Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1218/10.3TBBCL.G1
Relator: FILIPE CAROÇO
Descritores: MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/12/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1- Deve ser rejeitado o recurso de apelação da decisão em matéria de facto quando o recorrente, invocando provas, designadamente prova produzida e gravada, não concretiza esses meios de prova, nem indica as passagens da gravação em que se funda tal recurso.
2- A remuneração do mediador imobiliário é devida mesmo que a sua atuação apenas concorra para o resultado tido em vista no contrato de mediação, contanto que seja causa adequada (ainda que não única) da conclusão e perfeição do negócio visado.
3- Concorre para a conclusão e perfeição da compra e venda a mediadora que, tendo sido contratada para prestar serviços com esse fim, conduz o interessado na compra à subscrição do contrato-promessa de compra e venda e vê depois, unilateral e indevidamente ser revogado o contrato de mediação pelo seu cliente que, afinal, com uma nova mediação, vem a celebrar a escritura pública de compra e venda com o mesmo promitente-comprador.
4- Sob pena de preclusão, toda a defesa deve ser invocada na contestação.
5- Estabelecido por acordo das partes, no contrato de mediação, que a remuneração do mediador se vence aquando da celebração da escritura pública do contrato visado, a obrigação de pagamento vence-se na data em que o cliente celebra esse contrato, sem necessidade de interpelação.
6- Não protela o vencimento de juros de mora o facto da condenação ocorrer por quantia inferior à que é pedida na ação e a iliquidez é meramente subjetiva e irrelevante, quando o devedor está em condições de saber o que deve.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
I.
P.. - MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA, LDA sociedade comercial por quotas, NIPC .., com sede social no.., Barcelos, intentou ação declarativa de condenação, sob a forma de processo sumário, contra M.. e marido, N.., residentes na Rua.., Barcelos. Alegou essencialmente que, tendo celebrado com os RR. um contrato de mediação imobiliária, em regime de exclusividade, pelo qual se obrigou a angariar comprador para determinada fração autónoma daqueles, fez a a divulgação pela qual J.. e mulher, R.., tomaram conhecimento daquela intenção de venda, objeto e condições do negócio, tendo havido contactos diretos entre eles, a A. e os RR. que levaram à celebração de um contrato-promessa de compra e venda da fração pelo preço de € 80.000,00.
Quando se perspetivava a celebração do contrato definitivo, os RR. enviaram à A. uma missiva a denunciar o contrato de mediação, com efeitos imediatos, e venderam posteriormente o bem àqueles promitentes-compradores por um preço inferior ao que constava do contrato-promessa, defraudando o mediador.
É devida remuneração à A. porque foi estabelecido o regime de exclusividade e o negócio visado não foi realizado com o exercício da mediação por causa imputável aos proprietários.
Termina com o seguinte pedido:
«a) Deve a presente acção ser julgada procedente, por provada, e, em consequência, devem os Réus ser condenados no pagamento à Autora do montante de € 5.000,00 (cinco mil euros), acrescida de juros de mora vencidos desde 30.4.2007 (data da celebração da escritura de compra e venda), e vincendos até integral pagamento.
b) Serem os RR. condenados a pagar custas e condigna procuradoria.» (sic)

Citados, os RR. contestaram a ação impugnando parcialmente os factos, e deduziram reconvenção.
Negam que a A. alguma vez tivesse realizado qualquer ação de divulgação da intenção dos R.R. de vender a fração e das condições da venda ou tivesse, tão-pouco, visitado o imóvel com qualquer potencial comprador, designadamente com o casal que o veio a adquirir, cujo contrato-promessa que assinaram não foi celebrado sob a égide da A. que, no entanto, atrasou a celebração a escritura pública de compra e venda para conseguir vender o T1 dos promitentes-compradores.
A escritura não se realizou por culpa exclusiva da A. que não conseguiu ultrapassar a condição essencial e prévia do negócio imposta por aqueles J..: o da venda do seu T1.
Por isso e por terem verificado que a A. não tinha licença ativa para o exercício da atividade imobiliária, perderam a confiança que nela haviam depositado e denunciaram o contrato de mediação.
Inexiste qualquer relação de causalidade (adequada ou não) entre o negócio celebrado e a atuação da A. Diversamente, foi por causa da atuação da A. que o negócio não se realizou.
Só posteriormente, na sequência da solicitação do serviço de mediação a outra empresa de mediação imobiliária (a ..), o negócio foi concretizado. Foi esta empresa que conseguiu comprador para o T1 do J.. e mulher, R.., condição essencial sem a qual não compravam o T2 aos RR.
Foi nas instalações da R.. que aqueles e os RR. acordaram na promessa de compra e venda da fração, fazendo depois constar da escritura pública que “tal transacção (de compra e venda) havia sido objecto de intervenção de mediador imobiliário através da sociedade “D.. – Sociedade de Mediação Imobiliária”.
Por isso, os RR. nada devem à A.
Na hipótese de se considerar que devem pagar o seu serviço, sempre a comissão deverá incidir sobre o preço efetivamente praticado, de € 76.000,00 (e não de € 80.000,00 referido na petição inicial).
Por via da reconvenção, alegam que poucos dias depois do R. marido ter outorgado o contrato de mediação, dos RR. terem assinado a minuta do contrato- promessa e depois da deslocação de um avaliador de bens, a solicitação da A., à fração dos réus/reconvintes, estes foram informados pela A.-reconvinda que teriam de sair da fração num prazo de três dias pois no período de uma semana realizar-se-ia a almejada escritura de compra e venda.
Por culpa da A., que não conseguiu realizar a compra e venda do T1 dos promitentes-compradores do T2 dos RR., depois daquela ter solicitado aos AA. que deixassem a sua habitação, a escritura não foi realizada naquele prazo nem decorridos que estava mais de seis meses, pelo que deve ser responsabilizada pelos prejuízos causados: custos com a amortização do empréstimo contraído par a aquisição da fração, despesas de condomínio e alojamento noutro local).
Termina assim o seu articulado:
«TERMOS EM QUE REQUER-SE A V. EXA:
a) …
b) se digne julgar totalmente improcedente por não provada a presente acção e, em consequência serem os réus absolvidos do pedido.
c) Ser julgada provada e procedente a reconvenção aqui deduzida, condenando-se a Autora/reconvinda a pagar aos réus/reconvintes a quantia de € 1.489,05 (mil quatrocentos e oitenta e nove euros e cinco cêntimos), acrescida de juros legais vincendos, a partir da presente data.» (sic)

A A. respondeu à contestação e contestou a reconvenção alegando que o supra referido negócio foi efetivamente concretizado devido à sua ação de promoção e divulgação do prédio dos RR., pelo que o montante reclamado é devido a título de remuneração pelos serviços de mediação imobiliária prestados. Pugnou pela improcedência do pedido reconvencional alegando que jamais comunicou aos RR. que teriam que sair da fração. Concluiu como na petição inicial, defendendo ainda a condenação daqueles como litigantes de má-fé, por utilizarem argumentos falsos, assim fazendo um uso reprovável dos meios processuais.
Dispensada a audiência preliminar, foi proferido despacho saneador tabelar e admitida a reconvenção.
Seguiu-se a fixação de factos assentes e base instrutória, de que reclamaram os RR., com deferimento da sua pretensão.
Decorrida a fase de instrução, teve lugar a audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida sentença com o seguinte segmento decisório:
«Pelo exposto,
a) absolvo os RR do pedido contra si deduzido.
b) Absolvo a A reconvinda do pedido reconvencional contra si deduzido pelos RR. reconvintes.
Custas por A e RR na proporção do decaimento.» (sic)

Inconformada, a A. apelou da sentença formulando as seguintes CONCLUSÕES:
«A)O objecto do presente recurso recairá não só sobre a reapreciação da matéria de facto dada como provada, mas também sobre a interpretação e aplicação da lei e do direito, designadamente sobre a questão de saber se a A./recorrente tem direito à remuneração pelos serviços prestados no âmbito do contrato de mediação imobiliária celebrado com os RR./recorridos.
B)Não se conformando com a decisão proferida em 13/01/2014, entende a recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro na apreciação da prova, pelo que, a douta sentença não traduz uma opção justa em sede de apreciação e valoração de prova, tornando-se imperioso a reapreciação da matéria de facto dada como provada.
C)O Tribunal a quo errou ao dar como provada a facticidade constante dos pontos 17, 18, 19, 20 e 21 da douta sentença.
D)A matéria de facto dada como provada é contraditória, pois que, os factos constantes dos pontos 17 a 21 estão em clara contradição com os factos constantes dos pontos 7, 8, 9 e 11.
E)Não existem dúvidas de que foi através da actividade da A./recorrente que os compradores, o Sr. J.. e a Sra. R.., tomaram conhecimento do prédio aqui em análise, assim como, das respectivas condições negociais fixadas pelos RR./recorridos para a celebração do respectivo contrato de compra e venda.
F)Como é possível ter sido sobre a égide da R.. que os compradores tiveram conhecimento efectivo e directo da venda da fracção e suas condições, que se promoveu a aproximação destes com os RR./recorridos e que, consequentemente, se alcançou o acordo necessário para a celebração da escritura de compra e venda, se já anteriormente as mesmas partes tinham celebrado um Contrato-Promessa de Compra e Venda do mesmo imóvel?
G)Os RR./recorridos prescindiram dos serviços da A./recorrente para se furtarem ao pagamento da remuneração a que se obrigaram nos termos do contrato de mediação imobiliária.
H)Os RR./recorridos agiram em clara violação do princípio da boa-fé contratual, pelo que, o seu comportamento enquadra-se claramente na designada “Fraude ao mediador”, e que de uma maneira geral se traduz nos vários comportamentos dirigidos a excluir (ou diminuir) o direito à retribuição do mediador.
I)Deste modo, não vemos como não reconduzir as negociações entre os RR./recorridos e os compradores angariados pela A./recorrente e o próprio negócio entre ambos outorgado, à actividade de mediação desenvolvida por aquela, não podendo afirmar-se que esse negócio se finalizou sem tal contribuição.
J)Por outro lado, a Recorrente entende que a douta sentença não traduz igualmente uma opção justa em sede de interpretação e aplicação da lei e do direito, pelo que, viola o disposto no artigo 18º, n.º 1 do Decreto-lei n.º 211/2014, de 20 de Agosto.
K)Na verdade, não podemos fazer uma interpretação meramente literal do preceito supra referido, uma vez que o legislador, ao estabelecer que a remuneração só é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação, pretendia que a remuneração fosse paga à sociedade que efectivamente mediou o negócio visado.
L)Basta que haja uma relação causal entre a actuação do mediador e a conclusão e perfeição do contrato, que a remuneração é devida.
M)E na verdade, foi a A./recorrente que efectivamente mediou o negócio visado.
N)Foi a A./recorrente que angariou os compradores, que promoveu a aproximação destes com os RR./recorridos e que alcançou o acordo necessário para celebração do negócio, tendo para o efeito mediado a celebração entre os RR./recorridos e os compradores do respectivo Contrato-Promessa de Compra e Venda do imóvel em questão.
O)O contrato de mediação imobiliária outorgado entre A./recorrente e RR./recorridos foi celebrado em regime de exclusividade, pelo que, só a A./recorrente poderia diligenciar no sentido de conseguir compradores para o imóvel em questão;
P)Além de que, a denúncia do contrato de mediação imobiliária, efectuada pelo RR. em 19/02/2007, não é válida e eficaz, uma vez que à data da mesmo o mesmo já se tinha renovado por mais 6 meses.
Q)É devida à A./recorrente, em virtude do contrato de mediação imobiliária celebrado, a remuneração de € 5.000,00 (cinco mil euros), sobre o montante pelo qual o negócio foi efectivamente realizado no Contrato-Promessa, acrescido do IVA à taxa de 20%.
R)E como tal, deve a douta sentença, proferida pelo Tribunal a quo, ser revogada.» (sic)
A par revogação da decisão pretende a condenação dos RR. no pedido da ação.

Os RR. apresentaram contra-alegações com conclusões que também se transcrevem:
«1 Entende a recorrente, que o “tribunal a quo errou ao dar como provada a factualidade constante dos pontos 17, 18, 19, 20 e 21 da douta sentença”.
2 Sindicando pois um alegado error in iudicando da matéria de facto, designadamente por erro na aferição ou na valoração das provas.
3 Sempre que a impugnação tem por objeto a decisão da matéria de facto, o recorrente deve especificar, sob a pena grave de rejeição do recurso, quais os pontos concretos que considera incorretamente julgados e quais os meios de prova, constantes do processo ou do registo da gravação nele realizada, que impõem uma decisão diversa sobre esses pontos (artº 640.º, n.º 1, al. a) e b) do CPC).
4 Neste último caso, quando os meios de prova invocados como fundamento no erro na apreciação da prova tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (art. 640.º, n.º 2, al. b) do CPC
5 Ora, apesar de indicar os pontos de facto que considera incorretamente julgados, a verdade é que a recorrente, não indica os meios de prova que, no seu ver, impunham, para a matéria de facto, uma decisão diversa daquela que foi encontrada pelo tribunal da audiência.
6 Concretamente não indica que prova documental foi junta que sustente a sua posição nem sequer as passagens da gravação em que se funda, não tendo sequer procedido à sua transcrição.
7 Tudo conduz, portanto, à conclusão da impontualidade do cumprimento, pela recorrente, dos ónus de impugnação do julgamento da matéria de facto, no tocante à indicação dos concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
8 Ora, a lei é terminante na declaração de que o incumprimento pelo recorrente do referido ónus importa a rejeição irremissível, nessa parte, do recurso, não sendo possível proceder-se ao aperfeiçoamento da alegação. Neste sentido Vide AC. do TRC de 06/11/2012 disponível em www.dgsi.pt.
9 E isto porque o convite ao aperfeiçoamento da alegação, além de importar num novo alargamento do prazo de oferecimento da alegação, contraria abertamente a razão que levou a lei a adstringir às partes àquele ónus: a de desmotivar impugnações temerárias e infundadas da decisão da matéria de facto.
10 Mais entende, erroneamente, a recorrente que a matéria de facto dado como provada é contraditória, pois que, os factos constantes dos pontos 17 a 21 estão em clara contradição com os factos constantes dos pontos 7, 8, 9 e 11.”
11 O facto de ter sido junto aos autos um contrato promessa de compra e venda em que pretensamente se encontram apostas as assinaturas das partes aqui em causa, não importa sem mais que haja sido por causa da prestação de serviços da mediadora/recorrente que o ato negocial veio a ocorrer, não se podendo concluir sem mais e apenas com tal documento, desacompanhado de qualquer outro tipo de prova que a atuação da mediadora/recorrente foi determinante para a concretização da venda, que foram as suas diligências que serviram para aproximar os interessados na realização do negócio e que o seu trabalho influi na conclusão do negócio.
12 E muito menos autoriza – como pretende inadmissivelmente a recorrente – presumir-se que a atividade da recorrente contribuiu para a aproximação dos recorridos e os compradores, sendo certo que o tribunal julga com base em factos materiais extraídas da prova produzida e não com base em pretensas presunções factuais pretendidas extrair do vazio factual produzido em sede de audiência de discussão e julgamento por quem cabia o ónus da prova.
13 Na verdade, cabia à recorrente alegar e provar os elementos constitutivos do seu direito à remuneração, nomeadamente alegando e provando as circunstâncias concretas relacionadas com o contrato de mediação e a factualidade donde se infira a existência de uma relação de causalidade adequada entre a sua atividade e a celebração do negócio objeto do contrato de mediação, nos termos do art. 342.º do CC – o que não logrou fazer.
14 Sucede que se limitou a juntar o referido contrato, sem que fosse capaz de explicar em que circunstâncias o mesmo terá sido outorgado, sendo que a única testemunha por si indicada [A..], apresentou, aos olhos do tribunal a quo, “um depoimento lacunoso e pouco preciso e seguro, deixando dúvidas sobre a sua veracidade dado que não reconheceu o contrato nem conseguiu explicar por que foi assinado o contrato de mediação e o contrato promessa ao mesmo tempo”.
15 Veja-se que o tribunal a quo fundou a sua convicção de que foi através da intervenção de outra mobiliária – concretamente a R.. – que os recorridos foram apresentados aos compradores, que foi agendada a escritura de compra e venda, que o contrato prometido se efetivou,
16 Na prova testemunhal produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, concretamente nos depoimentos das testemunhas: R.., compradora do imóvel aqui em causa, A.., consultor imobiliário a trabalhar para a R.., e M.. – mãe da recorrida.
17 Ora, em momento algum, a recorrente impugnou ou questionou a veracidade do depoimento destas testemunhas, nas quais o tribunal a quo alicerçou a sua convicção, ou sequer pugnou pela credibilidade do depoimento da única testemunha por si arrolada, o dito A...
18 Pelo que tendo a matéria de facto dada como provada assentado nos depoimentos daqueles A.., M.. e R.. – não questionados - deverá a mesma ser mantida tal como foi julgada pelo tribunal a quo, concretamente os factos elencados nos pontos 17.º, 18.º, 19.º, 20.º, e 21.º.
19 Entende ainda a recorrente que teria direito à remuneração uma vez que alegadamente a “atuação da A/Recorrente foi causal relativamente ao negócio que veio a ser concluído”.
20 Ora, é certo que a remuneração lhe seria devida caso se tivesse constatado tal relação causal, sucede que, como supra se referiu a recorrida não logrou provar que promoveu a venda do imóvel dos requeridos e quer foi por força da atividade por si promovida que o negócio se efetivou. Cfr. art. 342.º do CC.
21 Pelo que cabendo tal prova à mesma, e não tendo a mesma logrado fazê-la, bem andou o tribunal a quo ao ter decidido como decidiu.
SUBSIDIARIAMENTE:
22 Conforme consta da sentença recorrida em ata os recorridos vieram invocar a prescrição do direito da recorrente por vir pedir a comissão mais de dois anos após a prestação do serviço.
23 Ora, o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Cfr. art. 608.º, n.º 2 do CPC.
24 Sucede que o tribunal a quo não se pronunciou quanto a tal petitório prescricional, sendo que para o caso concreto atenta a decisão proferida pelo mesmo, tal omissão de pronúncia em nada prejudicou os recorridos, na medida em, que a mesma ficou prejudicada pela solução dada ao demais peticionado pelos recorridos.
25 Não obstante, para o caso de procedência das questões suscitadas pela recorrente e consequente revogação da sentença proferida – o que não se concede mas apenas se concebe por mero dever de patrocínio – deverá conhecer-se do alegado petitório prescricional sob pena de nulidade da sentença/acórdão. Cfr. art. 615.º, n.º 1, al. d) do CPC.
26 Com efeito, para o caso de se entender ser devido o pagamento de qualquer quantia a título de comissão – o que não se concede mas apenas se concebe por mero dever de patrocínio - deverá desde já ser conhecida e declarada a prescrição de tal direito remuneratório porquanto a alegada atividade de mediação da recorrente ter ocorrido entre julho de 20006 a 20 fevereiro de 2007 (data da receção da denuncia do contrato de mediação) e a ação dos presentes autos ter sido apenas intentada em 06/04/2010, isto é mais de 2 anos após a alegada prestação de serviço. Cfr. arr. 317.º, al. c) do CC.
27 Mais ainda que não se entenda ter ocorrido a referida prescrição – o que não se concede mas apenas se concebe por mero dever de patrocínio – sempre o valor da comissão terá de incidir sobre o valor real do negócio, ou seja, € 76.000,00 (setenta e seis mil euros) e nunca o de € 80.000,00, aludido nas alegações de recurso.
28 Por outro lado, também os juros peticionados a serem devidos, sê-lo-ão sempre a contar da citação dos Recorridos que só então foram, surpreendentemente, interpelados pela recorrente, e nunca a contar da realização da escritura.» (sic)

Culmina as suas alegações expressando que,
A) Deverá ser mantida a sentença recorrida nos exatos termos em que foi proferida.
B) Subsidiariamente, deverá conhecer-se da prescrição do direito remuneratório da recorrente.
C) Subsidiariamente ao peticionado em B), o valor da comissão terá de incidir sobre o valor real do negócio, ou seja, € 76.000,00 (setenta e seis mil euros) e nunca o de € 80.000,00 aludido nas alegações de recurso, e os juros, a serem devidos, sê-lo-ão sempre a contar da citação dos Recorridos que só então foram, surpreendentemente, interpelados pela recorrente, e nunca a contar da realização da escritura.
*
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II.
O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões da apelação, acima transcritas, sendo que se apreciam apenas as questões invocadas e relacionadas com o conteúdo do ato recorrido e não sobre matéria nova, exceção feita para o que for do conhecimento oficioso (cf. art.ºs 608º, nº 2, 635º e 639º do novo Código de Processo Civil[1] ).

São as seguintes as questões a decidir:
1- Erro de julgamento em matéria de facto;
2- Contradição na matéria de facto; e
3- Direito da A. a remuneração por serviços de mediação imobiliária.
Caso se reconheça aquele direito à A., por solicitação dos RR.: [2]
4- A prescrição do direito da A.; e, ainda subsidiariamente,
5- A data de vencimento dos juros de mora.
*
III.
É a seguinte a matéria de facto considerada provada e constante da sentença recorrida:
1- A Autora é uma sociedade comercial por quotas, cujo objeto social é a mediação imobiliária.
2- A Autora é titular da licença número.. emitida pelo, então, Instituto dos Mercados das Obras Públicas, Particulares e do Imobiliário, atualmente designado por “INCI – Instituto da Construção e do Imobiliário, IP”, legalmente exigida pelo Decreto-Lei n.º 211/2004, de 20 de Agosto, para o exercício da atividade de mediação imobiliária.
3- Os Réus venderam mesmo o prédio urbano de que eram donos aos identificados Sr. J.., e à Sr.ª R.., tendo sido celebrado o contrato de compra e venda através de escritura pública, em 30 de Abril de 2007, a qual foi realizada perante o Notário Lic. Jorge Costa e Silva, conforme consta de fls 25 a 29, que aqui se dá por integralmente reproduzida.
4- Tendo sido efetivado o respetivo registo predial do prédio aqui em referência, a favor dos compradores, através da inscrição G-3.
5- Nos inícios do ano de 2006 os RR decidiram pôr à venda a fração de que eram proprietários, designada pelas letras AE, inscrita na matriz predial urbana da Freguesia de Arcozelo, sob o artigo 2075- AE e descrita na Conservatória do Registo Predial com o nº 151-AE/Arcozelo.
6- Na prossecução da respetiva Atividade social, a Autora celebrou com os Réus um acordo que designaram de “contrato de mediação imobiliária” a fls. 21 e 22 dos autos e que aqui se dá por reproduzido.
7- Tendo os potenciais compradores, os Réus, e a Autora, celebrado um documento a que chamaram contrato promessa de compra e venda, datado de 27-7-2006, no qual os RR. prometeram vender o mencionado imóvel a fls. 30 e 31 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzido.
8- No qual se comprometem os RR. a vender a fração pelo preço de €80.000,00 (Oitenta Mil Euros).
9- O documento foi assinado pelos Réus e pelos potenciais compradores, o Sr J.. e a Sr. R...
10- A 19.02.2007, os Réus enviaram uma missiva que continha a declaração seguinte:“- …Até à presente data ainda não procedeu à venda do referido imóvel, tendo ainda conhecimento que a V/ empresa “P.., Lda., não tem licença ativa emitido pelo organismo competente para o efeito – “IMOPPI” para efetuar mediação imobiliária, conforme cópia que ora se junta, é do n/interesse denunciar o contrato acima referido nos termos da lei vigente.
- Com efeitos imediatos a partir da presente carta”.
11- O contrato referido em 3 foi celebrado por um valor inferior ao acordado no contrato promessa compra e venda.
12- Em 30 de Abril de 2007, os réus venderam o prédio aos interessados que assinaram o contrato-promessa referido no artigo 7º.
13- Os réus assinaram o contrato sem a presença dos alegados J.. e R.., que de resto não conheciam.
14- Os réus procederam ao despejo da fração que pretendiam vender, tendo ido viver, temporariamente, para casa dos pais da R M...
15- Enquanto isso, os réus procediam mensalmente à amortização do empréstimo contraído para a aquisição daquela fração, no valor aproximado de €320,00 (trezentos e vinte euros) mensais, bem como ao pagamento da quantia mensal de € 15,45 a título de comparticipação de condomínio.
16- Sem que usufruíssem da mesma.
17- Na data em que procederam à cessação do contrato de mediação, os RR solicitaram o serviço de uma outra imobiliária, concretamente da D.., Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda, para a publicitação da respetiva intenção de venda e consequente angariação de um comprador.
18- Foi sob a égide das ações desenvolvidas pela R.. que os atuais e efetivos compradores conheceram pessoalmente os RR e acordaram diretamente a pretendida venda e respetivas condições.
19- Foi sob a égide da R.. que aqueles J.. e R.. conseguiram obter um comprador e consequentemente vender-lhe o seu T1, condição essa necessária para que comprassem, nomeadamente, o T2 dos RR.
20- E foi por intermédio e na companhia dos angariadores/ consultores ao serviço da imobiliária R.. que aqueles J.. e R.., bem como os seus familiares, visitaram a fração em apreço, a fim de a melhor conhecer e acordar com os RR os termos da pretendida compra e venda da fração.
21- Foi sob a alçada dos serviços prestados pela R.. que os compradores tomaram conhecimento efetivo e direto da venda da fração, e suas condições, que se promoveu a aproximação destes com os RR, nomeadamente através de visitas à fração supra identificada e reuniões nas instalações daquela imobiliária, se ultrapassou a condição necessária e prévia a que aqueles J.. e R.. adquirissem o T2 dos aqui RR e consequentemente se alcançou o acordo necessário para a celebração da escritura de compra e venda realizada no dia 30-4-2006.
22- Foi nas instalações da R.. que os RR e os compradores acertaram o valor pelo qual iriam respetivamente vender e comprar a supra identificada fração, o qual foi fixado em € 76.000,00 (preço pelo qual, de resto, foi escriturado).
23- E nessas mesmas instalações acordaram na promessa de compra e venda da referida fração.
24- Tendo os promitentes-compradores, nessas circunstâncias de tempo e lugar, entregue aos RR, a título de sinal e princípio de pagamento, a quantia de € 2.500,00.
25- Foi a R.. quem diligenciou no sentido de agendar a escritura pública que veio a ser outorgada em 30-4-2007.
*
1- Erro de julgamento em matéria de facto
Defendendo a recorrente que o tribunal a quo não fez uma correta apreciação da prova, os recorridos, nas contra-alegações, argumentam que aquela não cumpriu regularmente os pressupostos processuais relativos à impugnação da decisão em matéria de facto, pelo que esta deve ser rejeitada.
Nos termos do art.º 640º, nº 1, do Código de Processo Civil, quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
- Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; (al. a));
- Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (al. b)); e
- A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (al. c)).
Na esteira da jurisprudência e da doutrina que já na vigência do Código de Processo Civil anterior (desde a revisão operada pelo Decreto-lei nº 329-A/95, de 12 de dezembro, em especial na redação posteriormente introduzida pelo Decreto-lei nº 303/2007, de 24 de agosto), A. Abrantes Geraldes [3], sustenta que as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor, por serem uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo. As mesmas são “o contraponto dos esforços de todos quantos, durante décadas, reclamaram pela atenuação do princípio da oralidade pura e pela atribuição à Relação de efectivos poderes de sindicância da decisão sobre a matéria de facto como instrumento de realização da justiça. Rigor a que deve corresponder o esforço da Relação quando, debruçando-se sobre pretensões bem sustentadas, tenha de reapreciar a decisão recorrida, …”.
Se bem que a Relação disponha dos poderes da 1ª instância, usando igualmente do princípio da livre apreciação a prova e das regras da experiência na sua decisão em matéria de facto, sendo, desde a vigência do Decreto-lei nº 39/95, de 15 de fevereiro, um verdadeiro tribunal de instância, a verdade é que o legislador não quis uma repetição do julgamento, nem a existência de recursos genéricos contra a errada decisão em matéria de facto, mas, antes, abrir a possibilidade real de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências pelo recorrente.
A revisão de 2007 introduziu modificações no regime recursório, desde logo uma maior exigência de rigor na impugnação da matéria de facto, com indicação exata dos trechos da gravação, com referência ao que tenha ficado assinalado na ata.
Atualmente, com base no art.º 640º do novo Código de Processo Civil, aqui aplicável, o referido autor, citando jurisprudência, sintetiza assim os requisitos indispensáveis da impugnação da decisão em matéria de facto:
“a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões;
b) Quando a impugnação se fundar em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, o recorrente deve especificar aqueles que, em seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos;
c) Relativamente a pontos da decisão da matéria de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre ao recorrente indicar com exactidão as passagens da gravação relevantes oportunos;
d) O recorrente deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente, também sob pena de rejeição total ou parcial da impugnação da decisão da matéria de facto;
e) Na posição em que se encontra o recorrido, incumbe-lhe o ónus de contra –alegação, cujos efeitos do incumprimento são menos acentuados do que os que se manifestam em relação ao recorrente. O facto de inexistir efeito cominatório para a falta de apresentação de contra-alegações ou para o incumprimento das regras sobre a sua substância ou forma e o facto de a Relação ter poderes de investigação oficiosa determinam que sejam menos visíveis os efeitos que decorrem da sua deficiente actuação.”[4]
Tem sido também entendido, maioritariamente, que a lei do processo, pela expressa referência à cominação “sob pena de rejeição do recurso”, no nº 1 e “sob pena de imediata rejeição do recurso” no nº 2, do art.º 640º, e ainda pelas características próprias desta impugnação, designadamente o grau de exigência que lhe impõe, não permite o despacho de aperfeiçoamento das alegações que prevê no art.º 639º, assim reservado para as alegações em matéria de direito.
Conforme refere ainda A. Abrantes Geraldes [5], “a rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em alguma das seguintes situações:
«a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto;
b) Falta de especificação nas conclusões dos concretos pontos de facto que recorrente considera incorrectamente julgados;
c) Falta de especificação dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.);
d) Falta de indicação exacta das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) Falta de posição expressa sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação;
f) Apresentação de conclusões deficientes, obscuras ou complexas, a tal ponto que a sua análise não permita concluir que se encontram preenchidos os requisitos mínimos que traduzam algum dos elementos referidos.”

A recorrente, sob a al. C) das conclusões da apelação refere que “o Tribunal a quo errou ao dar como provada a facticidade constante dos pontos 17, 18, 19, 20 e 21 da douta sentença.”
Em bom rigor, tendo sido elabora base instrutória, era aos pontos deste peça processual que a referência devia ter sido efectuada. Em todo caso, há uma concretização dos pontos que considera incorretamente julgados e, como tal, temos como satisfatoriamente cumprido o requisito previsto na al. a) do nº 1 do art.º 640º.
Já o mesmo não podemos dizer quanto seguinte requisito da impugnação. A recorrente não concretizou os meios de prova em que baseia a impugnação e não indicou qualquer passagem de gravação, tão-pouco referenciou quaisquer provas, ainda que de uma forma genérica (sempre inadmissível). Tanto basta para a rejeição do recurso em matéria de facto.
Ainda que nos socorramos das alegações de recurso, propriamente ditas --- mesmo sem qualquer expressa remissão das conclusões --- o panorama da impugnação mantém-se, acrescendo-lhe apenas uma referência genérica à prova testemunhal, nos seguintes termos do § 21º: “Pois que, tendo em conta os depoimentos das testemunhas, não lograram provar que a actuação da A./recorrente não foi determinante nas aproximações entre RR./recorridos e compradores e para a celebração do negócio”, presumindo que a atividade da A. contribuiu para a aproximação entre os RR. recorridos e os compradores, facilitando o negócio pelo facto de terem celebrado o contrato de mediação imobiliária em regime de exclusividade.
Efetivamente, as presunções judiciais ou naturais devem ser usadas no julgamento da matéria de facto, estando sujeitas à livre apreciação do julgador (art.ºs 349º e 351º, ambos do Código Civil).
Esta presunção de facto ou judicial não só não integra as conclusões das alegações --- e são estas que delimitam o objeto do recurso --- como se impõem pelas regras da experiência, como consequência típica e lógica necessária de um facto conhecido.
O facto de ter sido celebrado em regime de exclusividade, aquele contrato entre a A. e os RR., não autoriza, só por si, a ilação de que aquela empresa mediadora teve contactos relevantes com os compradores, designadamente que os levou a assinar o contrato-promessa de compra e venda da fração autónoma dos RR.
Seria abusivo extrair a ilação pretendida pela recorrente por simples presunção.
Deste modo, não cumpridos que se mostram requisitos indispensáveis à impugnação da decisão em matéria de facto, por força do art.º 640º, nº 1 do Código de Processo Civil, rejeita-se o recurso na parte em que se impugna a decisão em matéria de facto.
2- Contradição na matéria de facto
A apelante fez constar, sob a al. D) das conclusões: “A matéria de facto dada como provada é contraditória, pois que, os factos constantes dos pontos 17 a 21 estão em clara contradição com os factos constantes dos pontos 7, 8, 9 e 11.”
Não tem razão.
Dos pontos 6, 7, 8, 9 e 11 resulta, no essencial, que na sequência da celebração do denominado “contrato de mediação imobiliária” entre A. e RR., ambas as partes e aqueles que mais tarde compraram a fração, J.. e mulher, R.., intervieram na elaboração de um documento a que chamaram de “contrato promessa de compra e venda”, datado de 27.7.2006, no qual os RR. prometeram vender àquele casal a sua fração, tendo essas partes contratantes assinado tal documento. No entanto, o contrato definitivo (de compra e venda) foi por eles celebrado por um valor inferior.
Vejamos agora os pontos 17 a 21 da sentença.
Comecemos pelo ponto 17: tendo feito cessar aquele contrato de mediação, os RR., na mesma data, contrataram os serviços de outra imobiliária para o mesmo efeito. Não há qualquer contradição. Os RR. haviam celebraram um contrato de mediação com uma empresa, fizeram-no cessar posteriormente e contrataram os mesmos serviços a outra empresa do mesmo ramo de atividade para o efeito de publicitação da respetiva intenção de venda e consequente angariação de um comprador. A isso não obsta o contrato-promessa anterior. Surgindo novos interessados, os RR. assumiriam a posição que entendessem, com a inerente responsabilidade.
O item 18 refere-se ao conhecimento recíproco das pessoas dos RR. (enquanto promitentes-vendedores) e dos referidos promitentes-compradores. O facto de existir um contrato-promessa anteriormente celebrado entre eles não significa que já se conheciam pessoalmente quando a R.. passou a desenvolver a suas ação e tivessem discutido diretamente, sem mediação, a venda e as respetivas condições. Em boa verdade, o contrato-promessa teve a intervenção da A. e, possivelmente, a sua influência, não estando excluía a possibilidade de ter sido assinado pelas duas posições de promitentes em momentos diferentes, sem qualquer contacto direto entre uma e outra e que apenas se tivessem conhecido e tivessem discutido diretamente o acordo em fase posterior à cessação da relação estabelecida entre a A. e os RR.
O ponto 19 não se refere aos compradores da fação dos RR., mas ao comprador da fração dos compradores da fração dos RR. Sendo a venda daquela condição necessária da venda da última, foi sob a égide da R.. que isso aconteceu. Não vemos em quê que isto possa contradizer outra matéria de facto provada.
A matéria do ponto 20 refere-se à visita do casal J.. e mulher, R.., e seus familiares à fração dos RR., a fim de a conhecerem melhor e acordarem comos RR. os termos da compra e venda. As partes são livres na negociação dos seus contratos e podem renegociá-los, alterá-los, por acordo, desde que não violem normas imperativas, de natureza excecional. Por acordo, podem afastar-se das obrigações que reciprocamente assumiram em prévio contrato-promessa, podendo até dá-lo sem efeito. Este ponto não afasta a existência do contrato-promessa anterior, a possibilidade da sua revisão, ou mesmo qualquer visita anterior dos promitentes-compradores à fração.
O mesmo se diga, com os mesmos fundamentos, do ponto 21. Tomar conhecimento da venda não é desconhecer o contrato-promessa preexistente. Nem a existência deste impede ou torna inverosímil a aproximação das partes, a verificação das condições necessárias à celebração da escritura pública, sob a égide e com a realização de reuniões nas instalações da nova prestadora dos serviços de mediação.
Inexiste a contradição que a recorrente invoca e que, verdadeiramente, não concretiza. Apenas a correção se impõe: No ponto 21 da sentença onde se escreveu “30.4.2006”, deve considerar-se “30.4.2007”.
*
3- Direito da A. a remuneração por serviços de mediação imobiliária
Considerações gerais
A A. é uma sociedade comercial por quotas, cujo objeto social é a mediação imobiliária (ponto 1 dos factos provados).
Em 27 de julho de 2006, os R.R. celebraram um contrato com a A. que logo ali denominaram de “contrato de mediação imobiliária”, nos termos do qual esta se obrigou a diligenciar no sentido de conseguir interessado para a compra de uma fração autónoma de um imóvel, pelo preço de € 75.000,00, no regime de exclusividade e pelo período de 6 meses a contar da sua celebração, mediante a remuneração correspondente ao excedente daquele preço (cf. cláusulas 1ª, 2ª, 4ª e 5ª).
No âmbito desse contrato ficou ainda clausulado que o contrato se renova automaticamente por iguais e sucessivos períodos de tempo, caso não seja denunciado por qualquer das partes contratantes através de carta registada com aviso de receção ou outro meio equivalente, com a antecedência mínima de 10 dias em relação ao seu termo (cláusula 5ª).
É este o clausulado mais relevante para a decisão das questões objeto da apelação.
Não estando o tribunal sujeito à qualificação jurídica dada pelas partes ao contrato celebrado, ainda que estejam de acordo nessa matéria (art.º 5º, nº 3, do atual Código de Processo Civil; art.º 664º do Código de Processo Civil revogado), o conteúdo negocial em causa não deixa a menor dúvida de que foi, efetivamente, celebrado entre elas um contrato de mediação imobiliária cujo regime jurídico, atenta a sua data, estava previsto no Decreto-lei nº 211/2004, de 20 de Agosto [6], e não o Decreto-lei nº 77/99, de 16 de março [7] a que as partes aludiram no contrato cujo regime já estava substituído pelo regime aqui aplicável. [8]
Resulta do art.º 2º, nº 1, que a atividade de mediação imobiliária é aquela em que, por contrato, uma empresa se obriga a diligenciar no sentido de conseguir interessado na realização de negócio que vise a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, a permuta, o trespasse ou o arrendamento dos mesmos ou a cessão de posição em contratos cujo objeto seja um bem imóvel.
Essa atividade consubstancia-se no desenvolvimento de:
a) Ações de prospeção e recolha de informações que visem encontrar o bem imóvel pretendido pelo cliente;
b) Ações de promoção dos bens imóveis sobre os quais o cliente pretenda realizar negócio jurídico, designadamente através da sua divulgação, publicitação ou da realização de leilões (nº 2).
As empresas podem ainda prestar serviços de obtenção de documentação e de informação necessários à concretização dos negócios objeto do contrato de mediação imobiliária, que não estejam legalmente atribuídos, em exclusivo, a outras profissões (nº 3).
Também este último serviço foi contratado entre as partes (cláusulas 2ª e 6ª).
Decorre, assim, daquele normativo, por um lado, que a mediação, em sentido técnico ou estrito, é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a conseguir interessado para determinado incidente sobre bens imóveis e a aproximar esse interessado da outra parte e, por outro, que a função do mediador (que é apenas um intermediário e desenvolve uma atividade meramente material e preparatória --- a prevista nas alíneas do nº 2 e no nº 3 do art. 2º) consiste em aproximar duas ou mais partes que desejam realizar um negócio, atuando em nome próprio (e não em representação daquelas), facilitando-lhes a conclusão do negócio pretendido.
O contrato de mediação é atualmente, como era já no âmbito do regime aprovado pelo Decreto-lei nº 285/92, de 19 de dezembro e, depois, pelo Decreto-lei nº 77/99, de 16 de março, um contrato de prestação de serviços nominado e tipificado na lei, onde se previu também o regime da respetiva remuneração da empresa mediadora e que, para o caso concreto em análise, o último estipulava já uma solução semelhante, interessando-nos, em bom rigor, a atual solução, consagrada no art.º 18º do Decreto-lei nº 211/2004, nos seguintes termos:
«1- A remuneração só é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação.
2- Exceptuam-se do disposto no número anterior:
a) Os casos em que o negócio visado, no âmbito de um contrato de mediação celebrado, em regime de exclusividade, com o proprietário do bem imóvel, não se concretiza por causa imputável ao cliente da empresa mediadora, tendo esta direito a remuneração;
b) Os casos em que tenha sido celebrado contrato-promessa relativo ao negócio visado pelo contrato de mediação, nos quais as partes podem prever o pagamento da remuneração após a sua celebração.»
Integrando, como se disse, a categoria dos contratos de prestação de serviços (cf. art.º 4º, nº 1), a mediação é um contrato de resultado e não de mera atividade, compreendendo-se que, por regra, sem a obtenção do objetivo contratado não seja devida remuneração. No caso, a mediadora deveria angariar e aproximar dos proprietários-vendedores um interessado que reunisse as condições exigidas por ele, necessárias à celebração do contrato de compra e venda da fração autónoma, designadamente quanto ao preço indicado, e só com a conclusão e perfeição do negócio visado seria devida a remuneração dos serviços da A., assim, desde que houvesse também uma relação de causalidade entre a atividade dela e a conclusão do contrato procurado, não podendo esquecer-se que foi contratado o regime de exclusividade.
De facto, na concretização da obrigação do mediador, este pratica, por conta própria, vários atos materiais, que podem ser de publicitação do que se pretende vender (por exemplo, publicação de anúncios em jornais, revistas ou na internet, colocação de tabuletas nos prédios em venda, estabelecimento de contactos com clientes em carteira, etc.), visando a obtenção ou concretização do negócio em relação a determinado imóvel. Porém, só no momento da concretização do negócio com o interessado, definido este na al. a) do n.º 4 do artigo 2.º, como “o terceiro angariado pela empresa de mediação, desde que esse terceiro venha a concretizar o negócio visado pelo contrato de mediação”, é que o mediador cumpre o fim precípuo da mediação, razão pela qual apenas nesse momento lhe assiste o direito à remuneração, conforme prescreve o 18.º, n.º 1, quando estipula que “a remuneração só é devida com a conclusão do negócio visado pelo exercício da mediação”. Dita a referida regra que o direito à remuneração nasce apenas da conclusão perfeita do negócio objeto da mediação.
Esta regra apenas é excecionada nos casos mencionados no n.º 2 do mesmo artigo 18.º que se reporta ao regime de exclusividade (al. a)) e celebração de contrato- promessa (al. b)).
No caso sub iudice, as partes celebraram o contrato em regime de exclusividade, pelo que só a A. tinha direito de promover a compra e venda do prédio objeto durante o período de vigência por elas estipulado (art.º 19º, nº 4): seis meses a contar da celebração do contrato, ou seja, desde 27 de julho de 2006, sem prejuízo da sua renovação automática caso não fosse denunciado por qualquer das partes (cláusula 8ª).
Por força da já transcrita al. a) do nº 2 do art.º 18º, o regime de exclusividade na mediação confere ao mediador, excecionalmente, no que respeita à remuneração dos seus serviços, o direito à retribuição nos casos em que o negócio visado não seja celebrado por causa imputável ao proprietário do bem, cliente da empresa mediadora, ou seja, aos próprios vendedores.
Por nos situarmos no âmbito da responsabilidade contratual, é ao devedor que cabe o ónus de demonstrar que a falta de cumprimento da obrigação não procede de culpa sua (art.º 799º, nº 1, do Código Civil); ou seja, sempre seria dos R.R. o dever de provar que o negócio visado pelo contrato de mediação não se concretizou por causa que não lhe é imputável, sob pena de se presumir que agiram com culpa.
A exceção prevista na al. b) do nº 2 do art.º 18º configura a remuneração nos casos em que haja contrato-promessa relativo ao negócio visado pelo contrato de mediação em que as parte prevejam o seu pagamento para depois do contrato-promessa . [9]
As partes, mesmo depois de se vincularem, conservam, as duas em conjunto, liberdade negocial, visto poderem, por novo acordo, revogar ou modificar a convenção preliminar.
Uma das formas de extinção dos contratos é a sua revogação por vontade das partes. Elas que, no uso da liberdade contratual, decidiram contratar, têm também a liberdade de, em conjunto, poderem modificar ou revogar e extinguir a convenção. E se o contrato tem força de lei entre as partes, deixa de a ter também por vontade delas.
Pela revogação do contrato ocorre uma destruição voluntária da relação contratual pelos próprios autores do contrato, assente no acordo dos contraentes posterior à celebração do contrato, com sinal oposto do primitivo [10]. Situando-se a meio termo entre a resolução e a denúncia, tem efeito ex nunc.
É discutível se pode haver uma revogação unilateral na mediação imobiliária, por parte do cliente da mediadora. Por regra, na falta de acordo das partes nesse sentido ou de disposição legal que preveja a revogação por ato unilateral[11] ou o chamado direito de desistência [12], a revogação ou a denúncia do contrato só ocorre por vontade conjunta das partes.
Aqui chegados, é tempo de entrar nas questões suscitadas no âmbito da aplicação da Lei e do Direito. A exposição introdutória efetuada tem a forte utilidade de constituir um elementar pressuposto de análise dessas questões, de cuja concretização passamos a tratar.
Uma vez que o negócio visado pelo contrato de mediação teve uma efetiva concretização --- os RR. procederam à venda da fração autónoma objeto da imediação --- não é aplicável o regime excecional de remuneração previsto na al. a) do nº 2 do art.º 18º. E também não tem aqui aplicação a subsequente al. b) por, apesar de ter sido celebrado contrato-promessa de compra e venda, as partes, no contrato de mediação, terem previsto a remuneração da A. mediadora, pela totalidade, apenas na data da celebração da escritura pública (cláusula 5ª, nº 3).
Caímos na regra geral da remuneração, prevista no nº 1 daquele art.º 18º.
Vinha sendo defendido e é pacífico no âmbito de aplicação do Decreto-lei nº 211/2004 [13], o entendimento de que a remuneração só é devida ao mediador com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação, desde que contribua para o efeito uma ação causal e relevante do mediador, ainda que não seja a única. Concretizando a sua obrigação de mediador, este pratica, por conta própria, vários atos materiais, que podem ser de publicitação do que se pretende vender (por exemplo, publicação de anúncios em jornais e revistas, colocação de placas nos prédios em venda, estabelecimento de contactos com clientes em carteira, etc.), visando a obtenção ou concretização do negócio em relação a determinado imóvel. Porém, por força da regra em causa (art.º 18º, nº 1), só no momento da concretização do negócio com o interessado é que o mediador cumpre o fim precípuo da mediação, razão pela qual apenas nesse momento lhe assiste o direito à remuneração, conforme prescreve o art.º 18º, n.º 1, quando estipula que “a remuneração só é devida com a conclusão do negócio visado pelo exercício da mediação”.[14]
Mas tem-se entendido que a remuneração é devida mesmo que a ação do mediador não constitua a única causa da conclusão e perfeição do negócio visado [15], mas uma sua causa adequada. Como se refere naquele aresto, citando um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, “nos contratos de mediação, o direito à remuneração nasce da conclusão dos negócios objecto da mediação, mas a conclusão, para o mediador --- isto resulta da essência do contrato --- surge quando tais negócios se consideram aproximados entre o comitente e terceiros e consegue a adesão destes, haja ou não execução posterior. Deve, porém haver um nexo de causalidade entre a actividade do mediador e a conclusão do negócio.”
Pois bem…, é inelutável que, ainda que não se conhecendo pessoalmente, entre os RR., como promitentes-vendedores e J.. e mulher, R.., na qualidade de promitentes-compradores, foi celebrado, assinado, um contrato-promessa de compra e venda datado de 27.7.2006 e relativo à fração autónoma de um imóvel e que, efetivamente, por escritura pública de 30.4.2007, esta mesma fração foi objeto de compra e venda entre as mesmas partes. Pelo primeiro, os RR. comprometeram-se a vender aquele bem a um casal determinado e, pelo último acordo, venderam-lhes o bem que os compradores também se haviam comprometido a comprar-lhes.
E mesmo tendo-se conhecido pessoalmente --- RR. e promitentes-compradores --- já sob a égide dos serviços prestados pela nova mediação, da R.., desde fevereiro de 2007, visitando então os promitentes-compradores a fração para a conhecerem melhor, alterando então o preço da compra e acertando outros pormenores do negócio, é inquestionável a intervenção da A. à data e na celebração do referido contrato-promessa, no âmbito do contrato de mediação que celebraram.
O facto de os RR. não terem conhecido pessoalmente o casal J.. e R.., nem antes nem mesmo na data em que assinaram o contrato-promessa (tê-lo-ão subscrito em momentos diferentes) atesta bem a intervenção da A. --- expressa no ponto 7 dos factos provados --- na angariação daqueles clientes potenciais interessados na compra e na sua conversão na qualidade de promitentes-compradores através daquela subscrição do documento, sendo por demais evidente que tal desempenho não foi estranho à concretização do negócio da venda que, entre as mesmas partes, veio a ocorrer cerca de nove meses depois.
Ainda que com alteração posterior do preço prometido e melhor concretização negocial, a subscrição do contrato-promessa foi condição da posterior celebração da compra e venda entre as mesmas partes, correspondendo a compra e venda ao cumprimento da vontade de contratar por elas assumido no contrato-promessa.
Apesar da A. ter deixado de estar presente e não ter influenciado atos que, sendo posteriores a 19.2.2007, contribuíram também para que o contrato definitivo fosse celebrado cerca de dois meses depois, designadamente a marcação da escritura pública, a renovação da promessa de compra e venda e a alteração do preço, não afasta, de modo algum, o nexo causal que anteriormente se estabeleceu entre a sua ação relevante e a consumação da compra e venda, desde a angariação de potenciais compradores até à subscrição do contrato-promessa junto aos autos. Há, portanto, um nexo causal entre ação da A., na qualidade de mediadora contratada, e a conclusão e perfeição do contrato de compra e venda, ainda que como concausa da ação posterior e final da (outra) mediadora R... [16]
Avaliar se a A. deve ou não ser remunerada depende apenas de saber os RR. andaram bem quando, por missiva de 19.2.2007, denunciaram o contrato. Demonstrado que está o contrato de mediação, a prestação dos referidos serviços da A. no âmbito desse contrato e a conclusão do negócio, assim como o nexo causal entre aqueles e este, e o incumprimento dos RR. no pagamento da remuneração (os elementos constitutivos do seu direito), é aos demandados que compete provar que agiram sem culpa, que, algo aconteceu que justifique o não pagamento da retribuição acordada com a A., sob pena de se tornarem responsáveis perante o mediador, pela satisfação do direito à remuneração legalmente previsto (art.ºs 798º e 799º do Código Civil e citado art.º 18º, nº 1, já que de responsabilidade contratual se trata. Basta o contributo causal preponderante e injustificado do cliente proprietário do bem no sentido da não concretização do negócio para que haja lugar à remuneração.
Contratada em regime de exclusividade, só a A. tinha o direito de promover o negócio objeto do contrato de mediação durante o respetivo período de vigência (art.º 19º, nº 4). Isto significa que, situando-se fora do regime livre, os R.R. clientes não dispunham de liberdade de contratar, simultaneamente, com outra entidade imobiliária, nem para promover, eles próprios, a venda. E também não podiam denunciar unilateralmente o contrato de medição, senão nas condições nele previstas.
Tendo sido celebrado no dia 27.7.2006, por 6 meses, o contrato de mediação renovava-se automaticamente por iguais e sucessivos períodos e tempo, caso não fosse denunciado por qualquer das partes com a antecedência mínima de 10 dias em relação ao seu termo (cláusula 8ª). Esta denúncia, contanto que cumpridos aqueles requisitos, não carecia de justificação; é um direito unilateral que as partes, por acordo, estabeleceram.
Enviada a comunicação da denúncia em 19.2.2007, por força daquela cláusula, só poderia surtir efeito para o termo da renovação contratual em curso, ou seja, o dia 27.7.2007. Porém, os RR. consideraram haver denúncia com efeitos imediatos.
Considerando que os RR. revogaram unilateralmente o contrato de mediação e que, para tal, invocaram a falta de licença ativa da A. (cuja competência para a emissão era da IMOPPI) para o exercício da mediação imobiliária (ponto 10 da sentença), sempre lhes competia demonstrar tal falta de licença, mas não o fizeram no processo. Pelo contrário, é facto assente que “a A. é titular da licença número .. emitida pelo, então, Instituto dos Mercados das Obras Públicas, Particulares e do Imobiliário, atualmente designado por “INCI – Instituto da Construção e do Imobiliário, IP”, legalmente exigida pelo Decreto-Lei n.° 211/2004, de 20 de Agosto, para o exercício da atividade de mediação imobiliária” (ponto 2 da sentença).
Na execução dos contratos, as partes estão também obrigadas a deveres acessórios de conduta (proteção, informação e lealdade) que surgem no âmbito das relações específicas, pelos quais tanto o devedor como o credor devem obedecer a princípios de correção e colaboração recíprocas, por forma a permitir a plena satisfação do interesse do credor sem sacrifícios excessivos para qualquer das partes --- princípio da boa fé (art.º 762º do Código Civil).
Ora, os R.R. clientes não violaram apenas o dever de colaboração; deixaram de cumprir obrigação essencial a que estavam contratualmente adstritos. Desrespeitando o contrato, nomeadamente a regra da exclusividade nele prevista, esquivando-se tranquilamente, com subtil rusticidade, ao cumprimento das concretas obrigações contratuais da mediação e desrespeito pelos interesses da A., venderam, através de um outro mediador, a fração autónoma aos promitentes-compradores que a demandante angariara, assim inviabilizando a execução do contrato de mediação. E fizeram-no depois da A. mediadora ter angariado as pessoas que conduziu de simples interessados e potenciais compradores a promitentes-compradores da fração.
É apodítico que a venda se deveu também ao esforço de atividade da A., designadamente no decurso da negociação prévia, encaminhando os trâmites para conclusão do negócio com perfeição. Essa ação revela cumprimento da sua parte que apenas foi interrompida pelo próprio R. que tornou inviável, por parte da A., o cumprimento da mediação.
Em resumo, os R.R. não justificaram o seu incumprimento de um contrato que estava em vigor; não provaram que agiram sem culpa, pelo que até por força da presunção prevista no art.º 799º do Código Civil se deve concluir que o seu comportamento foi culposo.
Neste conspecto, têm-se por verificados os requisitos da obrigação de remuneração previstos no nº 1 do art.º 18º, a que a A. tem direito. [17]
Nos termos do contrato de mediação, a comissão da A. corresponde ao excesso a partir de € 75.000,00 pelo qual a venda se consumasse.
Não se discute e ficou provado que os RR. e os compradores, já depois do contrato-promessa, “acertaram o valor pelo qual iriam respetivamente vender e comprar a supra identificada fração, o qual foi fixado em € 76.000,00”.
Respeitando aquela remuneração ao excesso de preço efetivamente praticado (cláusulas 2ª e 5ª) e não ao excesso do preço prometido, a remuneração da A. é de € 1.000,00 (e não de € 5.000,00 como a demandante defende).
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4- A prescrição do direito da A. (invocada pelos RR. para o caso de proceder a apelação)
Nas contra-alegações, os recorridos alegam que invocaram a prescrição do direito da A. na audiência de discussão e julgamento e que, caso se reconheça aquele direito à remuneração, se conheça daquela exceção que a 1ª instância não conheceu por estar prejudicada pelo não reconhecimento do direito da demandante à remuneração.
Dispõe o art.º 665º, nº 2, do Código de Processo Civil que “se o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, a Relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhece no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários”.
Vejamos então.
A prescrição não é do conhecimento oficioso. Para ser eficaz necessita de ser invocada, judicial e ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita ou pelo seu representante (art.º 303º do Código Civil). O tribunal não a pode suprir ex officio.
O articulado da contestação foi introduzido em Juízo no dia 2.11.2010, data em que vigorava e era aplicável o Código de Processo Civil, aprovado pelo Decreto-lei nº 44129, de 28 de dezembro de 1961, com sucessivas alterações, sendo que o respetivo art.º 489º, num afloramento do princípio da preclusão, dispunha sob o nº 1, que “toda a defesa deve ser deduzida na contestação, exceptuados os incidentes que a lei mande deduzir em separado” [18].
Os RR. podiam e deviam ter invocado a prescrição na contestação e não o fizeram. A sua invocação posterior não tem justificação processual e ofende o disposto naquele art.º 489º por ter sido trazida num momento que ocorrera já preclusão de tal direito.
Como ensinava já Alberto dos Reis [19], “o princípio da concentração da defesa na contestação justifica-se sem dificuldade. A boa ordem e a disciplina do processo postulam esse princípio. Não faz sentido que o réu disperse a sua defesa por vários momentos ou fases da acção; não é admissível que o réu vá deduzindo a sua oposição pouco a pouco, à medida que lhe apetece, e que reserve para a última hora o que pode logo alegar na contestação. Tal liberdade de dedução criaria o tumulto, a desordem, a anarquia processual, por um lado, e por outro prestar-se-ia a especulações e manobras insidiosas”.
Não tendo sido invocada na contestação, não há que conhecer da questão da prescrição.
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5- A data de vencimento dos juros de mora
Os recorridos, ainda para efeitos de aplicação do art.º 665º, nº 2, do Código de Processo Civil, defendem que, a haver condenação no pagamento da remuneração à A., os respetivos juros são devidos desde a citação e não desde a data da celebração da escritura pública de compra e venda, por só então terem sido interpelados pela recorrente.
A simples mora, ou retardamento no cumprimento da obrigação, por ser um ato ilícito, constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor.
O devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efetuada no tempo devido (art.º 804º do Código Civil).
Nas obrigações pecuniárias, havendo mora, a lei entende que há sempre danos e fixa o seu montante no equivalente aos juros legais, com ressalva das exceções previstas no art.º 806º do Código Civil.
No que respeita ao momento da constituição em mora, a regra é a de que as obrigações são puras, não têm prazo certo estipulado e o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir (art.º 805º, nº 1, do Código Civil). Por regra, a situação é de mora ex persona, por ser, como regra geral, indiscutível que o devedor pode não saber que está em atraso no cumprimento.
Uma das exceções àquela regra e que aqui pode relevar está prevista na al. a) do nº 2 do mesmo art.º 805º, segundo a qual a mora existe independentemente de interpelação se a obrigação tiver prazo certo (é uma das formas de mora ex re).
Neste caso, a interpelação torna-se desnecessária porque o decurso do prazo acarreta, só por si, o vencimento da obrigação (dies interpellat pro homine).
Vaz Serra defendeu que, para o efeito da norma em causa, o prazo deve considerar-se como certo quando o devedor deva ter necessariamente conhecimento do seu termo, como quando se fixa o momento da chegada de um navio e o devedor é a companhia proprietária do barco, desde que a data do vencimento resulte do contrato e não da lei.
P. Lima e A. Varelas [20], mais exigentes, entendem que, sendo o prazo incerto (certus an, incertus quando), não se dispensa a interpelação. Mas transigem com situações em que o prazo se insere na esfera pessoal do devedor e que o credor pode desconhecer, como é o caso, p. ex., de o prazo se vencer com a emancipação do devedor.
Voltando ao nosso caso, por estipulação contratual, a remuneração da atividade da mediadora vencia-se no momento da celebração da escritura pública de compra e venda. Nessa data, por acordo das partes, ficavam os RR. obrigados a pagar aquela remuneração, pela parte do preço de venda quer excedesse a quantia de € 75.000,00.
A remuneração é devida independentemente da intervenção da A. na escritura pública. Nela não tem mesmo que intervir, sendo o papel da A. angariar e aproximar clientes, de modo a que o negócio se concretize. Ou seja, a mediadora pode não saber quando é que as partes atingem a conclusão e perfeição do negócio visado pela mediação, mas já o seu cliente, por ser interessado direto na sua conclusão e estar na sua esfera pessoal de ação, conhece bem o momento da sua consumação, no caso sub judice, a data da celebração da escritura pública de compra e vendas em que os RR. até intervieram pessoalmente.
Ora, os RR. sabiam desde a data em que subscreveram o contrato de mediação, que, por acordo, no momento da celebração da escritura pública se vencia a remuneração da A. Denunciaram esse contrato, mas, como vimos, sem fundamento válido, pelo que se tratou de uma revogação ilícita.
Estamos, assim, perante um prazo de pagamento de que os RR. devedores tinham necessariamente conhecimento por estar dependente de um facto pessoal deles e por eles efetivamente praticado, pelo que a sua obrigação se tem por vencida no momento da celebração do contrato de compra e venda, ou seja, no dia 30.4.2007.
O art. 805.°, n.° 3, do Código Civil exige, no entanto, para que ocorra uma situação de mora que a obrigação seja liquida, isto é, que o seu quantitativo já se encontre determinado, uma vez que enquanto tal não suceder, a mora não se verifica (in illiquidis non fit mora). Esta solução só é quebrada em duas circunstâncias também referidas:
- A falta de liquidez ser imputável ao devedor, caso em que não deixa de se considerar verificada a mora para evitar que o devedor beneficie de uma situação pela qual ele próprio é responsável.
- Tratar-se de uma situação de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, caso em que, apesar da iliquidez, se considera ocorrer mora a partir da citação para a ação de responsabilidade, a menos que já ocorra mora com base na situação anterior.
Para efeito da aplicação do princípio in illiquidis non fit mora constante da 1ª parte do nº 3 do art. 805º do Código Civil releva a iliquidez objetiva, e esta verifica-se quando o devedor não estiver em condições de saber quanto deve. O princípio referido não tem cabimento quando, dispondo o devedor dos elementos necessários para saber o montante do seu débito, ocorra, afinal, iliquidez tão só aparente ou subjetiva .[21]
Estamos, sem dúvida, perante uma situação de iliquidez subjetiva. Estipulada a remuneração pelo valor da diferença entre a quantia de € 75.000,00 e o preço de venda praticado pelos RR., ao celebrarem a escritura de compra e venda pelo preço de € 76.000,00, não podiam deixar de saber que a sua obrigação de remuneração (o que as partes chamaram de comissão de excedente) correspondia ao excedente de € 1.000,00.
Já no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22.1.1981 [22] se defendeu que uma obrigação não é ilíquida quando a sua determinação não dependa de prévia e controvertida liquidação e que a condenação no pagamento de uma soma de dinheiro determinada, embora inferior à do pedido inicialmente formulado em quantia certa correspondente à importância da dívida acionada, não altera a liquidez da obrigação.
Decorre do exposto que os RR. se constituíram em mora no dia 30.4.2007, data a partir da qual ficaram constituídos na obrigação de pagar à A. juros de mora à taxa legal em vigor, sobre a quantia de € 1.000,00, até integral pagamento.
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SUMÁRIO (art.º 713º, nº 7, do Código de Processo Civil):
1- Deve ser rejeitado o recurso de apelação da decisão em matéria de facto quando o recorrente, invocando provas, designadamente prova produzida e gravada, não concretiza esses meios de prova, nem indica as passagens da gravação em que se funda tal recurso.
2- A remuneração do mediador imobiliário é devida mesmo que a sua atuação apenas concorra para o resultado tido em vista no contrato de mediação, contanto que seja causa adequada (ainda que não única) da conclusão e perfeição do negócio visado.
3- Concorre para a conclusão e perfeição da compra e venda a mediadora que, tendo sido contratada para prestar serviços com esse fim, conduz o interessado na compra à subscrição do contrato-promessa de compra e venda e vê depois, unilateral e indevidamente ser revogado o contrato de mediação pelo seu cliente que, afinal, com uma nova mediação, vem a celebrar a escritura pública de compra e venda com o mesmo promitente-comprador.
4- Sob pena de preclusão, toda a defesa deve ser invocada na contestação.
5- Estabelecido por acordo das partes, no contrato de mediação, que a remuneração do mediador se vence aquando da celebração da escritura pública do contrato visado, a obrigação de pagamento vence-se na data em que o cliente celebra esse contrato, sem necessidade de interpelação.
6- Não protela o vencimento de juros de mora o facto da condenação ocorrer por quantia inferior à que é pedida na ação e a iliquidez é meramente subjetiva e irrelevante, quando o devedor está em condições de saber o que deve.
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V.
Pelo exposto, acorda-se nesta Relação em julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência, condenam-se os RR. no pagamento da remuneração dos serviços da A. pela quantia de € 1.000,00, acrescida dos respetivos juros de mora, vencidos no dia 30.4.2007, à taxa legal em vigente e àquela que em cada momento vigor, até integral pagamento.
Custas da ação e da apelação, pela e pelos RR., na proporção do decaimento.
Guimarães, 12 de junho de 2014
Filipe Caroço
António Santos
Figueiredo de Almeida
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[1] Aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de junho. A sentença recorrida é de 13.1.2014.
[2] E não apreciação na 1ª instância por estarem prejudicadas pela negação do direito à remuneração da A. ali efetuada.
[3] Recursos no Novo Código de Processo Civil, pág. 129 e, já anteriormente, Recurso em Processo Civil – Novo regime, 2ª edição revista e atualizada, pág.s 146 e 147.
[4] Recursos no Novo Código de Processo Civil, pág. 127.
[5] Recursos no Novo Código de Processo Civil, pág. 128 e 129.
[6] Atualmente já revogado pela Lei nº 15/2013, de 8 de fevereiro.
[7] Que, por sua vez, havia revogado o Decreto-lei nº 285/92, de 19 de Dezembro (cf. respetivo art.º 40º).
[8] Todas as disposições legais que se citarem sem menção de origem pertencem ao Decreto-lei nº 21/2004, de 20 de agosto.
[9] Em sentido semelhante, numa redação mais feliz, estabelece a segunda parte do nº 1 do art.º 19º da atual Lei 15/2013, de 8 de fevereiro (revogou a lei aqui aplicável) que “se tiver sido celebrado contrato-promessa e no contrato de mediação imobiliária estiver prevista uma remuneração à empresa nessa fase, é a mesma devida logo que tal celebração ocorra”.
[10] Galvão Telles, in Manual do Contratos em Geral, pág. 348.
[11] Como acontece nos art.ºs 969.° e seg.s (doação), 1093.º (arrendamento), 1170.° (mandato), 1216.° (empreitada), 1235.° e 1236.° (renda perpétua), 1242.° (renda vitalícia), etc.
[12] Vejam-se, a propósito deste direito, “direito de resolução” nos contratos negociados fora do estabelecimento comercial (art.ºs 6.° e 18.° do Decreto-lei nº 143/ /2001, de 26-4), o “direito à livre resolução” nos contratos financeiros comercializados à distância (art.ºs 19.° e seg.s do Decreto-lei n.º 95/2006, de 29-5), o “direito de revogação” nos contratos de crédito ao consumo (art.º 8.°, nºs 2 e 3 do Decreto-lei nº 359/91, de 21-9), o “direito à rescisão” nos contratos de viagem organizada (art.º 29.° do Decreto-lei nº 209/97, de 13-8), o “direito à renúncia” nos contratos de seguro de vida (art. 22.° do Decreto-lei nº n.º 176/95, de 26-7), o “direito de arrependimento” nos contratos de intermediação mobiliária (art.º 322.°, n.º 2 do CVM), ou o “direito à retractação” nos contratos de consumo em geral (art. 9.°, n.º 7 da LDC) - v.d. C. Ferreira de Almeida, Direito do Consumo, 2005, pág.s 110 e seg.s.
[13] Como já antes passara a ser no âmbito do Decreto-lei nº 77/99 (cf. art.º 19º, nº 1).
[14] Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 15.11.2007, proc. nº 07B3569, de 11.2.2010, proc. nº 2044/07.2TBFAR.E1.S1, acórdãos da Relação do Porto de 2.11.2009, proc. nº 1913/08.7TJPRT.P1, de 13.4.2010, proc. nº 5408/06.5TBVFR.P1; na doutrina, Menezes Cordeiro, in “Do Contrato de Mediação”, O Direito, ano 139º, III, pág.s 516 e seg.s, Lacerda Barata, in Contrato de Mediação, in Estudos do Instituto do Direito do Consumo, I, 203.
[15] Acórdão da Relação do Porto de 20.9.2001, proc. nº 0131169, in www.dgsi.pt.
[16] Acórdão da Relação do Porto de 20.9.2001, proc. nº 0131169, in www.dgsi.pt.
[17] Em sentido semelhante, cf. acórdão desta Relação de 7.2.2008, proc. nº 0733556, in www.dgsi.pt.
[18] Aliás, era esta norma que definia o regime regra previsto no corpo do art.º 493º do Código de Processo Civil de 1929, tal como é este o regime do atual Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de junho.
[19] Código de Processo Civil anotado, volume III, pág. 44.
[20] Código Civil anotado, II volume, 2ª edição, pág.s 56 e 57.
[21] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29.11.2005, doc. nº SJ200511290032877, in www.dgsi.pt.
[22] BMJ 303/203