevenção à Prova…, cit., págs. 46-48., “[t]emos, assim, por um lado, um desejo de preservação dos recursos naturais numa lógica de solidariedade intergeracional, prevenindo a poluição e salvaguardando a sua integridade e capacidade auto-regenerativa, no quadro de um desenvolvimento auto-sustentado; por outro lado, o Estado aposta no desenvolvimento económico, em políticas de pleno emprego, confia na iniciativa individual e empresarial, apoia os agricultores e os industriais. Todas estas actividades são fulcrais para a obtenção de níveis crescentes de bem-estar económico e social, objectivo máximo do estado Social de Direito. Por paradoxal que pareça, estas mesmas actividades, porque geradoras de riqueza, são também essenciais para que o estado atinja um nível de estabilidade financeira que lhe permita ter preocupações ambientais. “A protecção do ambiente custa dinheiro – escreve BREUR – e só pode ser financiada através de medidas de incentivo económico. O certo é que a Lei Fundamental não aceita o progresso a qualquer preço. Isso é bem nítido em disposições tais como os artigos 81º/l) e m) e 90º, onde se conciliam políticas sectoriais e crescimento económico com objectivos ambientais. (…) É, ao cabo e ao resto, a lógica do “desenvolvimento sustentável para que apela o art. 66º/2 da CRP, que se impõe sobretudo “quando estamos postos perante resultados científicos pouco consolidados”. O desenvolvimento económico deve fazer-se com a salvaguarda dos valores ambientais, não contra eles. O que implica para o legislador, em primeira linha e para a Administração, em segunda linha, a vinculação a esta obrigação de harmonização. Esta harmonização tenderá a fazer-se tendo em consideração, naturalmente, cada situação concreta. No entanto, podemos avançar desde já e sem qualquer pretensão de originalidade, o critério-base que presidirá à resolução dos conflitos que forem surgindo: o princípio da proporcionalidade. Movimentando-nos no domínio dos conflitos de direitos, há que criar condições de realização suficiente de todos os interesses, colectivos e individuais, constitucionalmente tutelados, de forma a que nenhum deles fique afectado no seu núcleo essencial (cfr. o nº 3 do art. 18º da CRP)”. Visto em traços genéricos o enquadramento dogmático do princípio da precaução e o modo como devem ser resolvidos os conflitos de direitos entre o direito dos autores a um ambiente sadio e à saúde e o direito da ré a desenvolver a sua actividade de interesse público de transporte de energia, ambos com assento constitucional, é altura de reverter ao caso concreto e indagar até que ponto a factualidade apurada sustenta o pedido dos autores/recorrentes de verem afastados do seu prédio urbano os condutores da linha de alta tensão da ré para distância não inferior a cem metros. Ficou provado que a ré fez atravessar o prédio dos Autores por uma linha eléctrica com uma tensão de 400.000 volts, a qual emite radiações electromagnéticas, cujos valores, como dito anteriormente, estão contidos dentro do quadro de valores legalmente admissíveis, mesmo com o aumento, pontual e temporário, nunca superior a 10% que pode ocorrer no Verão, em situações de alta temperaturas ou quando haja ventos (cfr. resposta ao artigo 6º da base instrutória). No que concerne ao perigo para a saúde das pessoas que vivem na proximidade de linhas de alta e muito alta tensão, temos como provado apenas que há estudos epidemiológicos que concluíram que a exposição a campos electromagnéticos superiores a 04, microteslas pode duplicar o risco de contrair leucemia infantil linfoblástica aguda (resposta ao artigo 19º da base instrutória). Neste caso, não tendo sido alegado que vivam, ou tenham vivido, crianças no prédio dos autores, fica apenas o receio destes em contraírem doenças, nomeadamente, cancro, receio esse que não encontra correspondência na factualidade provada, pois não está cientificamente provada qualquer relação causa-efeito entre a exposição a campos electromagnéticos de baixa frequência e danos para a saúde, além de que, como resultou provado, está cientificamente provado que os campos electromagnéticos não podem provocar lesões na estrutura do material biológico (cfr. respostas aos artigos 42º, 43º e 44º da base instrutória). Como se escreveu no Ac. do STA de 02.12.2009 Proc. 0438/09, Relator Freitas Carvalho, in www.dgsi.pt. , «À face do nosso ordenamento jurídico, o princípio da precaução não foi adoptado como critério de decisão da prova, não podendo com base na mera falta de certeza da não produção de danos ambientais ou para a saúde pública o julgador concluir pela existência de receio de produção de danos ambientais e para a saúde pública, de difícil reparação ou irreversíveis, quando não se demonstra positivamente, mesmo de forma sumária, a existência de uma probabilidade séria de eles virem a ocorrer. Trata-se de uma opção legislativa discutível, em termos de política legislativa, mas que se justificará pela ponderação da necessidade de prossecução de outros interesses públicos, que se entendeu não dever ser obstaculizada por meros receios de danos eventuais ou hipotéticos, que não se demonstra com grau de probabilidade séria que possam vir a ocorrer.» Subscrevemos na íntegra as considerações feitas na sentença recorrida a propósito da Organização Mundial de Saúde, entidade supra-nacional da qual emanaram as recomendações que estão na base dos limites à exposição aos campos electromagnéticos legalmente estipulados, de que destacamos o seguinte trecho: «(…) estamos perante uma entidade independente, altamente credível e confiável, reconhecida internacionalmente por quase duas centenas de países e cujas recomendações são habitualmente aceites pela comunidade científica, mas também em termos políticos pelos próprios executivos das nações que dela são membros. Trata-se, além disso, de uma entidade que tem desenvolvido um trabalho consistente e profundo, ao longo de vários anos, no que tange às matérias atinentes às consequências para a saúde humana da exposição aos campos electromagnéticos. Assim, os limites de exposição a campos electromagnéticos recomendados pela Organização Mundial de Saúde devem ser tidos como uma referência válida e decisiva, de resto, vertida em legislação nacional geral e abstracta, à qual todos devem obediência. Tais índices ou limites legais e recomendados não podem, por conseguinte, ser rechaçados sem mais, sob pena de violação ostensiva da lei e inadmissível restrição da actividade económica e energética desenvolvidas pela Ré.» O que resultou provado nos autos com base na prova pericial e na abundante prova documental de índole científico junta ao processo, não permite concluir pela necessidade de afastar a linha de alta tensão da habitação dos autores, seja com base na prevalência do direito à saúde dos Autores, seja com base no princípio da precaução. Alguma incerteza existente sobre as consequências da exposição de seres humanos aos campos electromagnéticos, não atinge grau suficiente que suscite dúvidas quanto à segurança dos autores, considerando os baixos valores medidos no interior e no exterior da sua casa de habitação, os quais se situam muito abaixo dos limites máximos legais estipulados e dos limites recomendados pela Organização Mundial de Saúde e adoptados na União Europeia. Como impressivamente se escreveu no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 25.11.2010 Proc. 06721/10, Relator Paulo Carvalho, in www.dgsi.pt. , “ (…) se está provado que a uma determinada distância a radiação é inócua (como vimos supra), então (como as distâncias determinadas cientificamente para a radiação ser inócua foram recebidas pela legislação e são respeitadas na instalação das linhas) está provado que as linhas de alta tensão, da forma como são montadas, com as distâncias de segurança que lhes são impostas, são inócuas para a saúde humana. O que não está provado é que se alguém decidir ir viver encostado às linhas de alta tensão (como fazem as cegonhas) isso não será prejudicial para a sua saúde.» Pode-se sempre invocar que existe um risco potencial, ainda que mínimo, decorrente da presença de linhas de alta ou muito alta tensão nas proximidades da habitação onde os autores residem de modo permanente. Todavia, a imposição de um risco zero em qualquer actividade humana é incompatível com a operatividade do princípio da precaução, não sendo possível satisfazer uma reivindicação social de segurança absoluta do ser humano. Na verdade, as medidas baseadas no princípio da precaução não implicam, nem pressupõem, a erradicação de todo e qualquer risco, desde logo e também, como se sublinha na sentença recorrida, porque a ciência, em determinado estado evolutivo, poderá mesmo conduzir a que se julgue completamente afastada a ocorrência de um risco que vem, porém, mais tarde, a verificar-se. Ademais, no domínio dos campos electromagnéticos foram adoptados determinados limites legais à sua emissão, os quais no caso concreto não foram ultrapassados, nem sequer minimamente aproximados. Seria, por isso, totalmente desproporcionado determinar o afastamento dos condutores da linha de alta tensão explorada pela ré, quando o grau de risco suportado pelos autores em consequência da presença daquela linha de alta tensão nas proximidades da sua residência se situa num patamar muito inferior ao limite máximo legalmente estipulado. À semelhança de Carla Amado Gomes A Prevenção à Prova…, cit., pág. 99., também não resistimos a transcrever a “parábola dos ratos”, de Clara Pinto Correia. Escrevia a cientista, numa crónica com já alguns anos: “Um artigo que sai numa revista médica a dizer que UM rato morreu depois de comer UM milho transgénico não é uma prova científica. É um dado. Há que investigá-lo, que usar MUITOS ratos, que inventar MUITOS controlos para esta experiência para averiguarmos se o rato morreu do milho ou de outra coisa qualquer, e ainda é preciso que isto aconteça várias vezes, em vários laboratórios, exactamente da mesma forma, e isto continua a ser só UM milho com OS RATOS. Devemos tomar precauções? Devemos. Devemos fazer extrapolações panfletárias? Nunca” Clara Pinto Correia, A prova científica, na Visão de 3 de Fevereiro de 2000, pág. 12.. Por isso, como diz Carla Amado GomesA Prevenção à Prova…, cit. pág. 99., “[p]recaver, sim, mas ponderadamente, aconselhados pelo tempo da reflexão. E assombrados pela “bomba relógio” que é a sociedade de risco, onde o relógio continua a funcionar, inexorável, acentuando as fragilidades de um futuro que é cada vez mais presente…”. Concluindo: I – O julgador de facto, que é o “guardador da porta” das provas trazidas ao processo, terá mais ou menos possibilidade (sob um ponto de vista racional), de utilizar a sua livre convicção na razão inversa do peso constrangedor da prova científica, se esta for mais ou menos unidireccional para determinado tipo de conclusão. II - Quando mais coerente for aquela prova, menos o julgador terá margem de manobra para a sua apreciação, ou, dito de outra forma, quanto mais contraditória, menos peso probatório terá. III – Situando-se os valores medidos no prédio urbano dos autores abaixo dos limites fixados pela Organização Mundial de Saúde para a exposição máxima a campos electromagnéticos e dentro dos limites constantes do Anexo à Portaria nº 1421/2004, de 23 de Novembro, e mostrando-se cumpridos os normativos legais que definem as distâncias das linhas de 3ª classe aos edifícios (e, em especial, o disposto no artigo 29º do Regulamento de Segurança de Linhas Eléctricas de Alta Tensão, aprovado pelo Decreto Regulamentar n.º 1/92, de 18 de Fevereiro, a ele anexo), tem de se concluir que as linhas de alta tensão situadas a cerca de 40 metros daquele prédio não são prejudiciais para a saúde dos autores. IV – A fórmula básica do princípio da precaução é a de que a necessidade de protecção dos bens ambientais proíbe a intervenção (ou impõe-na) ainda que não haja certeza científica, nem quanto aos seus efeitos, nem quanto à relação de causalidade entre aquela e estes. V – Porém, o princípio da precaução não foi adoptado como critério de decisão da prova, não podendo com base na mera falta de certeza da não produção de danos ambientais ou para a saúde pública o julgador concluir pela existência de receio de produção de danos ambientais e para a saúde pública, quando não se demonstra positivamente a existência de uma probabilidade séria de eles virem a ocorrer. V - As medidas baseadas no princípio da precaução não implicam, nem pressupõem, a erradicação de todo e qualquer risco, desde logo e também, porque a ciência, em determinado estado evolutivo, poderá mesmo conduzir a que se julgue completamente afastada a ocorrência de um risco que vem, porém, mais tarde, a verificar-se. IV - DECISÃO Termos em que acordam os Juízes desta Secção Cível em julgar improcedente a apelação, confirmando a douta sentença recorrida. Custas pelos recorrentes. * Guimarães, 14 de Junho de 2012Manuel Bargado Helena Gomes de Melo Rita Romeira |