Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
612/07-2
Relator: FERNANDO MONTERROSO
Descritores: TRANSGRESSÃO
AUTO-ESTRADA
FALTA DE PAGAMENTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/21/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO
Sumário: I – Se um veículo passa por uma portagem de Via Verde com equipamento identificador correspondente a outro, não é cometida a infracção prevista na Base LII, nº 2 do Dec.-Lei 248-A/99 de 6 de Julho, na redacção do Dec.-Lei 42/04 de 2-3, pois esta norma apenas pune “a falta de pagamento de qualquer taxa de portagem” e não o pagamento em desacordo com as condições previstas no contrato de adesão para a utilização daquela modalidade de circulação e pagamento.
II – Com efeito, só se poderia considerar ter havido “falta de pagamento” se à passagem do veículo da recorrente não tivesse correspondido a entrada do valor correspondente no património da concessionária, ou da proprietária da Via Verde, o que, no caso, não sucede.
III – Em tal situação, não há viciação porque não é feito uso de um meio fraudulento, de um meio produtor de engano causador de dano ou prejuízo para a concessionária autuante, já que o título de transporte não possui transformação que evite o pagamento da taxa devida ou o pagamento de uma taxa inferior à merecida.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
No 3º Juízo Criminal de Braga, em processo por contravenção (Proc. 8.040/06.0TBBRG), foi proferida sentença que condenou a arguida S prática de uma contravenção p. e p. no nº 2 da Base LII anexa ao Dec.-Lei 248-A/99 na multa de € 85,50.
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A arguida interpôs recurso desta sentença.
Suscita as seguintes questões:
- a despenalização do comportamento da arguida, por actualmente ser punido pelo direito contra-ordenacional;
- a inexistência dos elementos típicos da contravenção;
- a existência de contradição insanável entre a fundamentação e a decisão.
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Respondendo, a magistrada do MP junto do tribunal recorrido defendeu o não provimento do recurso.
Nesta instância o sr. procurador geral adjunto emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
Cumpriu-se o disposto no art. 417 nº 2 do CPP.
Colhidos os vistos, realizou-se a audiência.
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I – Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos (transcrição):
1 – No dia 9 de Novembro de 2005, pelas 14h24 minutos, o veículo com a matrícula AQ, marca Peugeot, da classe 1, com registo a favor de S, conduzido por pessoa não identificada no momento e que aquele titular não identificou, apesar de notificado nos termos do nº 1 do art. 4 do Dec.-Lei 130/93 de 22 de Abril, passou pela via verde da barreira de portagem de Figueiredo, comarca de Braga, da A11, Auto Estrada Braga/Guimarães, sem que fosse portador de equipamento identificador tendo pago a taxa de portagem devida, no montante de € 8,55, conforme documento junto em sede de audiência.
2 - Agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida.
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FUNDAMENTAÇÃO
A redacção da matéria de facto pode ser fonte de equívoco. Foi dado como provado que o veículo matrícula 68-AQ-0... “passou pela via verde da barreira de portagem de Figueiredo, comarca de Braga, da A11, Auto Estrada Braga/Guimarães, sem que fosse portador de equipamento identificador”.
Porém, o que se quis significar foi que o veículo matrícula AQ passou pela via verde com o equipamento identificador de outro veículo – o matrícula QN. A referência feita ao documento junto na audiência demonstra que assim é. Trata-se de uma fotocópia de um «Extracto/Recibo» de «Pagamento de Serviços no Sistema Via Verde», onde está mencionada uma passagem do veículo QN às 14h24m do dia 9-11-2005 pelo nó de Figueiredo. A coincidência da data, hora e local de passagem não pode ter outro significado. Aliás, de outro modo, não se compreenderia que se tivesse igualmente considerado provado que foi “paga a taxa de portagem devida”.
Posto isto, há que decidir se os factos cabem na previsão da Base LII, nº 2 do Dec.-Lei 248-A/99 de 6 de Julho, por cuja violação a recorrente foi punida, que diz (na redacção do Dec.-Lei 42/04 de 2-3):
A falta de pagamento de qualquer taxa de portagem será punida com multa, cujo montante será igual a 10 vezes o valor da respectiva taxa de portagem, mas nunca inferior a €25 e o máximo igual ao quíntuplo do montante mínimo”.
Ora, esta norma apenas pune “a falta de pagamento de qualquer taxa de portagem” e não o pagamento em desacordo com as condições previstas no contrato de adesão para a utilização da Via Verde. Só se poderia considerar ter havido “falta de pagamento” se à passagem do veículo da recorrente não tivesse correspondido a entrada do valor correspondente no património da concessionária, ou da proprietária da Via Verde.
Outra interpretação violaria o «princípio da legalidade». Indica este que “a legalidade dos actos ilícitos é conseguida através da técnica da tipicidade, que consiste em descrever, de forma clara, precisa e rigorosa, a conduta ou o facto considerados criminalmente reprováveis. Esta descrição é aquilo que constitui o que se chama “tipo” e assim aquela conduta ou aquele facto são chamados “conduta típica” ou “facto típico” – Teresa Beleza, Direito Penal, citado por Beça Pereira, em anotação ao art. 2 do RGCO.
Repete-se, no caso, houve o pagamento através de um equipamento que estava afecto a outro veículo. Mas isso não cabe no conceito de «falta de pagamento».
Como bem assinala o sr. procurador geral adjunto no seu parecer, é um comportamento que a partir da entrada em vigor da Lei 25/06 de 30-6 passou a constituir contra-ordenação – cfr. art. 5 al. b). Sendo os factos anteriores a este Dec.-Lei, o mesmo não é aplicável.
Em resumo e voltando a citar aquele parecer, “o uso de um identificador electrónico usado num veículo a que aquele não estava afecto não constitui matéria contravencional. Assumia e assume importância para efeitos contratuais. E não se diga que se está diante de um pagamento viciado de portagem previsto na Base LII acima citada. Não há viciação porque não é feito o uso de um meio fraudulento, de um meio produtor de engano causador de dano ou prejuízo para a concessionária autuante. O título de transporte não possui transformação que evite o pagamento da taxa devida ou o pagamento de uma taxa inferior à merecida”.
Ficam prejudicadas as demais questões suscitadas no recurso.
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DECISÃO
Os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães, concedendo provimento ao recurso, absolvem a arguida S.
Sem custas.