Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1180/08-2
Relator: AUGUSTO CARVALHO
Descritores: ACESSÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/30/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: JULGADA IMPROCEDENTE
Sumário: 1. Não pode haver caso julgado, quando o pedido subsidiário, embora submetido ao conhecimento do tribunal, este não proferiu decisão sobre ele;
2. Se o valor que as obras tiverem trazido à totalidade do prédio for maior que este tinha antes, dispõe o citado artigo 1340º, que o autor da incorporação adquire a propriedade dele, pagando o valor que o prédio tinha antes daquelas;
3. Conforme tal valor seja superior ou inferior ao que o prédio tinha antes da incorporação, assim o direito de adquirir, por acessão, pertencerá ao interventor ou ao dono do terreno;
4. O montante pecuniário a que o dono do terreno tem direito deve corresponder à expressão monetária actualizada do valor que ele tinha antes da edificação, por referência ao momento em que o autor da edificação manifestou a vontade de adquirir o direito de propriedade por acessão.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães


O Estado Português – Ministério da Educação/Secretaria de Estado da Administração Educativa/Direcção Regional de Educação do Norte, representada em Juízo pelo Ministério Público, intentou a presente acção declarativa, com processo ordinário, contra António R... e mulher Laura M..., pedindo se declare que é dono do terreno com a área de 30.680 m2, sito no lugar da Junqueira do Norte, Esposende, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1340 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Esposende sob o nº 00523, por o haver adquirido por acessão industrial imobiliária e que já pagou aos réus, em 27 de Agosto de 1980, a quantia global de 6.010.000$00, a título de preço do referido terreno, condenando-se os RR. a reconhecerem tal declaração.

Os réus contestaram alegando em suma que no processo nº 83/92 que correu termos no 1º Juízo deste tribunal intentado pelos ora réus contra o Estado Português, este deduziu pedido reconvencional pedindo se declarasse reconhecido ter adquirido por acessão industrial imobiliária a parcela em causa e que, por acórdão proferido em 12 de Março de 1996 pelo Supremo Tribunal de Justiça, foi o Estado condenado no pedido, ou seja, a reconhecer que os ora réus eram proprietários e legítimos donos da identificada parcela de terreno, mais declarando não conhecer do pedido reconvencional formulado pelo Estado por entender que este “deixou cair esse fundamento, por não ter interposto recurso da sentença”.
Concluem, assim, os réus que se verifica a excepção de caso julgado, devendo ser proferida decisão de absolvição. Caso assim se não entenda, alegam os réus que, ao construir no aludido terreno, o autor não podia ter a convicção de que o terreno era próprio, pois conhecia a pendência da impugnação do acto administrativo declarativo da expropriação e a sua consequente precariedade, não se verificando por isso a boa-fé, que constitui requisito previsto no nº 4 do artigo 1340º do C. Civil. Mais alegam os réus que o valor de mercado do mesmo terreno, por urbanizável, é muito superior ao valor alegado pelo autor com o custo das obras.

O autor apresentou réplica, na qual pugna pela não verificação da excepção de caso julgado.

Foi proferido despacho saneador em que se julgou improcedente a excepção de caso julgado deduzida pelos réus, tendo sido interposto, a fls. 178, recurso de agravo.

Procedeu-se a julgamento e, a final, foi proferida sentença, na qual a acção foi julgada parcialmente procedente e, em consequência, a) declarado que o autor Estado Português é dono e proprietário do terreno com a área de 30.680 m2, sita no Lugar da Junqueira do Norte, Freguesia e Concelho de Esposende, inscrito na matriz predial urbana de Esposende


com o artigo 1340 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Esposende sob o nº 00523, que confronta a Norte com Francisco E... e outros, a sul com Helena S... e outros, a nascente com a Av. Dr. Henrique de Barros Lima e do poente com a Av. Engenheiro Arantes de Oliveira, por o ter adquirido por acessão industrial imobiliária; b) foi o autor condenado a pagar aos réus herdeiros de António R... e Laura M..., no prazo de trinta dias a contar do trânsito em julgado da sentença, a indemnização no valor de Esc. 1.445.240$00 ou o seu contra-valor em euros ( 7.208,83 euros), actualizado de acordo com a variação dos índices de preços no consumidor, publicados pelo Instituto Nacional de Estatística, desde o início do ano de 1981, até à data da sentença, o que corresponde, actualmente, ao montante de 60.735,44 euros (12.176.362$00), sob pena de caducidade do direito reconhecido na alínea a) supra; c) foram os réus condenados a reconhecerem o direito do autor supra aludido.

Quanto ao recurso de agravo interposto a fls. 178, os réus formularam as seguintes conclusões:
1.Na acção ordinária que correu termos sob o nº 83/92 do 1º Juízo, o recorrido Estado Português deduziu reconvenção em que os sujeitos processuais, a causa de pedir e os pedidos eram, como o próprio despacho recorrido reconhece, em tudo iguais aos da presente acção.
2.Não obstante, no referido processo, o STJ, pelo acórdão de 12.3.1996, decidiu condenar o Estado no pedido referido em 4.A), B) e C).
3.Como tal, a referida reconvenção não logrou êxito.
4.Ora, como ensina Manuel de Andrade, julgada procedente uma acção de reivindicação, não pode o réu vir depois com uma nova acção dessas contra o autor, fundado em que tinha adquirido por usucapião (no caso sub judice, mutatis mutandis por acessão industrial imobiliária) a propriedade do respectivo prédio.
4.A ser admissível tal situação e se a nova acção pudesse triunfar e valesse a correspondente decisão, seria contrariada a força de caso julgado que cabe à sentença anterior (no caso em apreço, dita decisão de 12.3.96 do nosso mais alto Tribunal). Tirava-se ao réu um bem que a mesma sentença lhe tinha dado.
5.E iria repristinar uma questão anterior, já levantada pelo Estado recorrido em sede de reconvenção, que deixou cair, por não haver interposto o competente recurso e em que, portanto, não logrou êxito – cfr. Acórdão do STJ, de 25.11.1997, BMJ 471-329.
6.Incontestável assim, que se verifica a excepção do caso julgado invocada pelos recorrentes, solução que se sincroniza, aliás e também, com os princípios de que toda a defesa deve ser deduzida na contestação, com excepção dos factos superveinientes, o que não é o caso (artigo 489º do C.P.C.) e de que a decisão corresponde à situação existente no momento do encerramento da discussão (artigo 663º, nº 1, do C.P.C.), razão por que não pode ser alterado o decidido pelo douto acórdão do STJ, de 12.3.96, transitado em julgado, com fundamento em factos anteriores à sua prolação.
7.Isto é dizer que, julgando inverificada a excepção de caso julgado invocada pelos recorrentes, a decisão impugnada violou os artigos 494º, nº 1, alínea i), 497º, nº 1 e 2 e 493º, nº 2, todos do C.P.C.

Recurso de apelação:
Inconformados com a sentença proferida, autor e réus recorreram para esta Relação.
O autor Estado Português formulou as seguintes conclusões:
1.O valor a pagar pelo beneficiário da acessão industrial imobilária tem a natureza de dívida de valor.


2.As dívidas de valor não estão sujeitas ao princípio nominalista previsto no artigo 550º do C.C.
3.A aquisição por acessão industrial imobiliária é de funcionamento automático, isto é, não depende de manifestação de vontade do seu beneficiário.
4.Por isso, não há que proceder à actualização do valor que o terreno tinha antes da incorporação das obras, já que a lei a ela se opõe.
5.Por outro lado, não tendo qualquer das partes pedido a actualização de tal valor, o tribunal não pode a ela proceder oficiosamente.
6.Destarte, a decisão recorrida, ao actualizar o valor que o Estado foi condenado a pagar aos réus, no montante de 7.208,83 euros, violou o disposto nos artigos 1340º, nº 1, do C.C., e 661º, nº 1, do C.P.C. e, ainda, o acórdão uniformizador de jurisprudência nº 13/97, de 15.10.96, publicado no D.R., I Série – A, de26.11.1996, rectificado no DR, I Série – A, 13.1.1997.

Os réus formularam as seguintes conclusões:
1.A procedência que se espera, como irrefutável, do agravo, oportunamente, interposto, será causa prejudicial do presente recurso. Não obstante, sempre se dirá que:
2.É pressuposto da aquisição da propriedade, através da figura jurídica da acessão industrial imobiliária a boa fé do autor da incorporação.
3.Boa fé que consiste, nos termos legais (nº 4, do artigo 1340 do C.C.) em o autor da obra desconhecer que o terreno era alheio ou a incorporação ter sido autorizada pelos donos do terreno, aqui os réus.
4.Resulta provado nos autos (alínea c) dos factos assentes) que a obra se iniciou em Janeiro de 1979.
5.Provado está também que os réus haviam, nessa altura, interposto recurso de anulação da expropriação, já em Junho de 1978.
6.Transparecendo da certidão que juntaram aos autos com a sua contestação que solicitaram também a suspensão da executoriedade do acto expropriativo, que lhes foi denegada.
7.Tendo procedido, por Acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo, a peticionada anulação do Despacho Ministerial que decretara a expropriação dos terrenos em que veio a ser construída a escola – alínea F) dos factos assentes.
8.Destarte, não podia o autor ignorar que os réus, embora por forma juridicamente correcta e não violenta, se opunham à construção e se arrogavam a propriedade dos terrenos em causa, que o tribunal confirmou.
9.E, respigando o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 22.6.2005, que ao adiante se junta, a título de parecer – artigo 525º do C.P.C.: “como tem sido entendido, não age de boa fé quem sabe ou admite que a construção é feita em terreno alheio.
Nulo por falta de forma legal o negócio realizado… (aqui a expropriação, dizemos nós), não produziu qualquer efeito translativo da propriedade”. Cfr. também o acórdão do STJ, de 25.9.1999, CJ, II, pág. 110.
10.O que o autor, nesses processos intervindo, não podia deixar de saber ou admitir.
11.Óbvia, assim, a conclusão de que, no caso em presença, não se verifica o requisito da boa fé do autor da incorporação que a levou a cabo, não obstante saber da oposição por via judicial (única admissível) e que os réus se arrogavam a propriedade dos terrenos, alegando a nulidade (que vieram a ver reconhecida) da expropriação dos mesmos.
12.Muito menos logrou o autor provar “…como elemento constitutivo do seu direito (artigo 342º, nº 1) que a incorporação foi autorizada pelo dono do terreno” – citado acórdão do STJ, de 22.6.2005 – o que, embora haja sido alegado, não logrou o autor provar – cfr. resposta ao quesito 3º, no qual se perguntava se a construção realizada pelo autor foi autorizada pelos proprietários.
13.Acresce que, o autor não logrou e não está provado ou apurado qual a valorização que a obra realizada trouxe aos terrenos, que não é necessariamente aquele que o autor despendeu referente ao contrato de empreitada, cujo preço não constitui, necessariamente e em termos de mercado, valorização de um terreno urbanizável, como era o dos autos – resposta ao quesito 6º.
14.Sempre na esteira do pensamento do recente acórdão do STJ, de 22.6.2005, que vimos seguindo de perto, aqui aplicável mutatis mutandis “…apesar de o recorrente ter despendido…nessa obra, não pode julgar-se apurado que acrescentou qualquer valor ao lote (aqui terrenos) em que foi implantada, podendo, inclusivamente, constituir um desvalor.
15.Não se verificam, assim, os requisitos constitutivos do direito de aquisição por acessão industrial imobiliária que são a boa fé do autor na incorporação e não foi alegado, nem provado qual o valor que as obras trouxeram à totalidade do prédio, o que é diferente do preço da empreitada. Cfr. também o acórdão do STJ, de 24.1.2002, in www.dgsi.pt.
16.Alega o autor, na sua petição inicial que a obra de construção da escola lhe custou 500.000.000$00, o que, pelo menos, constitui negligência grave, tanto mais que
17.Foi junto aos autos documento donde consta que a respectiva empreitada terá custado 110.491.178$90, o que o autor não podia ignorar. Com dolo ou negligência,
18.Alegou, assim, factos cuja inverdade não podia deixar de conhecer e, sendo embora o Estado, não pode o autor deixar de ser condenado como litigante de má fé, em indemnização a favor dos réus, que deverá ser fixada em quantia não inferior a 1.000,00 euros.
19.A decisão recorrida, ao decidir como o fez, violou os artigos 1340º do C.C. e 456º do C.P.C.
O autor apresentou contra-alegações, concluindo pela improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

A sentença recorrida considerou assentes os seguintes factos:
1.Em 15 de Dezembro de 1978, no âmbito do processo de expropriação por utilidade pública que correu termos neste TJ de Esposende sob o nº 119/78 e, na sequência de douto despacho judicial, foi entregue ao Estado (Ministério da Habitação e Obras Públicas – Direcção Geral das Construções Escolares), porque adjudicada a propriedade e a posse, de uma parcela de terreno com a área de 30.680 m2, sita no Lugar da Junqueira do Norte, freguesia e Concelho de Esposende, destinada à construção da Escola Secundária de Esposende (cfr. certidão de fls. 25, 25 v e 26 do processo de expropriação por utilidade pública sob o nº 119/78) – alínea A) dos factos assentes;
2.Essa parcela de terreno, actualmente terreno/edifício inscrito e descrito na CRP de Esposende sob o nº 00523 e inscrito na matriz predial urbana de Esposende sob o nº 1340 nos SF de Esposende, confrontando a Norte com Francisco E... e outros (actual Rua e casas de habitação), a Sul com Helena S... (actual casas de habitação) e outros, a Nascente com a Av. do Brasil (actual Av. Dr. Henrique de Barros Lima) e a Poente com a Av. Marginal (actual Av. Arantes de Oliveira), foi destacado do prédio rústico denominado “Bouça do Norte”, terreno de mato e pinheiros, inscrito e descrito na CRP de Esposende sob os nºs. 0000484 e 00485 (descrito anteriormente sob os nºs. 10.293 a fls. 10vº do Livro B-27 e 13459 a fls. 3 vº do Livro B-35) e inscrito nas matrizes prediais rústicas de Esposende sob os nºs. 122 e 121 nos SF de Esposende (cfr. certidão composta por 6 folhas da CRP de Esposende do teor das descrições e de todas as inscrições em vigor dos prédios 523, 484 e 485 e certidão composta por 1 folha dos SF de Esposende do teor da matriz predial urbana com o nº 1340) – alínea B) dos factos assentes;
3.Desde os inícios do mês de Janeiro do ano de 1979 até aos inícios do ano de 1981, o Estado português [Ministério da Habitação e Obras Públicas (MHOP) – Direcção Geral das Construções Escolares (DGCE)] iniciou as obras de infra-estrutura e de estrutura necessárias para a implantação das instalações de uma escola secundária, tendo sido construídos, numa área coberta de 4.750 m2, cinco blocos/ edifícios, sendo dois de um piso (destinados à área administrativa e ao pavilhão gimnodesportivo) e três de três pisos (destinados à componente lectiva com salas de aulas, laboratórios. etc.), obras e edifícios esses, implementados nesse terreno, destinados a albergar todas as estruturas necessárias ao normal funcionamento de uma escola secundária – alínea C) dos factos assentes;
4.Funcionamento normal esse que se iniciou no ano lectivo de 1981/82, em inícios de Julho de 1981, com a instalação da denominada Escola Secundária Henrique Medina, e que se mantém até ao mês de Abril de 2001, passados 20 anos, instituição essa integrante do Estado Português, ora A. [Ministério da Educação (ME) – Secretaria de Estado da Administração Educativa (SEAE) – Direcção Regional de Educação do Norte – alínea D) dos factos assentes;
5.Os RR. António R... e mulher Laura M... receberam em 27 de Julho de 1980 o montante de 3.567.957$50 e respectivos juros, e em 22 de Agosto de 1980 o montante de 2.442.042$50 e respectivos juros, isto é, receberam o montante global de esc.6.010.000$00 seis milhões e dez mil escudos) e respectivos juros, a título do preço da justa indemnização por tal terreno, com a área de 30.680 m2, no âmbito do referido processo por expropriação por utilidade pública que correu termos neste TJ de Esposende sob o n º 119/78 e na sequência do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20.03.1980 (cfr. certidão de fls. 173 a 180, 202, 202v, 204 a 205v desse processo de expropriação por utilidade pública sob o nº 119/78) – alínea E) dos factos assentes;
6.Os RR. António R... e mulher Laura M... intentaram em 21 de Junho de 1978 recurso directo de anulação do acto expropriativo (despacho do Secretário de Estado das Obras Públicas de 6 de Junho de 1978 in DR II Snº 143 de 24 de Junho de 1978) que declarou a utilidade pública e a urgência da expropriação do referido terreno (então parcela) o qual acabou por ser anulado por Acórdão do Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Administrativo de 22 de Abril de 1981, por enfermar de vício de forma por falta de fundamentação (cfr. certidão de fls. 37 a 50 do proc. sob o nº 82/92 do 1º Juízo do TJ de Esposende e certidão do STJ de fls. 97 a 109 destes autos) – alínea F) dos factos assentes;
7.E, por Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 30 de Junho de 1983, foi declarada a inexistência de causa legítima de inexecução do referido Acórdão do Tribunal Pleno, concluindo-se que a sua execução poderia consistir na emissão de um novo acto expropriativo expurgado daquele vício (cfr. certidão de fls. 37 a 50 do processo sob o nº 82/92 do 1º Juízo do TJ de Esposende, sendo uma certidão do STA de fls. 70 a 96 destes autos) – alínea G) dos factos assentes;
8.Em 8 de Julho de 1992 os ora RR. António R... e mulher Laura M... intentaram neste Tribunal Judicial acção ordinária contra o ora A. Estado Português (que correu termos sob o nº 83/92 do 1º J.) na qual pediram que se declarasse: a) serem os legítimos donos e proprietários do prédio rústico denominado Bouça do Norte, terreno de mato e pinheiros; b) que a ocupação e utilização do referido terreno (então parcela) com a área de 30.680 m2 pelo Estado era insubsistente, carecida de título e ilegal; e que se condenasse o Estado a reconhecer-lhes o referido direito de propriedade e a restituir-lhes o referido terreno (então parcela), com a área de 30.680 m2 (cfr. certidão de fls. 117 a 134 destes autos) – alínea H) dos factos assentes;


9.Por Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Março de 1996 foi essa acção julgada procedente e o Estado condenado no pedido (cfr. certidão de fls. 142 a 149 destes autos) alínea I) dos factos assentes;
10.Por despacho com o nº 119/ME/96 de 5 de Junho de 1996, do Ministro da Educação, in DR II S nº 146 de 26 de Junho de 1996, foi renovado o acto expropriativo, tendo os RR. António R... e mulher Laura M... intentado no Supremo Tribunal Administrativo recurso contencioso desse despacho, tendo a 1ª Secção dado provimento ao mesmo por Acórdão de 27 de Maio de 1998, anulando o referido despacho do ME, o que foi confirmado por Acórdão de 15 de Março de 2001 do Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Administrativo, ainda não transitado (cfr. fotocópia da notificação ao ME desse Acórdão e fotocópia do mesmo, tudo constituído por 18 folhas) alínea J) dos factos assentes;
11.As obras referidas na alínea C) dos factos assentes foram feitas pelo Estado Português, na convicção que a parcela de terreno em litígio lhe pertencia – resposta ao quesito 1º da base instrutória;
12.Sendo efectuadas à vista de todos, designadamente dos RR. – resposta ao quesito 2º da base instrutória;
13.No período de tempo a que alude a alínea C) dos factos assentes, para além da interposição do recurso referido na alínea F) dos factos assentes, os réus não praticaram quaisquer actos demonstrativos da sua oposição à edificação da Escola por parte do A resposta ao quesito 3º da base instrutória;
14.Para a construção da Escola Secundária referida na alínea C) dos factos assentes, o Estado despendeu a quantia de 110.491.178$90, referente ao contrato de empreitada celebrado em Março de 1979 – resposta ao quesito 4º da base instrutória;
15.O valor do terreno a preços de mercado, ao tempo da implantação das obras referidas na alínea C) dos factos assentes era de 7.455.240$00 – resposta aos quesitos 5º e 7º da base instrutória;
16.O dito terreno era, à data das obras, urbanizável – resposta ao quesito 6º da base instrutória.
17.No Diário da República nº 179, II Série de 3.8.1984, foi publicado o despacho do Senhor Secretário de Estado das Obras Públicas, proferido em 17.7.1984, com o teor do documento de fls. 739 – alínea L) dos factos assentes.

São apenas as questões suscitadas pelos recorrentes e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar – artigos 684º, nº 3 e 690º, nº 1, do C. P. Civil.
As questões a decidir são as seguintes: se se verifica a excepção dilatória do caso julgado; se ocorre a falta de dois pressupostos substantivos da acessão industrial imobiliária: a boa fé por parte do autor da incorporação e o valor que as obras trouxeram ao prédio; se se deve proceder à actualização do valor que o terreno tinha antes da incorporação; a litigância de má-fé do autor.

Recurso de agravo:
I.Os réus defendem a existência da excepção dilatória do caso julgado, uma vez que, na acção ordinária que correu termos sob o nº 83/92 do 1º Juízo, o recorrido Estado Português deduziu reconvenção em que os sujeitos processuais, a causa de pedir e os pedidos eram, em tudo, iguais aos da presente acção.

Verifica-se a excepção do caso julgado, nos termos do artigo 497º do C.P.C., se uma causa se repete depois da primeira ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário.
Repete-se a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir – artigo 498º do C.P.C.
E, como expressamente refere o citado artigo 497º, a excepção do caso julgado tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior.
De facto, como refere o despacho recorrido, não restam dúvidas de que há identidade de sujeitos nas duas acções: as partes são as mesmas sob o ponto da sua qualidade jurídica, assumindo, inclusivamente, a mesma identidade. Do mesmo modo, existe também identidade, no que concerne à causa de pedir: é o mesmo o facto jurídico de onde deriva o direito que o autor se arroga na presente acção e o facto jurídico em que assentou o pedido reconvencional na acção anterior: a existência da figura da acessão industrial imobiliária que permitiria ao Estado Português vir a ser reconhecido como proprietário do imóvel que reivindica. Verifica-se também identidade, no que concerne aos pedidos: em ambas as acções o ora autor pretende ser reconhecido como dono de uma parcela de terreno, vertendo-se, assim, em ambas um típico pedido de direitos reais, próprio de uma acção de reivindicação.
Acontece, porém, que só há caso julgado quando o pedido em causa já foi submetido ao conhecimento do tribunal e este proferiu decisão sobre ele, o que, no caso em apreço, não ocorreu.
O ora autor, na referida acção nº 83/92, deduziu o seguinte pedido reconvencional: «deve julgar-se provada e procedente a reconvenção, devendo os recorrentes os autores ser condenados a reconhecer que o Estado é proprietário da parcela de terreno identificada nos autos, por a ter adquirido por expropriação ou, se assim não for julgado, devem susidiariamente, ser condenados a reconhecer que o Estado adquiriu a mesma parcela de terreno por acessão industrial imobiliária, mediante o pagamento já efectuado, da quantia de 6.010.000$00».
A sentença proferida na 1ª instância não se pronunciou sobre o pedido subsidiário de aquisição do terreno por acessão industrial imobiliária, referindo, a propósito, o seguinte: «Pelo exposto e sem mais considerações decide-se: A) Julgar improcedente a acção e, em consequência, absolver o réu dos pedidos formulados pelos autores; B) Julgar a reconvenção procedente e, em consequência, condenar os autores a reconhecerem que o Estado é o proprietário da parcela de terreno identificada no artigo 14º da petição inicial, por a haver adquirido através de expropriação».
Após recurso dos réus, o Tribunal da Relação do Porto proferiu a seguinte decisão: «Tudo ponderado e, nomeadamente porque – torna inatacável a sentença adjudicatória da propriedade, que se fundamenta em declaração de expropriação, entretanto anulada – a posterior consolidação do acto expropriativo, mediante segunda declaração, não impugnada oportunamente, contendo a fundamentação, que a primeira omitira, em projecto posteriormente aprovado.
Decide-se confirmar a douta decisão recorrida».
Desta decisão da Relação do Porto, foi interposto recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, o qual concedeu revista e, em consequência, revogou aquela e julgou a acção procedente, condenando o Estado no pedido. Neste acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de Março de 1996, refere-se o seguinte: «Daqui não resultaria, sem mais, a procedência da acção e a improcedência do pedido reconvencional.

Excluída a propriedade do Estado com fundamento na expropriação, haveria que considerar o outro fundamento do pedido reconvencional – a acessão.
Sucede, todavia, que o Estado deixou cair esse fundamento, uma vez que não interpôs recurso da sentença, que omitiu o conhecimento dessa questão, o que impede que nesta acção seja essa questão considerada».
Deste modo, o pedido em causa, embora submetido ao conhecimento do tribunal, este não proferiu decisão sobre ele e, portanto, não pode haver caso julgado.
À acção nº 83/92, o disposto no artigo 684º-A do C.P.C. não era aplicável, já que ela se iniciou em 1992 e o DL nº 39/95, de 15 de Janeiro, que introduziu aquele preceito no Código de Processo Civil só entrou em vigor em 15 de Abril de 1995, data posterior às das interposições dos referidos recursos.
De qualquer modo, como se refere no despacho recorrido, «mesmo que se considere que a doutrina e jurisprudência já anteriormente faziam a exigência contida nesse artigo 684-A do C.P.C., também a mesma não se aplicava, pois que tal só se aplicava aos fundamentos – causas de pedir – e não aos pedidos, particularmente quando está em causa um pedido subsidiário. Sempre se exigiria em situações compagináveis com o artigo 684º-A do C.P.C., que as questões de mérito tenham sido efectivamente apreciadas, para que, depois, se possa falar de caso julgado…».
Não se verifica, assim, a excepção dilatória de caso julgado, negando-se, por isso, provimento ao agravo.

Recurso de apelação dos réus:
I.A boa fé por parte do autor da incorporação.
O autor pretende que se declare que é dono do terreno com a área de 30.680 m2, onde construiu a Escola Secundária de Esposende, por a ter adquirido por acessão industrial imobiliária.
Dá-se a acessão – artigo 1345º do C. Civil –, quando com a coisa que é propriedade de alguém se une e incorpora outra coisa que lhe não pertencia.
O direito de acessão é uma ampliação inerente do direito de propriedade, mas não é direito de fruição. Este direito, tendo por objecto coisas secundárias, que saem da coisa principal, é uma discessão e não acessão. A aquisição dos frutos opera-se, não porque eles acedem externamente à coisa apropriada, mas sim porque esta se desenvolve internamente e os exterioriza e eles acabam por serem dela separados, maneira única de serem utilizados. Os frutos podem pertencer a pessoa que não é proprietária da coisa que os produziu, a saber: o usufrutuário, o usuário, o locatário, o credor pignoratício, o possuidor de boa fé. Mas quando pertencem ao proprietário, os frutos são seus por direito imanente. P. de Lima e A. Varela., Código Civil Anotado, Volume III, pág. 137.
Pelo contrário, a verdadeira acessão é uma extensão do direito de propriedade de uma coisa à qual se une e incorpora outra que não lhe pertencia.
A coisa acrescida pode ser uma res nullius ou pertencer a outrem. A lei apenas alude à sua não pertinência ao proprietário (que lhe não pertencia) e ao facto de ela se unir à coisa principal e se incorporar nela (fazer corpo com ela).
A acessão e a ocupação são dois modos distintos de aquisição da propriedade que, pelo que respeita ao objecto, quer pelo que respeita ao elemento subjectivo, pois a lei não exige, na acessão, que haja intenção de adquirir. Ao contrário da ocupação, a aquisição no caso de acessão resulta da lei, por aplicação da regra de que accessorium sequitur principale.
Todos os números do artigo 1340º referem expressamente que para aplicação do regime aí estabelecido, torna-se necessário haver incorporação da coisa acrescida no terreno alheio. Com a acessão deve formar-se um único corpo e, consequentemente, dela há-de resultar uma ligação material, definitiva e permanente, entre a coisa acrescida e o prédio, que torne impossível a separação sem alteração da substância da coisa. Cfr. P. de Lima e A. Varela, Código Civil Anotado, III, pág. 163 e 164.
A aplicação do disposto no artigo 1340º pressupõe, ainda, a boa fé por parte do autor da incorporação.
De acordo com o disposto no citado artigo 1340º, está de boa fé o autor da obra, sementeira ou plantação, que desconhecia que o terreno era alheio, bem como aquele que foi autorizado a fazer a incorporação. A lei parece não se ter afastado aqui do conceito de boa fé em matéria possessória expressa no artigo 1260º, nº 1, do C.C., e somente com o objectivo de se evitarem dúvidas, no específico caso da acessão imobiliária, elencou por forma taxativa os casos em que se deve haver como de boa fé o autor da acessão.
Diz-se que age de boa fé, para efeitos de acessão, «o que desconhecia que o terreno onde produziu a intervenção era alheio, ou o que interveio debaixo de autorização do dono do terreno, é, pois, o mesmo que dizer que assim age (de boa fé) aquele que ignorava, ao intervir em terreno alheio, que lesava o direito de terceiro». Quirino Soares, CJ, Acórdãos do STJ, Ano IV, Tomo I, pág. 19.
A boa fé deve existir no momento da construção, sementeira ou plantação, de acordo com o elemento literal do artigo 1340º.
No que respeita à autorização para a prática dos actos materiais em que a acessão se traduz, pode ela ser resultado, v.g., de um contrato translativo nulo por falta de forma, ou de um contrato-promessa onde é convencionada a entrega imediata da coisa ao promissário, para dela justamente se servir como se pertença já sua se tratasse. P. de Lima e A. Varela, ob. cit. pág. 164.
Alguns autores sustentam que, quer na hipótese tratada no artigo 1340º, quer naquela de que se ocupa o artigo anterior, não há uma aquisição automática, mas apenas um direito potestativo de adquirir, que o respectivo titular pode exercer ou não, conforme lhe aprouver. Oliveira Ascensão, Direitos Reais, 4ª edição, nº 195; Menezes Cordeiro, Direitos Reais, Volume II, pág. 721-723; e acórdão da Relação de Évora, de 22.5.1980, CJ, Ano V, Tomo 3, pág. 23.
A este propósito, Pires de Lima e Antunes Varela consideram que, porém, mesmo aceitando poder apresentar algumas vantagens de iure constituendo, não tem seguramente cabimento no quadro das soluções consagradas na lei. Observe-se, antes de mais, que o legislador usa, nos artigos 1339º e 1340º, uma formulação muito diferente da que utiliza, por exemplo, no artigo 1343º. Aqui, onde claramente não há uma aquisição automática, mas apenas potestativa, diz-se que «o construtor pode adquirir a propriedade do terreno ocupado»; além, diversamente, diz-se que o beneficiário da acessão, uma vez praticados determinados factos (construção, sementeira ou plantação), «adquire a propriedade» do conjunto resultante da acessão, pagando determinado valor. Por outro lado, se a aquisição se não se verificasse automaticamente, ope legis, o legislador não deixaria de ter regulado também – como fez nos artigos 1333º, nº 4 e 1335º, nº 1 e 2 – as consequências de o beneficiário da acessão não pretender adquirir a propriedade dos bens que acederam à sua coisa. Tal omissão é sinal seguro de que o legislador optou, nos artigos 1339º e 1340º, por uma solução unitária e imperativa – a da aquisição automática ou imediata –, e não por soluções alternativas, dependentes da vontade dos titulares ou de um dos titulares dos interesses em conflito. P. de Lima e A. Varela, ob. cit., pág. 165 e 166.
Cremos, no entanto, que a aquisição na acessão industrial imobiliária é potestativa, pois, depende de manifestação de vontade do seu beneficiário e da efectuação do respectivo pagamento.

Vejamos, então, se o autor Estado Português, como pretende, pode adquirir o terreno em causa, através do mecanismo da acessão.
Como resulta da matéria de facto provada, em 15 de Dezembro de 1978, no âmbito do processo de expropriação por utilidade pública que correu termos neste TJ de Esposende sob o nº 119/78 e, na sequência de despacho judicial, foi entregue ao Estado (Ministério da Habitação e Obras Públicas – Direcção Geral das Construções Escolares), porque adjudicada a propriedade e a posse, de uma parcela de terreno com a área de 30.680 m2, sita no Lugar da Junqueira do Norte, freguesia e Concelho de Esposende, destinada à construção da Escola Secundária de Esposende, parcela essa que foi destacada do prédio rústico denominado Bouça do Norte, propriedade dos RR.
Desde os inícios do mês de Janeiro do ano de 1979 até aos inícios do ano de 1981, o Estado Português [Ministério da Habitação e Obras Públicas (MHOP) – Direcção Geral das Construções Escolares (DGCE)] iniciou as obras de infra-estrutura e de estrutura necessárias para a implantação das instalações de uma escola secundária, tendo sido construídos, numa área coberta de 4.750 m2, cinco blocos/ edifícios, sendo dois de um piso (destinados à área administrativa e ao pavilhão gimnodesportivo) e três de três pisos (destinados à componente lectiva com salas de aulas, laboratórios. etc.), obras e edifícios esses, implementados nesse terreno, destinados a albergar todas as estruturas necessárias ao normal funcionamento de uma escola secundária, a qual começou a funcionar como tal em Julho de 1981.
É certo que os RR. António R... e mulher Laura M... intentaram em 21 de Junho de 1978 recurso directo de anulação do acto expropriativo (despacho do Secretário de Estado das Obras Públicas de 6 de Junho de 1978 in DR II Snº 143 de 24 de Junho de 1978) que declarou a utilidade pública e a urgência da expropriação do referido terreno (então parcela) o qual (acto expropriativo) acabou por ser anulado por Acórdão do Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Administrativo de 22 de Abril de 1981, por enfermar de vício de forma por falta de fundamentação. Contudo, o referido acórdão foi proferido, como se viu, quando se mostrava concluída a obra executada pelo A. no prédio dos RR., uma vez que, de acordo com a matéria de facto provada, a obra decorreu desde inícios de 1979 até inícios de 1981, tendo a Escola Secundária de Esposende começado a funcionar como tal em Julho de 1981.
Ou seja, como se refere na sentença recorrida, no período em que durou a incorporação da obra do autor no prédio em causa, agiu este convencido de que o fazia ao abrigo de um processo válido e eficaz de transferência da propriedade – o processo de expropriação em que foi adjudicada ao A. (ainda que provisoriamente) a propriedade e posse da parcela de terreno em causa. Conclui-se, assim, ter o autor agido de boa-fé, ou seja, com o desconhecimento, pelo autor da obra, de que o terreno era alheio e de que, ao assim actuar, não lesava quaisquer direitos de outrem.
Os réus/recorrentes afirmam que se não verifica a boa fé do autor por, antes do início das obras, ter sido intentado recurso de anulação do acto expropriativo, que foi julgado procedente, por acórdão do Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Administrativo.
Porém, como resulta da matéria de facto provada, aquele Acórdão do Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Administrativo foi proferido em 22 de Abril de 1981; as obras foram feitas pelo Estado Português, na convicção de que a parcela de terreno em litígio lhe pertencia; foram efectuadas à vista de todos, designadamente dos réus; e, no período de tempo a que alude a alínea C) dos factos assentes, para além da interposição do recurso referido na alínea F) dos factos assentes, os réus não praticaram quaisquer actos demonstrativos da sua oposição à edificação da Escola por parte do autor respostas aos números 1, 2 e 3 da base instrutória.

Desta matéria de facto resulta que, durante todo o tempo em que duraram as obras e que terminaram antes de proferida aquela decisão do Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Administrativo, o Estado Português agiu na convicção de que o terreno onde as realizou lhe pertencia e, por conseguinte, estava de boa fé. O autor ignorava, ao intervir no terreno réus, que lesava o direito destes. A impugnação do acto administrativo de expropriação por parte dos réus não fez cessar a boa fé do Estado Português na incorporação da obra no terreno em causa.
Verifica-se, pois, o pressuposto da boa fé por parte do autor da incorporação.

II.O valor que as obras trouxeram ao prédio.
Os réus/recorrentes defendem também que não foi alegado, nem provado, o valor que as obras trouxeram à totalidade do prédio, o que é diferente do preço da empreitada.
Cremos, porém, que os recorrentes não têm razão.
Se o valor que as obras tiverem trazido à totalidade do prédio for maior que este tinha antes, dispõe o citado artigo 1340º, que o autor da incorporação adquire a propriedade dele, pagando o valor que o prédio tinha antes daquelas.
Conforme tal valor seja superior ou inferior ao que o prédio tinha antes da incorporação, assim o direito de adquirir, por acessão, pertencerá ao interventor ou ao dono do terreno.
Se o valor acrescentado for igual, estabelece o nº 2 daquele preceito que se abra licitações entre ambos.
O valor acrescentado «não é o mesmo que valor dos materiais, das sementes ou das plantas, nem, sequer, a mesma coisa que valor da obra, da sementeira ou da plantação.
A expressão, que é quantitativa, de valor acrescentado é dada pela diferença entre o valor da nova realidade económica resultante da incorporação e o valor que o prédio tinha antes.
O valor dessa diferença pode, muito bem, ser maior ou menor que o dos materiais, sementes ou plantas, ou, até, que o da obra, sementeira ou plantação.
A incorporação pode, pois, produzir uma mais valia relativamente à soma do valor do terreno com o das obras, sementeiras ou plantações; mas, também, pode saldar-se em menos valia, na medida em que aquela soma (a do valor do terreno mais o das obras, sementeiras ou plantações) seja superior ao da nova realidade económica resultante da incorporação». Quirino Soares, CJ, Acórdãos do STJ, Ano IV, Tomo I, pág. 23.
Resulta da matéria de facto provada que a parcela de terreno com a área de 30.680 m2, destacada do prédio rústico dos réus, denominado “Bouça do Norte” e onde foi implantada pelo autor a Escola Secundária de Esposende, foi avaliada (após prova pericial) em 7.455.240$00 (actualmente equivalente a € 37.186,58), correspondente aos preços de mercado ao tempo da implantação das obras. Por outro lado, resultou também provado que, para a construção da Escola Secundária naquele local, o Estado despendeu a quantia de 110.491.178$90 (actualmente equivalente a € 551.127,68). Respostas aos números 4, 5 e 7 da base instrutória.
Independentemente de, posteriormente à data da conclusão das obras nos inícios do ano de 1981, o autor haver procedido à realização de eventuais benfeitorias ou à construção de outros pavilhões na referida parcela de terreno, não restam dúvidas de que o valor das obras para efeitos do disposto no artigo 1340º, nº 1, do C.C., corresponde ao valor das mesmas à data da implantação, ou seja, à data da incorporação da obra em terreno de outrem.
Como bem se refere na sentença recorrida, considerando que o valor da construção efectuada pelo autor é manifestamente superior (cerca de quinze vezes) ao valor do terreno onde a Escola foi construída, é evidente que o valor da nova unidade económica resultante da incorporação é muito superior ao valor que o prédio tinha antes, já que, pela razão supra referida, tratando-se de uma escola, não será ousado considerar que o valor final da obra incorporada seja semelhante ao valor da construção mais o valor do terreno, onde foi implantada a mesma.
Considera-se, assim, que não tem fundamento a alegada objecção dos réus e, por isso, também se verifica o requisito relativo ao valor acrescentado.

III.A invocada litigância de má-fé do autor.
Sustentam os réus que o autor agiu de má fé ao alegar, na petição inicial, que despendeu na realização das obras da Escola Secundária de Esposende, a quantia de esc.500.000.000$00, sendo certo que, como se provou, apenas terá despendido a quantia de esc.110.491.178$00. Tratando-se de facto pessoal de que o autor tinha conhecimento, os réus pedem a condenação daquele, em multa e indemnização, como litigante de má fé.
Os pressupostos de condenação da parte como litigante de má fé estão enunciados no artigo 456º do CPC, havendo a destacar que só aos comportamentos praticados com dolo ou negligência grave se lhes pode assacar a cominação deste preceito legal.
Distingue-se entre má fé material – quando a parte deduz pedido ou oposição cuja falta de fundamento conhece, altera conscientemente a verdade dos factos ou omite factos essenciais – e má fé instrumental – se a parte faz uso reprovável do processo ou dos meios processuais para conseguir um fim ilegal, entorpecer a justiça ou impedir a descoberta da verdade. cfr. Acórdão do STJ, de 5.12.1975, BMJ 252, pág. 105.
Exigindo-se a consciência de não ter razão ou de não poder ignorar a sua falta de fundamento, não é subsumível àquele citado artigo 456º do CPC, o comportamento da parte que, embora sem razão, defende convictamente a sua posição jurídico-processual. cfr. Acórdão do STJ, de 20.7.1982, BMJ 319, pág. 301.
No caso concreto, considera-se não estarem verificados os referidos pressupostos que fundam um juízo de censura da conduta processual do autor Estado Português, pois, «a circunstância de não se ter provado um quesito ou de o mesmo ter tido uma resposta restritiva, não significa que se tenha provado o contrário. Ou seja, que o autor não tenha despendido na construção da escola a quantia alegada».
Daí que não esteja, de modo algum, comprovado nos autos que o autor mereça a censura cominada pelo artigo 456º do CPC.

Recurso de apelação do autor:
I.A questão de saber se haverá lugar à actualização do valor do terreno e, em caso afirmativo, a que momento se deverá reportar tal actualização.
Como se referiu, nos termos do artigo 1340º, nº 1, do C.C., aquilo que o autor tem de pagar aos réus é o valor que o terreno em causa tinha antes da construção da escola, ou seja, Esc. 7.455.240$00.
Não é posto em causa que o valor a pagar pelo beneficiário da acessão industrial imobiliária tem natureza de dívida de valor que, como refere Antunes Varela, «trata-se de dívidas que não têm directamente por objecto o dinheiro, mas a prestação correspondente ao valor de certa coisa ou ao custo real e mutável de determinado objectivo, sendo o dinheiro apenas um meio de referência ou um meio necessário de liquidação da prestação. O dinheiro deixa de ser nelas um instrumento geral (procurado) de trocas, para ser apenas a medida do valor de outras coisas ou serviços». Das Obrigações em Geral, Volume I, 10ª Edição, pág. 859.
E, no dizer de Vaz Serra, são «aquelas cujo objecto não é directamente uma quantia em dinheiro, mas uma prestação diversa, sendo aí o dinheiro apenas um meio de determinação do quantitativo dessa prestação». RLJ, Ano 112º, pág. 15.


Ora, tendo as dívidas de valor a finalidade de atribuir ao credor uma quantia que lhe garanta o poder de aquisição de certo objecto, elas estão sujeitas a actualização em caso de desvalorização da moeda, sem o que não satisfariam o seu objectivo.
«Entendimento diverso levaria a um autêntico locupletamento à custa alheia dado que a aquisição depende da manifestação de vontade do seu beneficiário, o qual, vindo a exercer o seu direito à acessão muitos anos depois da ocorrência do facto que lhe deu origem, aproveitar-se-ia, injustificadamente, em prejuízo do dono do terreno, da erosão monetária entretanto verificada». Acórdão da Relação de Coimbra, de 14.6.1988, CJ, Ano XIII, Tomo 3, pág. 89.
Como o direito de acessão apenas se concretiza na sequência da manifestação de vontade nesse sentido por parte do respectivo titular, é esse o momento que marca o do cálculo do montante a atribuir ao dono do terreno.
Em consequência, o montante pecuniário a que o dono do terreno tem direito deve corresponder à expressão monetária actualizada do valor que ele tinha antes da edificação, por referência ao momento em que o autor da edificação manifestou a vontade de adquirir o direito de propriedade por acessão. cfr. o acórdão da Relação de Lisboa, de 24.1.2002, publicado na CJ, Ano XXVII, Tomo I, pág. 93, citando o acórdão do STJ, de 10.2.2000, BMJ 494, pág. 347.
Mas, o autor/recorrente invoca o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça Uniformizador de Jurisprudência nº 13/97, de 15.10.1996, publicado no D.R, I Série – A, de 26.11.1996, rectificado no D.R., I – A, de 13.1.1997, no qual se decidiu que «o tribunal não pode, nos termos do artigo 661º, nº 1, do Código de Processo Civil, quando condenar em dívida de valor, proceder oficiosamente à sua actualização em montante superior ao valor do pedido do autor».
Só que, também entendemos que não pode aplicar-se esta doutrina ao caso concreto, por a situação ser inteiramente diversa: trata-se aqui tão só de estabelecer a indemnização pelo valor do prédio a pagar pelo autor em resultado da aquisição pela acessão industrial imobiliária, pelo que, a não ser fixado tal valor, também a acessão não deveria ser declarada. Cfr. acórdão da Relação do Porto, de 4.3.1997, CJ, Ano XXII, Tomo II, pág. 187.
A fixação do valor a pagar está, assim, contida no pedido do autor e, como tal, pode e deve ser actualizada, pela forma determinada na sentença recorrida, nos termos do artigo 551º do C.C.
Conclui-se, pois, que se decidiu bem ao proceder à actualização da indemnização e, por conseguinte, improcede a apelação do autor.
Em resumo: não pode haver caso julgado, quando o pedido subsidiário, embora submetido ao conhecimento do tribunal, este não proferiu decisão sobre ele; à acção nº 83/92, o disposto no artigo 684º-A do C.P.C. não era aplicável, já que ela se iniciou em 1992 e o DL nº 39/95, de 15 de Janeiro, que introduziu aquele preceito no Código de Processo Civil só entrou em vigor em 15 de Abril de 1995, data posterior às das interposições dos referidos recursos; mesmo que se considere que a doutrina e jurisprudência já anteriormente faziam a exigência contida nesse artigo 684-A do C.P.C., também a mesma não se aplicava, pois que tal só se aplicava aos fundamentos – causas de pedir – e não aos pedidos, particularmente quando está em causa um pedido subsidiário; sempre se exigiria em situações compagináveis com o artigo 684º-A do C.P.C., que as questões de mérito tenham sido efectivamente apreciadas, para que, depois, se possa falar de caso julgado; age de boa fé, para efeitos de acessão, o que desconhecia que o terreno onde produziu a intervenção era alheio, ou o que interveio debaixo de autorização do dono do terreno, é, pois, o mesmo que dizer que assim age (de boa fé) aquele que ignorava, ao intervir em terreno alheio, que lesava o direito de terceiro; o autor ignorava, ao intervir no terreno dos réus, que lesava o direito destes; a impugnação do acto administrativo de expropriação por parte dos réus não fez cessar a boa fé do Estado Português na incorporação da obra no terreno em causa; se o valor que as obras tiverem trazido à totalidade do prédio for maior que este tinha antes, dispõe o citado artigo 1340º, que o autor da incorporação adquire a propriedade dele, pagando o valor que o prédio tinha antes daquelas; conforme tal valor seja superior ou inferior ao que o prédio tinha antes da incorporação, assim o direito de adquirir, por acessão, pertencerá ao interventor ou ao dono do terreno; não está comprovado nos autos que o autor mereça a censura cominada pelo artigo 456º do CPC; o montante pecuniário a que o dono do terreno tem direito deve corresponder à expressão monetária actualizada do valor que ele tinha antes da edificação, por referência ao momento em que o autor da edificação manifestou a vontade de adquirir o direito de propriedade por acessão.


Decisão:
Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes desta secção cível em julgar improcedentes as apelações e, consequentemente, confirmar a sentença recorrida.

Custas pelos réus/apelantes, na proporção do respectivo decaimento, uma vez que o autor/apelante delas está isento.




Guimarães, 30.10.2008