Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
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| Relator: | CRUZ BUCHO | ||
| Descritores: | INJÚRIA DIFAMAÇÃO ELEMENTO SUBJECTIVO | ||
| Nº do Documento: | RG | ||
| Data do Acordão: | 06/11/2008 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
| Decisão: | NÃO RECONHECIDO O RECURSO INTERCALAR INTERPOSTO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO; JULGADO PROCEDENTE O RECURSO INTERCALAR INTERPOSTO PELO ASSISTENTE; JULGADO IMPROCEDENTE O RECURSO DO ARGUIDO | ||
| Sumário: | I – Entende o Tribunal a quo, que os” factos imputados ao arguido não são aptos a integrar a prática dos crimes de injúrias porque “as afirmações produzidas devem ser entendidas, não como uma injúria, mas antes como expressões incluídas num contexto de discussão ou desentendimento que representam algum desagrado por uma determinada situação, e não assumem autonomia face aos demais actos praticados, os quais, fundamentaram, de resto, a dedução de acusação pelos restantes ilícitos”. Tais “expressões proferidas, em público, num contexto de discussão, não podem ter outro sentido que não a de manifestação de desagrado, não “ assumindo carácter injurioso.” II – Não pode aceitar-se esta argumentação pois que as expressões que segundo a acusação particular foram dirigidas pelo arguido ao assistente” filho da puta”; “paneleiro” e “palhaço”, qualquer que seja o conceito de honra e consideração que se perfilhe, têm um significado inequivocamente ofensivo da honra e consideração à luz dos padrões médios de valoração social, “situando-se muito para além da mera violação das regras de cortesia e .de boa educação e a atingindo já o âmago daquele mínimo de respeito indispensável ao relacionamento em Sociedade’’ (Ac.da Rel. do Porto de 14-3-2007, procº nº 0616784, rel. Maria Leonor Esteves, in www.dgsi.pt). III – A questão já foi por nós dissecada no Ac. desta Relação de Guimarães proferido no procº nº 2003/07- 1ª, onde, relativamente à expressão mais grave imputada ao arguido, isto é, ao vocábulo “filho da puta” , referimos: “ Puta é sinónimo de mulher devassa, meretriz (Cândido de Figueiredo,· Grande Dicionário da Língua Portuguesa, 2ª ed, vol., III, 1996, pág. 2097), mulher de má nota, dissoluta, rameira, qualquer mulher desprezível moral e · fisicamente (José Pedro Machado, Grande Dicionário da Língua Portuguesa, Lisboa, 1991, vol. III, pág. 305), mulher que se dedica à prostituição, a ter relações sexuais mediante remuneração, mulher sem moralidade; mulher com comportamento reprovável, mulher que se detesta ou se maldiz pelo seu carácter, pelas suas atitudes, pelas suas maneiras (Academia das Ciências de. Lisboa, Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, 2001, II voI., pág. 3011), mulher lúbrica que se dedica a libertinagem (Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, Lisboa, 2003, tomo V, pág. 3030). Aliás, é curioso notar que, segundo sublinha José Pedro Machado, a fim de se evitar o vocábulo mal sonante se nota desde cedo, um esforço eufémico que tende a deformá-lo de várias maneiras, a mais corrente será talvez “puxa” (Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, 3ª ed., Lisboa 1977, .voI. IV pág. 464, citando Gil Vicente e o poeta Chiado). Também António de Morais Silva, a propósito da palavra puxa, refere: “o mesmo que puta, emprega-se em algumas regiões por eufemismo por delicadeza e disfarce de linguagem, assim como a expressão daí derivada filho da puxa” (Novo Dicionário Compacto da Língua Portuguesa, 4ª ed., Lisboa, 1988, vol. IV, pág. 411; no mesmo sentido José Pedro Machado, Grande Dicionário · da Língua Portuguesa, Lisboa, 1991, vol. III, pág. 306). Não é pois de estranhar a seguinte afirmação, que vimos atribuída à escritora Rita Ferro: «As duas palavras que têm mais peso para os dois · sexos são ‘Filho da Puta’ para um homem, que é inultrapassável, e ‘Puta’ para uma mulher, que, mais do que um insulto é uma sentença e uma condenação». IV – Como também se referiu naquele Acórdão desta Relação de Guimarães proferido no procº nº 2003/07- 1ª: “Não se ignora que aquelas mesmas expressões, em determinados contextos podem não assumir carácter injurioso ou difamatório, não tendo o significado registado nos dicionários, antes fazendo parte do saber comum (assim quanto à expressão filho da puta, que já deu, inclusivamente, título a um livro sobre os portugueses – Discurso do Filho-da-Puta, de Alberto Pimenta - e nome a um famoso cavalo de corridas inglês, ela é por vezes utilizada de forma brejeira, afectiva, carinhosa, por camadas populares em algumas zonas do País - cfr. v.g., Onésimo Teotónio Almeida, “O oitavo passageiro, DISPUTAS”, in Periférica nº 4, disponível em www.periferica.org/numero 04.ValdemarCruz, “Outrapronúncia” in Expresso de 5-11-1998, . também disponível no site http://ciberdúvidas.sapo.pt/diversidades e o Ac. da Rel. do Porto de 7-6-2001, Procº nº 011120, rel. Clemente Lima, in www.dgsi.pt). » V – Simplesmente, no caso dos autos, nada, rigorosamente nada, permite afirmar que aquelas expressões tenham sido utilizadas num contexto que lhes retire o carácter injurioso que objectivamente possuem, pois que, muito pelo contrário, daquelas acusações o que resulta é que aquelas palavras e expressões foram proferidas na sequência de um desentendimento entre o arguido e o assistente – que se fazia acompanhar pela namorada -, tendo este último sido esmurrado pelo primeiro que o atingiu no globo ocular direito, língua e região retro-auricular esquerda, de viva voz, por forma a serem escutadas por todas as pessoas que · ali se encontravam ,como efectivamente sucedeu, com intenção de atingir o assistente na sua honra e consideração social, o que conseguiu, querendo enxovalhá-Io, vexando-o e insultando-o publicamente, bem sabendo que a sua conduta era punida e proibida por lei. IV – O Mº juiz labora, pois, em erro evidente, quando sublinha que as afirmações produzidas devem ser entendidas, não como uma injúria, mas antes como expressões incluídas num contexto de discussão ou desentendimento e não assumem autonomia face aos demais actos praticados, pois que aquelas afirmações têm, conforme demonstrado, um significado inequivocamente ofensivo da honra e consideração à luz dos padrões médios de valoração social. V – Depois, não se percebe qual a relevância do propalado “contexto de discussão ou desentendimento”, até porque as injúrias são sempre ou quase sempre, na normalidade dos casos, proferidas num “contexto de discussão ou desentendimento”, sendo assim que, a seguir-se tal entendimento, como refere o assistente, (…) tal equivaleria a descriminalizar o crime de injúria, uma vez que, como se disse, mal se compreende que as injúrias não sejam proferidas no âmbito de uma discussão”. VI - Por outro lado, não pode, de modo algum, sufragar-se o entendimento de que ”a ser verdadeira a matéria contida na acusação, ao praticar os factos que lhe são. Imputados, o arguido não pretendeu, por certo, referir-se ao assistente, como sendo uma pessoa pouco digna ou sequer fazer referência a sua orientação sexual”, porque: Em primeiro lugar, quando num contexto de discussão e desentendimento que descamba depois em agressão física, alguém apelida outrem, em púbico, na presença da namorada deste último, de “filho da puta”, “palhaço” e “paneleiro”, é obvio que está a referir-se a este último como , sendo ma pessoa pouco digna e a fazer referências depreciativas (e injuriosas) sobre a sua orientação sexual. Em segundo lugar, é hoje pacífico na jurisprudência e na doutrina portuguesas que o animus difamandi não integra o tipo subjectivo do crime de difamação (cfr. v.g., Augusto Silva Dias, Alguns aspectos do regime · jurídico dos crimes de difamação e de injúrias, Lisboa, 1989, págs. 35-36, Oliveira Mendes, o Direito à Honra e a sua Tutela Penal, Coimbra, 1996, págs. 40 e seguintes. 63, Faria Costa, Comentário Conimbricence ao Código Penal, Tomo I, cit., pág. 612, Simas Santos e Leal. Henriques, Código Penal, 2ª ed., Lisboa, 1996, vol. II, págs. 317-318, Maia Gonçalves, Código Penal Anotado, 17ª ed., Coimbra, 2005, págs. 622-623, estas duas últimas obras com amplas referências jurisprudenciais), sendo suficiente para a sua realização que o agente queira com o seu comportamento ofender a honra ou consideração alheias ou preveja essa ofensa de modo a que a mesma lhe pudesse ser Imputada dolosamente, pelo menos, como sustenta o Consº Oliveira Mendes, partindo da construção dos crimes de difamação e de injúria, como crimes de perigo abstracto-concreto, bastando que o agente tenha consciência da genérica perigosidade da conduta ou do meio da acção previstos na norma incriminadora (O Direito a Hora e a sua Tutela Penal, cit., pág. 59). Como regra geral, também vigente nos crimes de injúrias e de difamação, a lei desinteressa-se para a existência do dolo ou intenção criminosa dos motivos do agente ou dos fins que o mesmo se propõe que apenas serão tomados em consideração em sede determinação da medida da pena [cfr. artigo 72°, nº 2 alínea c); assim também no direito espanhol (Munoz Conde-Garcia Arán, Derecho Penal - Parte General, 6ª ed., Valência, 2004, pág. 269) italiano (Marinucci-Dolcini, Manuale di Diritto Penale, 2ª ed., Milão, 2006, págs. 253-254, Mantovani, Diritto Penale, 4ª ed., Padova, 2001, págs. 337-338]. VII - · Finalmente, e em terceiro lugar, este é um, tipo de suposições/ considerações que ao juiz não é lícito efectuar no âmbito do despacho a que alude o artigo 311° do Código de Processo Penal. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães: * No processo comum singular n.º 28/06.7PBGMRdo 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Guimarães, por despacho de 5 de Setembro de 2006 foi rejeitada: b) a acusação deduzida pelo Ministério Público contra o arguido Jorge C..., com os demais sinais dos autos, na parte em que lhe imputava a prática de um crime de ameaça p. e p. pelo artigo 153º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal. a) a acusação particular deduzida pelo assistente José S..., contra o mesmo arguido, na qual lhe imputava a prática de três crimes de injúria, p. e p. pelo n° 1 do artigo 181º do Código Penal. * Inconformados com tal despacho, dele recorreram quer o Ministério Público quer o assistente, rematando as suas motivações com as seguintes conclusões que se transcrevem: * A) Recurso do Ministério Público:«1. No Despacho recorrido fez-se um verdadeiro julgamento de mérito sobre a factualidade constante das acusações. 2. Nas acusações em apreço descrevem-se com suficiência os factos constitutivos dos crimes imputados ao arguido, seja o crime de ameaça p. e p. pelo art. 153 do Código Penal, seja o crime de injúria p. e p. pelo art. 181º do Código Penal. 3.A acusação só pode ser rejeitada por manifestamente infundada, desde que, por forma clara e evidente, seja desprovida de fundamento, por ausência de factos que a alicercem ou porque os dela constantes não são subsumíveis a qualquer norma jurídico-penal; ora, nenhuma destas situações se verificam no caso em apreço. 4. A expressão "dou-te um filho da puta de um balázio" plasmada na acusação do Ministério Público tem de ser interpretada como claro anúncio de que o arguido pretende infligir um mal futuro, mal este configurador de um crime de homicídio (art. 131º do CP), com completa autonomia face à agressão já perpetrada ou em execução. 5. Em nosso entender, os autos contêm todos os elementos suficientes que permitem fundamentar a prolação de um despacho que receba as acusações pública e particular na sua totalidade; essas acusações estão alicerçadas em indícios suficientes e são manifestamente fundadas; os factos nela descritos constituem crimes. 6. No despacho recorrido fez-se um pré-julgamento, o qual que não se coaduna nem com a natureza nem com as finalidades da face processual em causa e do despacho impugnado, previsto no artigo 311° Código de Processo Penal, sem as exigências que caracterizam a audiência de julgamento e os vários princípios que o enformam. 7. Nesse Despacho recorrido tomou-se posição final sobre o mérito da questão da verificação ou inverificação da prática dos crimes de injúria e de ameaça (p. e p. pelos art.º 181º e 153º Código Penal); o despacho recorrido procedeu a um controle sobre a existência ou inexistência de indícios do crime, o que não lhe é permitido face à nova redacção do artigo 311 ° Código de Processo Penal. 8. O despacho recorrido violou o artigo 311º Código de Processo Penal e os art.ºs 181° e 153° do Código Penal.» Termina pedindo que “o despacho recorrido de fls. 103 e segs., proferido à luz do art 311° Código de Processo Penal, o qual rejeitou a acusação do Ministério Público no tocante ao crime de ameaça p. e p. art 153° Código Penal e a acusação particular no tocante ao crime de injúria p. e p. art 181 ° Código Penal, seja revogado e substituído por outro que receba essas acusações.” * B) Recurso do assistente«1. O facto de se lançar sobre qualquer pessoa os epítetos de "filho da puta", "paneleiro" e "palhaço" não se trata da mera ~ expressão de um "desagrado", descortesia ou má educação, mas sim de um crime de injúria, sendo certo que o facto de tais expressões serem ditas no âmbito de uma discussão não afasta este entendimento. 2. Com efeito, a seguir a tese expendida no despacho recorrido, tal equivaleria a descriminalizar o crime de injúria, uma vez que, mal se compreende que as injúrias não sejam proferidas no âmbito de uma discussão, sendo certo que na acusação particular apresentada em nenhum momento se diz que as injúrias tenham sido produzidas no âmbito de uma discussão, antes da mesma, ou depois. 3. Por outro lado, não se pode afirmar, como se faz no despacho recorrido, que o arguido "(...) não pretendeu, por certo, referir-se ao assistente como sendo uma pessoa pouco digna ou sequer fazer referência à sua orientação sexual", quando não se esteve no local, constituindo meras extrapolações, conclusões e conjecturas sobre os factos participados ajuízo, tanto mais quando é certo que o assistente, como se diz na acusação particular, estava acompanhado pela namorada. 4. No crime de injúrias, tal como no crime de difamação para que se preencha o elemento subjectivo do crime não se exige que o agente queira ofender a honra e consideração alheias, bastando que saiba que, com o seu comportamento, pode lesar o bem jurídico protegido com a norma e que consciente dessa perigos idade não se abstenha de agir (cfr. o acórdão da Relação de Coimbra de 12 de Julho de 2000, publicado in CJ ano XXV, tomo IV, pago 46). 5. Basta, por isso, que o arguido impute a outrem factos ou lhe dirija palavras objectivamente injuriosas cujo significado conhece, querendo fazê-lo que se encontra preenchido o crime de injúrias (cfr. neste sentido o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 15 de Maio de 1996, relatado por Moura Pereira, publicado in www.dgsi.pt). 6. De facto, "A lei não exige, como elemento do crime de injúria da previsão dos art.ºs 181º n.º1 e 182º do Código Penal, um dano ou uma lesão efectiva da honra ou da consideração. Tratando-se de um crime de perigo basta o perigo de que esse dano possa verificar-se" (cfr. o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21 de Outubro de 1998, relatado por Costa Mortágua, publicado in www.dgsi.pt). 7. E, mesmo que se dê como provado que o arguido, ao proferir aquelas expressões, "( . .) não teve como fim ou motivo ajuizar da dignidade do assistente, isso não é suficiente para afastar o elemento objectivo do crime de injúria ", sendo que os epítetos lançados sobre o assistente tratando-se de expressões inequivocamente ofensivas e objectivamente injuriosas estão-lhe normalmente associadas a consciência de ofender, pelo que para afastar o elemento subjectivo do tipo será necessário que se dê como provado que, por qualquer circunstância anormal, o arguido estava impossibilitado de entender e querer o sentido ofensivo daquelas expressões (neste sentido o acórdão da Relação do Porto de 20 de Janeiro de 1999 que teve por relator Milheiro de Oliveira publicado in www.dgsi.pt). 8. Da prova trazida para os autos não se consegue discernir quais os hábitos das partes, nem o meio em que estas vivem, nem se nesse meio se usa linguagem menos cuidada. 9. Mas, mesmo que assim não fosse, tal como defende Faria Costa [em comentário] ao art.º 1810 do Código Penal, in "Comentário Conimbricense ao Código Penal", tomo I, pago 630, há palavras cujo sentido primeiro e último é tido por toda a comunidade falante, como ofensivo da honra e consideração, sendo que em relação a este concreto tipo de palavras não tem sentido invocar o facto de, no contexto sócio,..cultural de uma determinada pessoa, tais palavras não terem a carga pejorativa que normalmente se lhes atribui e isto mesmo que as palavras em causa não tenham significação ofensiva naquele contexto. 10. Para que se preencha o tipo de crime de injúria basta que o arguido aja com dolo eventual. 11. Os factos narrados na acusação particular e na pública relativamente ao crime de ameaça são autónomos quanto aos factos relativos ao crime de ofensa à integridade física, sendo que inexistem claramente os pressupostos de que depende a consumpção seja esta pura ou impura, porquanto nem o crime de injúrias, nem o crime de ameaça são crimes-meio relativamente ao crime de ofensas à integridade física, nem protegem, obviamente, o mesmo bem jurídico. 12. Para que se preencha o tipo legal do crime de ameaça tem de existir a cominação por parte do agente com um mal futuro dependente da vontade do agente, sendo que esse mal tem de dirigir-se contra a vida, integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e a auto-determinação sexual ou contra bens de considerável valor. 13. Os factos narrados na acusação pública são passíveis de preencher o tipo legal do crime de ameaça, porque o arguido ao dirigir ao assistente a expressão "dou-te um filho da puta de um balázio" queria dizer que em data incerta lhe daria a morte ou molestaria a sua integridade física usando para tal uma arma de fogo, sendo certo que tal expressão é apta para, em concreto, provocar medo, inquietação e prejudicar a liberdade de determinação do assistente, o que o arguido sabia e queria. 14. Acompanhando o douto acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 27 de Março de 2006, proferido em situação idêntica à presente, mas com exibição de arma de fogo, publicado in CJ ano XXXI, tomo II, pago 282 "Para a acusação, a expressão proferida com foros de seriedade, é, de acordo com a experiência comum, adequada a provocar medo ou inquietação ou a prejudicar a liberdade de determinação, mesmo quando acompanhada de uma arma de fogo. O elemento subjectivo encontra-se devidamente caracterizado, alude-se ao dolo como consciência da adequação da ameaça a provocar medo ou intranquilidade no ameaçado", sendo certo que no caso concreto o arguido nem traria consigo uma arma de fogo. 15. Pelo exposto, indiciariamente a matéria factual da acusação é susceptível de preencher o tipo legal de ameaça, porquanto os factos aí narrados não consubstanciam tentativa de execução de um qualquer outro crime, nem de um acto de execução do crime de ofensa à integridade fisica, como parece, erradamente, entender-se no despacho recorrido. 16. Fez-se um errado uso do disposto no art.º 311º, n.ºs 2 al. a) e 3 al. d) do Código de Processo Penal, devendo os autos prosseguir para julgamento, onde com maior profundidade se discutirão os factos narrados nas acusações. 17. O despacho recorrido violou ou fez errada interpretação do disposto nos art°s 153º e 181º n.º1 do Código Penal e 311º, n.ºs 1, 2 al. a) e 3 al. d) do Código de Processo Penal, não podendo, pois, manter-se. Termina pedindo que seja “revogado o despacho recorrido e substituído por acórdão que ordene o recebimento da acusação e a remessa dos autos para julgamento quanto aos crimes de injúria e ameaça (…)” * * Por sentença de 12 de Dezembro de 2007 foi decidido, para além do mais:- julgar a acusação procedente e em consequência, condenar o arguido Jorge C... pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art.º 143º, n.º 1 do C.P., na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de 6 € (seis euros ), o que perfaz o total de 600 € (seiscentos euros ). - julgar o pedido de indemnização civil parcialmente procedente, e em consequência, condenar o arguido/demandado a pagar ao demandante a quantia de 350 € (trezentos e cinquenta euros ), a que acrescem juros de mora à taxa de 4%, desde a presente data até integral pagamento; absolvê-lo da restante parte do pedido; * Inconformado com tal decisão, o arguido dela interpôs recurso, rematando a sua motivação com as seguintes conclusões que se transcrevem:«1. Na determinação do quantitativo diário, deve atender-se à situação económica e financeira do arguido e aos seus encargos pessoais; 2. Os factos praticados pelo arguido não tiveram grande gravidade; 3. O arguido é primário; 4. O quantitativo diário dos dias de multa é exagerado, visto que, variando entre o mínimo e o máximo diários e atendendo às circunstâncias de o arguido auferir o salário mínimo, e não ter outro tipo de rendimentos para além deste, o Tribunal não deveria condená-lo em mais de 1 euro por dia e um máximo de 30 dias. 5. Não teve o Tribunal em atenção as condições económicas do arguido, ao atribuir uma compensação ao assistente de 350,00 euros; 6. Andou mal o Tribunal ao condenar o arguido no valor de 350,00€ a titulo de pedido de indemnização civil a favor do lesadol assistente, na medida em que a mesma tendo em conta os factos provados, designadamente que ao arguido foi apenas determinado um período de doença de 5 dias, sem afectação da capacidade para o Trabalho Geral e sem afectação para o Trabalho Profissional; 7. O Tribunal ao condenar como condenou, o arguido em 100 dias de multa à taxa diária de 6,00€, e em 350,00€ a titulo de pedido de indemnização civil, exagerou nos quantitativos, e nem sequer os fundamentou, violando o disposto no art. 143°, 71° e 47° n.º 2 do C.P. e 374 n.º 2 do C.P.P.» Termina pedindo a revogação do “Douto acórdão na parte recorrida e proferindo outro que consagre as conclusões que antecedem, julgando procedente o presente recurso, e reduzindo a pena de multa nos moldes sobreditos e o quantitativo a titulo de pedido de indemnização civil para 150,00€” * O Ministério Público junto do tribunal recorrido pugnou pela manutenção do julgado. O assistente não respondeu ao recurso.* O recurso foi admitido, na parte criminal, por despacho constantes de fls. 287. Nos termos do mesmo despacho, nesta parte transitado em julgado, com fundamento no artigo 400º, n.2 e 403º, n.º2, alíneas a) e b), ambos do CPP, não foi admitido o recurso na parte civil, considerando-se prejudicadas as conclusões 5ª, 6ª e 7ª * Nesta Relação, o Exmo Procurador-Geral-Adjunto emitiu douto parecer pronunciando-se:- pelo não conhecimento do recurso interposto pelo Ministério Público por não ter manifestado o interesse em que o seu recurso retido fosse apreciado a final; - pela procedência do recurso interposto pelo assistente; - pela improcedência do recurso interposto pelo arguido da sentença condenatória. * Cumprido o disposto no art. 417º, n.º2 do CPP, não houve resposta.Foram colhidos os vistos legais. * * II- Fundamentação A) Recurso do Ministério Público. §1. Conforme referido, o Exmo PGA sustentou que o recurso interlocutório interposto pelo Ministério Público não deveria ser conhecido uma vez que o recorrente não manifestou interesse de que tal recurso fosse apreciado a final, ou seja, aquando da subida do que vem interposto da sentença. * §2. Em processo civil, a propósito dos agravos com subida diferida e face ao Código de Processo Civil de 1939, o Prof. Alberto dos Reis sustentava que ficavam sem efeito os agravos interpostos por aquele que depois não viesse a ser recorrente da decisão final (Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pág. 466 e vol. VI, pág. 119-120). Posteriormente, contra esta posição manifestou-se expressamente o Prof. Palma Carlos (Direito processual civil - recursos, 1968, pág. 172) As reformas legislativas entretanto operadas vieram a dar razão a este último processualista. Com efeito, dispõe o artigo 735º do Código de Processo Civil (CPC): 1.Os agravos não incluídos no artigo anterior sobem com o primeiro que, depois de eles serem interpostos, haja de subir imediatamente. 2. Se não houver recurso da decisão que ponha termo ao processo, os agravos que deviam subir com esse recurso ficam sem efeito, salvo se tiverem interesse para o agravante independentemente daquela decisão. Neste caso, sobem depois de a decisão transitar em julgado, caso o agravante o requeira no prazo de cinco dias. Conforme resulta do n.º 2 daquele normativo legal, admite-se que independentemente da decisão que ponha termo ao processo o agravante possa, excepcionalmente, continuar a ter interesse na apreciação do recurso interlocutório por o mesmo revestir interesse autónomo (por exemplo recurso de uma decisão que impõe uma multa). Nestes casos os agravos retidos sobem depois do trânsito em julgado da decisão final, desde que o agravante o requeira especificadamente no prazo de 10 dias (sobre a distinção, em processo civil, entre agravos com interesse autónomo e agravos sem interesse autónomo cfr. Castro Mendes, Recursos, Lisboa, 1980, págs. 167-168). Mas, como acentuava o Prof. Castro Mendes “Se houver recurso da decisão final, porém, seja qual for o recurso (apelação ou agravo) ou quem o interponha (o agravante cujo agravo ficou retido, ou o agravado nesse recurso), os agravos retidos sobem com este recurso dominante” (Recursos, cit, págs. 167-168; cfr. no mesmo sentido, Fernando Luso Soares, O Agravo e o seu regime de subida, Coimbra, 1982, págs. 298-300). * §3. Em processo penal, os recursos interlocutórios retidos pressupõem, para serem objecto de conhecimento, que seja interposto recurso da decisão final que os leve, por arrastamento, ao Tribunal superior (artigo 407º, n.º3 do Código de Processo Penal).Na síntese do Prof. Germano Marques da Silva, os recursos que não subam imediatamente caducarão se não for interposto recurso da decisão que puser termo à causa (Curso de Processo Penal, 2ª ed., Lisboa/S.Paulo, 2000, vol. III, pág. 345). Por outro lado, estatui o n.º5 do artigo 412º do CPP: “ Havendo recursos retidos, o recorrente especifica obrigatoriamente, nas conclusões, quais os que mantêm interesse”(sublinhado nosso). Embora a lei o não diga explicitamente, resulta do elemento sistemático de interpretação que o recurso da decisão final de que fala aquele artigo 407º, n.º 3 terá de ser interposto pelo próprio recorrente dos recursos intercalares ou interlocutórios. Não basta, portanto, que seja impugnada a decisão final sendo, ainda, necessário, diferentemente do que sucede em processo civil, que quem impugne a decisão final seja simultaneamente o recorrente dos recursos retidos. Por isso se o recorrente dos recurso retidos, podendo recorrer da decisão que põe termo ao processo, não o faz, conclui-se que não só aceita o resultado final como também as decisões interlocutórias. Neste preciso sentido se pronunciou o Ac. do STJ de 13-2-2002, proc.º n.º 4113/01-3ª rel. Leal Henriques, in SASTJ, n.º59, 53 e www. pgdlisboa pt/, o Ac. da Rel. de Évora de 30-6-2004, proc.º n.º 563/04-1, rel. Sénio Alves, in www.dgsi.pt/ e os Acs desta Relação de Guimarães proferidos nos proc.º n.º 1565/06-1ª e 1853/07-1ª , rel. Cruz Bucho. Mais recentemente e no mesmo sentido, o Prof. Pinto de Albuquerque salienta que “O recurso interlocutório retido só sobe e é julgado com o recurso interposto da decisão que puser termo à causa se o sujeito que interpôs o recurso interlocutório recorrer também da decisão que puser termo à causa. Para tanto o recorrente especifica, nas conclusões do recurso da decisão que puser termo à causa, quais os recursos interlocutórios por si interpostos que mantêm interesse”(Comentário do Código de processo Penal, Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, 2007, pág. 1030, nota 6) * §4. Pode, pois, concluir-se que os recursos interlocutórios retidos pressupõem, para serem objecto de conhecimento pelo tribunal recorrido, que seja interposto recurso, pelo mesmo recorrente, da decisão final, que os leve, por arrastamento, ao tribunal superior. E pressupõem ainda que, com a subida do recurso que os arrasta ao tribunal competente para julgamento conjunto, o recorrente especifique se e em quais ainda mantém interesse no seu conhecimento. Isto porque, entretanto, o recorrente pode ter alcançado, por outras vias processuais, a mesma finalidade que pretendia obter com o ou os recursos retidos. Destinando-se aquela especificação a evitar o julgamento de recursos que perderam relevância ou interesse com o desenrolar do processo. E sendo o recorrente o titular do interesse prosseguido nos recursos retidos, a ele compete o ónus de especificar se esse seu interesse ainda se mantém. Aliás, a razão deste regime consta expressamente do relatório do Decreto-Lei n.º 329-A/95: “Por outro lado - e no que se refere aos agravos retidos que apenas sobem com um recurso dominante - impõe-se, com base no princípio da cooperação, um ónus para o recorrente, que deverá obrigatoriamente especificar nas alegações do recurso que motiva a subida dos agravos retidos quais os que, para si, conservam interesse, evitando que o tribunal superior acabe por ter de se pronunciar sobre questões ultrapassadas, para além de correr o risco, em processos extensos e complexos, de "escapar" a apreciação de algum recurso não precludido. Na verdade, ninguém melhor que o recorrente estará em condições de ajuizar quais os recursos que efectivamente interpôs e qual a utilidade na sua apreciação final.” Não excluímos que, excepcionalmente, possa ser outra a solução para os recursos retidos com interesse autónomo quando o recorrente não possa, por falta de legitimidade, interpor recurso da decisão final, nomeadamente se o recorrente é o arguido e a sentença foi absolutória (neste sentido, cfr. Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, cit. pág. 1030, nota 7). * §5. Perante este quadro normativo, é bom de ver que o recurso interposto pelo Ministério Público não pode ser conhecido.Embora tenha sido interposto recurso da decisão final o qual, em princípio, levaria por arrastamento a este Tribunal o recurso interlocutório interposto pelo Ministério Público, o recurso daquela decisão final não foi interposto pelo recorrente do recurso intercalar, isto é, pelo Ministério Público, mas sim pelo arguido. Notificado do regime de subida fixado para o recurso interlocutório, o Ministério Público ficou a saber que o respectivo conhecimento pela instância de recurso só poderia legalmente ocorrer se viesse também a interpor recurso da decisão que pusesse termo à causa Não o tendo feito, o Ministério Público renunciou a tentar fazer valer as razões que julgava acertadas ao não apresentar recurso da decisão final, podendo fazê-lo. Conclui-se, deste modo, que podendo o Ministério Público recorrer da decisão final e não o tendo feito, não pode ser conhecido o recurso interlocutórios por ele interposto, por força das disposições conjugadas dos artigos 407º, n.º3 e 412º, n.5, ambos do Código de Processo Penal. * B) Recurso do assistente 1. Conforme sublinhámos a propósito do recurso do Ministério Público, depois de se referir que os recursos interlocutórios retidos pressupõem, para serem objecto de conhecimento pelo tribunal recorrido, que seja interposto recurso, pelo mesmo recorrente, da decisão final, que os leve, por arrastamento, ao tribunal superior, não excluímos que, excepcionalmente, pudesse ser outra a solução para os recursos retidos com interesse autónomo quando o recorrente não possa, por falta de legitimidade, interpor recurso da decisão final (nomeadamente se o recorrente é o arguido e a sentença foi absolutória). È o que se passa precisamente com o recurso intercalar do assistente. Diferentemente do que sucede com o Ministério Público que pode recorrer “de quaisquer decisões, ainda que no exclusivo interesse do arguido”[(art. 401º, n.º1, al. a)], o que se explica “atenta a natureza de órgão de justiça do MP”(Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. III, pág. 314), o assistente ( à semelhança do arguido), apenas pode recorrer “de decisões contra eles proferidas” [(art. 401º, n.º1, al. b)] e, segundo o Ac. do Plenário das secções criminais do STJ, n.º 8/99, de 30-10-1997“O assistente não tem legitimidade para recorrer desacompanhado do Ministério Público, relativamente à espécie e medida da pena aplicada, salvo quando demonstrar um concreto e próprio interesse em agir” (DR I Série de 10-8-1999 e BMJ n. 470, pág. 39). Segundo a interpretação fixada naquele acórdão uniformizador, para que o recurso do assistente, naquelas circunstâncias (recurso relativamente à espécie e medida da pena, desacompanhado do Ministério Público), possa ser admitido impõe-se a indagação de um concreto e próprio interesse em agir. O interesse processual ou interesse em agir é definido, em termos de processo civil, como a necessidade do processo para o demandante, em virtude de o seu direito estar carecido de tutela judicial. Há um interesse do demandante não já no objecto do processo (legitimidade), mas no próprio processo. Em termos de recurso em processo penal (ressalvada a posição do MP quando actua no exclusivo interesse da defesa) tem interesse em agir quem tiver necessidade deste meio de impugnação para defender o seu direito (cf Gonçalves da Costa, Jornadas de Direito Processual Penal, pág. 412). Por outras palavras “O interesse em agir consiste na necessidade de apelo aos tribunais para acautelamento de um direito ameaçado que precisa de tutela e só põe essa via logra obtê-la. Portanto o interesse em agir radica na utilidade e imprescindibilidade do recurso aos meios judiciários para assegurar um direito em perigo” (Ac. do S.TJ de 18-10-2000,proc.º n.º 2116/2000-3ª, SASTJ, n.º44, 75). Trata-se, portanto, de “uma posição objectiva perante o processo, que é ajuizada a posteriori” (citado Ac. do S.TJ de 18-10-2000,proc.º n.º 2116/2000-3ª) sendo certo que o interesse em agir “não é um interesse meramente abstracto, interesse na correcção das decisões judiciais, mas um interesse em concreto, pelo efeito que se busca sobre a decisão em benefício do recorrente, salvo no que respeita ao Ministério Público” (Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. III, 2ª ed., Lisboa/S.Paulo, págs. 330) - sobre o conceito de interesse em agir no âmbito dos recursos penais, cfr. Cunha Rodrigues, Recursos in CEJ, Jornadas de Processo Penal, Coimbra, 1988, pág. 389-390, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. III, cit., págs. 330-332, Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 5ª ed., Lisboa, 2002, págs. 52-55; Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 15ªed, Coimbra, 2005, pág. 801, Borges de Pinho, Dos Recursos penais, 2ªed., Coimbra, 2005, pág. 14. Como bem se salientou no Ac. do STJ de 29-06-2005, Proc. n.º 2041/05 - 3. rel. Silva Flor “No fundo as restrições ao direito de recurso do assistente nesta área radicam essencialmente na circunstância de o assistente poder ser movido por paixão ou por um sentimento de vingança, não se compreendendo que num sistema de justiça pública, cujo promotor é o MP, aquele possa subverter o sistema pugnando pela aplicação de uma pena que o próprio MP entende não ser justa.” Ora, no caso em apreço, o Ministério Público não interpôs recurso, conformando-se com a sentença condenatória. O assistente limitou-se a aderir à acusação pública e deduziu pedido de indemnização civil contra o arguido (cfr. fls. 93-96). Uma vez que o arguido foi condenado pelo crime de ofensas à integridade física e ainda no pagamento de uma indemnização ao assistente/demandante e que atento o valor do pedido este nunca consentiria recurso, apenas lhe restaria discordar da pena aplicada ao arguido. Não teria, por conseguinte, necessidade de tutela dos tribunais para defender um direito seu, sendo certo que o eventual agravamento da pena se inseria no exercício do jus puniendi do Estado, que ao Ministério Público cabe promover. Por isso que sempre careceria de interesse em agir [cfr. neste sentido e entre outros os Acs. do STJ de 8-11-2001, de 15-5-2002 e de 16-5-2002, todos citados in Questões merecedoras de ponderação legislativa (Reflexões dos Juízes Conselheiros das Secções Criminais), Lisboa, Junho de 2003), págs. 60-61. Porque o Ministério Público não interpôs recurso da decisão final, o assistente carecia, por conseguinte, de legitimidade para interpor recurso daquela sentença. Nestes casos, como vimos, tratando-se de recursos com interesse autónomo, como é manifestamente o recurso intercalar do assistente, o seu conhecimento não pode ficar dependente da interposição de um recurso para o qual lhe faleceria legitimidade. Por isso que, nesses casos, o conhecimento do recurso deva ficar dependente da manifestação de vontade por parte do recorrente, expressa por qualquer modo nos autos, nomeadamente na resposta ao recurso. Ora, o assistente logo em 17 de Outubro de 2007, ainda antes de o arguido ter interposto recurso da decisão final, veio declarar “que mantém interesse no recurso interposto e admitido a fls. 152, requerendo que, no momento oportuno, subam os autos ao Tribunal da Relação de Guimarães para sua apreciação (requerimento de fls. 270). Por isso que se entenda que deve conhecer-se do objecto do recurso intercalar apresentado pelo assistente * 2. Compulsados os autos constata-se que:§1. Nos autos de inquérito que estiveram na origem do presente processo, em 27 de Fevereiro de 2006 o Ministério Público acusou o arguido Jorge C..., porquanto (transcrição): «No dia 6 de Janeiro de 2006, pelas 21 h 15 m, na Rua S. Cristóvão Dom Boaventura, Oliveira do Castelo, Guimarães, o arguido agrediu fisicamente o José S..., desferindo-lhe murros que o atingiram no globo ocular direito, língua e região retro-auricular esquerda. O arguido actuou com intenção de molestar corporalmente o ofendido, o que conseguiu e quis. O ofendido é beneficiário n.º. ….(a averbar) Como consequência directa, necessária, idónea e adequada desta agressão o José S... sofreu as lesões descritas a fls. 10, designadamente, traumatismo do globo ocular direito, língua e região retro-auricular esquerda, lesões estas que lhe determinaram um período de doença de cinco dias, sem afectação da capacidade para o trabalho geral e sem afectação da capacidade para o trabalho profissional. O arguido, nessas circunstâncias de tempo e lugar, ainda ameaçou o ofendido José S... de morte, dizendo-lhe «dou-te um filho da puta de um balázio». A conduta do arguido foi adequada a produzir, na pessoa do ofendido, efectivamente, como resultado, o receio de que, no futuro, o molestasse na sua integridade física e saúde ou o matasse. O arguido actuou livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas descritas condutas eram proibidas e jurídico penalmente censuráveis. Pelo exposto, o arguido cometeu, como autor material um crime de ofensa à integridade física simples previsto e punido pelo artigo 143., n.º1, do Código Penal em concurso real com a prática de um crime de ameaça p. e p art 153°, 2, Código Penal, mas que não será de aplicar ao arguido pena de prisão superior a 5 anos face às circunstâncias do caso, nos termos do art 16°,3 do Código de Processo Penal, pelo que se R. o julgamento em Tribunal Singular.» * §2. Em 28 de Abril de 2006, o assistente José S... deduziu acusação particular e pedido de indemnização civil contra o arguido, que identificou, nos seguintes termos que se transcrevem (fls. 80 e verso): «No dia 6 de Janeiro de 2006, pelas 21:15hora, na Rua D. Cristóvão São Boaventura, freguesia de oliveira do Castelo, deste concelho, após o assistente estacionar o seu veículo, onde seguia juntamente com a sua namorada, o arguido dirigiu-se ao mesmo e insultou-o gritando: "filho da puta", "paneleiro", "palhaço". O arguido injuriou o assistente de viva voz, por forma a ser escutado por todas as pessoas que ali se encontravam, o que efectivamente sucedeu. Deste modo, o arguido praticou os factos descritos voluntária, livre e conscientemente, com intenção de atingir o assistente na sua honra e consideração social, o que conseguiu, querendo enxovalhá-lo, vexando-o e insultando-o publicamente, bem sabendo que a sua conduta era punida e proibida por lei. Em face da conduta supra descrita, o participado constituiu-se autor material de três crimes de injúria previstos e punidos pelo n.º 1, do artigo 181º do Código Penal.» Seguidamente, após ter indicado os meios de prova pertinentes, o mesmo assistente deduziu pedido de indemnização contra o arguido peticionando a sua condenação no montante global de € 1678,00. * §3.Em 4 de Maio de 2006, o Ministério Público declarou acompanhar a acusação particular “nos seus precisos termos, quanto aos factos nela vertidos, que configuram um crime de injúria p. e p. pelo art. 181º Código Penal (fls. 89).* §4. Em 25 de Maio de 2006, o assistente veio aderir integralmente à acusação pública deduzida e, por seu turno, deduzir pedido de indemnização contra o arguido peticionando a sua condenação no montante global de € 1700,00 (fls. 93-96)* §5. Remetidos os autos à distribuição, foi proferido o seguinte despacho (despacho recorrido):« O Tribunal é o competente. Não nulidades, excepções ou questões prévias que cumpra conhecer. * 1. O Ministério Público deduziu acusação contra Jorge C..., a quem imputa a prática de factos susceptíveis de integrar um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art.º 143º, n.º1 do C. P. e de um crime de ameaça, p. e p. pelo art.º 153°, n.ºs 1 e 2 do mesmo diploma. O assistente José S... deduziu também acusação particular contra o mesmo arguido, imputando-lhe a prática de três crimes de injúria, p. e p. pelo art.º 181°, n.º 1 do C.P., aderindo ainda à acusação pública. 2. Nos termos do disposto no art.º 311°, n.º 2, al. a) do C.P.P., se o processo tiver sido remetido para julgamento sem ter havido instrução, o presidente despacha no sentido de rejeitar a acusação, se a considerar manifestamente infundada. Para efeitos do disposto naquele preceito, considera-se a acusação manifestamente infundada se os factos nela descritos não constituírem crime (art. ° 311°, n.º 3, al. d ) do C.P.P. ). 3. Isto posto, vejamos os factos cuja prática é imputada ao arguido. Concretamente, o Ministério Público e o assistente alegam que o arguido, nas circunstâncias de tempo e lugar referidas nas acusações, pública e particular, agrediu o ofendido, desferindo-lhe murros que o atingiram no globo ocular direito, língua, e região retro-auricular esquerda, ameaçou-o de morte, dizendo-lhe "dou-te um filho da puta de um balázio", e insultou-o, gritando "filho da puta", "paneleiro", e "palhaço". Estes são os factos que o Ministério Público e o assistente entendem serem suficientes para integrar a prática dos ilícitos criminais que imputam ao arguido. 4. Cumpre apreciar: Nos termos do disposto no art.º 181°, n.º 1 do C.P., é punido com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 120 dias quem injuriar outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras, ofensivos da sua honra ou consideração. Dispõe, por outro lado o art. ° 153°, n.ºs 1 e 2 do C. P. que é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, se a ameaça for com a prática de crime punível com pena de prisão superior a 3 anos. A questão que aqui se nos coloca é a de saber se as afirmações produzidas pelo arguido, de acordo com o que vem descrito nas acusações, são suficientes para fundamentar a prática dos crimes de injúria e do crime de ameaça que lhe são imputados. 5. O bem jurídico que o art. ° 181 ° visa tutelar é a honra ou a consideração. Na definição dada pelo Prof. Beleza dos Santos (in R.L.J., Ano 92°, pág. 167- Algumas considerações jurídicas sobre crimes de difamação e injúria) honra é aquele mínimo de condições, especialmente de natureza moral, que são razoavelmente consideradas essenciais para que um indivíduo possa, com legitimidade, ter estima por si e pelo que vale, sendo a consideração aquele conjunto de requisitos que razoavelmente se deve julgar necessário a qualquer pessoa, de tal modo que a falta de algum desses requisitos possa expor essa pessoa à falta de consideração ou desprezo públicos. 6. Ora, da matéria de facto descrita na acusação particular, não cremos que resulte ofendido qualquer destes bens jurídicos, desde logo porque as expressões proferidas não assumem, a nosso ver, gravidade suficiente, susceptível de criar uma ofensa. Com efeito, as afirmações produzidas devem ser entendidas, não como uma injúria, mas antes como expressões incluídas num contexto de discussão ou desentendimento (de acordo, aliás com o descrito na acusação pública de fls. 59 e ss, onde ao arguido é imputada a prática de um crime de ofensa à integridade física simples), que representam algum desagrado por uma determinada situação, e não assumem autonomia face aos demais actos praticados, os quais fundamentaram, de resto, a dedução de acusação pelos restantes ilícitos. Ora, se em vez de utilizar as expressões que alegadamente utilizou, o arguido tivesse apelidado o assistente de "gatuno", "ladrão", "criminoso", ou tivesse proferido outras expressões demonstrativas do mesmo desagrado, não diríamos, certamente, que ao proferir tais afirmações, pretendia dizer que o assistente é pessoa que pratica ilícitos de natureza criminal. O mesmo sucede no que se reporta às expressões utilizadas. A ser verdadeira a matéria contida na acusação, ao praticar os factos que lhe são imputados, o arguido não pretendeu, por certo, referir-se ao assistente como sendo uma pessoa pouco digna, ou sequer fazer referência à sua orientação sexual. As expressões proferidas, em público, num contexto de discussão, não podem ter outro sentido que não a de manifestação de desagrado, não assumindo carácter injurioso. São, em vez disso, expressões muitas vezes utilizada em determinados meios onde a linguagem é em geral menos cuidada, sem que os visados, com isso, possam sentir-se ofendidos. 7. O raciocínio que acabamos de expor vale para o crime de ameaça. O que é exigido para o preenchimento do tipo é que a acção reúna certas características, não sendo necessário que em concreto chegue a provocar medo ou inquietação. Exige-se que a ameaça seja susceptível de afectar, de lesar a paz individual ou liberdade de determinação, não sendo necessário que, em concreto, tenha provocado medo ou inquietação, isto é, que tenha ficado afectada a liberdade de determinação do ameaçado. Basta que a acção seja adequada para o efeito, quer do ponto de vista do agente, quer do ponto de vista do que é geralmente reconhecido: é aquilo que Taipa de Carvalho designa por critério objectivo-individual - objectivo, no sentido de que deve considerar-se adequada a ameaça que, tendo em conta as circunstâncias em que é proferida e a personalidade do agente, é susceptível de intimidar ou intranquilizar qualquer pessoa; individual, no sentido de que devem relevar as características psíquicas e mentais da pessoa ameaçada (Comentário Conimbricense do C.P., Tomo I, em nota ao art. ° 153°). Ora, a expressão "dou-te um filho da puta de um balázio" não foi proferida isoladamente. Surge, de acordo com o referido na acusação, nas circunstâncias de tempo e lugar em que foi praticado o crime de ofensa à integridade física. Dai que, à semelhança do que ocorre com o crime de injúria, não assuma autonomia, relativamente ao crime de ofensa, que agrega todas as acções ocorridas no mesmo contexto, e que só em abstracto, ou isoladamente, poderiam integrar a prática de outros ilícitos criminais. Para melhor ilustrar o que acabamos de dizer, pense-se na seguinte hipótese: poderia o arguido ser condenado também pela prática do crime de coacção se, no decurso da agressão, tivesse agarrado o ofendido, imobilizando-o por breves instantes? Cremos bem que não. Expressões como as que foram proferidas, que servem de base à dedução da acusação pela prática do crime de ameaça e de injúria, acompanhadas da prática de um crime de ofensa à integridade física, só podem ser consideradas normais numa situação de exaltação, como é, naturalmente, o contexto em que ocorrem factos como os narrados na acusação. 8. Ora, o direito penal não se destina a tutelar o eventual excesso de sensibilidade de determinadas pessoas perante afirmações que lhes sejam dirigidas. Antes pretende punir factos que sejam objectivamente graves e geradores de ofensas a bens juridicamente protegidos. A vivência em sociedade traz contrariedades, normais, por todos sentidas, sem que isso seja, todavia, bastante para fundamentar a prática de ilícitos criminais. Cremos, por isso, que as afirmações produzidas pelo arguido não são suficientes para abalar moralmente o assistente, reduzindo a sua auto-estima, não o fazem ser alvo de falta de consideração ou desprezo públicos, nem prejudicam a sua liberdade de determinação, pelo que não se encontra preenchida, objectivamente, a previsão dos art.ºs 181°, n.º 1 e 153°, n.ºs 1 e 2 do C.P . Concluindo, somos a entender que os factos constantes da acusação pública e particular não configuram a prática de qualquer crime de ameaça ou injúria por parte do arguido, nos termos do disposto no art.º 311°, n.º 2, al. a) e n.º 3, al. d) do C.P.P . * 9. Face ao exposto, decido: - rejeitar a acusação particular deduzida pelo assistente José S... e a acusação deduzida pelo Ministério Público, esta apenas no que contende com o crime de ameaça imputado ao arguido, e em consequência, - determinar, nessa parte, o arquivamento dos autos. * Custas pelo assistente, com taxa de justiça que se fixa em 2 UC (art. 515º, n.º1, al. f) do CPP e 85º, n.º1, al. e) do CCJ)» (sublinhados no original)Seguidamente foi designado dia para julgamento do arguido pelos factos constantes da acusação pública, com o enquadramento jurídico ali referido, com as restrições resultantes do despacho que antecede, ou seja, apenas pelo crime de ofensa à integridade física simples. * 3. Entende o Tribunal a quo que os factos imputados ao arguido não são aptos a integrar a prática dos crimes de injúrias porque “as afirmações produzidas devem ser entendidas, não como uma injúria, mas antes como expressões incluídas num contexto de discussão ou desentendimento que representam algum desagrado por uma determinada situação, e não assumem autonomia face aos demais actos praticados, os quais fundamentaram, de resto, a dedução de acusação pelos restantes ilícitos” Tais “expressões proferidas, em público, num contexto de discussão, não podem ter outro sentido que não a de manifestação de desagrado, não assumindo carácter injurioso.” Não pode aceitar-se esta argumentação que o Exmo PGA não se coíbe- e com razão - de classificar como temerária. As expressões que segundo a acusação particular foram dirigidas pelo arguido ao assistente " filho da puta"; "paneleiro" e “palhaço”, qualquer que seja o conceito de honra e consideração que se perfilhe, têm um significado inequivocamente ofensivo da honra e consideração à luz dos padrões médios de valoração social, “situando-se muito para além da mera violação das regras de cortesia e de boa educação e a atingindo já o âmago daquele mínimo de respeito indispensável ao relacionamento em sociedade”(Ac. da Rel. do Porto de 14-3-2007, proc.º n.º 0616784, rel. Maria Leonor Esteves, in www.dgsi.pt). A questão já foi por nós dissecada no Ac. desta Relação de Guimarães proferido no proc.º n.º 2003/07-1ª que incidiu sobre processo igualmente oriundo do 1º Juízo Criminal de Guimarães, nos seguintes termos: «Porque assim não entendem nem o M.º Juiz nem o Exmo PGA, nada mais indicado do que dissipar todas as dúvidas com recurso a quem sabe da poda, isto é, a quem dedicou uma vida ou uma obra ao conhecimento e à divulgação da língua de Camões. Para o efeito vamo-nos limitar à expressão mais grave imputada ao arguido, isto é, ao vocábulo “filho da puta” Puta é sinónimo de mulher devassa, meretriz (Cândido de Figueiredo, Grande Dicionário da Língua Portuguesa, 25ªed, vol., III, 1996, pág. 2097), mulher de má nota, dissoluta, rameira, qualquer mulher desprezível moral e fisicamente (José Pedro Machado, Grande Dicionário da Língua Portuguesa, Lisboa, 1991, vol. III, pág. 305), mulher que se dedica à prostituição, a ter relações sexuais mediante remuneração, mulher sem moralidade; mulher com comportamento reprovável, mulher que se detesta ou se maldiz pelo seu carácter, pelas suas atitudes, pelas suas maneiras (Academia das Ciências de Lisboa, Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, 2001, II vol., 2001, pág. 3011), mulher lúbrica que se dedica à libertinagem (Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, Lisboa, 2003, tomo V, pág. 3030). Por isso, a expressão filho da puta é uma “expressão insultuosa por querer significar pessoa desprezível, ordinária, insulto utilizado para maldizer alguma coisa ou alguém” (Academia das Ciências de Lisboa, Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, 2001, vol. I, pág. 1747), “pessoa traiçoeira, desonesta, não confiável” (Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, Lisboa, 2003, tomo III, pág. 1741) é uma “expressão usada como injúria grosseira” (José Pedro Machado, Grande Dicionário da Língua Portuguesa, Lisboa, 1991, vol. III, pág. 305), utilizada “como injuria grosseira, altamente ofensiva” (António de Morais Silva, Novo Dicionário Compacto da Língua Portuguesa, 4ª ed., Lisboa, 1988, vol IV, pág. 410). Aliás, é curioso notar que, segundo sublinha José Pedro Machado, a fim de se evitar o vocábulo mal sonante se nota desde cedo, um esforço eufémico que tende a deformá-lo de várias maneiras, a mais corrente será talvez “puxa” (Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, 3ª ed., Lisboa 1977, vol. IV pág. 464, citando Gil Vicente e o poeta Chiado). Também António de Morais Silva, a propósito da palavra puxa, refere: “o mesmo que puta, emprega-se em algumas regiões por eufemismo por delicadeza e disfarce de linguagem, assim como a expressão daí derivada filho da puxa”(Novo Dicionário Compacto da Língua Portuguesa, 4ª ed., Lisboa, 1988, vol IV como pág. 411; no mesmo sentido José Pedro Machado, Grande Dicionário da Língua Portuguesa, Lisboa, 1991, vol. III, pág. 306). Não é pois de estranhar a seguinte afirmação que vimos atribuída à escritora Rita Ferro: «As duas palavras que têm mais peso para os dois sexos são ‘Filho da Puta’ para um homem, que é inultrapassável, e ‘Puta’ para uma mulher, que, mais do que um insulto é uma sentença e uma condenação» As considerações que deixámos exaradas quanto à expressão filho da puta são naturalmente extensíveis aos epípetos “paneleiro” e “palhaço”, dirigidos, segundo as acusações, pelo arguido ao assistente Como também se referiu naquele Acórdão desta Relação de Guimarães proferido no proc.º n.º 2003/07-1ª: “Não se ignora que aquelas mesmas expressões, em determinados contextos podem não assumir carácter injurioso ou difamatório, não tendo o significado registado nos dicionários, antes fazendo parte do saber comum (assim quanto à expressão filho da puta, que já deu inclusivamente título a um livro sobre os portugueses -Discurso do Filho-da-Puta, de Alberto Pimenta- e nome a um famoso cavalo de corridas inglês, ela é por vezes utilizada de forma brejeira, afectiva, carinhosa, por camadas populares em algumas zonas do País- cfr. v.g., Onésimo Teotónio Almeida, “O oitavo passageiro, DISPUTAS”, in Periférica n.º 4, disponível em www.periferica.org/numero 04, Valdemar Cruz, “Outra pronúncia”, in Expresso de 5-11-1998, também disponível no site http://ciberdúvidas.sapo.pt/diversidades e o Ac. da Rel. do Porto de 7-6-2001, Proc.º n.º 011120, rel. Clemente Lima, in www.dgsi.pt).» Simplesmente, no caso dos autos, nada, rigorosamente nada, permite afirmar que aquelas expressões tenham sido utilizadas num contexto que lhes retire o carácter injurioso que objectivamente possuem. Muito pelo contrário, daquelas acusações o que resulta é que aquelas palavras e expressões foram proferidas na sequência de um desentendimento entre o arguido e o assistente – que se fazia acompanhar pela namorada –, tendo este último sido esmurrado pelo primeiro que o atingiu no globo ocular direito, língua e região retro-auricular esquerda. Segundo a acusação particular tais expressões foram proferidas pelo arguido, de viva voz, por forma a serem escutadas por todas as pessoas que ali se encontravam como efectivamente sucedeu, com intenção de atingir o assistente na sua honra e consideração social, o que conseguiu, querendo enxovalhá-lo, vexando-o e insultando-o publicamente, bem sabendo que a sua conduta era punida e proibida por lei. O M.º juiz labora, pois, em erro evidente, quando sublinha que as afirmações produzidas devem ser entendidas, não como uma injúria, mas antes como expressões incluídas num contexto de discussão ou desentendimento e não assumem autonomia face aos demais actos praticados. Aquelas afirmações têm, conforme demonstrado, um significado inequivocamente ofensivo da honra e consideração à luz dos padrões médios de valoração social. Depois, não se percebe qual a relevância do propalado “contexto de discussão ou desentendimento”, até porque as injúrias são sempre ou quase sempre, na normalidade dos casos, proferidas num “contexto de discussão ou desentendimento.” Como foi argutamente sublinhado na motivação de recurso do assistente: (…) uma pessoa injúria outra, normalmente, quando discute com a mesma, sendo que estranho seria que uma pessoa decidisse injuriar outra se se desse bem com a mesma. Com efeito, a seguir a tese expendida no despacho recorrido, tal equivaleria a descriminalizar o crime de injúria, uma vez que, como se disse, mal se compreende que as injúrias não sejam proferidas no âmbito de uma discussão. A questão de as injúrias terem sido proferidas no âmbito de uma discussão, é, assim, totalmente irrelevante» Por outro lado, não pode, de modo algum, sufragar-se o entendimento de que “ a ser verdadeira a matéria contida na acusação, ao praticar os factos que lhe são imputados, o arguido não pretendeu, por certo, referir-se ao assistente, como sendo uma pessoa pouco digna ou sequer fazer referência à sua orientação sexual.” Em primeiro lugar, quando, num contexto de discussão e desentendimento que descamba depois em agressão física, alguém apelida outrem, em público, na presença da namorada deste último, de “filho da puta”, “palhaço” e “paneleiro”, é obvio que está a referir-se a este último como sendo uma pessoa pouco digna e a fazer referências depreciativas (e injuriosas) sobre a sua orientação sexual. Em segundo lugar, é hoje pacífico na jurisprudência e na doutrina portuguesas que o animus difamandi não integra o tipo subjectivo do crime de difamação (cfr. v.g., Augusto Silva Dias, Alguns aspectos do regime jurídico dos crimes de difamação e de injúrias, Lisboa, 1989, págs. 35-36, Oliveira Mendes, O Direito à Honra e a sua Tutela Penal, Coimbra, 1996, págs. 40 e seguintes. 63, Faria Costa, Comentário Conimbricence ao Código Penal, Tomo I, cit., pág. 612, Simas Santos e Leal Henriques, Código Penal, 2ª ed., Lisboa, 1996, vol. II, págs. 317-318, Maia Gonçalves Código Penal Anotado, 17ª ed., Coimbra, 2005, págs. 622-623, estas duas últimas obra com amplas referências jurisprudenciais), sendo suficiente para a sua realização que o agente queira com o seu comportamento ofender a honra ou consideração alheias ou preveja essa ofensa de modo a que a mesma lhe pudesse ser imputada dolosamente, ou pelo menos, como sustenta o Consº. Oliveira Mendes, partindo da construção dos crimes de difamação e de injúria, como crimes de perigo abstracto-concreto, bastando que o agente tenha consciência da genérica perigosidade da conduta ou do meio da acção previstos na norma incriminadora (O Direito à Honra e a sua Tutela Penal, cit., pág. 59). Como regra geral, também vigente nos crimes de injúrias e de difamação, a lei desinteressa-se para a existência do dolo ou intenção criminosa dos motivos do agente ou dos fins que o mesmo se propõe que apenas serão tomados em consideração em sede determinação da medida da pena [cfr. artigo 72º, n.º2 alínea c); assim também no direito espanhol (Muñoz Conde-Garcia Arán, Derecho Penal- Parte General, 6ªed., Valência, 2004, pág. 269) italiano (Marinucci-Dolcini, Manuale di Diritto Penale, 2ªed., Milão, 2006, págs. 253-254, Mantovani, Diritto Penale, 4ªed., Padova, 2001, págs. 337-338]. Finalmente, e em terceiro lugar, este é um tipo de suposições/ considerações que ao juiz não é lícito efectuar no âmbito do despacho a que alude o artigo 311º do Código de Processo Penal. * 4. Quanto ao crime de ameaças imputado ao arguido, a argumentação do despacho recorrido é igualmente inaceitável.Recorda-se o que, a este respeito, ali foi exarado: «Ora, a expressão "dou-te um filho da puta de um balázio" não foi proferida isoladamente. Surge, de acordo com o referido na acusação, nas circunstâncias de tempo e lugar em que foi praticado o crime de ofensa à integridade física. Dai que, à semelhança do que ocorre com o crime de injúria, não assuma autonomia, relativamente ao crime de ofensa, que agrega todas as acções ocorridas no mesmo contexto, e que só em abstracto, ou isoladamente, poderiam integrar a prática de outros ilícitos criminais. Para melhor ilustrar o que acabamos de dizer, pense-se na seguinte hipótese: poderia o arguido ser condenado também pela prática do crime de coacção se, no decurso da agressão, tivesse agarrado o ofendido, imobilizando-o por breves instantes? Cremos bem que não. Expressões como as que foram proferidas, que servem de base à dedução da acusação pela prática do crime de ameaça e de injúria, acompanhadas da prática de um crime de ofensa à integridade física, só podem ser consideradas normais numa situação de exaltação, como é, naturalmente, o contexto em que ocorrem factos como os narrados na acusação.» Mas não é esta a noção doutrinal e jurisprudencial de consumpção: a consumpção dá-se sendo potencialmente aplicáveis duas ou mais normas criminais, uma delas consome a protecção que a outra (também) visava (cfr. in Dicionário de Direito Penal e Processual Penal de Henrique Eiras e Guilhermina Fortes, Quid Juris, Sociedade Editora, pago 97). O que esta “tese” consagra é, antes, uma posição que não tem qualquer arrimo na lei nomeadamente no disposto no artigo 30º, n.º1 do Código Penal, como o Exmo PGA bem demonstrou no seu douto parecer. Os factos narrados na acusação particular e na pública relativamente ao crime de ameaça são “autónomos” quanto aos factos relativos ao crime de ofensa à integridade física, sendo que inexistem claramente os pressupostos de que depende a consumpção seja esta pura ou impura, porquanto nem o crime de injúrias, nem o crime de ameaça são crimes-meio relativamente ao crime de ofensas à integridade física, nem protegem, obviamente, o mesmo bem jurídico. * Conclui-se, deste modo, pela procedência do recurso do assistente, com a consequente revogação do despacho recorrido na parte em que rejeitou a acusação particular deduzida pelo assistente José S... e a acusação deduzida pelo Ministério Público (a que aquele aderiu), esta última no que contende com o crime de ameaça imputado ao arguido, e que considerou inadmissível o enxerto cível na parte relativa aos danos alegadamente sofridos na sequência daqueles crimes, o qual deverá ser substituído por outro que designe dia, hora e local para a audiência, nos termos dos artigos 312º e 313º, ambos do Código de Processo Penal, aí se equacionando a questão da qualificação jurídica dos factos no que concerne à pluralidade de crimes de injúrias imputados ao arguido.* C) Recurso do arguido1. É a seguinte a factualidade apurada no tribunal a quo:a) Factos provados (transcrição) 1. No dia 06.01.2006, cerca das 21h15m, na Rua S. Cristóvão Dom Boaventura, em Oliveira do Castelo, Guimarães, o arguido agrediu o assistente, desferindo-lhe murros que o atingiram no globo ocular direito, língua e região retro-auricular esquerda; 2. Como consequência directa e necessária desta agressão, o assistente sofreu traumatismo do globo ocular direito, língua e região retro-auricular esquerda, lesões que lhe determinaram um período de doença de cinco dias, sem afectação da capacidade para o trabalho geral e sem afectação da capacidade para o trabalho profissional; 3. O arguido actuou com intenção de molestar corporalmente o assistente, o que consegui e quis; 4. Actuou livre e conscientemente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei; 5. Durante o período de doença, o assistente sentiu dores e incómodo, designadamente, dificuldade em falar e em ingerir determinados alimentos; 6. A namorada e alguns amigos do assistente presenciaram os factos descritos na acusação, o que o fez sentir-se envergonhado e vexado; 7. O arguido não é portador de antecedentes criminais; 8. É solteiro e não tem filhos; 9. Trabalha como empregado de balcão; 10. Vive com a mãe, auxiliar de acção médica, em casa desta; 11. É uma pessoa socialmente inserida. * b) Factos não provados (transcrição) Da discussão da causa, com interesse para a decisão, não se provaram outros factos para além destes, ou em contradição com eles, designadamente: * c) Convicção (transcrição) A convicção do Tribunal resultou da apreciação do conjunto da prova produzida em audiência, analisada de acordo com as regras da experiência comum e com critérios de razoabilidade e normalidade. O arguido confirmou a existência de uma contenda com o assistente, nas circunstâncias de tempo e lugar referidas na acusação. Apesar disso, negou ter agredido o assistente, antes referindo ter sido ele o agredido, a soco e a pontapé. Mais não fez do que se defender, empurrando o assistente, e fugir. O tribunal assentou ainda a sua convicção no relatório de fls. 9 e ss., nas declarações do assistente, que confirmou os factos descritos na acusação e, bem assim, no depoimento das testemunhas: - CUSTÓDIO M..., amigo do assistente, que se encontrava no interior de um café situado nas imediações do local onde ocorreram os factos, que presenciou; - CARLOS T..., dono do referido café, onde se encontrava no momento em que ocorreram os factos, de que se apercebeu; - VERA C..., namorada do assistente, que o acompanhava no momento da agressão. Todos descreveram a situação que envolveu o arguido e o assistente por forma que, no essencial, coincidiu com a versão apresentada por este último. Prestaram depoimentos coerentes, apesar de ligeiras contradições em determinados aspectos de pormenor (relacionados, por exemplo, com a localização de cada uma das testemunhas durante e depois da agressão, com o momento em que a namorada do arguido saiu da viatura por este conduzida e com o momento em que o arguido se ausentou do local), contradições que consideramos normais, atento o lapso de tempo já decorrido desde a data da prática dos factos, e a circunstância de as testemunhas estarem posicionadas em locais diferentes e de nem todas elas estarem absolutamente concentradas no que passava no exterior do café. Ainda no depoimento destas testemunhas se baseou o tribunal, relativamente ao pedido de indemnização civil. No que se refere aos antecedentes criminais do arguido, o tribunal teve em consideração o crc junto ao processo, baseando-se ainda nas declarações e no depoimento das testemunhas por si indicadas, M... Castro, seu patrão, e A... Castro, seu colega de trabalho, no que se refere à sua personalidade.» * 2. Conforme é sabido, as conclusões do recurso delimitam o âmbito do seu conhecimento e destinam-se a habilitar o tribunal superior a conhecer as razões pessoais de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida (artigos 402º, 403º, 412º, n.º 1, todos do Código de Processo Penal e, v.g., Ac. do STJ de 19-6-1996, BMJ n.º 458, pág. 98) No recurso do arguido, são as seguintes as questões a apreciar: · Falta de exame crítico da prova relativamente à situação económica do arguido; · Deficiente fundamentação da pena; · Redução do número de dias de multa em que o recorrente foi condenado; · Redução da taxa diária da pena de multa. * A este respeito lê-se na motivação da decisão de facto:3. A questão do exame crítico da prova relativamente à situação económica do arguido. Na sua conclusão 7ª o recorrente sustenta ter havido violação do disposto no artigo 374º, n.2 do CPP. Na motivação, alega que a fundamentação da decisão de facto “não nos permite perceber qual o processo lógico que levou o Tribunal a quo a dar como provados os rendimentos e, consequentemente, apurar da correcção do seu raciocínio.” Como o próprio recorrente reconhece, a lei não impõe que o raciocínio feito pelo julgador seja demonstrado facto a facto até porque a fundamentação deve ser concisa “O tribunal assentou ainda a sua convicção no relatório de fls. 9 e ss., nas declarações do assistente, que confirmou os factos descritos na acusação e, bem assim, no depoimento das testemunhas:” Embora se reconheça que a fundamentação da decisão de facto neste ponto em particular não seja modelar, ela é suficiente por dela decorrer que os factos relativos à situação económica do arguido tiveram por fundamento, como é vulgar acontecer, as declarações do mesmo arguido. Improcede, pois, a arguida nulidade. * 4. A questão deficiente fundamentação da pena O recorrente parece sustentar a deficiente fundamentação da pena que lhe foi aplicada. Mas, não lhe assiste razão. Nos termos do n.º 3 do artigo 71º do Código Penal, na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena. Na sentença em crise é a seguinte a fundamentação da pena: «(…) Assim, consideramos que a aplicação duma pena não privativa da liberdade é suficiente para responder a tais exigências. Feita esta opção, impõe-se agora a determinação da medida concreta da pena. Esta operação deve ser feita em função dos princípios previstos no art.º 40º e 71º do C. Penal. O doseamento concreto é estabelecido numa moldura de prevenção geral, atendendo à culpa e às exigências de prevenção especial ( vide, por todos, o Ac. da Rel. de Coimbra de 17/01/96, in C.J., Tomo I, Pág. 38 ). Assim, em desfavor do arguido, temos que agiu com dolo directo, sendo mediana a ilicitude do facto. A seu favor, temos a considerar a circunstância de não lhe serem conhecidos antecedentes criminais e a escassa relevância das lesões provocadas. Assim, temos por adequada uma pena de 100 dias de multa, seja à luz do regime vigente à data da prática dos factos, seja à luz do regime actualmente em vigor.» No caso em apreço, a pena concreta imposta ao arguido foi suficientemente fundamentada, mostrando-se observado o preceituado no citado artigo 71º, n.º3 do Código Penal. * 5. A questão da dosimetria da pena de multa §1. O crime de ofensa à integridade física, cometido pelo arguido recorrente é cominado com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa até 360 dias. A este respeito não ocorreu qualquer alteração provocada pela recente reforma operada pela Lei n.º Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro. * §2. O tribunal a quo optou pela imposição de multa, opção com a qual se concorda. Conforme é sabido o Código Penal (artigo 47º) utiliza o modelo escandinavo dos dias de multa segundo o qual a fixação desta pena pecuniária se faz através de duas operações sucessivas: na primeira determina-se o número de dias de multa através dos critérios gerais de fixação das penas e na segunda fixa-se o quantitativo de cada dia de multa em função da capacidade económica e financeira do agente. Fixada a pena, em caso de a precária situação económica e financeira do condenado o justificar, o tribunal decide se o pagamento da multa pode ser autorizado em alguma das modalidades que o n.º 3 facilita (cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português- As Consequências Jurídicas do Crime, Lisboa, 1993, págs. 126-127 §143, Simas Santos e Leal Henriques, Noções Elementares de Direito Penal, 2ª ed, Lisboa 2003, pág. 187, Maia Gonçalves, Código Penal Português, 17ª ed., Coimbra, 2005, pág. 194, e Ac. do S.T.J. de 3 de Novembro de 2003, proc.º n.º 3366/03-5ª). Importa, porém, deixar consignado que a fixação da multa - como de resto em qualquer processo de aplicação do direito – não constituiu uma operação puramente lógica, mas “(…)um processo que há-de, em último termo, visar o tratamento justo do caso concreto, adequado à vontade e às intenções da lei”(Figueiredo Dias, cit., pág. 135, §158). No que respeita àquela primeira operação, segundo o n.º 1 do artigo 47º do Código Penal, a pena de multa é fixada em dias de acordo com o estabelecido no n.º1 do artigo 71º, sendo em regra o limite mínimo de 10 dias e o máximo de 360. Tendo em consideração os critérios definidos no artigo 71º do Código Penal, afigura-se-nos que a pena imposta ao arguido, de 100 dias de multa se revela inteiramente adequada. * 6. A questão do quantitativo diário da multa.Nos termos do n.º 2 do artigo 47º do Código Penal, na redacção vigente à data da prática do crime, cada dia de multa corresponde a uma quantia entre €1 e €498,80, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais. Conforme se salientou no douto Ac. do STJ de 2-10-1997 (Col. de Jur., Ano V, tomo 3, págs. 183-184) “como a multa é uma pena, o montante diário da mesma deve ser fixado em termos de tal sanção representar um sacrifício real para o condenado, sob pena de se estar a desacreditar esta pena, os tribunais e a própria justiça, gerando um sentimento de insegurança, de inutilidade de impunidade”. Também o Prof. Taipa de Carvalho assinala em termos incisivos que “a multa enquanto sanção penal, não pode deixar de ter um efeito preventivo e, portanto, não pode deixar de ter uma natureza de pena ou sofrimento, isto é e por outras palavras, não pode o condenado a multa deixar de a ‘sentir na pele’ (As Penas no Direito Português após a Revisão de 1995, in Jornadas de Direito Criminal-Revisão do Código Penal, ed. do Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, 1998, vol II, pág. 24) e já antes o Prof. Figueiredo Dias, salientara que “é indispensável (…), que a aplicação concreta da pena de multa não represente uma forma disfarçada de absolvição ou o Ersatz de uma dispensa ou isenção de pena que não se tem coragem de proferir” (Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Lisboa, 1993, pág. 119, §123). A este respeito recorda-se que se provou que: · o arguido é solteiro e não tem filhos; · Trabalha como empregado de balcão; · Vive com a mãe, auxiliar de acção médica, em casa desta; · É uma pessoa socialmente inserida. Afigura-se-nos, deste modo, que a taxa diária de €6 (seis euros), imposta na sentença recorrida se reputa perfeitamente ajustada à situação económica e financeira do arguido e dos seus encargos pessoais. A este respeito, importa deixar consignadas três breves notas A primeira para assinalar que ao contrário do que pretende o recorrente, não se provou que o arguido aufira o salário mínimo nacional, nem que não tenha outro tipo de rendimentos para além daquele que aufere do seu trabalho. A segunda para consignar que, também contrariamente ao que o recorrente parece ter como uma evidência, juridicamente a circunstância de constar dos autos “o apoio judiciário requerido e concedido” só por si não demonstra a insuficiência económica do recorrente. As decisões da Segurança Social relativas a apoio judiciário não vinculam os Tribunais no que concerne à situação económica, profissional, social e familiar do arguido. Finalmente, neste domínio da determinação da pena de multa e da respectiva taxa diária – como, de resto, em tudo na vida - há que ter o sentido das proporções, impondo-se critérios de razoabilidade. A pretensão do recorrente em ser condenado em 30 dias de multa à taxa mínima de €1, num total de €30, é irrazoável. Com €30 o recorrente não enche sequer metade do depósito do Renault Clio que, segundo declarou à Segurança Social, adquiriu em 2006… Por isso, como bem se salientou na douta resposta do Ministério Público junto da 1ª instância, “Condenar-se alguém pela prática de um crime numa multa de €30, num montante idêntico a uma vulgar coima pelo mínimo por estacionamento indevido de veículo, mais não seria que um simulacro de punição.” Na síntese do douto parecer do Exmo PGA: “(…) a impetrada fixação da mesma [taxa diária] em 1,00€ colocaria o seu montante num valor tido como adequado aos indigentes; e o ‘quantum’ da pena em 30 dias de multa, faria com que esta, ficasse abaixo do limiar mínimo de defesa do ordenamento jurídico, e como tal seria, comunitariamente insuportável.” * Em face do exposto, acordam os juízes desta Relação em: a) não conhecer do recurso intercalar interposto pelo Ministério Público; b) julgar procedente o recurso intercalar interposto pelo assistente e, em consequência, revogar o despacho recorrido na parte em que rejeitou a acusação particular deduzida pelo assistente José S... e a acusação deduzida pelo Ministério Público (a que o assistente aderiu), esta última no que contende com o crime de ameaça imputado ao arguido, o qual deverá ser substituído por outro que designe dia, hora e local para a audiência, nos termos dos artigos 312º e 313º, ambos do Código de Processo Penal, nos moldes supra mencionados. c) julgar improcedente o recurso do arguido, confirmando a sentença recorrida. * Custas pelo arguido/recorrente, com 5 UC de taxa de justiça.* Guimarães, 11 de Junho de 2008 |