Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1118/16.3T8VRL.G1
Relator: MARGARIDA SOUSA
Descritores: RESOLUÇÃO DO CONTRATO
ILICITUDE
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO
INTERESSE CONTRATUAL POSITIVO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/12/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – Os critérios de valoração das declarações de parte coincidem essencialmente com os parâmetros de valoração da prova testemunhal, devendo, pois, as mesmas ser avaliadas e valoradas de acordo com o princípio da livre convicção;

II – Para efeito de interpretação, deve recorrer-se, entre outros elementos, à letra do negócio jurídico a interpretar, às circunstâncias que precederam a sua celebração, às que sejam contemporâneas desta ou mesmo às que lhe são posteriores, desde que com ela se relacionem e que sejam suscetíveis de indiciar a intenção do declarante, aos interesses em jogo e à finalidade prosseguida pelo declarante;

III - Para que uma resolução ilícita corresponda a um incumprimento definitivo e sustente um pedido de indemnização necessário é saber se subjacente à mesma esteve uma intenção de não cumprir, isto é, se a mesma traduz uma recusa categórica de cumprimento;

IV - Apesar de, em abstrato, ser admissível a possibilidade de, em caso de resolução, a indemnização integrar a reparação dos danos correspondentes ao interesse contratual positivo, deve entender-se que, em casos de irregularidade do vínculo contratual e de contributo de ambas as partes para a sua precariedade, a cessação das vantagens de um negócio não corresponde a um prejuízo causado pelo incumprimento definitivo merecedor de tutela à luz da ponderação das regras da boa fé”.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO:

X - ENGENHARIA E CONSTRUÇÃO, LDA intentou a vertente acção de processo comum contra Y - GRANITOS E EMPREITADAS, LDA peticionando:

A) Ser a Ré condenada a pagar à Autora a quantia de 10.946,70€, acrescida de juros de mora à taxa legal desde as datas dos vencimentos das respectivas facturas até 1 de Julho de Julho de 2016, nos valores de 60,21€, 31,72€ e 1,70€, mais os juros de mora vincendos desde 1 de Julho de 2016 até integral e efectivo pagamento;
B) Ser a Ré condenada a pagar à Autora, pelas quantidades de inertes vendidas até 21 de Fevereiro de 2016, a quantia de 49.657,34€, acrescida dos juros de mora à taxa legal desde a data de vencimento da respectiva factura até 1 de Julho de 2016, no valor de 1.026,27€, mais os juros de mora vincendos desde 1 de Julho de 2016 até integral e efectivo pagamento;
C) Ser a Ré condenada a pagar à Autora os valores relativos às quantidades de inertes que retirou, fez seus e comprou de 21 de Fevereiro de 2016 até 31 de Março de 2016 e desde 1 de Abril de 2016 a 30 de Abril de 2016, cujos valores exactos ainda não foi possível apurar com rigor, mas cuja liquidação se relega para liquidação em execução de sentença, acrescido de juros de mora à taxa legal contados desde a citação até integral e efectivo pagamento;
D) Ser a Ré condenada a pagar à Autora a quantia total de 1.433.771,17€, para perfazer a quantidade global de 2.000.000 (dois milhões) de toneladas de inertes contratada e vendida, descontadas as quantidades de inertes que se vierem a apurar relativas aos períodos de 21 de Fevereiro de 2016 até 31 de Março de 2016 e desde 1 de Abril de 2016 a 30 de Abril de 2016, acrescido de juros de mora à taxa legal contados desde a citação até integral e efectivo pagamento;
E) Ser a Ré condenada a pagar à Autora todas as despesas necessárias para a regularização do terreno. Cujos valores exactos ainda não foi possível apurar com rigor, mas cuja liquidação se relega para liquidação em execução de sentença, acrescido de juros de mora à taxa legal contados desde a citação até integral e efectivo pagamento;
F) Ser a Ré condenada ainda em custas e procuradoria.

Alega, sumariamente, que:
(i) Em 19.6.2014, a X - ENGENHARIA E CONSTRUÇÃO, LDA, representada pela sócia-gerente T. R., como primeira outorgante, e a Y - GRANITOS E EMPREITADAS, LDA, representada pelos sócios-gerentes C. T. e S. S., como segunda outorgante, subscreveram um escrito designado “Contrato de Compra e Venda de Inertes”;
(ii) A resolução contratual efetivada pela Ré é ilícita;
(iii) Em consequência do referenciado, a Autora despenderá quantia não concretamente apurada com a regularização do terreno.
A Ré Y - GRANITOS E EMPREITADAS, LDA deduziu contestação com reconvenção, impugnando as alegações da Autora e, com fundamento nos danos emergentes e nos lucros cessantes causados pelo alegado incumprimento contratual da A. que, por sua vez, originou a resolução contratual por ela (R.) operada, impetrando a condenação da Autora a pagar as seguintes quantias:

A) € 23.489,31 (vinte e três mil, quatrocentos e oitenta e nove euros e trinta e um cêntimos) DE ACORDO COM OS PONTOS 143 A 145 DA RECONVENÇÃO;
B) € 128.583,24 (cento e vinte e oito mil, quinhentos e oitenta e três euros e vinte e quatro cêntimos) DE ACORDO COM OS PONTOS 146 A 148 DA RECONVENÇÃO;
C) € 3.141,27 (três mil, cento e quarenta e um euros e vinte e sete cêntimos) DE ACORDO COM OS PONTOS 149 A 151 DA RECONVENÇÃO;
D) € 12.111,50 (doze mil, cento e onze euros e cinquenta cêntimos) DE ACORDO COM OS PONTOS 155 E 156 DA RECONVENÇÃO;
E) € 1.024.646,40 (um milhão, vinte e quatro mil, seiscentos e quarenta e seis euros e quarenta cêntimos) DE ACORDO COM OS PONTOS 157 A 162 DA RECONVENÇÃO.
A autora consignou réplica, advogando a improcedência da reconvenção.

Efetuada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença a julgar a acção parcialmente procedente e a reconvenção improcedente, na qual foi decidido:

A) Condenar a Ré Y - GRANITOS E EMPREITADAS, LDA a pagar à Autora X - ENGENHARIA E CONSTRUÇÃO, LDA a quantia de 49.657,34€, acrescida dos juros de mora vencidos no valor de 1.026,27€ e dos juros de mora vincendos à taxa aplicável às obrigações comerciais desde 1 de Julho de 2016 até integral e efectivo pagamento;
B) Condenar a Ré Y - GRANITOS E EMPREITADAS, LDA a pagar à Autora X - ENGENHARIA E CONSTRUÇÃO, LDA os valores relativos às quantidades de inertes que retirou, fez seus e comprou de 21 de Fevereiro de 2016 até 31 de Março de 2016 e desde 1 de Abril de 2016 a 30 de Abril de 2016, a determinar em incidente de liquidação de sentença, acrescido de juros de mora à taxa legal aplicável às obrigações comerciais contados desde a citação até integral e efectivo pagamento;
C) Absolver a Ré Y - GRANITOS E EMPREITADAS, LDA do demais peticionado;
D) Condenar a Autora X - ENGENHARIA E CONSTRUÇÃO, LDA e a Ré Y - GRANITOS E EMPREITADAS, LDA no pagamento das custas processuais em função do respectivo decaimento;

2) (…)
A) Absolver a Autora/Reconvinda X - ENGENHARIA E CONSTRUÇÃO, LDA do peticionado;
B) Condenar a Ré/Reconvinte Y - GRANITOS E EMPREITADAS, LDA no pagamento das custas processuais.

Inconformada, a Autora, interpôs recurso, em cuja alegação formulou as seguintes conclusões:

A recorrente não se conforma com a sentença proferida, na parte em que julgou improcedentes os pedidos formulados em a), d) e e) da p.i., porquanto nessas partes a mesma fez errada decisão da matéria de facto e, especialmente, incorreta interpretação e aplicação do direito ao caso concreto, como a seguir se vai demonstrar.
No caso dos autos devem considerar-se provados os seguintes factos:

48. Em consequência do descrito em 6), a Autora efectuou os serviços de terraplanagem descritos nas seguintes facturas:
a) Factura n.º 2016A1/17, com data e vencimento de 4.05.2016, no valor total de 5.374,70€, que a Autora emitiu e enviou à Ré;
b) Factura n.º 2016A1/19, com data e vencimento de 27.05.2016, no valor total de 4.691,87€, que a Autora emitiu e enviou à Ré;
c) Factura n.º 2016A1/21, com data e vencimento de 21.06.2016, no valor total de 880,13€, que a Autora emitiu e enviou à Ré.
49. Em consequência do referenciado em 45), a Autora despenderá quantia não concretamente apurada com a regularização do terreno.
Dado que a prova produzida nos autos impunha decisão diversa da recorrida.
Desde logo, com base nas DECLARAÇÕES DE PARTE DA LEGAL REPRESENTANTE DA A., as quais constam gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, em 30/01/2017 das 14:50:36H às 15:29:55H, com relevo para este recurso de 00:26 a 30:17., com destaque para 00:26 até 04:35, 14:35 a 16:07, 17:20 a 20:08, 20:18 a 21:11, 28:23 a 30:17; e nas DECLARAÇÕES DE PARTE DO LEGAL REPRESENTANTE DA R., as quais constam gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, em 30/01/2017 das 15:30:33H às 16:08:55H, com relevo para este recurso de 00:14 a 37:45, com destaque para 00:14 a 01:53, 06:17 a 06:47, 07:21 a 07:46,09:42 a 10:37, 11:04 a 11:09, 16:30 a 18:32, 36:13 a 36:30, 37:14 a 37:45.
Assim como com base na PROVA TESTEMUNHAL de Manuel, o qual consta gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, em 30/01/2017, com início às 16:09:31h e fim pelas 16:44:58H, com relevo para este recurso 00:00 a 16:43.; e de A. T., o qual consta gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, em 16/10/2017, com início às 09:52:48H e fim pelas 09:59:28H, com relevo para este recurso de 00:31 a 06:39 e de 00:00 a 17:10, com destaque de 00:00 a 03:44 e 11:41 a 17:10.
Mas também com base na PROVA DOCUMENTAL composta por: Documento nº 17 junto com a p.i., cujo teor aqui se dá como reproduzido; Documento 18 junto com a p.i., cujo teor aqui se dá como reproduzido; Documento 19 junto com a p.i., cujo teor aqui se dá como reproduzido; Documento 20 junto com a p.i., cujo teor aqui se dá como reproduzido; Documento 1 junto com a resposta do A. às exceções alegadas pela R. na sua contestação, com data de 31 de Outubro de 2016, Refª 23962807; Documento 2 junto com a resposta do A. às exceções alegadas pela R. na sua contestação, com data de 31 de Outubro de 2016, Refª 23962807; Documento 3 junto com a resposta do A. às exceções alegadas pela R. na sua contestação, com data de 31 de Outubro de 2016, Refª 23962807; Documento 4 junto com a resposta do A. às exceções alegadas pela R. na sua contestação, com data de 31 de Outubro de 2016, Refª 23962807; Documento 5 junto com a resposta do A. às exceções alegadas pela R. na sua contestação, com data de 31 de Outubro de 2016, Refª 23962807; Documento 6 junto com a resposta do A. às exceções alegadas pela R. na sua contestação, com data de 31 de Outubro de 2016, Refª 23962807.
A A. e R. acordaram, com o consentimento dos contabilistas de ambas as partes que, para contabilizar estes custos de energia a A. emitiria à R. faturas com os mesmos valores das faturas da Fornecedor de Energia D.
E que ficaram a constar com o descritivo de terraplanagens.
Por outro lado, das declarações de parte e das testemunhas inquiridas resulta também demonstrado que devido à resolução do contrato por parte da R., a A. vai ter que despender quantia não concretamente apurada para a regularização do terreno.
10ª Uma vez que existe um projeto de loteamento urbanístico que a A. vai ter que concluir.
11ª O Tribunal recorrido fez incorreta decisão da matéria facto.
12ª Em face de tudo o supra exposto e revertendo ao caso concreto, importa referir que as partes realizaram entre si um contrato de compra e venda de inertes, incluindo os gastos de eletricidade e serviços de terraplanagem a cargo da R., sujeito às normas dos artigos 874º e ss. do C.C..
13ª A A. cumpriu sempre as suas obrigações decorrentes do contrato, pois sempre realizou as prestações a que estava vinculada.
14ª Por sua vez, a R. não cumpriu com as suas obrigações decorrentes do contrato, pois não realizou as prestações a que estava vinculada.
15ª Tanto assim que a resolução do contrato de compra e venda de inertes operada pela R. é completamente destituída de causa e fundamento, tanto de facto como de direito, uma vez que não existe, como nunca existiu, qualquer justa causa de resolução por factos imputáveis à A., tal resolução operada pela R. foi ilícita, conforme bem decidiu o Tribunal recorrido.
16ª Por conseguinte, incorreu a R. em responsabilidade por todos os prejuízos e danos assim causados à A..
17ª Neste quadro, a A. sempre cumpriu as suas obrigações contratuais, pois sempre realizou a prestação a que estava vinculada e de boa-fé – artigo 762º do C.C., tanto assim que sempre praticou todos os atos necessários ao cumprimento da obrigação – artigo 813º, 2ª parte do C.C..
18ª Em função do exposto, nunca existiu fundamento algum para a resolução do contrato de compra e venda de inertes por parte da R., como, aliás, o Tribunal recorrido considerou.
19ª Toda a situação que resulta demonstrada nos autos configura incumprimento contratual por parte da R., cuja culpa se presume, com a consequente responsabilidade de liquidar à A. os prejuízos causados a título de danos emergentes e lucros cessantes – artigos 798º e 799º do C.C..
20ª Ora, como resulta da fundamentação fática da impugnação da matéria de facto constante do presente recurso, a A. e R. acordaram, com o consentimento dos contabilistas de ambas as partes que, para contabilizar estes custos de energia a A. emitiria à R. faturas com os mesmos valores das faturas da Fornecedor de Energia D e que ficaram a constar com o descritivo de terraplanagens.
21ª Por outro lado, das declarações de parte e das testemunhas inquiridas resulta também demonstrado que devido à resolução do contrato por parte da R., a A. vai ter que despender quantia não concretamente apurada para a regularização do terreno, uma vez que existe um projeto de loteamento urbanístico que a A. vai ter que concluir.
22ª Desta maneira, a R., pelos serviços de terraplanagem, não pagou à A.:

A Fatura 2016 A 1/17, com data e vencimento de 4.05.2016, no valor total de 5 374,70€, que a A. emitiu e enviou à R., e que esta face ao acordado com a A. se obrigou a pagar a pronto pagamento (Docs. 17 e 20);
A Fatura 2016 A 1/19, com data e vencimento de 27.05.2016, no valor total de 4 691,87€, que a A. emitiu e enviou à R., e que esta face ao acordado com a A. se obrigou a pagar a pronto pagamento (Docs. 18 e 20);
A Fatura 2016 A 1/21, com data e vencimento de 21.06.2016, no valor total de 880,13 €, que a A. emitiu e enviou à R., e que esta face ao acordado com a A. se obrigou a pagar a pronto pagamento (Docs. 19 e 20);
No total de 10 946,70 € (Docs. 17 a 20).
23ª A R. deve à A., pelos serviços de terraplanagem, a quantia de 10 946,70 € (Docs. 17 a 20), no que deve ser condenada a pagar à A., acrescida dos juros de mora à taxa legal desde as datas dos vencimentos das respetivas faturas até 1 de Julho de 2016, nos valores de 60,21 €, 31,72 € e 1,70 €, mais os juros de mora vincendos desde 1 de Julho de 2016 até integral e efetivo pagamento, o que se pede.
24ª Por outro lado, pelo presente contrato, a A. vendeu à R., que aceitou tal venda, os inertes existentes no terreno mencionado na cláusula primeira, na quantidade global de 2 000 000 (dois milhões) de toneladas – cláusula terceira do contrato.
25ª A venda dos inertes supra referidos na cláusula anterior ficou de ser feita durante o período de 30 (trinta) meses, obrigando-se a R. a providenciar pelo transporte e carga dos mesmos, sendo da sua inteira e exclusiva responsabilidade a colocação de todo o material e equipamento necessário para a operação, para a britagem, e ainda para as cargas e descargas dos inertes – cláusula quarta, parágrafo primeiro do contrato.
26ª O preço da venda foi o seguinte:

Até 800 000 toneladas o preço foi de € 1,25 (um euro e vinte e cinco cêntimos) por cada tonelada acrescido de IVA à taxa legal – cláusula sexta, parágrafo primeiro;
As restantes 1 200 000 toneladas são ao preço de € 0,50 (cinquenta cêntimos) cada tonelada acrescido de IVA á taxa legal – cláusula sexta, parágrafo primeiro.
27ª Por força da resolução operada a A. tem direito a ser ressarcida de todo o interesse contratual positivo, que resultaria para ela do cumprimento curial do contrato, abrangendo o equivalente da prestação, mas também a cobertura pecuniária (a reparação) dos prejuízos restantes provenientes da inexecução, de modo a colocar-se a credora na situação em que estaria, se a obrigação tivesse sido cumprida.
28ª Pelo que a R. é responsável pelo pagamento das quantias devidas até se perfazer a quantidade global de 2.000.000 (dois milhões) de toneladas de inertes contratada e vendida.
29ª Ora, até 21 de Fevereiro de 2016, a R. retirou do prédio da A. a quantidade de 132 983,06 toneladas de inertes (Docs. 21 a 41), faltando, para se atingir as 2 000 000 de toneladas, a quantidade de 1 867 016,94 toneladas de inertes, sendo que, entre a quantidade de 132 983,06 toneladas retirada e vendida até 21 de Fevereiro de 2016, e a quantidade de 800 000 toneladas contratada ao preço de 1,25 €, falta retirar pela R. a quantidade de 667 016,94 toneladas, stas, ao preço contratado de 1,25 €, ascendem ao valor total de 833 771,17 €.
30ª A restante quantidade de 1 200 000 de toneladas de inertes foram contratadas ao preço de 0,50 €, que dá um valor total de 600 000,00 €.
31ª Isto é, a R. deve à A. a quantia total de 1 433 771,17 €, para perfazer a quantidade global de 2.000.000 (dois milhões) de toneladas de inertes contratada e vendida, descontadas as quantidades de inertes que se vierem a apurar relativas aos períodos de 22 de Fevereiro de 2016 até 31 de março de 2016 e desde 1 de Abril de 2016 a 30 de Abril de 2016, tudo acrescido de juros de mora à taxa legal desde a citação até integral e efetivo pagamento, o que se pede e no que a R. deve ser condenada a liquidar à A..
32ª A R. deve ainda ser condenada a pagar à A. todas as despesas necessárias para a regularização do terreno, cujos valores exatos ainda não foi possível apurar com rigor, mas cuja liquidação se relega para liquidação em execução de sentença, mas no que a R. deve desde já ser condenada a pagar, acrescidos de juros de mora à taxa legal contados desde a citação até integral e efetivo pagamento.
33ª A este título mais se dirá que a exigibilidade do adimplemento contratual com referência aos inertes que não foram transacionados entre a A. e a R. de valor superior a um milhão de euros, não se prefigura excessivamente oneroso para a R..
34ª Assim sendo, para além das condenações já fixadas na sentença recorrida contra a R., que devem manter-se, mais deve:

Ser a R. condenada a pagar à A., pelos serviços de terraplanagem, a quantia de 10 946,70 €, acrescida dos juros de mora à taxa legal desde as datas dos vencimentos das respetivas faturas até 1 de Julho de 2016, nos valores de 60,21 €, 31,72 € e 1,70 €, mais os juros de mora vincendos desde 1 de Julho de 2016 até integral e efetivo pagamento, - pedido a) da p.i.;
Ser a R. condenada a pagar à A. a quantia total de 1 433 771,17 €, para perfazer a quantidade global de 2.000.000 (dois milhões) de toneladas de inertes contratada e vendida, descontadas as quantidades de inertes que se vierem a apurar relativas aos períodos de 22 de Fevereiro de 2016 até 31 de março de 2016 e desde 1 de Abril de 2016 a 30 de Abril de 2016, tudo acrescido de juros de mora à taxa legal desde a citação até integral e efetivo pagamento, - pedido d) da p.i.;
Ser a R. condenada a pagar à A. todas as despesas necessárias para a regularização do terreno, cujos valores exatos ainda não foi possível apurar com rigor, mas cuja liquidação se relega para liquidação em execução de sentença, mas no que a R. deve desde já ser condenada a pagar, acrescidos de juros de mora à taxa legal contados desde a citação até integral e efetivo pagamento – pedido e) da p.i..
35ª O Tribunal recorrido ao julgar improcedentes os pedidos das alíneas A), D) e E) da petição inicial, violou por erro de interpretação e aplicação o disposto nos artigos 206º, 219º, 406º, 408º, nº 1, 424º, 428º, 562º, 612º, 762º, 763º, 798º, 799º, 809º, 813º, 817º, 827º, 837º, 874º, 875º, 879º, 939º, 1311º, 1316º e 1317 do C.C..
A Recorrida não apresentou contra-alegações.

A Ré/Reconvinte também interpôs recurso, em cuja alegação formulou as seguintes conclusões:

1.- A Recorrente não se conforma com o teor da sentença proferida nos autos em epígrafe.
2.- A sentença de que se recorre enferma, salvo o devido respeito, de erros manifestos quer no que concerne ao julgamento da matéria de facto, quer no que concerne à aplicação do Direito.
3.- A matéria de facto não foi correctamente julgada pelo que a Recorrente indica, no presente recurso, os concretos pontos da matéria de facto que considera terem sido incorrectamente julgados, os meios probatórios que impunham decisão diversa e a decisão que deveria ter sido proferida sobre os pontos de facto impugnados, de acordo com o art. 640.º.2 do cpc.
4.- A Recorrente entende que os factos dos pontos 52 e 55 deveriam ter sido julgados como PROVADOS.
5.- A prova documental bastante junta aos autos impunha decisão diversa designadamente os documentos 20 a 24 juntos com a Contestação, no valor global de € 12.111/50 (doze mil, cento e onze euros e cinquenta cêntimos) e os does. 25 a 25-E.
6.- Resultou provado, com a conjugação do depoimento do gerente da R. e da prova documental carreada para os autos, que a R. tinha essa obra adjudicada, de grande dimensão, e que os inertes que deixou de comprar por causa da resolução contratual operada teriam como destino a obra referida, o que invariavelmente causou um lucro cessante na R.
7.- Deveria o facto 55 ter sido dado como PROVADO, o que se requer e em consequência, ser ainda dado como provado o seguinte facto:

"Como consequência da resolução contratual operada e constante dos pontos XX, a R. teve um lucro cessante que deverá ser alvo do incidente de liquidação em sede de execução de sentença".
8.- A R. resolveu unilateralmente o contrato de compra e venda que celebrou com a A., tendo por base a não entrega de um documento necessário ao licenciamento da sua actividade de britagem.
9.- A R. instalou uma central de britagem no terreno da A. onde os inertes se encontravam depositados e essa central de britagem teria que ser licenciada pelo IAPMEI, como decorre da lei, licenciamento esse que a R. solicitou a tal Instituto.
10.- O processo deu entrada e correu termos no IAPMEI (Comunicação Prévia n.º 837/2015), de acordo com o previsto no D.L. n.º 169/2012 de 01 de Agosto (DL 169) - art. 30.º.7.
11.- O estabelecimento da R. é um estabelecimento do tipo 2 para efeitos do referido DL 169 (art. 11.º.3), de acordo com a análise preliminar constante do doc. 44-A junto com a p.i., e assim necessitava, para o seu licenciamento, dos elementos constantes da Portaria n.º 302/2013 secção III (doc. 44-A junto com a p.i).
12.- Um desses elementos, único em falta para a R. obter o licenciamento da sua actividade era precisamente a certidão de localização do depósito de resíduos, com informação prévia favorável sobre a operação urbanística.
13.- Nunca a A. entregou à R. tal documento, estando esta impedida de licenciar a sua actividade de britagem.
14.- A falta de entrega da certidão de localização solicitada pela R. à A. e por esta nunca entregue consubstanciou motivo suficiente para a excepção do não cumprimento do contrato e assim não pagamento da factura (remanescente) que a R. foi condenada a pagar, bem como a operada resolução contratual.
15.- Enferma a sentença de nulidade, de acordo com os arts. 615.º.1.c) e d) do CPC/ uma vez que o Tribunal não se pronunciou sobre a obrigatoriedade da apresentação pela A. da requerida certidão de localização nem a matéria de facto dada como provada (designadamente a não entrega de tal documento impeditivo do licenciamento da actividade da R. junto do IAPMEI) está em consonância com a decisão proferida de condenação da R.
16.- A R. estava impedida de licenciar a central de britagem e exposta a coimas elevadíssimas na ordem das centenas de milhares de euros, tudo porque a A. não possuía o documento de certidão de localização emitido pela CCDR-N que permitia o licenciamento da actividade da R. no terreno da A.
17.- A A. estava também obrigada contratualmente a entregar tal documentação à R. como resultou da cláusula oitava, parágrafo segundo do contrato de compra e venda constante dos autos.
18.- Tinha pois a R. fundamento bastante para proceder a invocada excepção de não cumprimento do contrato, tendo o Tribunal violado com a improcedência da excepção invocada os arts. 428.º, 432.º.1, 801.º.1 e 2/ 808.º, 804.º.2, 406.º.1, 762.º.1, 763.º.1 e 1031.º.b) todos do Código Civil.
19.- No que concerne à resolução contratual operada pela R., sempre se dirá que a mesma se revestiu de legalidade e com fundamento bastante, devendo a A. ser condenada no pagamento dos prejuízos que a R. teve por causa de tal resolução contratual operada, o que se requer.
20.- Existiu, por parte da R. e antes da resolução contratual operada, uma interpelação admonitória como resultou dos factos dados como provados, designadamente do ponto 41 apenas parcialmente transcrito na sentença a quo.
21.- Analisado o documento 43 junto com a p.i., A CARTA DATADA DE 27.04.2016, verifica-se que a R. interpelou a A. para a junção do referido documento sob PENA DE RESOLUÇÃO CONTRATUAL, no ponto 12 da mesma.
22.- Deveria assim ser reconhecida legalidade e licitude, o que se requer seja reconhecido por via do presente recurso, à resolução contratual operada pela R.
23.- Deve a sentença proferida ser revogada e substituída por outra que declare a licitude da resolução contratual operada pela R., a procedência da excepção de não cumprimento invocada e a condenação da A. no pagamento dos montantes despendidos pela R. na desmontagem do estaleiro, o transporte de máquinas, deslocações de funcionários e aluguer de auto grua e ainda os valores que se vierem a liquidar em sede de execução de sentença relativamente ao lucro cessante da R. com a resolução contratual operada pela mesma.
Nas contra-alegações apresentadas, a Autora/Recorrida pugnou pela manutenção do decidido no que toca à reconvenção, acentuando que a obtenção e renovação do respetivo licenciamento e autorizações de toda a operação era da inteira e exclusiva responsabilidade da R., designadamente para o levantamento dos inertes já depositados no terreno e sua venda, uma vez que não foi contratado o depósito de mais inertes no terreno, de tal modo que apenas cabia à A. conceder autorização para o efeito de obtenção das referidas licenças para o levantamento dos inertes já depositados no terreno e sua venda.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO:

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal (artigos 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do NCPC).
No caso vertente, as questões a decidir que ressaltam das conclusões recursórias das presentes apelações são as seguintes:

- Saber se existe erro na apreciação da prova e na subsunção jurídica dos factos, sendo este, em parte, consequência daquele;
- Saber se a Autora, ao não entregar à Ré o documento, pela mesma, solicitado, violou algum dever que sobre ela recaía, assim dando fundamento à resolução que lhe foi comunicada pela Ré, com a consequente responsabilidade contratual;
- Saber se, apesar de não ter fundamento válido, a resolução comunicada pela Ré fez cessar a relação contratual, com a consequente responsabilidade daquela, ou se, diferentemente, para que se possa considerar haver incumprimento definitivo legitimador do pedido de indemnização formulado nos autos necessário é que a resolução em causa possa ser vista como uma recusa categórica de cumprimento;
- Saber se, no caso, se pode afirmar, que subjacente à declaração emitida existia da parte da Ré uma vontade de não cumprir;
- Saber se, a considerar-se haver incumprimento definitivo por parte da Ré e apesar de, em abstrato, se admitir a possibilidade de, em caso de resolução, a indemnização integrar a reparação dos danos correspondentes ao interesse contratual positivo, no caso tal se justificaria.
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III. FUNDAMENTOS:

Os factos.
Na primeira instância foi dada como provada a seguinte factualidade:

1. A Autora dedica-se à actividade de construção de edifícios (residenciais e não residenciais); compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim; engenharia civil; construção de pontes, túneis, pistas de aeroportos e vias férreas, de telecomunicações e de outras redes; construção de outras obras de engenharia civil; engenharia hidráulica; demolições e preparação dos locais de construção, perfurações, sondagens, instalação eléctrica, de canalizações, de climatização e outras instalações; outras instalações em construções; actividades de acabamentos em edifícios; estucagem, montagem de trabalhos de carpintaria e de caixilharia, revestimento de pavimentos e de paredes, pintura e colocação de vidros; actividades de colocação de coberturas; aluguer de equipamentos de construção e de demolição, com operador, à extracção, transformação e comercialização de granitos e rochas ornamentais, à engenharia e construção civil.
2. A Ré dedica-se à actividade de extracção, transformação e comercialização de granitos e rochas ornamentais, engenharia e construção civil.
3. Pela ap. 2904 de 2009/09/17, afigura-se registada a aquisição a favor da X – Engenharia e Construção, Lda do prédio rústico sito no Lugar …, freguesia de …, com área total de 60 000 m2, inscrito na matriz sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ….
4. Há mais de 20 anos que os gerentes da X – Engenharia e Construção, Lda, em nome da mesma, por si e antepossuidores, têm procedido à limpeza do prédio indicado em 3), à vista de todas as pessoas, sem oposição de quem quer que seja, de forma ininterrupta, com a convicção de que o prédio rústico pertence à referida sociedade.
5. Em 19.6.2014, a X - ENGENHARIA E CONSTRUÇÃO, LDA, representada pela sócia-gerente T. R., como primeira outorgante, e a Y - GRANITOS E EMPREITADAS, LDA, representada pelos sócios-gerentes C. T. e S. S., como segunda outorgante, subscreveram um escrito designado “Contrato de Compra e Venda de Inertes”, consignando, designadamente, que:

“Considerando que:
(…)
C. No âmbito da construção dos Sublanços Nó de Ligação ao IP4/Campeã/Parada de Cunhos, inserido na "Concessão do Túnel do Marão", verificou-se a necessidade de depositar solos e inertes provenientes dos trabalhos de terraplanagem, bem como de solos e inertes provenientes da abertura do "Túnel do Marão".
D. Tais solos e inertes provenientes da construção dos Sublanços Nó de Ligação ao IP4/Campeã/Parada de Cunhos, inserido na "Concessão do Túnel do Marão" e da abertura do "Túnel do Marão" foram sendo depositados no prédio rústico da primeira outorgante.
E. Como tais inertes e solos provenientes da construção dos Sublanços Nó de Ligação ao IP4/Campeãl/Parada de Cunhos, inserido na "Concessão do Túnel do Marão" e da abertura do "Túnel do Marão" ainda permanecem depositados em tal prédio rústico, celebra-se pelo presente documento reduzido a escrito um contrato de compra e venda de inertes.
(…)
Celebram entre si, livremente, o presente contrato de compra e venda de inertes nos termos das cláusulas seguintes:

Primeira
A primeira outorgante é dona e legítima possuidora de um terreno no Lugar da …, freguesia da …, concelho de Vila Real, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n° … e inscrito na respetiva matriz rústica sob o artigo … °.

Segunda
O referido terreno melhor identificado na cláusula primeira do presente contrato tem 1 000 000,00 m3 (um milhão de metros cúbicos) de inertes, provenientes dos trabalhos de terraplanagem e das demais obras do "Túnel do Marão" .

Terceira
Pelo presente contrato, a primeira outorgante vende à segunda, que aceita tal venda, os inertes existentes no terreno mencionado na cláusula primeira, vistos e conferidos por esta última, na quantidade global de 2000000 (dois milhões) de toneladas.

Quarta
Parágrafo primeiro: A venda e transporte dos inertes supra referidos na cláusula anterior será feita feita durante o período de 30 (trinta) meses, obrigando-se a Segunda Outorgante a providenciar pelo transporte e carga dos mesmos, sendo da sua inteira e exclusiva responsabilidade a colocação de todo o material e equipamento necessário para a operação, para a britagem, e ainda para as cargas e descargas dos inertes.
(…)

Quinta
Em cada carga efetuada a Segunda Outorgante obriga-se a pesar os inertes na presença da Primeira Outorgante e a carga só é transportada pela Segunda Outorgante após a assinatura de um documento onde seja especificada a carga a ser transportada e o seu peso.

Sexta
Parágrafo primeiro: O preço da venda é o seguinte:
a) Até 800 000 toneladas o preço é de € 1,25 (um euro e vinte e cinco cêntimos) por cada tonelada acrescido de IVA à taxa legal;
b) As restantes 1.200.000 toneladas são ao preço de € 0,50 (cinquenta cêntimos) cada tonelada acrescido de IV A á taxa legal;
Parágrafo segundo: O preço supra referido será pago pela segunda outorgante à primeira da seguinte forma:
c) Aquando da entrega das cargas de inertes à segunda outorgante no período de dia 1 (um) ao último dia de cada mês seria realizado um auto de medição que a Segunda Outorgante deverá pagar à Primeira Outorgante no valor correspondente ao seu peso até ao dia 20 de cada mês.
(…)

Oitava
Parágrafo primeiro: É da inteira e exclusiva responsabilidade da segunda outorgante a obtenção e renovação do respetivo licenciamento e autorizações de toda a operação supra mencionada.
Parágrafo segundo: A primeira outorgante deverá conceder à segunda outorgante todos os instrumentos de autorização que se revelem necessários para o efeito de obtenção das licenças mencionadas no parágrafo anterior.
(…)

Décima quinta
O presente contrato será regulado pelas respetivas cláusulas contratuais e nos casos omissos aplicar-se-ão as disposições do Código Civil relativamente aos contratos de compra e venda, com as adaptações que as partes julgarem adequadas, com exceção de todas as disposições que consagrem o deferimento tácito de pretensões.”

6. No âmbito do descrito em 5), os gerentes da Autora e da Ré igualmente declararam acordar que os gastos relativos a electricidade e os serviços de terraplanagem referentes à compra e venda dos inertes “ficavam por conta da Ré”, declarando os gerentes da Ré que a mesma se comprometia a pagar à Autora os referidos gastos e serviços e os montantes enunciados em 5) a “pronto pagamento”.

7. Na sequência do referenciado em 5), a Ré instalou no citado prédio uma central de britagem com a finalidade de transformar os inertes que foram depositados no mesmo e vendê-los a terceiros.
8. No período de 19 de Fevereiro de 2015 a 30 de Abril de 2015, a Autora declarou vender e entregou à Ré, que recebeu, a quantidade de 723,88 toneladas de inertes.
9. No período de 1 de Maio de 2015 a 31 de Maio de 2015, a Autora declarou vender e entregou à Ré, que recebeu, a quantidade de 1.596,73 toneladas de inertes.
10. Em 3 de Junho de 2015, a Autora emitiu a factura n.º 12/2015, no valor de 3.567,93€, com referência ao enunciado em 8) e 9), a qual foi remetida para a Ré.
11. No período de 1 de Junho de 2015 a 30 de Junho de 2015, a Autora declarou vender e entregou à Ré, que recebeu, a quantidade de 2.296,73 toneladas de inertes.
12. No período de 1 de Julho de 2015 a 31 de Julho de 2015, a Autora declarou vender e entregou à Ré, que recebeu, a quantidade de 2.018,74 toneladas de inertes.
13. Em 6 de Agosto de 2015, a Autora emitiu a factura n.º 19/2015, no valor de 6.635,04€, referente ao citado em 11) e 12), a qual foi remetida para a Ré.
14. No período de 1 de Agosto de 2015 a 31 de Agosto de 2015, a Autora declarou vender e entregou à Ré, que recebeu, a quantidade de 3.689,32 toneladas de inertes.
15. Em 9 de Setembro de 2015, a Autora emitiu a factura n.º 27/2015, no valor de 5.672,33€, com referência ao enunciado em 14), a qual foi remetida para a Ré.
16. No período de 1 de Setembro de 2015 a 30 de Setembro de 2015, a Autora declarou vender e entregou à Ré, que recebeu, a quantidade de 9.542,26 toneladas de inertes.
17. Em 12 de Outubro de 2015, a Autora emitiu a factura n.º 34/2015, no valor de 14.671,23 €, relativa ao mencionado em 16), a qual foi remetida para a Ré.
18. No período de 1 de Outubro de 2015 a 31 de Outubro de 2015, a Autora declarou vender e entregou à Ré, que recebeu, a quantidade de 12.882,72 toneladas de inertes.
19. Em 16 de Novembro de 2015, a Autora emitiu a factura n.º 42/2015, no valor de 14.671,23€, com referência ao indicado em 18), a qual foi remetida para a Ré.
20. No período de 1 de Novembro de 2015 a 30 de Novembro de 2015, a Autora declarou vender e entregou à Ré, que recebeu, a quantidade de 10.029,62 toneladas de inertes.
21. Em 16 de Dezembro de 2015, a Autora emitiu a factura n.º 48/2015, no valor de 12.537,03€, referente ao citado em 20), a qual foi remetida para a Ré.
22. No período de 1 de Dezembro de 2015 a 21 de Dezembro de 2015, a Autora declarou vender e entregou à Ré, que recebeu, a quantidade de 23.793,70 toneladas de inertes.
23. Em 18 de Janeiro de 2016, a Autora emitiu a factura n.º 2016A1/03, no valor de 36.582,82€, com referência ao enunciado em 22), a qual foi remetida para a Ré.
24. No período de 22 de Dezembro de 2015 a 21 de Janeiro de 2016, a Autora declarou vender e entregou à Ré, que recebeu, a quantidade de 27.607,84 toneladas de inertes.
25. Em 15 de Fevereiro de 2016, a Autora emitiu a factura n.º 2016A1/8, no valor de 42.447,05€, referente ao citado em 24), a qual foi remetida para a Ré.
26. No período de 22 de Janeiro de 2016 a 21 de Fevereiro de 2016, a Autora declarou vender e entregou à Ré, que recebeu, a quantidade de 38.801,52 toneladas de inertes.
27. Em 18 de Março de 2016, a Autora emitiu a factura n.º 2016A1/11, no valor de 59.657,34€, com referência ao mencionado em 26), com data de vencimento em 18.3.2016, a qual foi remetida para a Ré.
28. Entre os dias 21 de Fevereiro de 2016 e 30 de Abril de 2016, a Ré retirou e fez seus uma quantidade não concretamente apurada de inertes.
29. Na sequência do referido em 6), foram efectuados consumos de electricidade no valor de 3.417,14€, com referência às facturas emitidas pela Fornecedor de Energia D em 22 de Abril de 2015 e 30 de Abril de 2015.
30. Em 23.6.22015, a Autora emitiu a factura n.º 14/2015, no sobredito valor de 3.417,14€, com vencimento em 23.6.2015, a qual foi enviada à Ré.
31. Na sequência do referido em 6), foram efectuados consumos de electricidade no valor de 3.231,31€, com referência à factura emitida pela Fornecedor de Energia D em 1 de Junho de 2015.
32. Em 26.6.22015, a Autora emitiu a factura n.º 15/2015, no antedito valor de 3.231,31€, com vencimento em 26.6.2015, a qual foi enviada à Ré.
33. Em consequência do descrito em 6), a Autora efectuou os serviços de terraplanagem descritos nas seguintes facturas:

a) Factura n.º 20/2015, com data e vencimento de 12.08.2015, no valor total de 3.846,40€, que a Autora emitiu e enviou à Ré;
b) Factura n.º 24/2015, com data e vencimento de 28.08.2015, no valor total de 1.676,31€, que a Autora emitiu e enviou à R;
c) Factura n.º 33/2015, com data e vencimento de 9.10.2015, no valor total de 888,42€, que a Autora emitiu e enviou à Ré;
d) Factura n.º 37/2015, com data e vencimento de 30.10.2015, no valor total de 1.115,00€, que a Autora emitiu e enviou à Ré;
e) Factura n.º 44/2015, com data e vencimento de 27.11.2015, no valor total de 2.031,50€, que a Autora emitiu e enviou à Ré;
f) Factura n.º 2016A1/1, com data e vencimento de 08.012016, no valor total de 891,40€, que a Autora emitiu e enviou à Ré;
g) Factura 2016 A 1/4, com data e vencimento de 1.02.2016, no valor total de 9.517,58€, que a Autora emitiu e enviou à Ré;
h) Factura n.º 2016 A1/7, com data e vencimento de 15.02.2016, no valor total de 7.629,71€, que a Autora emitiu e enviou à Ré;
i) Factura n.º 2016A1/13, com data e vencimento de 07.04.2016, no valor total de 4.654,97€, que a Autora emitiu e enviou à Ré.

34. A Ré pagou à Autora as seguintes quantidades de inertes:

a) No dia 24 de Junho de 2015, a Ré pagou à Autora o valor de 3.567,93€ referente à factura n.º 12/2015;
b) No dia 24 de Agosto de2015, a Ré pagou à Autora o valor de 6.635,04€ referente à factura 19/2015;
c) No dia 23 de Setembro de 2015, a Ré pagou à Autora o valor de 5.672,33€ referente à factura 27/2015;
d) No dia 23 de Outubro de 2015, a Ré pagou à Autora o valor de 14 671,23€ referente à factura 34/2015;
e) No dia 27 de Novembro de 2015, a Ré pagou à Autora o valor de 19.807,18€ referente à factura 42/2015;
f) No dia 29 de Dezembro de 2015, a Ré pagou à Autora o valor de 15.420,55€ referente à factura 2015A1/48;
g) No dia 27 de Janeiro de 2016, a Ré pagou à Autora. o valor de 36.582,82€ referente à factura n.º 2016A1/3;
h) No dia 1 de Março de 2016, a Ré pagou à Autora o valor de 42.447,05€ referente à factura n.º 2016A 1/8;
i) No dia 29 de Março de 2016, a Ré pagou à Autora o valor de 10 000,00€ por conta da factura 2016/11.

35. A Ré pagou à Autora os gastos em electricidade de 3.417,14€, valor indicado na factura 14/2015, e de 3.231,31€, valor mencionado na factura 15/2015.

36. A Ré pagou à Autora os seguintes serviços de terraplanagem:

a) No dia 24 de Agosto de 2015, a Ré pagou à Autora o valor de 3846,40€;
b) No dia 31 de Agosto de2015, a Ré pagou à Autora o valor de 1676,31€ referente à factura 24/2015;
c) No dia 12 de Outubro de 2015, a Ré pagou à Autora o valor de 888,42€ referente à factura 33/2015;
d) No dia 2 de Novembro de 2015, a Ré pagou à Autora o valor de 1.115,00€ indicado na factura 37/2015;
e) No dia 3 de Dezembro de 2015, a Ré pagou à Autora o valor de 2.031,50€ mencionado na factura 44/2015;
f) No dia 12 de Janeiro de 2016, a Ré pagou à Autora o valor de 891,40€ referido na factura FT2016A1/1;
g) No dia 4 de Fevereiro de 2016, a Ré pagou à Autora o valor de 9.517,58€ enunciado na factura 20l6A1/4;
h) No dia 1 de Março de 2016, a Ré pagou à Autora o valor de 7.629,71€ indicado na factura 20l6A 1/17;
i) No dia 5 de Maio de 2016, a Ré pagou à Autora o valor de 4.654,97€ referido na factura 2016A 1/13.
42. Nos 37. No ano de 2015, a Ré apresentou um pedido de licenciamento industrial junto do IAPMEI com referência à actividade referenciada em 7).
38. Em 12.2.2016, 26.2.2016 e 3.3.2016, a gerência da Ré remeteu e-mail para gerência da Autora solicitando os documentos referentes ao licenciamento do depósito de resíduos.
39. Em Abril de 2016, a gerência da Autora remeteu uma missiva para a gerência Ré, consignando, designadamente, que “(…) ficam V. Excªs. devidamente interpelados para, no prazo máximo de 8 dias seguidos após a recepção desta carta: a) Enviar à X – Engenharia e Construção, Lda o auto de medição n.º 12 que deveria ter sido enviado até 31 de Março de 2016, para ser emitida a respectiva factura para posterior pagamento dos inertes vendidos; b) Pagar à X – Engenharia e Construção, Lda a quantia remanescente da FT 2016 A1/11, de 18 de Março de 2016 referente ao auto de medição n.º 11, no valor de 49.657,34€; (…)”.
40. Em 27.4.2016, a gerência da Ré remeteu uma missiva à gerência da Autora consignando, designadamente, que “(…) Por várias vezes , foi solicitado a V. Exas. Que enviassem os documentos referentes ao licenciamento do depósito dos resíduos (…) Para poder obter o licenciamento do IAPMEI, esta empresa necessita de comprovativo da informação prévia favorável sobre a operação urbanística (…) Pelo que, ao abrigo da excepção de não cumprimento do contrato (…) não iremos realizar o pagamento do montante de 49.657,34€ nem enviaremos o auto de medição n.º 12, enquanto a certidão de informação prévia favorável sobre a operação urbanística não nos for enviada (…)”.
41. Em 27.4.2016, a gerência da Autora remeteu uma missiva para a gerência da Ré, consignando, designadamente, que “(…) a obtenção e renovação do respectivo licenciamento e autorizações de toda a operação é da inteira e exclusiva responsabilidade da Y – Granitos e Empreitadas, Lda (…) ficam V. Excªs. de novo devidamente interpelados para, no prazo máximo de 8 dias seguidos após a recepção desta carta: a) Enviar à X – Engenharia e Construção, Lda o auto de medição n.º 12 que deveria ter sido enviado até 31 de Março de 2016, para ser emitida a respectiva factura para posterior pagamento dos inertes vendidos; b) Pagar à X – Engenharia e Construção, Lda a quantia remanescente da FT 2016 A1/11, de 18 de Março de 2016 referente ao auto de medição n.º 11, no valor de 49.657,34€ (…)”.
42. Nos dias 27/28 de Abril, por ordem da gerente da Autora e de Manuel, foram colocadas duas viaturas junto do acesso à central de britagem mencionada em 7).
43. Em consequência do referido em 42), a Ré não procedeu à pesagem e carga de inertes.
44. A gerência da Autora não entregou à Ré a certidão solicitada em 40).
45. Em 3.5.2016, a gerência da Ré remeteu uma missiva à gerência da Autora consignando, designadamente, que “(…) comunicamos a V.ªs Exas. A resolução do contrato de compra e venda celebrado a 19.06.2014 com a v/empresa, pelo motivo de falta de documento essencial de licenciamento do aterro de inertes e da respectiva certidão, documento esse que é fundamental para o licenciamento da actividade da n/empresa prevista no contrato de compra e venda de inertes junto do IAPMEI (…)”.
46. Em consequência do enunciado em 45), a Ré teve que proceder à desmontagem e transporte da central de britagem indicada em 7).
47. Na sequência do referenciado em 45) e 46), a Autora despendeu 3.828,38€ com a desmontagem do estaleiro, o transporte de máquinas, deslocações de funcionários e aluguer de auto grua.

Ao invés, foram considerados não provados os seguintes factos:

48. Em consequência do descrito em 6), a Autora efectuou os serviços de terraplanagem descritos nas seguintes facturas:

a) Factura n.º 2016A1/17, com data e vencimento de 4.05.2016, no valor total de 5.374,70€, que a Autora emitiu e enviou à Ré;
b) Factura n.º 2016A1/19, com data e vencimento de 27.05.2016, no valor total de 4.691,87€, que a Autora emitiu e enviou à Ré;
c) Factura n.º 2016A1/21, com data e vencimento de 21.06.2016, no valor total de 880,13€, que a Autora emitiu e enviou à Ré.

49. Em consequência do referenciado em 45), a Autora despenderá quantia não concretamente apurada com a regularização do terreno.
50. A dada altura da execução do acordo indicado em 5), Manuel, pai da gerente da Autora, declarou ao gerente da Ré que, se não pagasse as facturas relativas a electricidade e terraplanagens, impediria a mesma entrar no sobredito prédio rústico.
51. A autora está diariamente e vender as toneladas dos inertes depositados no terreno indicado em 5).
52. Na sequência do referenciado em 45) e 46), a Ré despendeu a quantia de 23.489,31€ com a desmontagem do estaleiro, o transporte de máquinas, deslocações de funcionários e aluguer de auto grua.
53. Em consequência do mencionado em 42) e 43), a Ré não recebeu a quantia de 128.583,24€ (cento e vinte e oito mil, quinhentos e oitenta e três euros e vinte e quatro cêntimos) de inertes que se encontravam vendidos a terceiros.
54. A Autora carregou no estaleiro inertes já vendidos à Ré, entre Abril e Dezembro de 2015, no valor de 3.141,27€.
55. Após o referido em 5), a Ré declarou vender as toneladas de inertes referenciados no sobredito escrito para a linha férrea de alta velocidade entre as localidades de ADIF – ORENSE – ZAMORA.
56. Em consequência do enunciado em 45), a Ré despendeu a quantia de 12.111,50€ referente a encargos relativos a garantias bancárias prestadas com referência ao indicado em 54).
57. Em consequência do enunciado em 45), a Ré não auferiu a quantia de 1.024.646,40€ relativa à venda de inertes citada em 55).
*
O Direito.

- Nulidades da sentença

Como se sabe, as causas de nulidade da sentença ou de qualquer decisão são as que vêm taxativamente enumeradas no nº 1 do art. 615º do CPC.
Dispõe a alínea c) do referido normativo que é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
E, de acordo com a primeira parte da alínea d) do nº 1 deste preceito, a sentença também é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.
No caso em apreço, defende a Ré/Recorrente que a sentença recorrida padece das supra referidas nulidades uma vez que o Tribunal não se pronunciou sobre a obrigatoriedade da apresentação pela A. da requerida certidão de localização nem a matéria de facto dada como provada (designadamente a não entrega de tal documento impeditivo do licenciamento da actividade da R. junto do IAPMEI) está em consonância com a decisão proferida de condenação da R.
Fá-lo, porém, sem razão.
Com efeito, nenhuma omissão ocorre porquanto, como refere a própria Ré/Recorrente, na decisão recorrida se aduziu acresce que, o referenciado em 45) dos factos provados consubstancia um cristalino exercício do direito potestativo de resolução contratual pela Ré, circunscrito, segundo a sentença, à falta de documento essencial de licenciamento do aterro de inertes e da respectiva certidão, o que, se bem se entende, denota que o julgador se pronunciou – e até se pronunciou favoravelmente – sobre a essencialidade do documento em questão para efeito do aludido licenciamento.
Por outro lado, não se pode dizer que os fundamentos estão em contradição com a decisão.
A este respeito, explanam Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, in “Código de Processo Civil Anotado”, II vol., pág. 670: “Entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa da nulidade da sentença. Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta; quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade...”
Ou, como se lê no Acórdão da Relação do Porto de 02.05.2016: “A nulidade da sentença decorrente dos fundamentos estarem em oposição com a decisão verifica-se quando a fundamentação aponta num certo sentido que é contraditório com o que vem a decidir-se e, enquanto vício de natureza processual, não se confunde com o erro de julgamento, que se verifica quando o juiz decide mal – ou porque decide contrariamente aos factos apurados ou contra lei que lhe impõe uma solução jurídica diferente”.
Ora, no caso, não se deteta nenhuma contradição lógica, nenhum erro de raciocínio: o que sucede é que, perante os factos que considerou provados, o julgador retirou conclusões distintas das propugnadas pela Ré/Reconvinte,
Se incorreu ou não em erro de julgamento é coisa de que nos ocuparemos noutra fase.
Improcedem, pois, as arguidas nulidades.

- Impugnação da matéria de facto:

A impugnação da decisão sobre a matéria de facto é admitida pelo artigo 640º, n.º 1, do Código de Processo Civil, segundo o qual o recorrente deve obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os pontos de facto que considera incorretamente julgados, os concretos meios de prova, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre essas questões de facto.
Por sua vez, estatui o n.º 1 do artigo 662º do mesmo diploma legal que “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Sustenta a Ré/Recorrente que houve erro na apreciação da prova, porquanto deveria ter merecido resposta positiva a factualidade considerada não provada nos pontos 52 e 55, cujo teor a seguir se recorda:
52. Na sequência do referenciado em 45) e 46), a Ré despendeu a quantia de 23.489,31€ com a desmontagem do estaleiro, o transporte de máquinas, deslocações de funcionários e aluguer de auto grua.
55. Após o referido em 5), a Ré declarou vender as toneladas de inertes referenciados no sobredito escrito para a linha férrea de alta velocidade entre as localidades de ADIF – ORENSE – ZAMORA.

Fundamenta essa sua pretensão na prova documental, designadamente os documentos 20 a 24 e 25 a 25-E (juntos com a contestação), em conjugação com o depoimento do gerente da R.

Requer ainda que se considere provado um ponto com o seguinte conteúdo:

"Como consequência da resolução contratual operada e constante dos pontos XX, a R. teve um lucro cessante que deverá ser alvo do incidente de liquidação em sede de execução de sentença".
Começando por este ponto, cumpre desde logo excluir qualquer possibilidade de considerar uma ampliação com um tal conteúdo, porquanto o aludido ponto que se pretende ver acrescentado aos factos provados não contém qualquer matéria de facto, integrando, pelo contrário, meros conceitos de direito.
Quanto aos pontos de facto impugnados.
Importa, antes de mais, retificar o manifesto lapso de escrita contido no ponto 47, no sentido de onde se lê “a Autora”, passar a ler-se “a Ré”, certo que o mesmo respeita notoriamente a matéria alegada por esta.
Em consonância, forçoso é excluir do ponto 52 elencado nos factos não provados que respeita à mesma matéria, tendo, embora, por referência o valor global alegado pela Autora (23.489,31 €), o montante a que alude o ora retificado ponto 47 (3.828,38 €), o que, por si só, leva à alteração do ponto 52, no sentido de onde ali consta 23.489,31 €, passar a constar o valor de 19.660,93 €.
Isto dito.
Incumbe à Relação, como se pode ler no acórdão deste Tribunal de 7.4.2016, “enquanto tribunal de segunda instância, reapreciar, não só se a convicção do tribunal “a quo” tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova e os outros elementos constantes dos autos revelam, mas também avaliar e valorar (de acordo com o princípio da livre convicção) toda a prova produzida nos autos em termos de formar a sua própria convicção relativamente aos concretos pontos da matéria de facto objeto de impugnação, modificando a decisão de facto se, relativamente aos mesmos, tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento na matéria de facto”.
No caso vertente, cremos não se ter verificado qualquer erro de julgamento.

Senão vejamos.
Os aludidos documentos juntos com a contestação foram impugnados pela Autora na réplica, cabendo, pois, à Ré/Apresentante requerer a produção de prova destinada a convencer da sua genuinidade (art. 445º, nº 2, do CPC).
Acresce que os referidos documentos juntos aos autos, ainda que comprovada a respetiva genuinidade (o que, como se verá, não ocorreu), nunca, por si só, comprovariam a verificação dos factos que supostamente se destinavam a provar, não permitindo, designadamente, que se estabelecesse a necessária relação de cada um deles com a desmontagem do estaleiro ou com os inertes referenciados no contrato em apreço, sendo correto o que, a esse propósito, escreveu o juiz a quo:
As listagens de fls. 100 e 105 prefiguram-se desprovidas de documentos de suporte justificativos, designadamente, facturas e recibos.
As guias de transporte de fls. 106-119 enunciam a desmontagem do estaleiro da Ré, porém, falecem as facturas dos encargos invocados pela mesma, exceptuando-se a de fls. 106-verso (922,50€) e de fls. 107 (1.107,00€) e de fls. 118-verso (1798,88€), que consubstanciam lineares encargos conexos com o sobredito desmantelamento – aqui se esclarecendo que os encargos referidos correspondem ao valor de 3.828,38 € considerado provado no ponto 47.
Os escritos de fls. 123, 124 e 126-130 enunciam tão-só garantias prestadas a favor da Autora, falecendo a comprovação documental (recibos, extractos bancários) dos alardeados encargos.
O boletim de fls. 130-verso a 135, desconectado de outros elementos probatórios exigíveis (propostas, adjudicações), é linearmente inócuo.
Analisados os documentos juntos aos autos e ponderada a ausência da prova documental referida pelo julgador da primeira instância, cremos, na verdade, que a decisão não podia ser outra senão a tomada, ainda que tendo, como tivemos, em consideração as declarações do gerente da Ré.
Importa neste ponto esclarecer que propendemos a aceitar a tese de que, como se defende no acórdão da Relação de Lisboa de 26.04.2017, no que excede a confissão, as declarações de parte integram um testemunho de parte e que “a degradação antecipada do valor probatório das declarações de parte não tem fundamento legal bastante, evidenciando um retrocesso para raciocínios típicos e obsoletos de prova legal”, devendo entender-se que “os critérios de valoração das declarações de parte coincidem essencialmente com os parâmetros de valoração da prova testemunhal, havendo apenas que hierarquizá-los diversamente”.
Daí que, “em última instância, nada obsta a que as declarações de parte constituam o único arrimo para dar certo facto como provado desde que as mesmas logrem alcançar o standard de prova exigível para o concreto litígio em apreciação”.
Sucede, porém, que no caso em apreço, as declarações emitidas pelo gerente da Ré, analisadas e devidamente ponderadas de acordo com o critério da livre apreciação da prova, não permitem que o tribunal com base nelas – e ainda que em conjugação com os documentos juntos aos autos – forme uma “prudente convicção sobre a verdade ou a plausibilidade dos factos probandos” (cf. art. 607.º, n.º 5, 1.ª parte, CPC).
Com efeito, as declarações a este respeito prestadas pelo gerente da Ré são lacunosas, vagas e não sustentadas por outros meios de prova – nomeadamente os referidos pelo julgador da primeira instância, relativamente aos quais não se vê que houvesse quaisquer obstáculos na sua junção aos autos –, para tal não sendo aptos nem suficientes os documentos juntos, já que quanto aos mesmos nem sequer se produziu qualquer outra prova tendente a demonstrar a sua veracidade e relação com o alegado.
Quanto aos prejuízos com a desmontagem, limitou-se o gerente da Ré a referirOs camiões, o pessoal, a grua, muita mão-de-obra, pronto”, não havendo como sustentar que foram os alegados (e não menos) os meios necessários – e os custos destes – e, quanto à alegada venda dos inertes a que alude o contrato dos autos para a linha férrea de alta velocidade, foi referindo, de forma solta, sem qualquer preocupação de rigor e de concretização quanto à relação pretendida estabelecer, “aqueles dois contratos que tínhamos em Espanha”, “esse fornecimento de balastro e sub-balastro para as obras do TGV em Espanha”, “tinham-mo aprovado em Madrid e no Adif para ser aplicado nas obras do TGV”.

Em suma, falhou uma concretização factual detalhada e precisa e falharam, para usar a expressão do supra citado acórdão, “corroborações periféricas” (por outros dados que, indiretamente, demonstram a veracidade da declaração) que confirmassem o teor das declarações da referida parte, no que a estes pontos se refere.

Por seu turno, pretende a Autora que se considerem provados os pontos 48 e 49 (considerados não provados pelo Tribunal recorrido), com fundamento nas declarações de parte dos legais representantes da Autora e da Ré, nos depoimentos das testemunhas Manuel e A. T. e, ainda, nos documentos nºs 17 a 20 juntos com a petição inicial e 1 a 6 juntos com a resposta à contestação.
Recordemos o teor dos referidos pontos de facto.
48. Em consequência do descrito em 6), a Autora efectuou os serviços de terraplanagem descritos nas seguintes facturas:

a) Factura n.º 2016A1/17, com data e vencimento de 4.05.2016, no valor total de 5.374,70€, que a Autora emitiu e enviou à Ré;
b) Factura n.º 2016A1/19, com data e vencimento de 27.05.2016, no valor total de 4.691,87€, que a Autora emitiu e enviou à Ré;
c) Factura n.º 2016A1/21, com data e vencimento de 21.06.2016, no valor total de 880,13€, que a Autora emitiu e enviou à Ré.
49. Em consequência do referenciado em 45) (ou seja da resolução comunicada pela Ré), a Autora despenderá quantia não concretamente apurada com a regularização do terreno.
No supra aludido ponto 6. refere-se:

No âmbito do descrito em 5) – acordo escrito –, os gerentes da Autora e da Ré igualmente declararam acordar que os gastos relativos a electricidade e os serviços de terraplanagem referentes à compra e venda dos inertes “ficavam por conta da Ré”, declarando os gerentes da Ré que a mesma se comprometia a pagar à Autora os referidos gastos e serviços e os montantes enunciados em 5) a “pronto pagamento”.
Relativamente ao primeiro ponto de facto impugnado pela Autora, em causa não está, pois, a existência do aludido acordo relativo aos serviços de terraplanagem – que se mostra definitivamente assente por não impugnado –, mas apenas a concreta prestação dos serviços de terraplanagem a que alude o referido ponto 48.
No que toca a este concreto ponto, mostra-se escrito na sentença recorrida:

No que se atem ao facto 48), ante a inexorável insuficiência descritiva das facturas n.º 2016A1/17, n.º 2016A1/19 e n.º 2016A1/21, as datas das mesmas subsequentes à desmontagem do estaleiro da Ré e atentando-se na manifesta omissão e claudicância das declarações da gerente da Autora e das respectivas testemunhas, suscitaram-se dúvidas insanáveis que postularam a sucumbência desta matéria fáctica.

Isto na sequência do anteriormente afirmado:

No que se atem especificamente às facturas de serviços de terraplanagem peticionadas pela Autora, n.º 2016A1/17, com data e vencimento de 4.05.2016, n.º 2016A1/19, com data e vencimento de 27.05.2016, e n.º 2016A1/21, com data e vencimento de 21.06.2016, não especificam a data de realização e a tipologia dos serviços, afigurando-se, assim, claudicantes.
Concomitantemente, as anteditas facturas foram emitidas após a desmontagem do estaleiro da Ré, sendo que as testemunhas da Autora e a gerente da mesma não concretizaram minimamente os preditos serviços de terraplanagem, olvidando o seu circunstancialismo, o que induziu perplexidades insanáveis.
É certo que, como diz a Recorrente, resulta da prova produzida que a anterior faturação de serviços de terraplanagem decorreu de um acordo no sentido de a eletricidade a pagar pela Ré ser faturada como serviços de terraplanagem, havendo exemplos disso no próprio elenco dos Factos provados, pelo que as faturas ora em crise mais não seriam do que novas faturas em concretização do referido acordo.

Todavia, no que se refere às concretas faturas em questão, certo é que, analisados todos os documentos a que alude a Autora, nenhum deles integra faturação da Fornecedor de Energia D que permita estabelecer a correspondência entre o faturado pela Autora à Ré (a título de serviços de terraplanagem) e o valor faturado pela referida Fornecedor de Energia D à Autora, sendo certo que tal mais se impunha sabendo-se que as mesmas foram emitidas após a desmontagem do estaleiro da Ré, ou seja, num momento em que já estava instalado o conflito entre Autora e Ré.

Relativamente ao ponto 49:

Defende a Autora/Recorrente que quer a representante legal da Autora, quer a testemunha Manuel (pai da gerente da Autora), quer a testemunha A. T. (engenheira que elaborou o projeto de remodelação de terreno para o local onde se encontravam os inertes vendidos) esclareceram a situação do imóvel antes do contrato se iniciar e os projetos da A. para o mesmo, que implicam a regularização do terreno após a cessação do contrato com a R. e confirmaram ao Tribunal a necessidade de se efetuarem despesas por parte da A. com vista à dita regularização do terreno.
Ora, salvo o devido respeito por opinião contrária, ouvida a prova gravada indicada pela Recorrente e, concretamente, as declarações das supra identificadas pessoas, dos aludidos meios de prova nada se retira que sustente uma convicção minimamente séria sobre a relação entre a referida necessidade de regularização do terreno e a posição assumida pela Ré ao declarar resolvido o contrato.

Com efeito, se necessidade de regularização há, a mesma, face ao que foi dito quer pela própria representante legal da Autora, quer pelo pai da dita representante, necessariamente ficou a dever-se ao facto de a Autora ter permitido o depósito no local de quantidades muito para além do necessário à colocação do terreno ao nível das quotas previstas no projeto aprovado para o local, só aos mesmos sendo, pois, imputável a necessidade de tal regularização. Se eventualmente, o que nem sequer é seguro, a retirada pela Ré de resíduos do local no cumprimento do contrato conduzisse a tal resultado, tal apenas corresponderia a um aproveitamento lateral do cumprimento das obrigações decorrentes do negócio, não podendo, pois, estabelecer-se, mesmo no plano naturalístico, nenhuma relação de causa e efeito entre a declaração resolutiva e as despesas que a Autora possa vir a ter com a regularização do terreno onde os inertes se encontram depositados.
A tal se refere aliás, a motivação, quando ali se sublinha, para desconsiderar as declarações prestadas pela legal representante da Autora, que os inertes já estavam preteritamente depositados no mesmo (por conta exclusiva da Autora) aquando do acordo referenciado nos autos.

Por último, compaginando o depoimento da testemunha A. T. com o contrato, vê-se que aquele extrapola por completo o que neste se mostra consignado, certo que, ao contrário do asseverado pela testemunha, do contrato nada consta quanto à regularização da superfície do terreno, muito menos, nas palavras da mencionada testemunha, “com todos os, digamos, trabalhas acessórios (…). Acessos, tratamentos de taludes porque aquilo são volumes muito grandes de material e, portanto, tem um impacto muito grande. Tudo isso que está associado fazia parte, portanto teria de ser deixado conforme conforme o projeto previa”, o que na motivação se traduz na correta afirmação de que a asserção da testemunha de que a Ré se obrigou a deixar o terreno regularizado prefigurou-se desprovida de quadro objectivo fundamentante.
Improcede, pois, a referida impugnação da matéria de facto.

Aqui chegados, cumpre referir que assiste, sim, razão à Ré quando refere, nas suas conclusões, que na carta por ela remetida em 27.4.2016, foi a Autora notificada para o efeito ali referido, sob pena de resolução contratual, conforme consta do respetivo ponto 12, impondo-se, pois, a introdução dessa cominação no ponto 40 dos factos provados, o que ora se decide, determinando-se que, em conformidade com o teor do documento mencionado, no final do referido ponto passe a constar “concedendo para entrega do aludido documento o prazo de 5 dias, sob pena de resolução contratual”.
À exceção da aludida referência em falta no ponto 40, improcede, pois, a impugnação da matéria de facto.

Importa, porém, nesta fase, introduzir no elenco dos “Factos provados” um novo facto, relevante para a apreciação das questões de direito controvertidas e resultante da prova documental junta, qual seja:

Por email de 22.07.2015, o IAPMEI remeteu à Ré, documento intitulado “Análise Preliminar à Comunicação Prévia nº 837/2015-nº 1”, ali referindo que “para a devida instrução”, no âmbito da análise preliminar prevista no nº 7 do art. 30º do Dec. Lei 169/2012, de 01.08, a Ré deveria apresentar os elementos constantes da Portaria 302/2013, Secção III – Estabelecimentos Tipo 2, entre eles, “comprovativo de informação prévia favorável sobre a operação urbanística”.
*
- Subsunção jurídica dos factos:

Pretende a Ré que a sentença proferida seja revogada e substituída por outra que declare a licitude da resolução contratual operada pela R., a procedência da excepção de não cumprimento invocada e a condenação da A. no pagamento dos montantes despendidos pela R. na desmontagem do estaleiro, o transporte de máquinas, deslocações de funcionários e aluguer de auto grua e ainda os valores que se vierem a liquidar em sede de execução de sentença relativamente ao lucro cessante da R. com a resolução contratual operada pela mesma.
Tal como refere a sentença recorrida, no que tange aos pedidos reconvencionais em causa, naufragou, na primeira instância, a comprovação da frustração de rendimentos, despesas com garantias bancárias e lucros cessantes alegados pela Ré, pelo que, mantendo-se inalterada a decisão relativa à matéria de facto na base dos referidos pedidos, não se verifica o erro de direito alicerçado na sua propugnada modificação e que a tinha como pressuposto.
Provou-se, porém, que, em consequência da resolução comunicada à Autora, a Ré teve que proceder à desmontagem e transporte da central de britagem, tendo despendido 3.828,38€ com a desmontagem do estaleiro, o transporte de máquinas, deslocações de funcionários e aluguer de auto grua.
Ora, relativamente aos encargos de desmontagem, o pedido indemnizatório foi julgado improcedente face ao jaez da resolução julgada ilícita pelo julgador da primeira instância.
Importa, pois, indagar se a Autora, ao não entregar à Ré o documento, pela mesma, solicitado, violou algum dever que sobre ela recaía, assim dando fundamento à resolução que lhe foi comunicada pela Ré, com a consequente responsabilidade contratual e o inerente dever de reparação dos aludidos danos emergentes.

Vejamos.
As partes intitulam o contrato como de compra e venda, mas, na realidade, o contrato em causa não se ajusta linearmente a um tal contrato.

Na verdade, a função económico-social típica do contrato de compra e venda é a de transmissão da propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço (artigo 874º do Código Civil), estabelecendo a lei como seus efeitos essenciais, a transmissão da coisa ou da titularidade do direito, a obrigação de entregar aquela e a de pagar o preço (artigo 879º do Código Civil), facilmente se percebendo da mera leitura do contrato dos autos que outras obrigações dele resultam e outras finalidade económicas através dele se visam alcançar.
Procurando outros modelos contratuais que se aproximem do contrato desenhado pelas partes, encontramos o designado contrato de fornecimento, que sendo, grosso modo, o acto ou o efeito de fornecer alguma coisa, é uma “designação que também tem sido atribuída aos contratos geradores de obrigações duradouras em que o âmbito das prestações de cada uma das partes dependa do consumo efectivo de uma delas”, mas em que “a transmissão do direito de propriedade sobre essa coisa ou a prestação de algum serviço há-de traduzir-se em contrato de compra e venda ou de prestação de serviços, conforme os casos, ainda que se trate de contratos de execução continuada ou emparelhada, com a sua especificidade de não homogeneidade quantitativa de prestações” (cfr. acórdão do STJ 04.06.2009).
No caso, não estamos, pois, perante uma simples compra e venda, mas também não estamos perante um contrato de fornecimento tout court, mas antes perante um exemplo de um contrato misto – um só negócio jurídico, cujos elementos essenciais respeitam a tipos contratuais distintos, que reúne, em termos de fusão, elementos próprios de uma pluralidade de contratos, mas se assume como único contrato –, como, aliás, resulta da cláusula inserida pelas partes no sentido de que nos casos omissos aplicar-se-ão as disposições do Código Civil relativamente aos contratos de compra e venda, com as adaptações que as partes julgarem adequadas, com exceção de todas as disposições que consagrem o deferimento tácito de pretensões, o que, desde logo, revela a consciência e a vontade das mesmas de uma não linear subsunção do contrato celebrado ao quadro jurídico da compra e venda.
Como ensina Galvão Telles (in Manual dos Contratos em Geral, Refundido e Actualizado, Coimbra Editora, página 469), os contratos mistos têm carácter unitário, resultando da fusão de dois ou mais contratos ou de partes de contratos distintos, ou da participação num contrato de aspetos próprios de outro ou outros, de sorte que o relacionamento entre os tipos não permite a sua separação (Pais de Vasconcelos, in “Contratos Atípicos”, pág. 221).
E o contrato em apreço – que vincula ambas as partes à compra e venda de determinada quantidade de inertes, dentro de um certo período de tempo (ao longo do qual, Autora e Ré celebraram efetivamente vários contratos de compra e venda de inertes), prevendo, ainda que não diretamente, a utilização, pelo comprador, durante esse mesmo período, do imóvel da Autora onde se encontravam depositados os inertes objeto das sucessivas vendas, para efeito da operação de britagem (que se insere na categoria de operação de valorização de inertes) dos inertes sucessivamente vendidos ao longo da execução do contrato –, é, sem dúvida, um contrato misto que envolve elementos próprios do contrato de fornecimento, do contrato-promessa e do contrato compra e venda, mas também do contrato de comodato (contrato gratuito pelo qual uma das partes entrega à outra certa coisa, móvel ou imóvel, para que se sirva dela, com a obrigação de a restituir – art. 1129º do cód. Civil), com vista à utilização, pela Ré, do imóvel da Autora, para efeito da operação de britagem dos inertes vendidos, o que se afigura ter especial interesse para a integral compreensão do caso em apreço, dada a ligação da resolução comunicada pela Ré com a falta de documentação relacionada com o terreno onde se encontravam depositados os inertes, ligação essa só inteligível na medida em que, face ao acordo celebrado, o dito terreno era o espaço previsto para a realização da britagem dos inertes envolvida no negócio.
Tanto assim que, na sequência do contrato celebrado, a Ré instalou no citado prédio uma central de britagem com a finalidade de transformar os inertes que foram depositados no mesmo e vendê-los a terceiros.
Importa, por outro lado, reter que desde 19 de Fevereiro de 2015 em diante, na execução do dito acordo, a Autora foi emitindo declarações de venda de inertes e a Ré foi procedendo ao pagamento dos mesmos, assim desenvolvendo ambas a execução do contrato, sem que previamente tivesse sido obtida a licença para a operação de britagem pressuposta por tal execução.
No ano de 2015, já no decurso da execução do contrato, a Ré apresentou um pedido de licenciamento industrial junto do IAPMEI com referência à aludida atividade de britagem (de transformação de inertes) e em 12.2.2016, 26.2.2016 e 3.3.2016, a gerência da Ré remeteu e-mail para a gerência da Autora solicitando os documentos referentes ao licenciamento do depósito de resíduos, licenciamento que, assumidamente, a Autora não tinha (veja-se, aliás, que notificada já no âmbito dos presentes autos para apresentar o documento que, na sua perspetiva, legalizava o depósito de inertes, a Autora apresentou um “Alvará de Obras de Construção” relativo ao local em questão, licença que, claramente, não permite o depósito de inertes para reciclagem-valorização, como se vê que era o caso).
Na sequência das aludidas solicitações, em 27.4.2016, a gerência da Ré remeteu uma missiva à gerência da Autora consignando, designadamente, que “(…) Por várias vezes , foi solicitado a V. Exas. Que enviassem os documentos referentes ao licenciamento do depósito dos resíduos (…) Para poder obter o licenciamento do IAPMEI, esta empresa necessita de comprovativo da informação prévia favorável sobre a operação urbanística (…) Pelo que, ao abrigo da excepção de não cumprimento do contrato (…) não iremos realizar o pagamento do montante de 49.657,34€ nem enviaremos o auto de medição n.º 12, enquanto a certidão de informação prévia favorável sobre a operação urbanística não nos for enviada (…)”, concedendo, para entrega do aludido documento o prazo de 5 dias, sob pena de resolução contratual.
A gerência da Autora não entregou à Ré a certidão solicitada por esta última.
Em 3.5.2016, a gerência da Ré remeteu uma missiva à gerência da Autora consignando, designadamente, que “(…) comunicamos a V.ªs Exas. A resolução do contrato de compra e venda celebrado a 19.06.2014 com a v/empresa, pelo motivo de falta de documento essencial de licenciamento do aterro de inertes e da respectiva certidão, documento esse que é fundamental para o licenciamento da actividade da n/empresa prevista no contrato de compra e venda de inertes junto do IAPMEI (…)”.
Mais se sabe que antecedendo estes factos, por email de 22.07.2015, o IAPMEI havia remetido à Ré, documento intitulado “Análise Preliminar à Comunicação Prévia nº 837/2015-nº 1”, ali referindo que “para a devida instrução”, no âmbito da análise preliminar prevista no nº 7 do art. 30º do Dec. Lei 169/2012, de 01.08, a Ré deveria apresentar os elementos constantes da Portaria 302/2013, Secção III – Estabelecimentos Tipo 2, entre eles, “comprovativo de informação prévia favorável sobre a operação urbanística”.
E, com efeito, nos termos do art. 10º, nº 1, k) –a), da aludida Portaria nº 302/2013, para obtenção da aludida licença nos casos abrangidos pelo n.º 2 do artigo 18.º do SIR (Dec. Lei nº 169/2012) – ou seja, nos casos de operação urbanística que preveja o uso industrial – é necessário “comprovativo de informação prévia favorável sobre a operação urbanística”.
No caso, o uso industrial pretendido era o de valorização de inertes através de britagem, sendo, pois, sobre o exercício de tal atividade no local que a Ré necessitava da dita informação prévia favorável.
A comunicação do IAPMEI não permite concluir que o referido comprovativo de informação prévia favorável sobre a operação urbanística se refira ao previsto no nº 1 Dec. Lei nº 183/2009 (diploma a que a Ré alude na sua carta resolutiva e que estabelece o regime jurídico da deposição de resíduos em aterro), preceito que estipula que, “para efeitos de instrução do pedido de licença para a operação de deposição de resíduos em aterro o requerente solicita à CCDR territorialmente competente parecer sobre a compatibilidade da localização pretendida com os instrumentos de gestão territorial aplicáveis”.
Por outro lado, o Dec. Lei nº 73/2011, que altera o regime geral da gestão de resíduos e transpõe a Diretiva n.º 2008/98/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de Novembro, relativa aos resíduos, procedendo à alteração ao Decreto -Lei n.º 178/2006, de 5 de Setembro, dispõe no seu art. 9.º, nº 2, que “é proibida a realização de operações de tratamento de resíduos não licenciadas nos termos do presente decreto –lei”, identifica no seu art. 3º, qq), como ‘Valorização’, “qualquer operação, nomeadamente as constantes no anexo II do presente decreto-lei, cujo resultado principal seja a transformação dos resíduos de modo a servirem um fim útil, substituindo outros materiais que, caso contrário, teriam sido utilizados para um fim específico ou a preparação dos resíduos para esse fim na instalação ou conjunto da economia” e enuncia as operações de valorização (operações enumeradas de R 1 a R 12 no respetivo Anexo II), entre elas se encontrando a “Reciclagem/recuperação de outros (que não metais ou compostos metálicos) materiais inorgânicos” (R 5).
Significa isto que a atividade desenvolvida pela Ré demandava, por si mesma, a necessária licença, prevendo-se, no art. 32º, nº 6, c), do referido diploma legal, que o licenciamento de operações de tratamento de resíduos nos termos do presente artigo depende da “compatibilidade da localização pretendida (para as referidas operações) com os instrumentos de gestão territorial e com as servidões administrativas e restrições de utilidade pública aplicáveis, de acordo com parecer emitido pelo serviço regional desconcentrado responsável pela área do ordenamento do território no decurso do procedimento de licenciamento simplificado”, o que denota a necessidade de informação prévia favorável sobre a própria operação urbanística que preveja o referido uso industrial independentemente de qualquer parecer exigível para efeito de eventual licença de deposição de resíduos em aterro eventualmente necessário para a deposição de inertes que anteriormente havia sido efetuada no terreno da Autora.
Tudo para concluir que, independentemente da análise do teor da cláusula contratual que, segundo as partes, está no centro do dissenso entre elas, não se vê que o elemento solicitado pelo IAPMEI tivesse que estar já conseguido pela Autora e não fosse, ao invés, a ser obtido pela Ré, o que, desde logo, retiraria fundamento à resolução operada.
Não obstante, não deixará de se abordar a controvérsia sobre o sentido das declarações em causa.
Estamos no âmbito da interpretação das declarações de vontade emitidas.
Vejamos, resumidamente, os princípios que regem esta matéria.
Toda a declaração de vontade comporta, em potência, uma pluralidade de sentidos.
No direito moderno, toda a interpretação de negócios jurídicos é interpretação individual: ela não procura o significado genérico das expressões, mas o sentido que um certo facto concreto, considerado no ambiente em que se produziu, na sua origem e na sua destinação, pode libertar de si (Ferrer Correia, in Erro e Interpretação na Teoria do Negócio Jurídico, pág.’s 158 e 159).

Em princípio, o sentido jurídico das declarações de vontade é aquele que o declaratário puder considerar querido pelo declarante.
Isso mesmo impõe o nº 1 do mencionado art. 236º do Cód. Civil: a declaração vale com o sentido (objetivo) que um declaratário normal (medianamente arguto e inteligente), colocado na situação do declaratário real (tendo por conseguinte à mão, para a interpretação do negócio, todos os elementos informativos que este dispõe) puder deduzir do comportamento do declarante (Antunes Varela, RLJ, 116º, pág. 189).
Para esta tarefa interpretativa, é lícito recorrer, entre outros, à letra do negócio jurídico a interpretar, às circunstâncias que precederam a sua celebração, às que sejam contemporâneas desta ou mesmo às que lhe são posteriores, desde que com ela se relacionem e que sejam suscetíveis de indiciar a intenção do declarante, aos interesses em jogo e à finalidade prosseguida pelo declarante.
Revertendo ao caso em apreço, a questão centra-se em como interpretar a cláusula oitava que, no seu segundo parágrafo, estipula que a primeira outorgante (a ora Autora) deverá conceder à segunda outorgante todos os instrumentos de autorização que se revelem necessários para o efeito de obtenção das licenças mencionadas no parágrafo anterior, compatibilizando-a com aquela que, no dito parágrafo anterior, estabelece ser da inteira e exclusiva responsabilidade da segunda outorgante (a ora Ré) a obtenção e renovação do respetivo licenciamento e autorizações de toda a operação supra mencionada (operação que, como se viu, inclui a britagem, no próprio local onde os mesmos se encontravam depositados, dos inertes vendidos).

Vejamos.
Em primeiro lugar, olhando para a letra dos aludidos parágrafos da cláusula oitava, alguma diferença é forçoso existir entre as “autorizações” – ali equiparadas ao nível das licenças – a que alude o primeiro parágrafo e a “autorização” referida no segundo.
Em segundo lugar, a expressão utilizada neste último é “conceder” e não “obter”, “diligenciar” ou “entregar”, o que induz a ideia de que se trata de uma “autorização” a emitir pela própria e não por terceiro (nomeadamente, por autoridade administrativa).
Em terceiro lugar, como já se referiu, a entrega do imóvel (ou de parte do imóvel) da Autora para utilização pela Ré no desenvolvimento da atividade de britagem insere-se num comodato, em que o comodante – ao contrário do senhorio ou do cedente – não está obrigado a assegurar o uso da coisa para o fim a que a mesma se destinava, o que se mostra consentâneo com o sentido que à dita cláusula é dado pela Autora (art. 1133º, nº 1, e 1134º do Cód. Civil).
Em quarto lugar, o primeiro parágrafo tem nitidamente em vista, para qualquer declaratário normal, a salvaguarda da posição da ora Autora, não sendo consentâneo com tal salvaguarda o sentido que a Ré pretende seja dado ao parágrafo seguinte que, a ser certo, contribuiria significativamente para gerar dúvidas sobre a posição da primeira.

Em suma, é de concluir que para o dito “declaratário normal”, os instrumentos de autorização a que se refere a aludida cláusula não incluem documentos do tipo dos solicitados pela Ré através das comunicações dirigidas à Autora – sendo, sim, de entender estarem os mesmos integrados no âmbito do estabelecido no primeiro parágrafo da cláusula oitava –, não podendo, pois, dizer-se que, ao não entregar à Ré a certidão de informação prévia favorável sobre a operação urbanística a Autora estivesse a violar uma obrigação decorrente da aludida cláusula, não sendo, pois, lícita a resolução que lhe foi comunicada pela Ré.
Assim sendo, por demonstrar resta o pressuposto essencial do invocado incumprimento definitivo, alegadamente fundamentador da resolução (e da exceção de não cumprimento), causador dos invocados prejuízos, não havendo, pois, razões para revogar a decisão recorrida e proceder à pretendida condenação da Autora no pagamento das despesas relativas à desmontagem do estaleiro ou em qualquer outro montante relativo aos alegados prejuízos decorrentes da resolução.

Passando, agora, a conhecer da decisão relativa aos pedidos da Autora julgados improcedentes pela sentença recorrida.
Uma vez que o alegado erro na subsunção jurídica dos factos relativos aos pedidos da Autora julgados improcedentes na primeira instância parcialmente assentava em alegado erro na apreciação da prova, improcedendo, como improcedeu, a impugnação jurídica por aquela efetuada, forçoso é considerar improcedente, nessa parte, o recurso, sucumbindo, portanto, desde logo, a pretendida revogação da decisão recorrida no que tange aos pedidos de condenação da Ré a pagar à Autora a quantia de 10.946,70€ e “todas as despesas necessárias para a regularização do terreno”.
Subsiste a necessidade de apreciação da existência de eventual erro de julgamento em matéria de direito no que tange à decisão do tribunal a quo quanto ao pedido de condenação da Ré “a pagar à Autora a quantia total de 1.433.771,17€, para perfazer a quantidade global de 2.000.000 (dois milhões) de toneladas de inertes contratada e vendida, descontadas as quantidades de inertes que se vierem a apurar relativas aos períodos de 21 de Fevereiro de 2016 até 31 de Março de 2016 e desde 1 de Abril de 2016 a 30 de Abril de 2016”, pedido este que, segundo o defendido pela Autora na respetiva petição, assenta na responsabilidade decorrente do incumprimento contratual da Ré traduzido na resolução infundada do contrato, quando, na realidade, a mesma o não quis cumprir.

Vejamos, pois, se assiste razão à Autora, no que a este pedido concerne.
Para Romano Martinez (in Da Cessação do Contrato, 2.ª Edição, página 221), a declaração de resolução, fora dos parâmetros em que é admitida, “representa o incumprimento do contrato”, com a consequente responsabilidade contratual (no mesmo sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08.05.2013).
Para outros, como Calvão da Silva e João Cura Mariano, a declaração resolutiva ilícita deve ser perspetivada como recusa em cumprir, equivalente a um incumprimento definitivo (em, respetivamente, “A declaração da intenção de não cumprir” e “Pressupostos da resolução por incumprimento”, in Estudos de Direito Civil e Processo Civil, páginas 134 e 158, e Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, página 138),
Por seu turno, Fernando de Gravato Morais também refere que a inexistência de um motivo válido para resolver o contrato invocado por um dos contraentes determina a “ilegitimidade” da própria resolução e pode corresponder a uma recusa categórica de cumprimento (in Contrato-Promessa em Geral e Contratos-Promessa em Especial, 2009, páginas 164-165).
Seguindo esta orientação, na jurisprudência, veja-se o acórdão do STJ de 31.05.2005, onde se mostra sumariado que: “Para se concluir que uma declaração de resolução de um contrato promessa cujas razões invocadas se verificou não terem fundamento, constitui uma recusa de cumprimento, há que apurar qual foi a intenção do declarante da resolução do contrato”.
Citando Brandão Proença, in A hipótese da declaração (lato sensu) antecipada de incumprimento por parte do devedor, Homenagem ao Professor Doutor Jorge Ribeiro de Faria, Coimbra Editora, 2003, Lições de cumprimento e não cumprimento das obrigações, Coimbra Editora, 2011, pág. 262, pode ler-se no Acórdão da Relação do Porto de 05.6.2014:

“É do entendimento comum que, em regra, a decisão do devedor é revelada de forma expressa mediante uma declaração dirigida ao credor e em que faz saber – como seu conteúdo – a vontade de não cumprir o chamado ‘programa contratual’. No seu desiderato de anunciar essa intenção, a declaração do devedor pode manifestar-se obliquamente com alegações de inexistência ou invalidade contratual, sob a forma de motivações subjectivas de desinteresse […] e pretensões sem justificação contratual, ou ir implícita na atitude mais radical de repúdio ou rejeição do próprio contrato, revelada através de pedidos de anulação, resolução (potenciada com um pedido indemnizatório), denúncia ou impugnação do vínculo assumido.
Diga-se, contudo, que se é verdade que a tentativa de uma desvinculação ilegítima, activada por alguma dessas formas jurídicas, pode querer branquear a evidência de um acto lesivo, apresentando-se, pois, como sinal concludente de uma recusa antecipada de cumprimento, também não se afasta que o desejo desvinculativo possa repousar num fundamento excludente da ilicitude, numa circunstância desculpável [na nota 1000 acrescenta que no sumário de uma decisão estrangeira é colocada a hipótese da declaração de resolução estar apenas conectada com uma representação não culposa do incumprimento alheio] ou compreender-se por razões dogmáticas sustentadas por alguma doutrina.”
Como enfatiza Calvão da Silva, in “A declaração de intenção de não cumprir, estudos de direito civil e processo civil”, Pareceres, Almedina, 1996, pág. 135: ‘Urge, nomeadamente, prevenir o pecado de pensar que a declaração ilegal de resolução por uma das partes contratantes constitui sem mais fundamento de resolução para a outra parte”.
Aderimos a esta segunda orientação, tendo para nós que uma resolução ilícita não corresponde, sem mais, ao incumprimento definitivo da parte que procedeu a tal resolução – com a sua consequente responsabilização –, havendo que apurar qual foi a intenção do declarante ao resolver o contrato a fim de determinar se tal atitude corresponde efetivamente a uma recusa categórica de cumprimento.

Neste sentido, escreveu-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31.05.2005:

“A declaração de resolução dum contrato, mesmo que o tribunal venha a entender que as razões invocadas não têm fundamento, só por si não equivale a vontade de não querer cumprir.
Há que averiguar se tal comportamento revela recusa de cumprimento, permitindo considerá-lo inadimplemento definitivo.

Com efeito, ao declarar-se resolvido um contrato bilateral porque se entende que a parte contrária faltou culposamente ao seu cumprimento, como é o caso, pode-se estar convencido de haver fundadas razões para tal resolução, não havendo neste caso um comportamento de recusa de cumprimento por parte de quem declara a resolução.
Tudo depende da intenção, do propósito da declaração resolutiva”.
No caso, com o devido respeito por entendimento contrário, não cremos que esteja suficientemente indiciada a consciência da Ré quanto à inexistência de obrigação, por parte da Autora, em proporcionar-lhe o elemento em falta, o mesmo é dizer, a consciência do infundado da resolução, não se podendo, nessa medida, dizer que a declaração de resolução com a causa invocada seja reflexo de uma vontade de não cumprir.
Na verdade, apesar de infundada face à interpretação ora feita do clausulado e à destrinça que se tentou efetuar entre os elementos necessários para a obtenção de licença para desenvolvimento da atividade de transformação de inertes e os exigíveis para o prévio depósito de resíduos, a resolução ora em causa não surgiu do nada, sabendo-se que no ano de 2015, a Ré apresentou um pedido de licenciamento industrial junto do IAPMEI com referência à atividade de transformação dos inertes e que a referida entidade lhe comunicou a necessidade de instrução do processo com o elemento correspondente, em termos literais, ao solicitado à Ré, sendo certo que antes de, em 27.4.2016, remeter à gerência da Autora a carta em que comunicava o seu propósito de não realizar o pagamento do montante de 49.657,34€ (correspondente a parte da última fatura – FT 2016 A1/11, de 18 de Março de 2016) nem enviar o auto de medição em falta, enquanto não lhe fosse remetido o solicitado elemento, concedendo-lhe o prazo de 5 dias para este último efeito, sob pena de resolução contratual, por três vezes – em 12.2.2016, 26.2.2016 e 3.3.2016 –, a gerência da Ré remeteu e-mail para a gerência da Autora solicitando os documentos referentes ao licenciamento do depósito de resíduos, sabendo-se, por outro lado, que da parte da Autora, no referido dia 27.04.2016 e em reação à aludida carta que, para além do mais visava realizar uma interpelação admonitória, houve uma resposta que se limitou a remeter para o teor do clausulado e a insistir, sem mais, no pagamento e na entrega do auto em falta, carta essa logo seguida de uma atitude de força: nos dias 27/28 de Abril, por ordem da gerente da Autora e de Manuel, foram colocadas duas viaturas junto do acesso à central de britagem e em consequência a Ré não procedeu à pesagem e carga de inertes, obstaculizando, na prática, ao prosseguimento do contrato.
Surge então, em 03.05.2016, a declaração de resolução, que, neste contexto de “medição de forças” e de divergência de interpretações não só do clausulado como das atitudes mútuas, nos parece defensável dizer-se estar associada a uma “representação não culposa do incumprimento alheio”.
Nessa medida, não se pode concluir pela existência de uma intenção, uma vontade, de não cumprir subjacente à infundada resolução, em suma, não se pode afirmar a verificação de um comportamento que traduza uma recusa de cumprimento por parte da Ré.

Assim sendo, forçosamente improcede o pedido de indemnização correspondente aos alegados “prejuízos causados a título de lucros cessantes”, equivalente, segundo a Autora, à contrapartida contratualmente prevista para os inertes que remanesceram.
Mas mesmo que assim não se entendesse, o que não se concede, no caso concreto sempre seria de julgar improcedente uma indemnização com um tal conteúdo, correspondente à indemnização pelo interesse contratual positivo.

Senão vejamos.
A considerar-se a declaração resolutiva da Ré integradora de uma recusa categórica de cumprimento, a mesma seria responsável pelo ressarcimento dos danos causados à Autora nos termos do art. 798.º do Cód. Civil.
Segundo o aludido preceito, “o devedor que falta culposamente ao cumprimento da sua obrigação, torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao devedor”, referindo o art. 801º, nº 2, do mesmo código que "tendo a obrigação por fonte um contrato bilateral, o credor, independentemente do direito à indemnização, pode resolver o contrato e, se já tiver realizado a sua prestação, exigir a restituição dela por inteiro”.
Assim, mesmo para a hipótese de o credor optar pela resolução do contrato a lei prevê o direito à indemnização.
Pretende a Autora/Recorrente ser ressarcida pelo interesse contratual positivo, pretendendo, portanto, ser colocada na situação em que estaria se a obrigação tivesse sido cumprida, o que, na sua perspetiva, abrangeria o equivalente da prestação, sendo, nessa medida, a Ré responsável pelo pagamento das quantias devidas até se perfazer a quantidade global de 2.000.000 (dois milhões) de toneladas de inertes contratada e vendida, cumprindo neste ponto relembrar que a pretensão à cobertura pecuniária (a reparação) dos prejuízos restantes provenientes da inexecução que a Autora fazia corresponder às despesas necessárias para a regularização do terreno sucumbiu já.
O conteúdo da indemnização devida em caso de cumulação com a resolução do contrato é questão que tem dividido a doutrina portuguesa.
A doutrina tradicional defende que, na hipótese de o credor optar pela resolução do contrato e pela correspondente indemnização, esta corresponderá apenas aos prejuízos que aquele não sofreria se o contrato não tivesse sido celebrado (aquilo que alguns autores designam de "pequena indemnização") e que corresponde à indemnização do chamado interesse contratual negativo ou da confiança (Vide, entre outros, Antunes Varela, ob. cit., Vol. II, págs. 107 e 108; Almeida Costa, ob. cit., págs. 762 a 764; Galvão Teles, " Manual dos Contratos em Geral, 1965, págs. 420 e 421).

Por outro lado, uma corrente inicialmente minoritária, liderada por Vaz Serra e por Baptista Machado, foi defendendo que, independentemente do direito do credor à resolução do contrato por incumprimento definitivo por parte do devedor, sempre aquele terá direito à indemnização pelo chamado interesse contratual positivo (também designada de "grande indemnização") que reconduzem mesmo à indemnização pelos lucros que deixou de auferir devido à cessação contratual.

Já para Pedro Romano Martinez, in Da Cessação do Contrato, pág. 211, a resolução não impede que sejam pedidos lucros cessantes, nada obstando, pois, a que, “com o pedido de resolução, o credor exigisse o ressarcimento dos benefícios que deixou de obter pelo facto de ter celebrado aquele negócio jurídico”, mas não permite “o pagamento de uma indemnização correspondente às vantagens que se obteriam com o cumprimento do contrato”.

Por seu turno, Brandão Proença ("A Resolução do Contrato no Direito Civil - Do Enquadramento e do Regime", Coimbra Editora, 1996, págs. 192 e 193) defende que a razão de toda esta problemática reside, essencialmente, na circunstância de ambas as posições doutrinais se centrarem numa moldura excessivamente fixa (em que o interesse contratual negativo surge em contraposição com o interesse contratual positivo), que esquece que há danos cujo ressarcimento se integra na própria função liquidatória da resolução ou que esta não pode naturalmente abranger: os danos causados pela lesão (enquanto motivo da resolução), integrando um dano patrimonial cuja indemnização obedece a uma finalidade de reconstituição da situação hipotética anterior à celebração contratual, se podem resultar da liquidação resolutiva (p.e. danos relacionados com o próprio estado de deterioração do objecto restituído), apresentam-se precípuamente conectados com a teleologia resolutiva (p.e. despesas acrescidas na realização de outro contrato e a frustração dos benefícios que adviriam para o credor da celebração desse outro contrato), dado que “a resolução, apesar da sua carga etimológica, não é um instrumento puramente negativo, concretizado numa rectroactividade mais ou menos arbitrária, mas visa uma “liquidação” adequada à própria finalidade normal (ou funcionalidade) do direito: o “regresso” (não necessariamente rectroactivo) ao estado económico-jurídico anterior à frustração ou à alteração contratual e numa base quanto possível igualitária entre ambas as partes.” (autor e obra citados, pág. 165).
As obrigações legais de restituição ou de indemnização derivada da resolução e da mora no cumprimento do dever restitutivo (nomeadamente, pelos danos derivados de uma entrega tardia) funcionariam, deste modo, como actos acessórios ou auxiliares do regresso das partes à posição antecontratual.
Cremos também que, nomeadamente, nas situações em que a destruição operada pela resolução não é total, se impõe ponderar de forma particularmente cautelosa a questão dos danos indemnizáveis, não se vendo razões para não considerar indemnizáveis as despesas acrescidas que, por exemplo, no caso de empreitada, o credor/dono da obra vier a ter para reparar defeitos da parte da obra já executada e também já paga e não atingida pelos efeitos da resolução, isto é, para eliminar os problemas relacionados com as situações que, não obstante a resolução, subsistem.

Do mesmo modo, é de entender que, optando o credor pela resolução, as despesas acrescidas com a realização de outro contrato, porque estão diretamente relacionadas com a finalidade resolutiva, são indemnizáveis: a afirmação da existência de despesas acrescidas pressupõe que se o credor não tivesse celebrado o contrato, teria podido encontrar, à época, uma alternativa menos custosa do que aquela que após a resolução do contrato lhe é possível encontrar; nessa hipótese, só haverá integral reconstituição da situação em que o credor estaria se não tivesse celebrado o contrato se houver lugar à compensação da diferença entre uma e outra das aludidas situações (a este propósito veja-se de novo o Ac. do STJ de 12.07.05).

Por último, com base em tais pressupostos, é de considerar indemnizáveis os danos correspondentes à frustração dos benefícios que, por exemplo, adviriam para o contraente fiel da celebração de um outro contrato em vez daquele que foi resolvido, na medida em que esse outro contrato lhe teria permitido auferir rendimentos de que ficou privado por a sua escolha negocial ter sido a que foi.
E a recente jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça cada vez parece estar mais aberta à flexibilização que tem vindo a ser preconizada pela doutrina, estando, neste momento, a discussão centrada na definição dos limites e dos critérios que devem presidir ao ressarcimento de danos tradicionalmente conetados com o chamado “interesse positivo”.

Assim, em Acórdão de 12-02-09 que teve como relator o Sr. Juiz Conselheiro João Bernardo pode ler-se:

“Não podemos, porém, ignorar a corrente que recusa esta construção, admitindo, no caso de resolução contratual, o preenchimento indemnizatório com, ou também com, os danos positivos. (…)

Prende-se a questão, a nosso ver, com a conceptualização da figura da resolução contratual. Se vista apenas como destruidora da relação contratual, a tese clássica é irrecusável. Se vista também como reintegradora dos interesses em jogo, a abertura ao ressarcimento pelos danos positivos impõe-se, em certos casos (Cfr-se Ribeiro de Faria, Direito das Obrigações II, 434). À partida, a nossa lei encara-a apenas no primeiro sentido, distinguindo, nos artigos 432.º e seguintes do Código Civil, a figura, dos seus efeitos. Logo nestes, todavia, está uma destruição contratual mitigada. Remete-se para o regime da nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico que encerra algumas excepções à senda destrutiva prevista, à cabeça, na lei (cfr-se os artigos 289.º e seguintes). Depois, no próprio regime dos efeitos, a lei refere que a retroatividade não opera, além do mais, se contrariar a “vontade das partes” ou “finalidade da resolução”, estabelecendo mesmo um regime próprio quanto aos contratos de execução continuada ou periódica. Retiramos, então, daqui a falência da primeira das premissas da tese clássica, qual seja a da destruição da relação contratual. Em muitos casos, esta relação, ainda que atingida, continua a ter-se como subsistente, produzindo efeitos próprios da subsistência. Sendo assim, está aberto o caminho à abertura da indemnização pelos danos positivos. Se, por exemplo, a lei refere que, por regra, nos contratos de execução continuada ou periódica, a resolução não abrange as prestações já efetuadas, desenha uma situação em que, claramente, se justifica que, em certos casos, a indemnização possa consistir na efectivação das prestações em falta. Principalmente, quando falta uma pequena parte das prestações, o interesse contratual negativo surge-nos obnubilado face à tutela do dano positivo. Este corresponderá à composição justa do litígio contratual, quer a contraparte tenha optado, quer não pela resolução contratual.”
Por seu turno, o Acórdão de 21.10.10, vai ainda mais longe, ali se concluindo que, em regra, será admissível a cumulação da resolução do contrato com o pedido de indemnização pelo interesse positivo.
Na respetiva fundamentação, pode ler-se: “Este Supremo Tribunal é sensível aos argumentos exaustivamente analisados e objetivamente desenvolvidos de forma sustentada por Paulo Mota Pinto, no sentido de inexistirem fundamentos para, em tese, afastar a possibilidade de se cumular a resolução do contrato com o pedido indemnizatório pelo interesse contratual positivo, admitindo, consequentemente, a referida cumulação”.
Mas logo ali se sublinha que “dizemos em tese porque caso a caso, consoante o tipo de contrato e o circunstancialismo que o rodeia, tal poderá resultar num desequilíbrio ou benefício injustificado (caso disso é o Ac. de STJ de 14-10-2010, proferido na Revista n.º 3600/06.1TVLSB, com os mesmos Relator e Adjuntos, em que se negou tal indemnização em caso de resolução contratual, atendendo à factualidade provada)”. Concretizando esta ideia, mais à frente, afirma-se “A consideração da situação em que o credor estaria se não se tivesse verificado o não cumprimento é, assim, perfeitamente compatível com a avaliação do prejuízo pela diferença entre o preço do contrato e o preço, seja do mercado de revenda (no caso do dano do comprador que inclua o lucro cessante), seja o do mercado de abastecimento do vendedor (prejuízo do vendedor que inclui o lucro cessante).”
Este não pode ser considerado o regime regra, já que, como sublinha o Conselheiro João Bernardo no referido Acórdão de 12.02.09, que, aliás, é citado pelo último dos acórdãos referidos, “não podemos perder de vista que estes são casos de excepção, sob pena de vir a perder relevância uma figura como a resolução que a lei tem como proeminente em toda a relação contratual. Se se considerasse que o que resolve o contrato tem sempre direito a indemnização correspondente ao interesse que tinha com o cumprimento deste, estaríamos a, em termos práticos, ignorar tal figura no que a uma das partes respeita, gerando um desequilíbrio entre as partes inadmissível, ou usando a expressão de Menezes Leitão (ob. e loc. citados) transformando “o contrato de sinalagmático em unilateral, uma vez que determinaria uma sua liquidação num só sentido.” Há, pois, que ponderar os interesses em jogo no caso concreto e, perante eles, conceder ou denegar o caminho, particularmente estreito, da indemnização pelo interesse contratual positivo. Nesta ponderação, tem, a nosso ver, uma palavra a dizer o princípio de boa fé. Deve ele ser tido em conta na liquidação do negócio jurídico em caso de nulidade ou anulabilidade (cfr-se Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, I, 659 e os Ac.s deste Tribunal de 30.10.1997 (BMJ 470, 565) e de 25.1.2007 (este no referido sítio da Internet) e para estas figuras remete o artigo 433.º do referido código.”

Ora, no caso em apreço, inexistem circunstâncias que justifiquem o tratamento excecional que resulta da cumulação entre a resolução e a indemnização dos “danos positivos”: nada foi alegado que nos leve a concluir que a reintegração dos interesses em jogo passa pela indemnização do lucro cessante correspondente às vantagens que se obteriam com o cumprimento do contrato, isto é, à diferença entre o preço do contrato e o preço dos respetivos custos; pelo contrário, o quadro factual apurado impõe a ponderação de aspetos que, a nosso ver, sempre conduziriam ao afastamento da indemnização pelo interesse contratual positivo.

Com efeito, estando a entrega da coisa (ou de parte da coisa) com vista à sua utilização para determinado objetivo ligada, de forma indissociável, como no caso está, às obrigações relativas aos outros tipos contratuais que integram o contrato celebrado e que, no seu todo, visam a concretização de um certo fim económico, sendo que é desse todo que convergem para o fornecedor/comodante vantagens económicas, não pode este manter-se alheio às condições necessárias ao normal desenvolvimento do programa contratual no seu todo, sendo, por outro lado, certo que ambas as partes – dada a natureza das atividades objeto do respetivo pacto social – não podiam deixar de saber da necessidade de obtenção da licença para efeito da atividade industrial de valorização de resíduos.
Apesar disso, a Autora nada obstou a que Ré iniciasse a dita actividade de britagem no seu imóvel, nenhuma exigência lhe tendo feita no sentido de fazer depender a celebração do contrato ou, pelo menos, a sua execução, da necessária licença para a operação de britagem programada no âmbito do negócio em causa.
E, assim sendo, pode e deve dizer-se, tal como se disse no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.03.2013 (Relator Alves Velho), que “as Partes conheciam (no caso tratado naquele acórdão, a falta de alvará de licença do estabelecimento e, no caso presente, a falta de licença para a operação de britagem) e, apesar disso, puseram em execução as relações contratuais, assumindo os respectivos riscos, ou seja, auto-colocaram-se na posição de, a qualquer momento, verem interrompida a possibilidade de execução das prestações emergentes do contrato, incorrendo nas respectivas sanções administrativas. Ao assim agirem, ambos os Contraentes, auto-responsabilizaram-se pelos efeitos de uma possível intervenção da Administração, tendo, certamente, ponderado as vantagens e as desvantagens do início e manutenção do vínculo em situação desconforme à lei”.
Na verdade, pode dizer-se que não só a Ré assumiu o risco de iniciar a atividade de britagem em causa sem licença para o efeito, como a Autora “conviveu com a situação de ilegalidade”, usufruindo das vantagens que a laboração ilegal efetuada pela Ré lhe trazia.
“Tudo em harmonia, afinal, do ponto de vista da boa fé e do equilíbrio de prestações, com os riscos voluntária e conscientemente assumidos pelo Recorrente com a celebração do contrato”, sendo, pois, “ininvocável, na liquidação da relação contratual, qualquer situação de confiança, a não ser a de que não se viesse a verificar o evento em que consistia o risco voluntariamente assumido”.
Ora, não havendo confiança a tutelar nenhum prejuízo pode decorrer da extinção da relação contratual assim iniciada e desenvolvida.
Fazendo nossas as palavras do citado acórdão: “Em suma, e concluindo, entende-se não se estar perante um efectivo prejuízo causado pelo incumprimento definitivo merecedor de tutela à luz da ponderação das regras da boa fé, dada a irregularidade do vínculo contratual e o aludido contributo para a sua precariedade, a manter em permanente incerteza a data do termo e inerentes possibilidades de ganhos. Enfim, os efeitos dos riscos assumidos, logo na formação do contrato, não devem ser unilateralmente transferidos para os efeitos de uma resolução assente precisamente na existência desses riscos, apesar de não verificados, sob pena de, na mesma medida, se aceitar o desequilíbrio dos efeitos do negócio celebrado. Não se configura, portanto, um caso de admissibilidade de indemnização, a título de lucros cessantes integrados nos danos do interesse contratual positivo”.
Improcedem, pois, na totalidade, as apelações.
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Sumário

I – Os critérios de valoração das declarações de parte coincidem essencialmente com os parâmetros de valoração da prova testemunhal, devendo, pois, as mesmas ser avaliadas e valoradas de acordo com o princípio da livre convicção;
II – Para efeito de interpretação, deve recorrer-se, entre outros elementos, à letra do negócio jurídico a interpretar, às circunstâncias que precederam a sua celebração, às que sejam contemporâneas desta ou mesmo às que lhe são posteriores, desde que com ela se relacionem e que sejam suscetíveis de indiciar a intenção do declarante, aos interesses em jogo e à finalidade prosseguida pelo declarante;
III - Para que uma resolução ilícita corresponda a um incumprimento definitivo e sustente um pedido de indemnização necessário é saber se subjacente à mesma esteve uma intenção de não cumprir, isto é, se a mesma traduz uma recusa categórica de cumprimento;
IV - Apesar de, em abstrato, ser admissível a possibilidade de, em caso de resolução, a indemnização integrar a reparação dos danos correspondentes ao interesse contratual positivo, deve entender-se que, em casos de irregularidade do vínculo contratual e de contributo de ambas as partes para a sua precariedade, a cessação das vantagens de um negócio não corresponde a um prejuízo causado pelo incumprimento definitivo merecedor de tutela à luz da ponderação das regras da boa fé.


IV. DECISÃO:

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedentes as apelações, confirmando a sentença recorrida.
Custas pelas Recorrentes.
Guimarães, 12.04.2018

(Margarida Sousa) (Afonso Cabral de Andrade)
(Alcides Rodrigues)