Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
| Processo: |
| ||
| Relator: | JORGE TEIXEIRA | ||
| Descritores: | TÍTULO EXECUTIVO DOCUMENTO PARTICULAR OBRIGAÇÃO FUTURA | ||
| Nº do Documento: | RG | ||
| Data do Acordão: | 03/16/2017 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
| Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO CÍVEL | ||
| Sumário: | I- O título executivo que seja materializado num documento particular assinado pelo devedor, para efectivamente o ser, terá de constituir ou reconhecer obrigações pecuniárias.
II- O documento particular, para valer como título executivo, tem que nos indicar a quantia que é devida, e deverá fazê-lo em termos auto-subsistentes, ou seja, que dispensem demonstração complementar não coincidente com meras operações de liquidação. III- Sendo convencionadas prestações futuras, para que o documento pudesse constituir título executivo, necessário se mostra que seja demonstrado que alguma prestação foi realizada para a conclusão do negócio. IV- Na situação de constituição de obrigações futuras, necessário se revela que se demonstre que a obrigação foi constituída na sequência da previsão das partes, sendo tal prova realizada nos termos do art.º 50 do CPC, cuja aplicação se mostra restrita a documentos exarados ou autenticados por notário, ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, afastada ficando assim dos documentos particulares. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.
I – RELATÓRIO.
Recorrente: AA Recorrido: BB e CC Tribunal Judicial de Guimarães – Instância Central, 1ª secção de Execução, J2.
O Exequente, AA, intentou a presente execução contra BB e CC, apresentando como título executivo um documento particular, designado por «Declaração Confessória» (fls. 3-v). Alega que as executadas, pelo referido documento, assumiram serem as únicas responsáveis pelo pagamento de um empréstimo de cerca de € 30.000,00 contraído junto do Banco Popular Portugal, S.A.. No entanto, o referido Banco veio a executar o exequente para o pagamento desse empréstimo. Foi proferido despacho liminar, no qual, por se ter considerado que o documento apresentado não possui idoneidade para configurar um título executivo, se indeferiu liminarmente o requerimento executivo. Inconformado com tal decisão, apela o Exequente, e, pugnando pela respectiva revogação, formula nas suas alegações as seguintes conclusões: 1. O Tribunal a quo julgou o documento apresentado sem idoneidade, por natureza, para configurar um título executivo e, em consequência indeferiu liminarmente o requerimento executivo. 2. Alegando para tanto que o documento particular dado à execução se trata de uma declaração, para futuro, de que o pagamento que vier a ser reclamado pelo Banco Popular, referente a um empréstimo de cerca de € 30.000,00, será suportado pelas executadas. 3. Sucede que não consta de tal documento a existência de uma dívida vencida (com data de vencimento) e não paga, o que, só por si, implica que o mesmo não possa ser considerado título executivo, mesmo à luz do artigo 46º, nº 1, al. c), do CPC. 4. Fundamentando ainda que no caso de documentos particulares em que se convencionem prestações futuras ou se preveja a constituição de obrigações futuras, não é admissível a realização de prova complementar, prevista no artigo 50º do CPC. 5. Invocando para o efeito jurisprudência toda referente a contratos de crédito. 6. O documento apresentado à execução titula um documento particular assinado pelo punho da executada, onde esta reconheceu em nome pessoal e na qualidade de gerente da sociedade comercial por quotas BB, também executada, serem devedoras da quantia de € 30.000,00 Euros ao exequente. 7. As executadas assumiram na íntegra e com exclusão de outrem, em nome pessoal e em nome da referida sociedade, a dívida bancária resultante de um contrato de empréstimo de 30.000,00 €€, empréstimo este efectuado em 08/02/2010 em nome da executada Qualidadecome, Limitada, e que esta contraiu junto do Banco S.A., agência de Guimarães, do qual consta como avalista/fiador o exequente. 8. Mais assumiram as executadas em 12 de Agosto de 2010 no aludido documento particular que eram as únicas responsáveis pelo pagamento do referido empréstimo, junto do citado Banco e que nenhuma responsabilidade, seja como garante, seja a que título for, pode ser assacada sobre o exequente pelo pagamento do referido empréstimo. 9. Na verdade, por documento particular subscrito em 08/02/2010 o Banco S.A. celebrou com a sociedade executada BB um contrato de mútuo, nos termos do qual o Banco lhe concedeu um empréstimo no montante de 30.000,00 €€ (trinta mil euros), no prazo, taxa e condições nele constantes, cfr. doc. nº 2, que se encontra junto aos autos. 10. Sucede que, tendo-se verificado o incumprimento do referido contrato de empréstimo por parte da sociedade executada, o aludido Banco intentou contra o exequente em 20/Fevereiro/2015 uma execução com o número de Processo 142GMR, a qual foi distribuída à 1ª Secção de Execução - J1, de Guimarães - Instância Central, peticionando a quantia exequenda do valor de 22.145,71 €€, acrescidas das despesas prováveis de execução do valor actual de 2.214,57 €€, cfr. doc. nº 3 e 4, que se encontra junto aos autos, 11. Alegando o Banco Popular na citada execução que como garantia do aludido empréstimo foi subscrita pela sociedade executada Qualidadecome, Lda uma livrança em Branco e que a mesma foi avalizada pela executada CC e pelo exequente AA, livrança com o nº 500, emitida em 13-01-2015, no valor de 22.018,73 €€, vencida em 12-02-2015, e que atendendo ao incumprimento do aludido contrato de empréstimo foi a mesma preenchida pelo Banco e intentada a execução, 12. Uma vez que, de acordo com o Banco, nem a sociedade subscritora, nem os avalistas, supra referidos, procederam ao pagamento da citada livrança, nem na respectiva data de vencimento, nem posteriormente, pelo que subsistem em dívida o referido valor, acrescido de juros vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento. 13. Motivo pelo qual o aludido Banco intentou contra o exequente em 20/Fevereiro/2015 uma execução com o número de Processo 142GMR, a qual foi distribuída à 1ª Secção de Execução - J1, de Guimarães – Instância Central, peticionando a quantia exequenda do valor de 22.145,71 €€, acrescidas das despesas prováveis de execução do valor de 2.214,57 €€ (doc. nº 3 e 4). 14. Ora, o Exequente e as executadas acordaram que nenhuma responsabilidade podia ser assacada ao exequente pelo pagamento do citado empréstimo que a sociedade executada assumiu, fosse a que título fosse. 15. Sucede, porém, que o Banco Popular interpelou e intentou a citada execução contra o exequente peticionando-lhe o pagamento da quantia de 22.145,71 €€, acrescido dos juros de mora e das despesas de execução e as executadas até à presente data não procederam ao pagamento de nenhuma quantia quer ao aludido Banco, quer ao exequente, apesar de interpeladas para o efeito, não tendo assim as mesmas cumprido o acordo celebrado. 16. O que implica o vencimento total e imediato da dívida e a possibilidade de o exequente intentar a presente execução peticionando às executadas o valor que lhe está a ser exigido na aludida execução, acrescido dos juros de mora vencidos e vincendos, ascendendo os vencidos actualmente ao valor de 786,64 €€, bem como das despesas de execução, que neste momento ascendem ao valor de 2.214,57 €. 17. Assim, a quantia em dívida actualmente é de €€ 25.146,92,00 Euros, acrescida dos juros vincendos legais em dívida até efectivo e integral pagamento. 18. O documento particular dado à execução constitui um título executivo, atendendo que o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 408/2015 declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma que aplica o artigo 703º do CPC, a documentos particulares emitidos em data anterior à sua entrada em vigor, então exequíveis por força do artigo 46.º, n.º 1, alínea c), do CPC de 1961, por violação do princípio da protecção da confiança (artigo 2º da Constituição). 19. Desta forma, do exposto, resulta do título a constituição de uma obrigação, o título permite certificar a existência da obrigação que se constituiu entre as partes, ou sejam, as executadas assumiram a responsabilidade pelo pagamento do valor de 30.000,00 €€, cujo vencimento se encontra verificado, pois também emerge do título que a partir da data de 12/08/2010, ou seja, da própria data de constituição da obrigação que as executadas se responsabilizaram por aquele pagamento. 20. Desta forma, o exposto representa um facto jurídico constitutivo do crédito e o mesmo emerge do próprio título, já que o mesmo importa a constituição ou o reconhecimento de obrigações pecuniárias por parte das executadas, cujo montante – 30.000,00 €€ - é determinado. 21. Complementarmente o exequente fez ainda prova que existiu a realização do contrato (doc. nº 2) e que contra o mesmo já foi intentada pelo banco Popular Portugal, S.A. uma execução reclamando parte daquele pagamento, conforme documentos nºs 3 e 4, que se encontram juntos aos autos. 22. Sendo certo, que no do título dado à execução não faz depender sequer o vencimento da obrigação de qualquer condição atinente ao referido contrato celebrado com aquele Banco. 23. As executadas assumem a partir da data da assinatura do documento que são responsáveis perante o exequente do valor de 30.000,00 €€. 24. O Tribunal a quo deveria ter admitido o requerimento executivo e deixar prosseguir a execução. 25. A propositura de uma acção executiva implica que o exequente disponha de título executivo, por um lado, e que a obrigação exequenda seja certa, líquida e exigível, por outro. 26. Do título dado à execução resultam tais características. 27. O pagamento ora reclamado constitui um facto extintivo do direito invocado pelo exequente, pelo que, nos termos do art. 342º, nº 2 do CC, o respectivo ónus compete às executadas, ou seja, contra quem quem o direito é invocado, em sede de eventual oposição. 28. A oposição à execução configura-se como uma contra-execução, cuja função essencial no núcleo da acção executiva é obstar aos normais efeitos do título executivo, sob o fundamento por exemplo da inexistência da obrigação exequenda. 29. Pelo que os direitos de defesa das executadas não são prejudicados, agilizando-se uma eventual necessidade de apreciação do mérito da causa, sem perigar os direitos do credor/exequente, na garantia e eventual satisfação do seu crédito. 30. Do documento particular resulta ainda a existência do direito invocado pelo exequente, direito que por isso é de presumir. 31. Face ao supra exposto, o Tribunal recorrido efectuou uma errada interpretação do Direito por si invocado, violando o disposto nos artigos 703º, nº 1, al. b) do CPC (atendendo que o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 408/2015 declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma que aplica o artigo 703º do CPC, a documentos particulares emitidos em data anterior à sua entrada em vigor, então exequíveis por força do artigo 46.º, n.º 1, alínea c), do CPC de 1961, por violação do princípio da protecção da confiança (artigo 2º da Constituição), porquanto o documento dado à execução constitui título executivo bastante. 32. Nestes termos e nos mais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve o douto despacho de indeferimento liminar ser revogado e substituído por outro de admissão do requerimento executivo, prosseguindo a execução intentada os seus termos até final, com as legais consequências, assim se fazendo Justiça! Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, com as legais consequências, como é, aliás, de JUSTIÇA! * Não foram apresentadas contra alegações. * Colhidos os vistos, cumpre decidir. * II- Do objecto do recurso. Sabendo-se que o objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso, as questões decidendas são, no caso, as seguintes: * III- FUNDAMENTAÇÃO. Fundamentação de facto. A- O título dado à execução tem o seguinte teor: “DECLARAÇÃO CONFESSÓRIA CC, Solteira, maior, contribuinte fiscal n.º 211955469, residente em X, , em nome pessoal e na qualidade de gerente da sociedade comercial por quotas de responsabilidade limitada, que tem a denominação social de BB, contribuinte n.º 52, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Guimarães sob o n.º 52, e tem a sua sede na Rua X, Guimarães. Declara para todos os efeitos legais que assume na íntegra e com exclusão de outrem, em nome individual' e em nome da referida sociedade, a divida bancária resultante de um empréstimo de cerca de € 30.000,00 (empréstimo efectuado em nome da BB contraído junto do Banco S.A., agência de Guimarães, sita na Rua X, da qual consta como avalista/fiador, AA, contribuinte fiscal n.º 16, residente na Rua X, Guimarães. Concomitantemente, mais declara que a partir do dia de hoje mais nenhuma responsabilidade, seja como garante sela a que título for, pelo pagamento sobre o referido empréstimo, pode ser assacado sobre AA. Guimarães, 12 de Agosto de 2010”. (…) B- Foram aduzidos no despacho recorrido os seguintes fundamentos de facto e de direito: (…) A apresentação de título executivo constitui o requisito formal para a instauração da acção executiva (artigo 10º, nº5, do Código de Processo Civil), sendo através do mesmo que a lei presume um direito (para quem nele figure como credor) e uma obrigação (para quem nele figure como devedor). É pois, pelo título que se determina o fim e os limites da acção executiva. Na verdade, o processo executivo destina-se a dar realização material coactiva às providências judiciárias que dela careçam e a comportam. Pode instaurar-se um processo executivo sem precedência de processo declaratório sempre que o autor, embora não tendo a sua pretensão reconhecida por uma sentença, está, no entanto, munido de um documento que a lei considere susceptível de servir de base Lopes (09-02-2017 11:37:39) à execução - o título executivo (cfr. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, págs. 56/58). Os títulos executivos são documentos de actos constitutivos ou certificativos de obrigações a que a lei reconhece a eficácia de servirem de base ao processo executivo. A exequibilidade dos títulos executivos baseia-se na certeza ou probabilidade julgada suficiente da existência da dívida. Os títulos fazem fé da existência da obrigação exequenda enquanto não se provar o contrário (cfr. Manuel de Andrade, ob. cit., pág. 60). Do referido documento particular dado à execução, verifica-se que se trata de uma declaração de reconhecimento, para futuro, de que o pagamento que vier a reclamado pelo Banco, referente a um empréstimo de cerca de € 30.000,00, será suportado pelas executadas. Sucede que não consta de tal documento a existência de uma dívida vencida (com data de vencimento) e não paga, o que, só por si, implica que o mesmo não possa ser considerado título executivo, mesmo à luz do artigo 46º, nº1, al. c), do CPC anterior à redacção da Lei nº 41/2013, de 26-06 (cfr. neste sentido Acórdão da Relação de Lisboa de 01-07-1999, in BMJ, nº 489, pg. 394). É que, no caso de documentos particulares em que se convencionem prestações futuras ou se preveja a constituição de obrigações futuras, não é admissível a realização de prova complementar, então prevista no artigo 50º do antigo CPC (cfr. neste sentido, o Acórdão da Relação de Lisboa de 3-10-2013, in www.dgsi.pt). Desta forma, temos de concluir que o exequente não tem título para formular o pedido executivo, ocorrendo manifesta falta de título executivo relativamente ao pedido deduzido. A tal propósito, dispõe o artigo 726º, nº2, al. a), do Código de Processo Civil, que o juiz indefere liminarmente o requerimento executivo quando «seja manifesta a falta ou insuficiência do título». Decisão. Pelo exposto, julga-se o documento apresentado sem idoneidade, por natureza, para configurar título executivo e, em consequência, indefere-se liminarmente o requerimento executivo. Custas pelo exequente. Registe e notifique”. (…) Fundamentação de direito. Sendo, como efectivamente o é, proibida a realização da justiça, através do recurso a meios privados, veio a ordem jurídica conferir ao credor de prestação não satisfeita a faculdade de obter a efectivação coerciva desse interesse patrimonial correspectivo do seu direito – Cfr. art. 10º, nºs 1 e 4, do C.P.C..
Assim, se como é consabido, a finalidade da acção executiva consiste na faculdade de obtenção do interesse patrimonial ínsito na em que consiste a prestação não cumprida, sendo, por outro lado, o seu exclusivo objecto, o direito de exigir o cumprimento da prestação e o correlativo poder de aquisição dessa prestação, o qual funciona como causa de pedir da acção executiva.
A faculdade de exigir a prestação, correlativa do poder de aquisição dessa prestação, designa-se por pretensão, que, apenas sendo exequível pode constituir objecto de uma acção executiva.
Essa exequibilidade reveste-se de um dupla natureza: - Exequibilidade intrínseca, respeitante à inexistência de vícios materiais ou excepções peremptórias que impeçam a realização coactiva da prestação; - E exequibilidade extrínseca, traduzida na incorporação da pretensão num título executivo, ou seja, num documento que formaliza, por disposição da lei, a faculdade de realização coactiva da prestação não cumprida (art. 45º, nº 1 do C.P.C.) Cfr. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª edição, pgs. 606 a 608..
Como Refere Teixeira de Sousa Cfr. obra citada, p. 626., a acção executiva pressupõe “um poder resultante da incorporação da pretensão num título executivo, pois que é desta que resulta que o credor possui não só a faculdade de exigir a prestação, mas também a de executar, em caso de incumprimento, o património do devedor”.
O título executivo é, assim, a base ou o alicerce da própria acção executiva - art. 10º, nºs 5 e 6 do C.P.C. -, sendo, por consequência, dele, que resulta a exequibilidade da pretensão exequenda, uma vez que nele se incorpora o direito do credor a executar o património do devedor ou de terceiro com vista à obtenção da real satisfação do seu direito, ou, dito de outro modo, o próprio direito de execução.
Cumpre ainda referir que, em conformidade com o que dispõe o artigo 703, do C.P.C., apenas podem servir de base à execução os títulos indicados, estando-se, assim, perante uma enumeração taxativa, sujeita à regra da tipicidade Cfr. Miguel Teixeira de Sousa, Acção Executiva Singular, Lex, 1998, pp. 65/66., ficando, desse modo, fora do âmbito da disponibilidade das partes, por um lado, a atribuição de força executiva a documento com relação ao qual não se verifique o reconhecimento, por parte da lei, desse atributo, e, por outro, vedado negar tal força ao documento se, efectivamente, a lei lho reconhecer.
Tecidos estes breves considerandos e revertendo agora à situação em apreço temos que a primeira questão suscitada no presente recurso de apelação consiste precisamente em saber se o documento junto (declaração confessória), só por si, constitui título executivo.
E a este propósito muito pouco de relevante haverá a acrescentar ao que consta da decisão recorrida, pois que, efectivamente, analisado o referido documento particular dado à execução, verifica-se que se trata de uma declaração de reconhecimento, para futuro, de que o pagamento que vier a reclamado pelo Banco Popular, referente a um empréstimo de cerca de € 30.000,00, será suportado pelas executadas, não constando, assim, de tal documento, a existência de uma dívida vencida (com data de vencimento) e não paga, o que, só por si, implica que o mesmo não possa ser considerado título executivo.
Na verdade, como refere Lebre de Freitas para se poder afirmar a exequibilidade dos documentos particulares mencionados na alínea c) do artigo 46º, do Código de Processo Civil, os mesmos têm de formalizar “a constituição de uma obrigação”, ou seja, serem “fonte de um direito de crédito”, ou deles se poder reconhecer a “existência de uma obrigação já anteriormente constituída”. Cfr. Lebre de Freitas e outros, Código de Processo Civil Anotado, 1º Vol., Coimbra, página 92.
Ora, não resulta do documento aludido qualquer concreta obrigação exigível a que os aqui Executados se tenham obrigado, pois que, dele nada releva no sentido da entrega efectiva do capital a mutuar, sobre o incumprimento e sobre a subsistência da eventual dívida.
Assim, a aludida declaração confessória, por si só, não mostra ou certifica qualquer dívida dos Executados ao Exequente.
Não sendo declaração confessória suportado pelos documentos 2 a 4 juntos com o requerimento executivo, por si só, título executivo, a questão que se coloca é a de saber se o é (ou pode ser) acompanhado de documentos complementares, designadamente, os demais documentos juntos com o requerimento executivo.
Dispõe o artigo 50º, do Código de Processo Civil que “Os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, em que se convencionem prestações futuras ou se preveja a constituição de obrigações futuras podem servir de base à execução, desde que se prove, por documento passado em conformidade com as cláusulas deles constantes ou, sendo aqueles omissos, revestido de força executiva própria, que alguma prestação foi realizada para conclusão do negócio ou que alguma obrigação foi constituída na sequência da previsão das partes”.
Certo que esta disposição legal aplica-se às situações em que nos documentos se convencionam “prestações futuras” ou “obrigações futuras”, prevendo a possibilidade o documento inicial ser complementado por outro(s) e, assim, passar a constituir título executivo.
Contudo, tal dispositivo não se aplica às situações em que o documento inicial apresentado é particular, como é o caso dos autos; mas apenas aos documentos autênticos (exarados por notário) ou autenticados (lavrado por particulares e autenticado pelo notário) – no sentido de que não é lícito interpretar extensivamente a norma do actual artigo 50º, do Código de Processo Civil aos documentos particulares. Cfr Acórdão do STJ de 21.02.2002, AGR. n.º 214/02-2ª, Sumários, 2/2002. ,
Assim, “no caso de se convencionarem prestações futuras, impõe-se uma obrigação suplementar, a apresentação de prova complementar do título executivo nos termos consignados no artigo 50º, do Código de Processo Civil, cuja aplicação é circunscrita aos “documentos exarados ou autenticados por notário”, não sendo, pois, de aplicação aos casos em que tais obrigações futuras se contenham em documentos particulares”. Cfr neste sentido, o Acórdão da Relação de Lisboa de 26.01.2010, processo n.º 5548/08.6TCLRS.L1-7, disponível em www.dgsi.pt.
Resulta, portanto, que a declaração confessória suportado pelos documentos 2 a 4 juntos com o requerimento executivo não pode ser acompanhado de documentos complementares nos termos do artigo 50º, do Código de Processo Civil, e assim, constituir título executivo.
Destarte e concluindo, sendo convencionadas prestações futuras, para que o documento pudesse constituir título executivo, necessário se mostrava que fosse provado que alguma prestação foi realizada para a conclusão do negócio, já na situação de constituição de obrigações futuras, importava que ficasse demonstrado que a obrigação foi constituída na sequência da previsão das partes, sendo tal prova realizada nos termos do art.º 50 do CPC, cuja aplicação se mostrava restrita a documentos exarados ou autenticados por notário, ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, afastada ficando assim dos documentos particulares.
Improcede, assim, a presente apelação, com a consequente manutenção da decisão recorrida.
IV- DECISÃO. Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
Custas pela Apelante.
Guimarães, 16/ 03/ 2017. Processado em computador. Revisto – artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil. __________________________________________________________ Jorge Alberto Martins Teixeira __________________________________________________________ José Fernando Cardoso Amaral. __________________________________________________________ Helena Gomes de Melo. |