Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | JOSÉ ALBERTO MOREIRA DIAS | ||
Descritores: | HIPOTECA COMO GARANTIA REAL DO CRÉDITO TRANSMISSÃO DA PROPRIEDADE DO BEM HIPOTECADO EXECUÇÃO DE BEM HIPOTECADO ADQUIRIDO POR TERCEIRO ADQUIRENTE TERCEIRO ADQUIRENTE SÓ PODE SER EXECUTADO PELO VALOR DA GARANTIA | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 11/02/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 1.ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | 1- A hipoteca é uma garantia real que garante o crédito pelo valor de certo bem. 2- Transmitido o direito de propriedade do bem hipotecado para terceiro, transfere-se com ele a hipoteca, podendo esse bem ser executado no património do adquirente. 3- Tendo a hipoteca sido constituída pelo prazo de seis meses para garantia de determinada quantia e juros de mora, o valor da garantia ascende a essa quantia acrescida de juros de mora durante os seis meses. 4- O terceiro adquirente do prédio hipotecada não é “devedor” e quanto a ele o exequente apenas pode executar o bem hipotecada e pelo valor da garantia, pelo que vendido o bem hipotecado na execução, se o produto da venda exceder o montante garantido pela hipoteca e as custas da execução, o remanescente tem de ser entregue ao terceiro adquirente do prédio, prosseguindo a execução contra o devedor para satisfação do remanescente do crédito exequendo não satisfeito. 5- O recurso interposto pela terceira adquirente mulher do prédio hipotecado aproveita ao respetivo marido dado que entre eles intercede em relação ao prédio uma relação de litisconsórcio necessário, mas já não aproveita aos demais executados. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães. I. RELATÓRIO. Recorrente: A. P.. Recorridos: C. C.. Por apenso aos autos de execução para pagamento de quantia certa, que C. C. instaurou contra A. C., J. B., M. P. e A. M., veio esta deduzir oposição mediante embargos, alegando em síntese, que tomou conhecimento que lhe tinha sido penhorada a sua conta bancária junto do Banco A, tendo ainda, nessa data, tomado conhecimento que tal penhora era relativa a uma dívida de condomínio da fração autónoma designada pela letra “P” do prédio constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Rua da …, Viana do Castelo; A embargante desconhecia ser proprietária daquela fração, pelo que, de imediato, tentou esclarecer junto do seu pai, o que se passava, tendo-lhe o mesmo referido que o prédio estava em nome daquela por ter sido adquirido pelo seu marido; A embargante não foi pedida nem achada na referida aquisição e questionou o seu marido, que se limitou a referir-lhe que se tratou de uma excelente oportunidade de negócio; Esse negócio ocorreu em 08/02/2013, formalizado através de escritura pública de compra e venda junta a fls. 7 a 9 e sobre tal prédio incide uma penhora a favor do aqui exequente/embargado no montante de 69.564,71 euros, facto que o seu marido lhe disse desconhecer uma vez que à data da celebração dessa escritura não foi informado da existência de qualquer ónus sobre o referido imóvel; Invocou a exceção da falta de título executivo, sustentando que ela e o marido não se constituíram nem reconheceram qualquer obrigação para com o exequente; Da escritura de mútuo com hipoteca que serve de título executivo não consta que a referida quantia de 39.000,00 euros lhe tivesse sido emprestada ou ao seu marido; É absolutamente falso que o exequente tivesse contactado a embargante exigindo-lhe o pagamento da quantia mutuada, acrescida de juros à taxa legal; Acresce que foram convencionados juros no título dado à execução para a remuneração do empréstimo à taxa de 8% ao ano, os quais são usurários na medida em que excedem 3% sobre os juros legais, pelo que se impõe a respetiva redução para a taxa de 7% ao ano; Foi convencionado o pagamento da quantia de 25.000,00 euros, a título de despesas judiciais e extrajudiciais, o que configura uma cláusula penal usurária, apenas sendo consentida a fixação de juros, a título de cláusula penal, de 11%, a partir da constituição em mora. Requereu a suspensão da execução e que a oposição seja julgada procedente com todas as consequências legais. Recebida liminarmente a oposição, o exequente contestou-os impugnando parte da factualidade alegada pela embargante. Arguiu e exceção da intempestividade da oposição, alegando que a embargante foi citada para a execução em 13/10/2014 na pessoa do seu marido; Conclui pela improcedência da exceção da inexistência de título executivo contra a embargante sustentando que esta é detentora das garantias dadas àquele respeitantes à quantia exequenda. Terminou pedindo que se julgue improcedente a oposição por intempestividade e caso assim se não entenda que se julgue aquela improcedente, com o consequente prosseguimento da execução. Realizou-se audiência prévia, em que se fixou o valor da causa, proferiu-se despacho saneador em que se julgou improcedente a exceção dilatória da falta de título executivo, fixou-se o objeto do litígio e após proferiu-se “sentença”, que consta da seguinte parte decisória: “Em face do exposto, julgo a oposição à execução comum intentada por A. P. contra C. C. parcialmente procedente, por parcialmente provada e, consequentemente, determino que ao valor da quantia exequenda seja deduzido o valor de 5.089,70 euros, e ainda o valor que decorrer da aplicação de uma taxa de juros de 7%, ao invés da taxa de juro convencionada de 8%, sempre contados durante um período de 3 anos a partir do incumprimento, prosseguindo os autos principais para cobrança da quantia remanescente, até integral e efetivo pagamento. Custas na proporção do decaimento, sem prejuízo do decidido administrativamente quanto ao apoio judiciário”. Irresignada com esta decisão, a embargante veio dela interpor recurso, apresentando as seguintes conclusões: i. O relatório da sentença não corresponde à matéria vertida na presente oposição, o que certamente se deveu a lapso manifesto ou erro de escrita do tribunal “ a quo”, devendo ser efetuada a devida retificação, nos termos dos artigos 613º n.º 2, 614º, n.º 1 e 2, do CPC. ii. Salvo o devido e merecido respeito pela posição sufragada na douta sentença ora em crise, entende-se que a mesma não extraiu de forma correta as consequências jurídicas da matéria de facto apurada nos autos, relativamente à Cláusula Penal. iii. Foi estipulado pelas partes intervenientes no contrato de Hipoteca “Que a presente hipoteca é constituída pelo prazo de seis meses a contar da presente data, e garante o pagamento do referido montante de trinta e nove mil euros, acrescido da quantia de vinte e cinco mil euros de despesas judiciais ou extra judicias, no caso de recorrer a juízo, e, ainda, os juros à taxa legal em vigor que, para o efeito de registo, se fixa em oito por cento ao ano. “ iv. Não podia o tribunal “a quo” decidir, sem mais, que se tratava da cláusula penal prevista no artigo 810º do Código Civil. v. Para se ponderar o papel da cláusula penal na economia do contrato de hipoteca aqui em causa, necessário se torna analisar as prestações envolvidas na respetiva execução. vi. A Apelante não deu qualquer causa à presente ação ou qualquer outra despesa judicial ou extrajudicial para pagamento da quantia mutuada ao devedor J. B., razão pela qual não pode a mesma ser agora responsabilizada por um ato de terceiro (incumprimento do devedor). vii. Mal andou o tribunal “a quo” ao pôr termo à causa no despacho saneador, sem ouvir a prova arrolada pelas partes, prova essa essencial à descoberta da verdade material. viii. Só através da prova que se viesse a produzir na audiência de julgamento, nomeadamente através da prova arrolada pelas partes, conseguiria o tribunal perceber o sentido e alcance que exequente e devedor quiseram dar ao referido texto. ix. A determinação da vontade real das partes nas declarações negociais constitui matéria de facto e só não sendo possível determinar qual foi essa vontade, se impõe então fixar o sentido juridicamente decisivo dessas declarações, reconduzindo-se a questão de direito, por contender com as regras legais que definem o critério hermenêutico. x. A qualificação jurídica dada pelas partes não vincula o tribunal, artigo 5º n.º 3 do CPC. xi. Deverá a decisão ora em crise ser revogada, determinando-se a audição da prova arrolada pelas partes para determinação da vontade real das mesmas na referida declaração negocial. xii. Mal andou também o tribunal “a quo” na fundamentação da matéria de direito quanto a “cláusula penal”. * Corridos os vistos legais, cumpre decidir.* II- FUNDAMENTOSO objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, não podendo a Relação conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC. No seguimento desta orientação, as questões que cumpre apreciar são as seguintes: a- se o relatório vertido na sentença proferida pelo tribunal “a quo” corresponde à matéria da oposição; b- se aquele tribunal incorreu em erro de julgamento ao conhecer, de imediato, em sede de audiência prévia, do mérito da causa sem produção da prova testemunhal arroladas pelas partes; c- se a sentença padece do vício da falta de fundamentação. * A- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTOO tribunal a quo julgou provados os seguintes factos: A- O exequentes deu à execução a escritura pública de hipoteca celebrada em 23 de janeiro de 2012, outorgada no Cartório Notarial da Maia, perante o notário J. F., celebrado entre A. C., na qualidade de procurador e em representação de J. B., e C. C., e de acordo com a qual o primeiro confessou-se devedor ao segundo da quantia de 39.000,00 euros e constituiu hipoteca voluntária, para garantia do pagamento de tal quantia, incidente sobre a fração autónoma designada pela letra “P”, correspondente a uma habitação no quinto andar direito, com uma varanda e uma garagem privativa na cave e com o uso exclusivo de um terraço, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Rua da …, concelho de Viana do Castelo, descrito na Conservatória do Registo Predial de Viana do Castelo sob o número …, nos termos que melhor surgem explicitados nos textos cujas cópias constam de fls. 7 a 9 dos autos principais e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. B- No dia 08 de fevereiro de 2013, no Cartório Notarial de Barcelos, perante o notário J. S., A. C., na qualidade de procurador e em representação de J. B., declarou vender, e M. P., casado com A. M., no regime patrimonial conjugal da comunhão de bens adquiridos, declarou comprar, a fração autónoma identificada na alínea anterior, conforme se retira de fls. 7 a 9 dos presentes autos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. C- A hipoteca foi registada na Conservatória do Registo Predial de Viana do Castelo, na descrição n.º …-P, em 23/01/2012, conforme se retira dos autos principais de fls. 10 a 11, dando-se a cópia da certidão predial aqui por integralmente reproduzida. D- A aquisição do direito de propriedade sobre a referida fração autónoma foi registada a favor de M. P. e A. M. em 08/02/2013, conforme se retira dos autos principais de fls. 10 a 11, dando-se a cópia da certidão predial aqui por integralmente reproduzida. * B.1- Do relatório da sentença proferida pelo tribunal “a quo”. A primeira questão que é submetida pela recorrente à presente Relação consiste em verificar se o relatório da sentença elaborada pelo tribunal a quo não tem correspondência com a matéria vertida na presente oposição. A esse propósito diremos que basta o mero confronto do relatório dessa sentença, proferida a fls. 22 a 24, com a petição de oposição e a contestação para se concluir assistir integral razão à recorrente. Com efeito, o relatório que se encontra explanado na dita sentença não tem qualquer correspondência com o que foi alegado pela recorrente em sede de oposição à execução, sequer com aquilo que foi alegado pelo exequente em sede de contestação a essa mesma oposição, o que certamente se deveu à circunstância do tribunal a quo ter elaborado aquela sentença sobre uma outra, de que dispunha em suporte informático, não cuidando em adaptar o relatório dessa peça aos presentes autos. Precise-se que o apontado vício que se assaca à sentença elaborada pelo tribunal a quo apenas se verifica quanto ao relatório dessa sentença, uma vez que o restante teor da mesma, designadamente no que respeita aos factos nela dados como provados, enquadramento jurídico nela operado e parte disjuntiva reporta-se inegavelmente aos presentes autos, não se encontrado, por isso, eivados do apontado vício. Resulta do que se vem dizendo impor-se, nos termos do disposto nos arts. 613º, n.º 2 e 614º, n.ºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil (doravante CPC) e 249º do Cód. Civil (doravante CC), retificar aquele relatório, o que se determina, declarando-o substituído pelo relatório elaborado neste acórdão. B.2- Erro de julgamento decorrente de se ter conhecido de mérito quando o estado do processo não o permitia fazer. Pretende a recorrente que o tribunal “a quo” incorreu em erro de julgamento ao conhecer imediatamente do mérito da causa quando o estado do processo não lho permitia fazer. Em abono desta sua tese argumenta a recorrente que aquele tribunal não extraiu de forma correta as consequências jurídicas da matéria de facto apurada nos autos relativamente à cláusula penal dado que, para se ponderar do papel dessa cláusula na economia do contrato, necessário seria analisar as prestações envolvidas na respetiva execução, não podendo o tribunal decidir, sem mais, que se tratava de uma cláusula penal prevista no art. 810º do CC, uma vez que existem cláusulas penais compensatórias e moratórias. Mais sustenta que a recorrente não teve qualquer intervenção no contrato de hipoteca, sequer no mútuo que o originou, pelo que também não lhe pode ser assacada qualquer culpa no incumprimento da obrigação a que o devedor se vinculou, não tendo dado causa à presente ação ou a qualquer outra despesa judicial ou extrajudicial para pagamento da quantia mutuada ao devedor J. B., razão pela qual não pode agora ser responsabilizada por um ato de terceiro. Acrescenta que não tendo tido qualquer intervenção no contrato de hipoteca, desconhece qual o efeito que pretenderam as partes dar ao texto “acrescido da quantia de vinte e cinco mil euros de despesas judiciais ou extrajudiciais, no caso de recorrer a juízo”, pelo que, só através da prova que viesse a produzir-se em audiência final, nomeadamente, através da prova arrolada pelas partes, conseguiria o tribunal perceber o sentido e alcance que o exequente e o devedor quiseram dar ao referido texto. Conclui que a decisão em crise deverá ser revogada, determinando-se a audição da prova arrolada pelas partes para a determinação da vontade real das mesmas na referida declaração negocial. Antecipe-se desde já que, salvo o devido respeito por entendimento contrário, assiste-se manifestamente a uma confusão de conceitos da recorrente a propósito da qualidade em que a mesma e o marido, M. P., são demandados na presente execução para pagamento de quantia certa, confusão essa em que também incorreu, a nosso ver, o tribunal a quo na sentença proferida, assim como o próprio exequente em sede de requerimento executivo ao demandar a aqui oponente A. P. e marido como simples devedores, quando os mesmos não são manifestamente devedores, já que nenhuma dívida contraíram junto daquele – veja-se teor da escritura de hipoteca que serve de título executivo à presente execução –, mas antes são simples proprietários do prédio dado em hipoteca por J. B. àquele para garantia da dívida contraída pelo primeiro junto do último C. C.. É assim o identificado J. B. quem detém a qualidade de devedor da quantia exequenda (apesar dessa matéria estar subtraída ao conhecimento desta Relação e, consequentemente, dela não se possa conhecer, convinha que se verificasse se A. C. é devedor ou se antes se trata de mero procurador do devedor e se, consequentemente, existe título executivo quanto ao mesmo). Sem prejuízo de abaixo melhor se desenvolver essa matéria, não faz, por isso, a nosso ver, qualquer sentido a alegação da recorrente quando pretende não ter sido interpelada pelo exequente para que lhe pagasse a quantia exequenda e, bem assim quando sustenta não ter tido qualquer intervenção no contrato de hipoteca, sequer no mútuo que a originou e quando concluiu não lhe poder ser assacada qualquer culpa no incumprimento da obrigação a que o devedor se obrigou. É que enquanto atual proprietária, juntamente com o marido, do prédio dado em hipoteca pelo devedor ao exequente para garantia da dívida que reconheceu dever-lhe, basta o incumprimento do devedor, ou seja, de J. B., para assistir ao credor o direito a instaurar ação executiva para pagamento coercivo do crédito em dívida, no âmbito da qual lhe assiste o direito potestativo a penhorar o prédio dado em hipoteca para garantia daquele seu crédito incumprido pelo devedor nos termos e limites conferidos pela garantia real, em que se consubstancia a hipoteca. Cingindo-nos por ora, tal como se impõe, à questão suscitada pela recorrente e agora em análise e que consiste em saber se o tribunal a quo dispunha de todos os elementos que lhe permitiam qualificar a última parte (abaixo sublinhada) da cláusula inserida na escritura pública de constituição de hipoteca, outorgada em 23/01/2012, entre J. B., representado pelo seu procurador, A. C., e o aqui exequente, C. C., junta aos autos a fls. 45 a 46, em que se declara “Que a presente hipoteca é constituída pelo prazo de seis meses a contar da presente data, e garante o pagamento do referido montante de trinta e nove mil euros, acrescidos da quantia de vinte e cinco mil euros de despesas judiciais ou extrajudiciais, no caso de recorrer a juízo”, como cláusula penal, ou se antes, essa qualificação jurídica estava dependente da produção da prova testemunhal arrolada pelas partes com vista a indagar do sentido que os outorgantes quiseram atribuir ao referido clausulado, antecipa-se desde já, não assistir qualquer razão à recorrente nos reparos que faz à decisão proferida pelo tribunal a quo, a quem se impunha, nos termos do disposto no art. 595º, n.º1, al. b) do CPC conhecer, de imediato, de mérito uma vez que o estado dos autos assim o impunham que fizesse, sob pena de violação flagrante dos princípios da economia e celeridade processuais. Na verdade, conforme resulta da petição inicial de oposição de embargos, jamais nela a recorrente (sequer o recorrido, em sede de contestação) invoca qualquer vício de vontade, designadamente, erro entre a vontade declarada pelos outorgantes naquela escritura pública de constituição de hipoteca e a vontade real dos nela outorgantes, sequer sustenta qualquer interpretação de tal clausulado diverso daquele que resulta do respetivo texto e que seria extraído por qualquer observador externo médio que se visse confrontado com semelhante clausulado. Pelo contrário, conforme resulta dos arts. 30º e 31º da petição de oposição à execução, é a própria recorrente que sustenta que a cláusula inserida naquela escritura acima transcrita e sublinhada configura uma cláusula penal ao escrever “30º - Foi ainda convencionado, o pagamento da quantia de 25.000,00 euros a título de despesas judiciais e extrajudiciais, no caso de recurso a juízo; 31- Ora, tal quantia é de facto uma cláusula penal inserida no contrato que serve de base à presente execução (…)”. E de facto, assim é. Vejamos. Nos termos do disposto no art. 810º, n.º 1 do Cód. Civil designa-se “clausula penal” a convenção das partes em que estas por acordo fixam o montante da indemnização. Essa indemnização pode referir-se à mora, em que as partes, no exercício da sua liberdade contratual, pré-fixam o montante indemnizatório devido pelo devedor em caso de mora, isto é, em caso de atraso no cumprimento da obrigação por facto imputável ao devedor, mas em que o cumprimento da obrigação, ainda que atrasado, é possível (art. 804º, n.º 2 do CC), em que a cláusula se denomina de “cláusula penal moratória”; como pode respeitar à indemnização pelo incumprimento definitivo da obrigação, em que os contratantes, no exercício dessa sua liberdade contratual, antecipadamente estabelecem qual o montante indemnizatório devido pelo devedor ao credor em caso de incumprimento definitivo da obrigação, caso em que se denomina “cláusula penal compensatória”. A cláusula penal, conforme pondera Antunes Varela, “normalmente exerce uma dupla função no sistema obrigacional. Por um lado, a cláusula penal visa constituir em regra um reforço (um agravamento) da indemnização devida pelo obrigado faltoso, uma sanção calculadamente superior à que resultaria da lei, para estimular de modo especial o devedor ao cumprimento. Por isso mesmo se lhe chama penal – cláusula penal – ou pena – pena convencional. (…). Por outro lado, a cláusula penal visa amiudadas vezes facilitar ao mesmo tempo o cálculo da indemnização exigível. Assim sucede, com alguma frequência, quando os danos previsíveis a acautelar sejam muitos e de cálculo moroso, quando os prejuízos sejam, por natureza, de difícil avaliação ou quando sejam mesmo de caráter não patrimonial”(1). Por outro lado, na interpretação dos negócios jurídicos o art. 236º do CC consagra a teoria da impressão do destinatário, em função da qual a declaração deve valer com o sentido que um declaratário razoável, colocado na posição concreta do real destinatário, lhe atribuiria, ou seja, “considera-se o real declaratário nas condições concretas em que se encontrava e tomam-se em conta os elementos que ele conhecia efetivamente mais os que uma pessoa razoável, quer dizer, normalmente esclarecida, zelosa e sagaz, teria conhecido e figura-se que ele raciocinou sobre essas circunstâncias como o teria feito um declaratário razoável” (2). Precise-se que nos negócios formais, como é o caso, aquela teoria de impressão do destinatário sofre o entorse decorrente da circunstância de a declaração não poder valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento, ainda que imperfeitamente expresso, exceto se essa corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade (art. 238º do Cód. Civil). No caso, aplicando os critérios interpretativos que se acabam de enunciar ao clausulado em análise, sem grande esforço interpretativo, impõe-se concluir que ao estabelecerem, na escritura pública de constituição de hipoteca, que aos 39.000,00 euros de que J. B. se declarou devedor perante o aqui exequente e ali outorgante, C. C., acresceria a “quantia de 25.000,00 euros de despesas judiciais ou extrajudiciais, no caso de recorrer a juízo”, os contraentes quiseram acordar (e acordaram) numa cláusula penal moratória, mas exclusivamente em relação ao montante da indemnização devida pelo devedor ao credor pelas despesas judiciais ou extrajudiciais em que viesse a incorrer caso tivesse de recorrer a juízo para cobrar coercivamente o seu crédito. Trata-se de uma cláusula em que devedor e credor antecipadamente, no exercício da sua liberdade contratual, na escritura de constituição da hipoteca, acordaram que caso o credor tivesse de recorrer a juízo para cobrar coercivamente aquele crédito, o devedor J. B., teria de lhe pagar a quantia de 25.000,00 euros pelas despesas judiciais e extrajudiciais acrescidas em que o primeiro viesse a incorrer, independentemente do montante dessas despesas por ele efetivamente despendidas. Resulta do que se vem dizendo que, no caso, não existia, sequer existe, nenhuma dificuldade na interpretação daquela cláusula que reclamasse a produção de prova a fim de indagar do sentido interpretativo a dar à mesma, tanto mais que a aqui recorrente interpretou convenientemente o teor dessa cláusula e nem ela, sequer o exequente, jamais suscitaram qualquer questão a propósito de dificuldades com que se deparassem na interpretação desse clausulado que reclamasse e/ou justificasse a produção de prova com vista a esclarecer o sentido interpretativo a atribuir às declarações negociais que esse clausulado encerra, pelo que, nos termos do disposto no art. 596º, n.º 1, al. b) do CPC, impunha-se ao tribunal a quo conhecer imediatamente do mérito da causa. Significa isto que nenhuma censura merece a decisão do tribunal a quo na qualificação daquela cláusula contratual como cláusula penal e ao conhecer, de imediato, de mérito, como lhe era legalmente imposto que fizesse, sob pena de incorrer em flagrante violação dos princípios da economia e da celeridade processuais, improcedendo o fundamento de recurso invocado pela recorrente. B.3- Do vício da falta de fundamentação. Imputa a recorrente à decisão proferida pelo tribunal a quo o vício da falta ou ausência de clareza da fundamentação da matéria de direito quanto à cláusula penal, sustentando que essa fundamentação é pouco clara e de difícil compreensão, desconhecendo se o valor de 19.919,30 euros resulta da redução efetuada nos termos do art. 812º, n.º 1 do CC e se a executada pode ser responsabilizada pelo seu pagamento, pugnando que caso a sentença não seja revogada, seja determinado que o tribunal a quo fundamente a sentença de forma a corresponder à exigência constitucional. Estabelece o art. 615º, n.º 1, al. b) do CPC que a sentença é nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. O dever de fundamentação das decisões que não sejam de mero expediente relaciona-se com a imposição constitucional prevista no art. 205º, n.º 1 do Constituição da República Portuguesa (doravante CRP), a qual remete para a lei ordinária a fixação da forma como deve ser fixado o cumprimento desse dever. Esse dever de fundamentação encontra-se densificado nos arts. 154º e 607º, n.ºs 3 e 4 do CPC e não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade (n.º 2 do art. 154º do CPC). O dever de fundamentação tem como fundamento teleológico a circunstância de destinando-se a decisão judicial a resolver um conflito de interesses (art. 3º, n.º 1 do CPC), a paz social só será efetivamente alcançada se o juiz “passar de convencido a convincente”, o que apenas se consegue se o juiz lograr, através da fundamentação, convencer “os terceiros da correção da sua decisão”. (3) Esse dever é também, a nosso ver, fundamento legitimador do poder soberano atribuído constitucionalmente aos tribunais para “em nome do povo”, administrar a justiça, assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos pelos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos públicos e privados (art. 202º, n.º 1 da CRP). É que não possuindo os tribunais uma legitimidade direta, mas antes indireta, que lhes advém da constituição, a sua legitimidade apenas será assegurada se através da fundamentação os tribunais lograrem demonstrar e convencer que as suas decisões não são atos arbitrários, mas antes a concretização da vontade abstrata da lei ao caso particular submetido à apreciação jurisdicional, contendo-se dentro dos limites constitucionalmente fixados e que lhes confere legitimidade para o exercício desse poder soberano. A fundamentação é ainda requisito da salvaguarda dos direitos de ação e de defesa das partes, que necessitam de saber a razão ou razões do decaimento nas suas pretensões, designadamente para ajuizarem da viabilidade da utilização dos meios legalmente previstos. Finalmente, a fundamentação é requisito para os tribunais superiores poderem controlar as decisões dos tribunais inferiores na medida que, à semelhança do que acontece com as partes, para poderem reapreciar a causa, os tribunais superiores carecem de conhecer em que se fundou a sentença recorrida (4) Assim é que em termos de matéria de facto, se impõe ao juiz a obrigação de na sentença discriminar os factos que considera provados e não provados, devendo, de forma clara e especificada, analisar criticamente as provas e expor os fundamentos que foram decisivos para a formação da sua convicção em relação a cada facto (art. 617º, n.ºs 3, 4 e 5 do CPC.), explicitando desse modo, não só a respetiva decisão como, também, quais os motivos que a determinaram. Em sede de fundamentação da matéria de direito, a lei faz impender sobre o juiz iguais obrigações, impondo-lhe o ónus de, na decisão, identificar as normas e institutos jurídicos de que se socorreu, bem como a interpretação que deles fez em sede de subsunção jurídica ao caso concreto (n.º 3 daquele art. 613º). Pese embora a importância angular da fundamentação, precise-se que de acordo com a doutrina e a jurisprudência, só a falta, em absoluto, de fundamentação determina a nulidade da sentença a que se reporta a al. b) do n.º 1 do art. 615º do CPC, designadamente, a falta de discriminação dos factos provados, ou a genérica referência a toda a prova produzida na fundamentação da decisão de facto, ou conclusivos juízos de direito, e não apenas a mera deficiência da mesma (5), importando distinguir entre erros de atividade ou de construção da sentença, geradores de nulidade a que se reporta aquele art. 615º, n.º 1, e erros de julgamento de facto ou de direito, em que apenas se assiste a uma deficiente análise crítica das provas produzidas ou a uma deficiente enunciação e interpretação dos institutos jurídicos aplicados ao caso concreto. A deficiente análise crítica da prova ou a deficiente enunciação das normas aplicáveis ou da interpretação daquelas ou saber-se se as mesmas são ou não aplicáveis ao caso concreto ou se a interpretação delas feita está ou não correta, não constitui omissão de fundamentação, determinativa de nulidade da sentença, mas erros de julgamento, tratando-se de questão de mérito atacável em via de recurso (6). No caso concreto, a recorrente não imputa à sentença proferida pelo tribunal a quo o vício da ausência de falta de fundamentação, mas da falta de clareza dessa fundamentação de direito, não arguindo, de resto, a nulidade daquela sentença, mas pretende que se remeta os autos ao tribunal a quo para que este fundamente aquela decisão de forma correspondente à exigência constitucional, o que não tem fundamento legal uma vez que essa possibilidade de reenviar o processo à primeira instância apenas se encontra prevista na al. d), do n.º 2 do art. 662º do CPC para os casos da decisão proferida em sede de matéria de facto não se encontrar devidamente fundamentada. O vício que a recorrente imputa à decisão proferida consiste na imputação de um erro de julgamento quanto à questão de mérito, mais concretamente, um erro de julgamento em sede de direito aplicável, que cabe a este tribunal sindicar e suprir caso assim o conclua. Deste modo, passasse a conhecer da existência do invocado erro de julgamento que a recorrente, a final, acaba por imputar à decisão proferida pelo tribunal a quo. B.5- Do direito. A presente execução para pagamento de quantia certa que C. C. instaurou contra A. C., J. B., M. P. e A. M., pretendendo a cobrança coerciva da quantia de 69.564,71 euros, acrescida de juros de mora vincendos, a calcular à taxa de 8% ao ano, sobre a quantia de 39.000,00 euros e 25.000,00 euros tem por título executivo a escritura pública de fls. 45 a 46, celebrada em 21/03/2012, entre J. B. e C. C., em que o primeiro se declarou devedor perante o segundo da quantia de 39.000,00 euros e em que para garantia do integral pagamento dessa quantia declara constituir “hipoteca voluntária” a favor daquele, sobre a fração autónoma designada pela letra “P”, do prédio constituído em regime de propriedade horizontal, descrito na Conservatória do Registo Predial de Viana do Castelo sob o n.º …, prédio este que foi vendido, por escritura pública de 08/02/2013, ao marido da embargante, M. P., com quem aquela é casada no regime da comunhão de bens de adquiridos (cfr. alíneas A e B da matéria apurada e docs. de fls. 45 a 46 e 7 a 9). Antecipe-se desde já que como decorrência dessa escritura de compra e venda e do regime de casamento do casal da aqui embargante e marido, aquele prédio dado em hipoteca ao exequente pelo devedor J. B. é propriedade comum, desde 08/02/2013, da embargante e marido (cfr. arts. 874º, 879º, al. a), 1721º e 1724º, al. b), todos do CC.). Naquele escritura de constituição de hipoteca os nela outorgantes declararam que “a presente hipoteca é constituída pelo prazo de seis meses a contar da presente data, e garante o pagamento do referido montante de 39.000,00 euros, acrescidos da quantia de 25.000,00 euros de despesas judiciais ou extrajudiciais, no caso de recorrer a juízo, e ainda, dos juros à taxa legal em vigor que, para efeitos de registo, se fixa em 8% ao ano”. Estabelece o art. 686º, n.º1 do CC, que a hipoteca confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo. Decorre do exposto que a hipoteca configura uma garantia real que garante o crédito pelo valor de certo bem. O credor hipotecário, em relação a esse concreta bem sobre o qual foi constituída essa garantia real “paga-se pelo valor desse bem com preferência em relação aos demais credores; só depois de ele estar totalmente ressarcido é que outros credores podem obter a satisfação dos respetivos créditos, através do remanescente” (7). A hipoteca tem de ser registada, sob pena de não produzir efeitos, mesmo em relação às partes (art. 687ºdo CC), pelo que o registo é constitutivo daquela, ónus esse que, no caso, se mostra observado (cfr. alínea C da matéria apurada). As hipotecas podem ser legais, quando resultam imediatamente da lei, sem dependência da vontade das partes, e podem constituir-se desde que exista a obrigação a que servem de segurança (art. 704º do CC), ou voluntárias, quando nasçam de contrato ou de declaração negocial (art. 712º do CC). No caso, a hipoteca sobre que versam os autos foi constituída por contrato celebrado entre J. B. e C. C. em 23/01/2012, explanado na escritura pública de fls. 45 a 47. O facto de o bem se encontrar hipotecado não obsta a que ele seja transmitido ou onerado, sendo nula a cláusula que impeça o proprietário de alienar ou onerar o bem, embora seja lícito convencionar que o crédito hipotecário se vencerá logo que esses bens sejam alienados ou onerados (art. 696º). Trata-se de uma garantia real e como tal, a mesma beneficia da característica da sequela, pelo que alienado o bem, o ónus transfere-se para o adquirente e pode ser executado no património deste pelo valor da hipoteca (cfr. art. 54º, n.º 2 do CPC.). Assim é que se compreende que aquele que adquire o bem (no caso, a embargante e marido), não pretendendo que o encargo persista, nos termos do disposto no art. 721º do CC., possa expurgar a hipoteca, pagando a dívida ao credor hipotecário ou propondo-lhe a entrega da quantia pela qual adquiriu o bem ou em que o estima; “no primeiro caso, o adquirente está disposto a pagar a dívida garantida pela hipoteca porque, possivelmente, adquiriu o bem por um valor inferior ao real. Na hipótese prevista na al. b) do art. 721º, o comprador do bem, ao requerer a expurgação, corre o risco de o credor impugnar o valor, sendo, então, o bem vendido judicialmente”, e se se entenda que a cláusula de vencimento imediato enunciado no citado art. 696º seja dispensável, porquanto, sendo o bem hipotecado alienado, o credor, para além de poder exigir o cumprimento da obrigação ao devedor, pode executar a dívida pelo valor da hipoteca, sobre o bem que se encontra no património do adquirente (8). Precise-se que nos termos do art. 693º, n.º 1 do CC, a hipoteca garante o crédito, os acessórios do mesmo e os juros, desde que no registo se tenha feito menção a todos estes aspectos, não podendo, no entanto, quanto aos juros, ainda que as partes tenham convencionado o contrário, a hipoteca abranger mais do que os relativos a três anos. Transpondo as considerações jurídicas que se acabam de enunciar para o caso em análise, tendo o devedor, J. B., por escritura pública de 23/01/2012, reconhecido dever ao exequente a quantia de 39.000,00 euros, e tendo o mesmo constituído sobre o prédio, atualmente e desde 08/02/2013, propriedade da embargante e marido, hipoteca voluntária, pelo prazo de seis meses a contar da data da celebração da dita escritura, para garantia do pagamento dos referidos 39.000,00 euros, acrescida da quantia de 25.000,00 euros de despesas judiciais ou extrajudiciais, no caso de recorrer a juízo, e ainda dos juros de mora à taxa de 8% ao ano, independentemente da embargante e marido não terem contraído qualquer dívida junto do exequente, de reconhecerem ou não qualquer dívida àquele, de terem sido ou não por ele interpelados para o pagamento, por imposição legal, por mero efeito do contrato de compra e venda daquele imóvel hipotecado, a garantia real que onerava aquele prédio transmitiu-se juntamente com o prédio para a esfera jurídica da embargante e marido, isto é, o prédio comprado foi por eles adquirido com aquele ónus, assistindo ao credor (exequente), o direito de instaurar execução contra a embargante e marido com vista a penhorar aquele prédio e a fazer-se pagar pelo valor da hipoteca. É assim que o art. 54º, n.º 2 do CPC, estabelece que a execução por dívida provida de garantia real sobre bens de terceiro segue diretamente contra este se o exequente pretender fazer valer a garantia, sem prejuízo de poder desde logo ser também demandado o devedor. Esta norma constitui um desvio ao princípio geral enunciado no art. 53º, n.º 1 do CPC, de acordo com o qual a execução tem de ser promovida pela pessoa que no título executivo figure como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor, permitindo que a execução seja instaurada, ab initio, pelo credor contra o devedor ou contra este e o terceiro, atual proprietário do prédio onerado com a garantia real, em relação ao qual pretenda fazer valer essa garantida. Assim, em função daquele art. 54º, n.º 2 do CPC, fica “ao critério e à iniciativa do credor/exequente instaurar a execução, desde logo, contra o devedor e o terceiro, verificando-se então uma situação de litisconsórcio voluntário, ou apenas contra o terceiro. Mas, vindo a verificar-se, nesta segunda hipótese, a insuficiência dos bens onerados com a garantia real, poderá o exequente requerer a intervenção principal do devedor, (…), passando a execução a correr também contra este” (9). Precise-se que o terceiro proprietário do bem hipotecado não é o devedor e quanto a ele o exequente apenas pode executar o bem hipotecado e pelo valor da hipoteca, o que significa que no caso, a embargante e o marido, enquanto terceiros proprietários do prédio hipotecado, não respondem com outros bens ou direitos que integrem o seu património pela satisfação da quantia exequenda, mas apenas com o bem hipotecado, ou seja, apenas este e exclusivamente este pode ser penhorado e vendido coercivamente no âmbito da presente execução. Quem responde pela dívida exequenda caso o produto da venda do prédio hipotecado se venha a revelar insuficiente para satisfação integral da dívida exequenda é o devedor (J. B. e A. C., embora quanto a este, com as reservas que acima se deixaram explanadas, matéria que, reafirma-se, se encontra subtraída ao conhecimento desta Relação). Por outro lado, a embargante e marido não respondem pela totalidade da dívida exequenda, mas apenas pelo valor da hipoteca. Tendo a hipoteca sido constituída por um período de seis meses a contar da data da celebração da escritura, ou seja, seis meses a contar de 23/01/2012, deriva do que se vem dizendo e sem prejuízo do que infra se dirá, que a embargante e marido apenas respondem, pelo produto da venda do prédio hipotecado, pelo pagamento da quantia de 39.000,00 euros, acrescida da quantia de 25.000,00 euros, acrescidas de juros de mora à taxa de 8% ao ano, a contar de 23/01/2012 até 23/07/2012 (seis meses) por ser esse o período de tempo durante o qual foi constituído a hipoteca. Significa isto que uma vez vendido o prédio hipotecado no âmbito da execução, caso o produto da venda e das custas da execução excedam aquele montante, o remanescente terá de ser restituído à embargante e marido, prosseguindo a execução contra os devedores para satisfação do crédito exequendo remanescente que ficou por liquidar. Acontece que devedor e credor acordaram entre eles uma taxa de juro de mora de 8% ao ano e uma cláusula penal de 25.000,00 euros, a título de despesas judiciais ou extrajudiciais, no caso do último ter de recorrer a juízo, como foi o caso, acordando que a hipoteca constituída por seis meses, a contar de 23/01/2012, garantiria o pagamento da quantia de 39.000,00 euros, acrescidos daqueles 25.000,00 euros e da taxa de juro de 8% ao ano. Nos termos do disposto no art. 1146º do CC, é havido como usurário o contrato de mútuo em que sejam estipulados juros anuais que excedam os juros legais, acrescidos de 3% ou 5%, conforme exista ou não garantia real (n.º1), sendo ainda havida como usurária a cláusula penal que fixar como indemnização devida pela falta de restituição do empréstimo relativamente ao tempo de mora mais do que o correspondente a 7% ou 9% acima dos juros legais, conforme exista ou não garantia real. O n.º 3 daquele art. 1146º acrescenta que se a taxa de juro estipulada ou o montante da indemnização exceder o máximo fixado nos números precedentes, considera-se reduzido a esses máximos, ainda que seja outra a vontade dos contraentes. A Portaria n.º 291/2003, de 08/04, fixou a taxa de juro legal em 4% ao ano. Decorre do exposto que a taxa de juro de mora abrangida pela hipoteca, sob pena de usura, não pode exceder os 7% ao ano (4% de taxa de juro legal, acrescido de 3%). Por sua vez, a cláusula penal acordada não pode exceder os 11% ao ano (4% de taxa de juro legal, acrescido de 7%), calculados sobre a quantia em dívida de 39.000,00 euros. Finalmente, tendo a hipoteca sido constituída apenas durante seis meses a contar de 23/01/2012, sendo esta a dimensão pelo qual o valor do prédio hipotecado responde pela satisfação da quantia exequenda, perante o que se vem dizendo, a embargante e marido apenas respondem pela satisfação do crédito exequendo (e exclusivamente, pelo produto da venda do prédio hipotecado) pela satisfação da quantia de 39.000,00 euros, acrescida de juros de mora, à taxa de 7% ao ano, a partir de 23/01/2012 até 23/07/2012 e, bem assim, a título de cláusula penal, pela quantia correspondente aos juros calculados sobre os apontados 39.000,00 euros, à taxa de 11% ao ano, a partir de 23/01/2012 até 23/07/2012. Precise-se que o presente recurso interposto pela recorrente A. P., nos termos do disposto no n.º 1 do art. 634º, n.º 1 do CPC, aproveita ao seu marido, M. P., que não recorreu, dado que tratando-se de terceiros, atuais proprietários do prédio hipotecado, nos termos do disposto no art. 334º, n.º 1 do mesmo Código, intercede entre eles uma relação de litisconsórcio necessário quanto àquele prédio hipotecado. No entanto, o presente recurso já não aproveita aos demais executados, A. C. e J. B., uma vez que entre estes e a recorrente não intercede qualquer relação de litisconsórcio, sequer se verifica nenhuma das hipóteses enunciadas no n.º 2 daquele art. 634º. Decorre do exposto, que a decisão proferida pelo tribunal a quo não se pode manter, procedendo parcialmente o recurso interposto pela recorrente. * Decisão:** Nestes termos, os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência: I- determinam a substituição do relatório da sentença proferida a fls. 22 a 24 pelo relatório que consta do presente acórdão; II- revogam a sentença recorrida, ordenando o prosseguimento da execução quanto à recorrente A. P. e marido, M. P., exclusivamente, para eventual penhora e venda do prédio hipotecado, descrito na Conservatória do Registo Predial de Viana do Castelo sob o n.º …, respondendo estes, exclusivamente pela satisfação da quantia exequenda pelo produto da venda desse prédio hipotecado até à quantia de 39.000,00 (trinta e nove mil) euros, acrescida de juros de mora, à taxa de 7% ao ano, a partir de 23/01/2012 até 23/07/2012 e, bem assim, a título de cláusula penal, pela quantia correspondente aos juros calculados sobre os apontados 39.000,00 (trinta e nove mil) euros, à taxa de 11% ao ano, a partir de 23/01/2012 até 23/07/2012, absolvendo-os da restante quantia exequenda. Custas por apelante e apelado na proporção do respetivo decaimento (art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC). Notifique. * Guimarães, 02 de novembro de 2017 (Dr. José Alberto Moreira Dias) (Dr. António José Saúde Barroca Penha) (Dra. Eugénia Maria de Moura Marinho da Cunha) 1. Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, vol. II, 7ª ed., Almedina, págs. 139 a 140. 2. Mota Pinto, in “Teoria Geral do Direito Civil”, 3ª ed., Coimbra Editora, pág. 447. 3. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex, 1997, pág. 348. 4. Lebre de Freitas, “A Ação Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013”, 3ª ed., Coimbra Editora, pág. 332. 5. Lebre de Freitas, in ob. cit., pág. 332; Abílio Neto, in “Novo Código de Processo Civil Anotado”, 2ª ed., Janeiro de 2014; pág. 736; e a título exemplificativo, Acs. STJ. de 14/11/2006, Proc.06A1986; de 17/04/2017, Proc. 07B418; R.C. de 16/10/2012, Proc. 127963/11.1YIPRT.C1; RE. de 03/07/2014, Proc. 569/13.0TTFAR.E1; RG. de 14/05/2015, Proc. 853/13.2TBGMR.G1, todos in base de dados da DGSI. 6. Ac. STJ. 08/03/2001, Proc. 00A3277, in base de dados da DGSI. 7. Pedro Romano Martinez e Pedro Fuzeta da Ponte, “Garantias de Cumprimento”, 2º ed., pág.123. 8. Pedro Romano Martinez e Pedro Fuzeta da Ponto, ob. cit., págs. 125 e 126. 9. Lebre de Freitas, “Código de Processo Civil Anotado”, Coimbra Editora, 1999, vol. 1º, pág. 115. |