Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
649/04-1
Relator: ANTÓNIO MAGALHÃES
Descritores: EMBARGOS DE EXECUTADO
VENDA JUDICIAL
INVALIDADE
ANULAÇÃO
ADJUDICAÇÃO
CASO JULGADO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/06/2004
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: 1- Se o crédito exequendo, que tiver servido para pagar ( através de compensação ) o preço de venda, sofrer redução, por virtude de decisão de embargos, o exequente ( comprador ) deve ser notificado para depositar a parte do preço não coberta por aquele crédito.
2- Em tal caso, a venda subsiste com a modificação das condições de pagamento do preço.
3- A transmissão da propriedade na venda judicial só ocorre com o despacho de adjudicação, sendo que, para que este despacho seja proferido, o exequente tem de pagar ( além das obrigações fiscais ) o preço devido.
4- Assim, a transferência de propriedade só opera com o despacho de adjudicação que for proferido após a depósito da diferença do preço.
5- Este despacho de adjudicação deve prevalecer sobre o que tiver sido proferido anteriormente antes da decisão dos embargos no pressuposto de que o preço se encontrava pago.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

"A" instaurou execução ordinária contra "B", "C" e "D", pedindo, com base numa escritura de confissão de dívida com hipoteca, o pagamento da quantia de 6.600.000$00 acrescida de juros vencidos e vincendos.
Citados, vieram os executados "B" e "D" deduzir embargos de executado sem que tenham prestado caução de molde a suspender a execução que, por isso, prosseguiu os seus termos.
Entretanto, os embargos de executado da "D" foram julgados improcedentes por sentença confirmada pela Relação do Porto e pelo Supremo Tribunal de Justiça.
E os embargos de executado de "B" foram julgados improcedentes em 1ª instância mas julgados, depois, procedentes por Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 25.6.2002 e por Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.5.2003, que consideraram não haver lugar a juros de mora sobre a dívida exequenda.
Enquanto os embargos de executado corriam termos, a execução prosseguia com a venda judicial do imóvel penhorado nos autos ( e arrendado ) mediante propostas em carta fechada, vindo a exequente a apresentar a melhor proposta ( € 42.400 ) no acto de abertura de propostas efectuado em 5.7.2002.
Porém, o filho de executado apresentou-se a exercer o seu direito de remição, o que motivou do Sr. Juiz o seguinte despacho lavrado em acta:
“ Atenta a posição assumida pela exequente e a proposta de remição pelo preço da quantia de € 42.400 apresentada pelo proponente "C", aceita-se tal proposta.
Notifique o proponente para depositar o preço no prazo de 15 dias, nos termos do art.
897 do Cód. de Proc. Civil, advertindo-o das sanções constantes do art. 898 do Cód. Proc. Civil“.
Em 19.9.2002 ( fls. 280 dos autos ) e na sequência da falta de depósito do preço o Juiz proferiu, então, o seguinte despacho:
“ (... ) Face ao que vem de ser afirmado, subjaz a proposta de maior valor apresentada pela exequente, a qual se aceita e, consequentemente, adjudico-lhe a fracção autónoma penhorada pelo preço por ela oferecido de € 42.500 (quarenta e dois mil e quinhentos euros).
Atento o disposto no artigo 887°, n.º 1, do Código de Processo Civil, e uma vez que não foram reclamados créditos e o valor oferecido não excede a importância a que tem direito, dispenso a exequente do depósito do preço.

Porém, porque a exequente não está dispensada do pagamento de custas, determino proceda a secção à liquidação das custas prováveis e à emissão das pertinentes guias.

Notifique. (..: ) “

Em 13.11.2002 ( fls. 313 ) foi proferido o seguinte despacho:
“ Porque o douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto no âmbito dos embargos de executado ainda não transitou em julgado, por dele ter sido interposto recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, a que foi fixado efeito meramente devolutivo (cfr. fls. 289 a 298), mantendo-se por isso a decisão proferida em 1ª instância, entendemos não ser de atender à pretensão dos executados "B" e "D" de revogação ou alteração do despacho de fls. 280 e de redução da quantia exequenda ao valor de 5.800.000$00, ou seja, € 28.930,28 .
Consequentemente, indefere-se o requerido a fls. 286 a 287 e 302 a 304 (... ). “
Do despacho de fls. 280 foi interposto recurso pela executada ( admitido como de agravo, com efeito meramente devolutivo ) tendo este Tribunal da Relação, por acórdão de 18 de Junho de 2003, decidido:
“ a) delimitar o presente recurso ao despacho de fls. 280, uma vez que não foi interposto recurso do despacho de fls. 313;
b) não admitir este recurso em relação às arguidas nulidades, dado que as mesmas não foram suscitadas perante o Tribunal" a quo" e por conseguinte o despacho sob recurso não é o despacho que apreciou a reclamação de tais nulidades, único susceptível de recurso sobre tal matéria;
c)declarar improcedente o recurso interposto quanto à restante matéria, uma vez que tal questão está definitivamente decidida nos presentes autos, pelo despacho de fls. 313.
(... ) “
Em 26 de Junho de 2003 ( fls. 325 ) foi proferido o seguinte despacho:
“ Em face do trânsito em julgado do douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto no âmbito dos embargos de executado, o valor da quantia exequenda é de 5.800.000$00, ou seja, € 28.930,28.
Nesta medida, determino se notifique a exequente para, em 10 dias, proceder ao depósito da diferença entre o valor por ela oferecido e a quantia exequenda. “
A este despacho respondeu a exequente com o requerimento de 11 de Julho de 2003 ( fls. 301 a 303 ) que termina assim: “ (... ) requer a V. Ex.ª que determine que a venda fique sem efeito e que o imóvel volte a ser vendido pela forma considerada mais conveniente “.
Sobre este requerimento recaiu o despacho de 29 de Setembro de 2003 do seguinte teor:
“ Porque no caso não se verifica nenhuma das situações previstas nos art. 908 e 909 do C.P.Civil, por falta de fundamento legal indefere-se o requerido a fls. 301 a 333, mantendo-se consequentemente o despacho proferido a fls. 325. (... ) “.
Em 16 de Outubro de 2003 a exequente depositou a quantia de € 13.467,54 “proveniente da diferença de preço “.
E em 21 de Outubro de 2003 formulou o requerimento que se transcreve:
"A", exequente nos autos à margem referenciados, tendo visto aceite a sua proposta de compra do imóvel penhorado na venda judicial realizada, o qual lhe foi adjudicado, vem requerer a V. Exª. que se digne ordenar a entrega à ora requerente do valor das rendas que têm vindo a ser depositadas pelo arrendatário à ordem destes autos, desde a altura em que o bem lhe foi adjudicado até final. “
Sobre este requerimento recaiu o seguinte despacho de 27.11.03 ( fls. 482):
“ Mostrando-se pago o preço e não havendo lugar ao pagamento de imposto pela transmissão, adjudico à exequente/proponente o bem imóvel identificado a fls. 80, pelo preço por ela oferecido de € 42.400,00 (quarenta e dois mil e quatrocentos euros) – cfr artigo 900°, n.º 1, do Código de Processo Civil.
Ordeno o cancelamento dos registos dos direitos reais incidentes sobre o aludido imóvel que caducam e que são os seguintes: as aquisições, a que correspondem as inscrições GI, G2 e G3; a hipoteca, a que corresponde a inscrição CI; e a penhora, a que corresponde a inscrição FI – cfr. artigo 888° do Código de Processo Civil.
Emita-se título de transmissão - cfr. artigo 900°, n.o 2, do Código de Processo Civil.
Uma vez que só agora se pode considerar feita a adjudicação do prédio, nos termos acabados de decidir e em face do disposto no artigo 900° do Código de Processo Civil, sendo que o despacho de adjudicação anteriormente proferido a fls. 280 foi afectado pela procedência parcial dos embargos de executado n.o 312-B/99 (cfr. acórdão da Relação do Porto de fls. 190 a 197 desse apenso), entendo que só a partir desta data são devidas à exequente/adquirente as rendas pagas pelo respectivo arrendatário do identificado prédio, indeferindo-se nesta medida o requerido pela exequente a fls. 461.
Notifique. “
É deste despacho que a exequente interpõe recurso formulando, a final da sua alegação, as seguintes conclusões:
A- O imóvel penhorado e judicialmente vendido nestes autos de acção executiva foi adjudicado à exequente ora recorrente já que foi ela que, em 5 de Julho de 2002, apresentou a melhor proposta para a compra.
B- Tal adjudicação ocorreu pelo despacho de fls. 280 dos autos, em 19 de Setembro de 2002, que não mereceu, nessa matéria, qualquer contestação.
C- A exequente, ora recorrente, pagou, na altura, o devido preço, através do uso que fez e que lhe é permitido, do mecanismo previsto no artigo 887, n° 1, do C.P.C.
D- Essa adjudicação aconteceu em 19 de Setembro de 2002 pelo que, desde essa data a exequente, ora recorrente, é a proprietária desse imóvel.
E- Os embargos de executado interpostos pelo executado "B" tiveram o condão de apenas reduzirem o valor do título executivo para a quantia de 5.800.000$00.
F- A interposição dos embargos de executado não suspendeu o processo executivo uma vez que o embargante não requereu, nem ofereceu, caução.
G- A procedência parcial desses embargos não afecta a venda judicial, entretanto efectuada.
H- A venda judicial e a correspondente adjudicação do imóvel à aqui recorrente, obedeceu a todas as regras previstas no C.P.C.
I - A procedência parcial dos embargos de executado é perfeitamente compatível com a venda e adjudicação do imóvel à aqui recorrente.
J- A adjudicação foi decidida por despacho de fls. 280, confirmado a fls. 313, os quais não sofreram alteração e transitaram em julgado.
K- O despacho, ora em crise, o de fls. 482 não podia ter decidido a adjudicação do imóvel à aqui recorrente já que essa adjudicação já tinha sido decidida.
L- O despacho de fls. 482, ora em crise não podia ter decidido que só agora se adjudica o imóvel à ora recorrente já que a anterior adjudicação de tis. 280 foi afectada pela procedência parcial dos embargos de executado 312-8/99.
M- O ora recorrente requereu que as rendas pelo arrendamento do imóvel lhe fossem entregues computando-se tal quantia desde a adjudicação do imóvel em 19 de Setembro de 2002.
N- O tribunal a que negou tal pretensão, erradamente.
0- Sendo proprietário do imóvel desde a sua adjudicação em 19 de Setembro de 2002 a ora recorrente tem direito a receber o valor das rendas que desde então e até ao presente têm vindo a ser depositadas e, não somente a partir desta data.
Pede, a final, que seja revogado o despacho em crise de fls. 482 e substituído por outro no qual se ordene a entrega à exequente, ora recorrente, do valor das rendas que têm vindo a ser depositadas pelo arrendatário à ordem dos autos, desde 19 de Setembro de 2002 e, no qual se declare que a adjudicação ocorreu pelo despacho de fls. 280, de 19 de Setembro de 2002, sendo essa a data da adjudicação do imóvel vendido judicialmente.
O executado respondeu sustentando a improcedência do recurso.
O Mmº Juiz sustentou o despacho recorrido.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:
Considera a recorrente - a tal se reconduz o fulcro do recurso - que o despacho de 27.11.2003 ( fls. 482) não podia ter decidido a adjudicação do imóvel já que essa adjudicação tinha sido decidida pelo despacho de 19.9.2002 ( fls. 280), que não mereceu contestação.
Como assim, entende que, sendo proprietária do imóvel desde a sua adjudicação em 19.9.2002, tem direito a receber o valor das rendas depositadas desde essa data.
E, na verdade, o despacho de 19.9.2002 ( fls. 280 ) considerou aceite a proposta e pago o preço e adjudicou à proponente/exequente a propriedade do imóvel.
Vejamos, no entanto, o que sucedeu:
Por sentença de 1.6.2001 os embargos foram julgados parcialmente procedentes e a quantia exequenda reduzida de 800.000$00.
Desta sentença foi interposto recurso de apelação com efeito meramente devolutivo ( art. 922, nº 1 do CPC ) pelo embargante para o Tribunal da Relação do Porto que, por acórdão de 25.6.2002, julgou os embargos procedentes no que concerne à inexigibilidade de juros de mora, mantendo a sentença recorrida relativamente à dedução dos 800.000$00 à quantia exequenda.
Do acórdão do Tribunal da Relação do Porto foi interposto recurso (efeito devolutivo ) para o STJ em 13.5.2003 que negou a revista.
Quer dizer:
A quantia exequenda era, à data da abertura das propostas de 5.7.2002 e do despacho de adjudicação de 19.9.2002, de 9.611.589$00.
E por isso se justificava a dispensa do depósito do preço de € 42.400 e a adjudicação que se efectuou.
Sucede, no entanto, que, por via da procedência dos embargos ( e do trânsito do Acórdão da Relação do Porto que os decidiu ), a quantia exequenda ficou reduzida a 5.800.000$00 ( € 28.930,28 ).
O que deu origem ao despacho de 26 de Junho de 2003 ( fls. 325 ) que, em, face desse valor, mandou notificar a exequente para proceder ao depósito da diferença entre o valor por ela oferecido ( € 42.400 ) e a quantia exequenda.
A exequente ainda reagiu a este despacho, requerendo que a venda ficasse sem efeito e se procedesse a nova venda mas, mercê do indeferimento de tal requerimento, acabou por depositar em 16 de Outubro de 2003 a quantia de €13.467,54 “proveniente da diferença de preço “.
Na sequência foi, então, proferido o despacho de fls. 482 ( de adjudicação e de indeferimento da entrega do valor das rendas desde 19.9.2002 ) de que se recorre.
O julgamento do presente recurso desdobra-se na análise das seguintes questões: a da venda ( e da sua validade ); a da transferência da propriedade; e a do caso julgado formado pelo despacho de adjudicação de fls. 280.
1. A venda:
Nos termos do art. 909, nº 1, al. a) do CPC ( que se cita sempre na redacção anterior ao DL 38/2003), a venda fica sem efeito se for anulada ou revogada a sentença que se executou ou se forem julgados procedentes os embargos de executado, salvo quando, sendo parcial a revogação ou a procedência, a subsistência da venda for compatível com a decisão tomada.
Uma vez que a exequente não tinha pago o preço integral ( mercê da diminuição do seu crédito, com que tinha compensado a dívida exequenda ) a questão da compatibilidade da subsistência da venda com a decisão dos embargos tinha inegável pertinência.
Porém, o Mmº Juiz a quo resolveu-a no despacho de 29.9.2003 que indeferiu o requerimento da exequente de 11.7.2003 ( pedia que a venda fosse dada sem efeito ), com o fundamento de que no caso não se verificava nenhuma das situações previstas nos art. 908 e 909 do CPC.
Como de tal despacho não foi interposto recurso, ficou, portanto, a questão encerrada no sentido da validade da venda, sem prejuízo do depósito da diferença entre o valor oferecido e o novo valor da quantia exequenda, que tinha sido determinada pelo despacho anterior de 26.6.2003 ( fls. 325 ).
Outra circunstância concorria, aliás, para que a venda não fosse declarada sem efeito: a executada não tinha pedido a restituição do bem, ao abrigo do art. 909, nº 3 do CPC.
Com efeito, não basta a verificação da condição prevista na al. a) do nº 1 art. 909 do CPC para que a venda fique sem efeito; é ainda necessária outra condição: a de o executado pedir a restituição dos bens vendidos no prazo de 30 dias contados da decisão definitiva de alteração ou revogação da sentença exequenda ou ( no que ao caso importa ) de procedência dos embargos, o que não sucedeu ( Lopes Cardoso, Manual da Acção Executiva, 3ª edição, 640; Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, 1999, 607 ).
A venda não foi, portanto, declarada sem efeito.
Porém, sofreu uma alteração: o crédito exequendo, que tinha servido para pagar ( através da compensação) o preço, sofreu redução, por virtude da decisão de embargos, deixando de ser suficiente para o efeito, o que conduziu a que a exequente, notificada para tal, tivesse depositado a diferença.
Ou seja:
A venda manteve-se mas com um ajustamento relativamente às condições de pagamento do preço; dito de outro modo, sofreu uma modificação por alteração das circunstâncias.
A este entendimento não repugna o disposto na al. a) do nº 1 do art. 909 do CPC, tendo em conta a finalidade do preceito.
É que tal disposição visa tutelar o executado e protegê-lo de uma execução injusta, desfazendo-se as consequências por ela produzidas ( Lebre de Freitas, CPC anotado, 3º vol., 614; Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, 2ª edição, 288 ).
O que foi conseguido através do depósito da parte do preço não coberto pelo crédito exequendo.
E, por isso, não se justificava a anulação da venda que, por não ser absolutamente incompatível com a decisão tomada nos embargos, pôde assim subsistir com a alteração que lhe foi introduzida e com salvaguarda dos interesses da executada.
Por outro lado, nada impedia, antes tudo justificava, que o tribunal que adoptasse solução similar à prevista no art. 887, nº 3 do CPC para a graduação de créditos e notificasse ( como fez ) a exequente para depositar o resto do preço.
2. Transferência da propriedade do imóvel:
A questão que se coloca, seguidamente - e que demanda solução - é a de saber em que momento é que ocorre a transferência da propriedade, tendo em conta as vicissitudes da venda.
Segundo o art. 900 do CPC, no caso da venda judicial, a propriedade da coisa não se transfere por mero efeito da venda, como é próprio desta no direito substantivo ( cfr. art. 879, al. a) do Código Civil ).
A transmissão da propriedade da coisa na venda judicial só ocorre com o despacho de adjudicação dos bens, sendo que, para que este despacho seja proferido, o exequente tem de pagar ( além das obrigações fiscais ) o preço devido ( cfr. Amâncio Ferreira, ob. cit., 280 ).
A venda judicial “ só se aperfeiçoa com o pagamento integral ( ou a cobrança integral, na execução do art. 898-1) do preço “ ( Lebre de Freitas, ob. cit. 3º vol., 591 ).
E por isso se diz que a venda judicial é uma venda sujeita a condição suspensiva do pagamento do preço ( Amâncio Ferreira, ob. cit. 280 ).
O depósito ( pelo qual se procede ao pagamento do preço ) “ não constitui uma simples condicio juris ( condição de eficácia de um negócio já perfeito ) mas um elemento constitutivo da venda executiva por propostas em carta fechada. Até ele ter lugar, o proponente está ligado ao tribunal por um contrato preliminar (... ) constituído com os elementos já verificados da fatispécie complexa do contrato definitivo em formação, com eficácia semelhante à do contrato promessa (... ) “ ( Lebre de Freitas, ob. cit., vol. 3º, 582 ).
Quer dizer:
Só depois de pago o preço é que a venda está perfeita e o juiz em condições de proferir o despacho de adjudicação.
Na expressão de Alberto dos Reis “ o juiz usa então o seu poder funcional, expropria o executado do seu direito de propriedade e transmite-o coactivamente ao arrematante “ ( hoje proponente ) ( Amâncio Ferreira, ob. cit., 299 ).
É este o espírito do sistema.
E, por isso, não se justifica outra solução para o caso “ sub judice “ que não seja a de se fazer operar a transferência da propriedade do imóvel apenas com o despacho de adjudicação de 27.11.2003, após o depósito da diferença do preço em 16.10.2003 ( art. 10, nº 3 do Código Civil ).
3. Caso julgado:
Tendo, no entanto, o juiz proferido em 19.9.2002 ( fls. 280 ) um primeiro despacho de adjudicação da fracção autónoma à exequente, coloca-se a questão de saber qual dos despachos deve prevalecer: se esse primeiro despacho; ou se o posterior de 27.11.2003 ( fls. 482).
Aparentemente seria o primeiro.
Porém, deve entender-se – por ser essa a solução que se quadra melhor não só com a natureza da venda executiva ( de que acima se falou ) como com a modificação da execução introduzida pelos embargos de executado - que as circunstâncias que estiveram na base da venda efectuada se alteraram, justificando-se, por isso, que o contrato tivesse sofrido uma modificação de uma das suas condições ( a do pagamento do preço ); e que a transferência da propriedade do imóvel apenas ocorre com o despacho de adjudicação de 27.11.2003, depois do depósito da diferença do preço.
Daqui resulta que o despacho de adjudicação de fls. 280 deixou de produzir efeitos.
É certo que, em princípio, os despachos que versem sobre questões processuais são imodificáveis no interior do processo em que são proferidos ( cfr. ar. 672 do CPC ).
E, por isso, se o juiz proferir decisão sobre a mesma questão concreta, seja ela ou não coincidente com a decisão anterior, apenas esta é eficaz ( art. 675 do CPC; Lebre de Freitas, ob. cit., vol., 2º- 694 ).
Porém, segundo o artigo 673º do CPC a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que se julga, doutrina que se aplica igualmente ao caso julgado formal (Lebre de Freitas, ob.cit, vol. 2º- 685 ).
Do disposto no art. 673º do CPC resulta, portanto, que é pelo teor da decisão que se mede a extensão objectiva do caso julgado ( cfr. AC. STJ de 6.2.96, BMJ 454º-599 ).
E, a este propósito, tem-se entendido que a força do caso julgado abrange não só as questões directamente decididas na parte dispositiva de decisão como ainda as questões preliminares que foram antecedente lógico indispensável à emissão da parte dispositiva do julgado ( Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, 3º-253; v., v.g., Ac. STJ de 36.9.2002 e de 28.5.2002, Sumários 9/2002 e 5/2002 ).
Por outro lado, os motivos ou fundamentos de decisão têm importância como elementos de interpretação desta, servindo para reconstituir e fixar o seu conteúdo, ou por outras palavras, fixar o seu sentido e alcance ( Ac. STJ de 17.1.1980, anotado por Vaz Serra, RLJ 113º-296 ).
Revertendo ao caso “ sub judice “ verifica-se que o despacho de fls. 280 foi proferido no pressuposto de que o preço estava pago.
E por isso aí se escreveu que “ atento o disposto no artigo 887, nº 1 do CPC e uma vez que não foram reclamados créditos e o valor oferecido não excede a importância a que tem direito, dispenso a exequente do depósito do preço “.
Sucede, no entanto, que o valor oferecido passou a exceder a importância a que a exequente tinha direito e que a diferença apenas foi depositada em 16.10.2003.
Pelo que o despacho de fls. 280 não forma caso julgado impeditivo de se proferir novo despacho de adjudicação fundado, precisamente, no pressuposto de que o preço só foi pago em 16.10.2003, uma vez que este último despacho é proferido num circunstancialismo processual diferente ( cfr. Ac.R.E. de 11.12.87; Ac. R.C. de 6.12.94, BMJ 422º-487; Ac. STJ de 28.6.94, Col. STJ 94-2º-165 ).
Não existe, assim, obstáculo processual à prevalência do despacho de adjudicação de 27.11.2003 ( fls. 482 ) sobre o de 19.9.2003 ( fls. 280 ).
Operando a transferência de propriedade para a exequente apenas a partir de 27.11.2003, só a partir desta data lhe são devidas as rendas pagas pelo arrendatário do prédio vendido, não existindo, assim, fundamento para receber as que se venceram entre 19.9.2002 e 27.11.2003.
Pelo exposto, acordam os Juízes que compõem esta Secção do Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao agravo e confirmar o despacho recorrido.
Custas pela agravante.