Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | HELENA MELO | ||
Descritores: | CESSÃO DE EXPLORAÇÃO COMODATO CESSAÇÃO DO COMODATO TRANSMISSÃO DA POSIÇÃO DE COMODATÁRIO | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 01/19/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | O contrato de exploração de estabelecimento comercial sofre as vicissitudes do contrato estabelecido entre a cedente e a proprietária, uma vez que a exploração do estabelecimento está ligada à utilização de um determinado espaço. .Assim, cessando o contrato que permitia à cedente o uso e fruição do espaço onde funciona o estabelecimento, necessariamente terá que cessar o contrato de cessão de exploração. . O contrato de comodato não cessa obrigatoriamente com a morte do comodatário. Em princípio, deve entender-se que o comodante quer beneficiar apenas o comodatário e não os seus herdeiros, mas como se trata de uma presunção de vontade e não de uma disposição imposta por razões de ordem pública, é de admitir que os contraentes convencionem a continuação do comodato por morte deste, podendo esta transmissão resultar de declaração expressa, como de factos que com toda a probabilidade a revelem, não carecendo de ser reduzida a escrito. . Se a referência à intransmissibilidade está ligada ao pagamento de uma indemnização e ao direito à atribuição de outro local e é corroborada pela circunstância da proprietária não ter reclamado o imóvel, após ter tido conhecimento da morte da primitiva comodatária, continuando os RR. a explorar o estabelecimento, sem que a proprietária lhes tenha exigido ou à herdeira da comodatária a sua entrega, é de interpretar a vontade das partes como tendo querido a transmissão da posição da comodatária. | ||
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Decisão Texto Integral: | Tribunal da Relação de Guimarães 1ª Secção Cível Largo João Franco - 4810-269 Guimarães Telef: 253439900 Fax: 253439999 Mail: guimaraes.tr@tribunais.org.pt 27 Processo 1520/15.8T8VRL.G1 Acordam em conferência no Tribunal de Relação de Guimarães: I – Relatório AAinstaurou contra BB e mulher CC, ação declarativa de condenação, com processo comum, formulando a seguinte pretensão: Que os réus sejam condenados: A) a reconhecer que a autora é a única titular, dona e legítima possuidora do estabelecimento comercial denominado “DD”, destinado a restaurante, casa de pasto e salão de jogos, e que funciona, assim se devendo manter, no prédio urbano sito no Lugar LL, freguesia de Peso da Régua, inscrito na matriz respetiva sob o artigo xxx; B) a reconhecer que para a autora se transferiu a posição de locadora no contrato de “locação temporária de estabelecimento” celebrado com o réu em 23.05.2013; C) a reconhecer que para a autora se transferiu o direito de continuar a usar, fruir e deter o prédio urbano referido em a) para continuação da exploração do estabelecimento comercial identificado em a); D) a pagar à autora todas as prestações mensais vencidas desde Fevereiro de 2015 até ao presente, que contabiliza em € 6.400,00, e ainda as vincendas até efetivo e integral pagamento, e a pagar ainda a indemnização referida no artigo 107º, que contabiliza em € 3.200,00, sem prejuízo dos valores que se forem vencendo sucessivamente a esse respeito, tudo acrescido dos respetivos juros de mora à taxa legal desde o momento de vencimento de cada prestação mensal e respetiva indemnização, que ascendem, na data, ao valor de € 80,05, sem prejuízo dos juros de mora legais vincendos até efetivo e integral pagamento. Alegaram, em síntese: - que é dona e legítima possuidora de um estabelecimento comercial que veio ao seu domínio através de herança de sua tia que, por sua vez, o possuía há mais de vinte anos, com todas as características de uma posse pública, pacífica e de boa fé, na convicção de ser a sua exclusiva dona; - que entre a tia da autora e o réu foi celebrado um contrato de locação temporária de estabelecimento em relação ao estabelecimento comercial referido, mediante a contrapartida pela cessão do pagamento de € 800,00 mensais por parte do réu; - que o réu tem vindo a explorar esse estabelecimento, recebendo os proventos e lucros da atividade e pagando as prestações mensais devidas, mesmo após o óbito da tia da autora; - que, contudo, desde fevereiro de 2015, o réu não paga à autora as prestações convencionadas pela cessão de exploração do estabelecimento comercial, apesar de continuar a explorá-lo. Regularmente citados, os réus contestaram, negando ser a autora titular do estabelecimento comercial em causa, por o imóvel onde o estabelecimento funcionar, ser propriedade do EE e ter sido cedido gratuitamente à tia da autora, tendo cessado o direito de uso e fruição do imóvel com a sua morte. Invocaram, ainda, que o contrato celebrado com a tia da autora tem subjacente um contrato de trespasse, pelo que ocorreu também a transmissão da posição do arrendatário. Concluiram pela improcedência da ação. Procedeu-se à realização de audiência prévia. Por se entender que os autos forneciam todos os elementos para ser proferida decisão sem prévia realização de audiência de discussão e julgamento, foi proferido sanador/sentença com o seguinte segmento decisório: “Por tudo o exposto, julgo a presente ação parcialmente procedente e, consequentemente, condeno os réus: “a) a reconhecerem que a autora é a única titular, dona e legítima possuidora do estabelecimento comercial denominado “DD”, destinado a restaurante, casa de pasto e salão de jogos, e que funciona, assim se devendo manter, no prédio urbano sito no Lugar LL, freguesia de Peso da Régua, inscrito na matriz respetiva sob o artigo xxx; b) a reconhecerem que para a autora se transferiu a posição de locadora no contrato de “locação temporária de estabelecimento” celebrado com o réu em 23.05.2013; c) a pagarem à autora todas as prestações mensais vencidas desde Fevereiro de 2015 até ao presente, no valor mensal de € 800,00 (oitocentos euros), e ainda as vincendas até efetivo e integral pagamento, e a pagar ainda a indemnização prevista na cláusula 8ª do contrato, sobre cada uma das prestações vencidas e vincendas até efetivo pagamento, tudo acrescido de juros de mora à taxa legal desde o momento de vencimento de cada prestação mensal e respetiva indemnização, até integral pagamento. d) Absolvo os réus do demais peticionado. e) Custas a cargo de autora e réus na proporção de 1/5 e 4/5 respetivamente. f) Registe e notifique.” Os RR. não se conformaram e interpuseram o presente recurso de apelação, concluindo nos seguintes termos: 1.º O presente recurso visa não só a alteração da matéria de facto como também a reapreciação da matéria de direito. 2.º O Tribunal julgou incorretamente os factos dados como assentes sob os pontos 2.º e 7.º omitindo a apreciação de outros factos que em nossa humilde opinião deveriam dar-se como provados, os constantes sob os nºs 9.º e 10.º da Contestação. 3.º Estamos perante uma autorização precária concedida em acta da EE quepermitiu A FF explorar gratuitamente um estabelecimento comercial instalado num imóvel propriedade da mesma autarquia até que a EE precisasse daquelas Instalações e que assumia essa responsabilidade, mas só relativamente à Senhora FF e não para herdeiros ou em situação de trespasse.” 4.º Da referida ata a EE pretendeu conceder o benefício douso e fruição do imóvel e estabelecimento comercial nessa data aí instalado à referida FF, benefício concedido a esta a título pessoal, intransmissível, quer por via da sucessão quer por via contratual e gratuito. 5.º Este estabelecimento comercial não foi transferido por via da sucessão para os Herdeirosda FF, pois se assim não fosse estaria perante uma fraude ao acordo. 6.º Porquanto à data do acordo firmado com a EE estava instalado um estabelecimento comercial, que a FF pretendeu acautelar e mantendo a sua exploração até que a EE dele precisasse limitando logo esse fruição ao período de vida da mesma e impossibilitando a sua transmissão. 7.º . Daí a proibição de trespasse, direito inalienável de qualquer titular de um estabelecimento. 8.º Permitir e considerar que o estabelecimento comercial transmitiu-se para a os AA, pela via sucessória assim como se transmitiu a posição de locadora, constitui uma violação do acordo firmado com a EE. 9.º Não há consentimento para a transmissão da fruição por parte da EE porquanto este era um direito pessoal que se extinguiu com a morte da sua titular. 10.º E a ausência de reacção da EE não é qualquer violação do acordo, uma vez que apenas ocorre um incumprimento do dever de entrega que se impõe à herdeira.!!! 11.º Há assim erro de apreciação do direito quando a sentença considera que ocorreutransmissão. 12.º Com o falecimento da Sr.ª D. FF, ocorrido em 17 de Setembro de 2013, cessou dessa forma o uso e fruição do imóvel onde se mostra instalado o estabelecimento comercial assim como deste mesmo estabelecimento uma vez que estamos perante comodato gratuito cujo prazo ou duração foi expressamente prevista, cessando com o falecimento da tia daA.- a comodatária. 13.º Ocorre ainda uma contradição entre a Absolvição dos RR. do pedido formulado sob a alínea C) e a condenação do pedido formulado na al, B) do mesmo porque o estabelecimento é indissociável com a fruição do imóvel onde se encontra instalado, não estando a A. legitimada pela EE para poder continuar a usufruir e a deter o imóvel não podendo, por isso, suceder na posição de locadora do mesmo estabelecimento. 14.º Podendo adquirir tão só pela via sucessória os equipamentos do estabelecimento comercial. 15.º Diríamos que além de ilegal, é imoral a herdeira da Sr.ª FF, bem sabendo do teor da ata de 02 de Agosto de 1991 e por conseguinte da cessação do uso e fruição do imóvel, virexigir do A. as prestações que diz se encontrarem em falta, quando o que deveria fazer era suscitar a questão ao EE, dando-lhe a conhecer o falecimento da sua Tia e informando quem está na posse do imóvel e a que título. Termos em que o presente recurso deve merecerprovimento por existir erro na apreciação da prova e bem assim erro na aplicação do direito, por errada interpretação do disposto no art.º 1022.º,1031.º, 1038.º do Código Civil, devendo revogar-se a sentença recorrida e, em sua substituição, ser proferida outra que julgue a ação totalmente procedente por provada, ou se assim não se entender que se ordene o chamamento do EE, com o prosseguimento dos ulteriores termos do processo, assim fazendo-se JUSTIÇA. A parte contrária contra-alegou, tendo formulado as seguintes conclusões: I. Os recorrentes, tanto na respetiva alegação como nas conclusões, não cumpriram oónus imposto pela norma do artigo 640º, nº 1, alínea b) do Código de Processo Civil,já que não indicam os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida, pelo que, deve ser rejeitado o recurso respeitante à reapreciação da matéria de facto, em virtude da alegada circunstância obstar ao conhecimento do recurso. II. Caso assim se não entenda, cumpre dizer que os concretos pontos da matéria de facto, provada e não provada, impugnados pelos recorrentes, não merecem qualquer censura, designadamente a que lhe é apontada no recurso interposto. III. O juízo formulado pelo Tribunal a quo relativamente a tal matéria resulta da correta valoração de todos os meios de prova produzidos nos autos, desde logo, da conjugaçãodos diversos documentos juntos à petição inicial dos mesmos (documento 1 a 13) e da confissão escrita dos réus, em sede de respetivo articulado de contestação. IV. Todos esses documentos comprovam, sem margem para qualquer dúvida e quando conjugados entre si, a existência do estabelecimento comercial “DD” na esféria jurídica da falecida Sra. FF, que a recorrente é a única e universal herdeira testamentária da dita Senhora, e que recebeu o domínio e posse daquele estabelecimento por essa via (conforme documentos 1, 4, 5, 6, 9 e 12 juntos à petição inicial), bem como que tais factos são do conhecimento do EE, desde o óbito da dita Senhora, tendo-lhe a recorrente igualmente comunicado tal factualidade (conforme documento 7 junto à petição inicial). V. Os recorrentes não invocaram a falsidade dos documentos juntos pela autora à petição inicial, que fazem prova, alguns plena uma vez que autênticos (documentos 1 e 4), dos factos aí declarados, designadamente os ora impugnados pelos recorrentes (pontos 2º e 7º dos factos assentes). VI. À data do óbito da Sra. FF o estabelecimento comercial “DD” aqui em causa existia e fazia parte do seu património hereditário, e sendo a recorrida a única e universal herdeira da mesma, recebeu por via sucessória - testamentária, o domínio e a posse do mesmo, assumindo também a posição contratual na relação jurídica estabelecida com o recorrido, na qualidade de locadora do aludido estabelecimento comercial. VII. A referida factualidade é do conhecimento do EE, desde o óbito da tia da recorrida, e que lhe foi comunicada pela própria autora, conforme resulta do documento 7 junto à petição inicial dos autos, cujo teor não foi contrariado por qualquer outro meio probatório produzido nos autos. VIII. Os próprios recorrentes admitem, em sede de contestação, os factos dados como assentes pelo Tribunal a quo, não merecendo os mesmos qualquer censura. Sendo que, o documento que referem – ata de 02-08-1991 – não é suscetível de fundar a alteração da matéria de facto nos moldes por si ora requeridos. IX. O EE não é parte da relação material controvertida aqui em discussão. Não tinha que ser demandado, nem tinha que ter qualquer intervenção nos autos, sendo totalmente desprovido de fundamento a alegação dos recorrentes nesse sentido. Neste momento, a presente instância está totalmente estabilizada (artigo 260º do Código do Processo Civil). X. O alegado acordo estabelecido entre o EE e a Sra. FF, plasmado na referida ata de 02-08-1991, não obstou, nem obsta, à transmissão, por via sucessória - testamentária, do estabelecimento comercial aqui em causa para a recorrente, nem impede o seu uso e fruição pela mesma, mesmo sendo explorado temporariamente por terceiros, pois, o estabelecimento comercial não deixa de existir, não se desintegra em pedaços de objetos, equipamentos singulares e individualizados como alegam os recorrentes, antes continua a existir como realidade material e jurídica única e unitária. XI. Os recorrentes conhecem o alegado acordo a que chegaram o EE e a Sra. FF desde a outorga do primeiro contrato que com ela fizeram (conforme documentos 9 e 12 juntos à petição inicial), e tal circunstância não obstou a que os recorrentes mantivessem o seu interesse emcontinuar a explorar o estabelecimento comercial dos autos até ao presente, precisamente porque tal acordo não obsta à ocupação do imóvel, ao uso e fruição do estabelecimento comercial “DD”, nem colide com a posição contratual dos recorrentes relativamente à recorrida, enquanto atual dona e locadora daquele. XII. Os recorrentes pretendem mesmo que seja operada como que uma verdadeira “expropriação” privada do estabelecimento comercial dos autos, pois, propugnam que cessou o direito de uso e fruição do estabelecimento comercial atenta a morte da tia da recorrida, que, por isso, não podia ter sido adquirido por parte da recorrida. XIII. O estabelecimento comercial é um instituto jurídico ímpar a merecer um tratamento singular, nos exatos termos contantes do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 14-02-2012, proferido nos autos do processo 221/09.0TBCDN.C1, disponível para consulta in www.dgsi.pt, realidade que a sentença recorrida apreendeu, subsumindo corretamente a factualidade material dos autos ao Direito aplicável. XIV. Do contrato de locação ou de cessão de estabelecimento aqui em discussão, emerge para o locatário, o recorrido, o direito fundamental de usar e fruir plenamente o estabelecimento locado, explorando-o e fazendo seus os eventuais lucros resultantes dessa exploração. Mas dele emerge também, para essa mesma parte, o fundamental dever de pagar, pontualmente, a remuneração convencionada, como bem reconheceu e condenou a sentença proferida nos autos. XV. A recorrida, sendo a atual e única dona do estabelecimento comercial aqui em causa, assumiu igualmente a posição contratual que a Sra. FF tinha na relação jurídica estabelecida com o recorrente, vertida no documento12 junto à petição inicial, que não caducou por força do óbito daquela. XVI. Os recorrentes limitam-se a apelar ao documento 1 junto à petição inicial dos autos para fundar a alteração da matéria de facto requerida, que não constitui a alegada atada reunião de 02 de Agosto de 1991, mas o testamento feito pela Sra. FF, documento que não contraria os factos postos em crise pelos recorrentes, antes os confirma! Por sua vez, a aludida ata não tem força probatória que permita alcançar o efeito visado pelos recorrentes. XVII. Por outro lado e salvo melhor opinião, os alegados factos constantes dos artigos 9º e 10º da contestação dos recorrentes e que estes pretendem ver dados como provados não configuram factos materiais da vida, ocorrências da vida real e concreta, mas meras conclusões e considerações de Direito, não sendo passíveis de qualquer prova, nem de ingressarem na lista de factos assentes. XVIII. Contudo, os recorrentes admitem expressamente na sua contestação que, após o óbito da Sra. FF, continuaram a explorar o estabelecimento comercial dos autos, situação que se mantém até ao presente, sem oposição do EE (conforme pontos 8º a 10º dos factos assentes), mantendo-se o estabelecimento comercial localizado no imóvel do dito EE até ao presente (conforme pontos 1º e 4º dos factos assentes), factos que não foram impugnados pelos recorrentes, incluindo nesta sede, e que comprovam o contrário do que os recorrentes ora pretendem seja dado como provado (artigo 9º da contestação). XIX. O Tribunal a quo cindiu as relações contratuais que ligam a recorrida e os recorrentes da relação entre aquela e o EE, entendendo que aqui está em discussão apenas a primeira, sendo os recorrentes alheios a esta última, não existindo qualquer contradição entre a decisão condenatória respeitante ao pedido formuladopela recorrida sob a alínea “B)” e decisão absolutória respeitante ao pedido formulado pela recorrida sob a alínea “C)”. XX. O Tribunal a quo fez a correta subsunção dos factos aqui em discussão ao Direitoaplicável, designadamente às normas que se acham invocadas na sentença recorrida, e não incorreu no imputado vício de aplicação e interpretação dos artigos 1022º, 1031º e1038º, todos do Código Civil. XXI. Em face do exposto, na improcedência do recurso interposto, deve, a final, manter-se acondenação dos recorrentes nos pedidos, nos moldes doutamente decididos nasentença da 1ª instância, com as legais consequências. II – Objecto do recurso Considerando que: . o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes, estando vedado a este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso; e, . os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu acto, em princípio delimitado pelo conteúdo do acto recorrido, as questões a decidir são as seguintes: . se a matéria de facto deve ser alterada; . se o contrato estabelecido entre a tia da A. e o proprietário do prédio onde se encontra instalado o estabelecimento explorado pelos apelantes, se pode considerar caducado pela morte daquela e consequentemente, se caducou o contrato celebrado entre a falecida e os apelantes. III – Fundamentação Na 1ª instância foram considerados provados os seguintes factos: 1º- Existe um estabelecimento comercial, destinado a restaurante, casa de pasto e salão de jogos, denominado “DD”, instalado e a funcionar no prédio urbano sito no Lugar LL, freguesia de Peso da Régua, inscrito na matriz respetiva sob o artigo xxxº. 2º- Este estabelecimento comercial veio ao domínio e posse da autora através de herança, deixada em testamento, por morte de sua tia, FF. 3º- Faleceu aquela sua tia em 17/09/2013. 4º- Aquele prédio urbano, onde se acha instalado o referido estabelecimento comercial, é propriedade da EE. 5º- Este prédio urbano foi adquirido por aquela edilidade no ano de 1979. 6º- O referido estabelecimento comercial foi adquirido pela tia da autora por trespasse no ano de 1970. 7º- A aquisição do estabelecimento comercial, por via testamentária, pela aqui autora é do conhecimento do EE, desde o óbito da tia da autora, tendo a autora enviado à EE comunicação formal de tal factualidade. 8º- Naquele ano de 1979, por força da aquisição, a EE convencionou e acordou com a tia da autora que esta continuaria com o direito de usar, fruir e deter o dito prédio urbano, ali podendo continuar a exploração do seu estabelecimento comercial. 9º- Mais foi acordado entre ambas, que a tia da autora ali permaneceria por tempo indeterminado, até ao momento em que eventualmente aquela edilidade viesse a precisar do prédio urbano para qualquer outro fim ou para demolição. 10º- O que nunca aconteceu até ao presente. 11º- Mais foi acordado entre aquela edilidade e a tia da autora, que esta, nada pagaria a título de retribuição pelo uso, fruição e detenção do dito prédio urbano. 12º- No ano de 2006, a tia da autora celebrou com o réu um contrato de “locação temporária de estabelecimento”, com início em 01/04/2006 e termo em 31/03/2016. 13º- Através do qual a tia da autora (e o seu então marido GG) cedia ao réu a exploração temporária do estabelecimento comercial aqui em causa. 14º- Aquela cessão temporária de exploração do estabelecimento comercial englobava todo o recheio existente no mesmo e pertencente à tia da autora, como equipamentos, eletrodomésticos, móveis e utensílios e ainda licenças e alvarás (também titulados pela tia da autora). 15º- Como contrapartida daquela cessão, a tia da autora receberia do réu o pagamento de uma prestação mensal no montante de € 600,00, a pagar até ao dia 08 do mês anterior a que respeitasse. 16º- Este contrato de cessão temporária de exploração durou até 07/05/2013, altura em que foi resolvido com justa causa pela tia da autora. 17º- Entretanto, em 23/05/2013, a tia da autora e o réu celebram um novo contrato de “locação temporária de estabelecimento”, com início em 29/05/2013 e termo em 30/05/2023. 18º- Através do qual a tia da autora cedeu novamente ao réu a exploração temporária do estabelecimento comercial referido. 19º- Aquela cessão temporária de exploração do estabelecimento comercial engloba novamente todo o recheio existente no mesmo e pertencente à tia da autora, como equipamentos, eletrodomésticos, móveis e utensílios e ainda licenças e alvarás (também titulados pela tia da autora) e de um barraco em madeira para arrumos. 20º- Como contrapartida desta cessão, a tia da autora receberia do réu o pagamento de uma prestação mensal no montante de € 800,00, a pagar até ao dia 08 do mês anterior a que respeitasse. 21º- Valor entre ambos, acordado. 22º- O réu iniciou assim a exploração daquele estabelecimento comercial, primeiro com aquele contrato e agora com este último, aí exercendo a atividade de restauração, casa de pasto, o que vem fazendo até à atualidade, comercializando produtos alimentares, bebidas e outros, recebendo clientes, contratando com fornecedores, fazendo encomendas de produtos alimentares, recebendo encomendas dos mesmos produtos, limpando o espaço onde funciona o estabelecimento comercial, consertando e fazendo reparações, usando os equipamentos, eletrodomésticos, móveis e utensílios existentes no estabelecimento, pagando as despesas referentes ao estabelecimento comercial (água, luz, telefone, taxas, etc.), recebendo os proventos e lucros da atividade explorada naquele estabelecimento comercial em benefício comum do casal. 23º- À data dos factos e até ao presente, os réus são casados, vivendo o casal na mesma habitação, partilhando a mesma mesa e cama, realizando em conjunto as compras dos bens indispensáveis para o dia-a-dia do agregado familiar, pagando com os proveitos que ambos obtinham as suas dívidas, tudo em total comunhão de vida, comunhão essa que ainda hoje perdura. 24º- À data dos factos e até ao presente, é da atividade comercial do réu que o casal retira também proveitos para custear os encargos e despesas normais e comuns do agregado familiar, nomeadamente para aquisição de alimentos, roupas, medicamentos. 25º- O réu foi sempre pagando as prestações mensais devidas por conta daquela cessão temporária de exploração do estabelecimento comercial, tanto na vigência daquele primeiro contrato como neste segundo. 26º- Incluindo após o óbito da tia da autora. 27º- Desde Fevereiro de 2015, inclusive, que o réu não paga à autora as prestações mensais convencionadas pela cessão de exploração do estabelecimento comercial, apesar do réu continuar a explorar o estabelecimento, nos termos referidos, e a usufruir do mesmo, dele obtendo proventos e lucros, em proveito comum do casal. 28º- Através da carta que enviou em Fevereiro de 2015, a autora instou os réus a pagarem as prestações em dívida. Da alteração da decisão de facto Pretendem os apelantes a alteração da matéria de facto constante dos pontos 2 e 7 da sentença e que sejadada como provada a matéria alegada nos artigos 9º e 10º da sua contestação. Aapelada pugna pela rejeição da matéria de facto porque, em seu entender, os apelantes nem na alegação nem nas conclusões, não indicaram os concretos meios de prova em que se fundamentam para requerer a alteração. O recorrente que pretende impugnar a matéria de facto tem que cumprir diversos ónus impostos pelo artº 640º do CPC. Com o actual preceito o legislador teve em vista dois objectivos: eliminar dúvidas que o anterior preceito legal suscitava e reforçar o ónus de alegação imposto ao recorrente que deverá indicar qual a decisão que o Tribunal deveria ter tido. O sistema que passou a vigorar impõe o seguinte: .a) o recorrente deve indicar os concretos pontos da matéria de facto que considere encontrarem-se incorrectamente julgados, tanto na motivação do recurso como nas conclusões, ainda que nestas de modo mais sintético; .b) quando a impugnação se fundar em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, o recorrente deve indicar aqueles que em seu entender conduzem a uma decisão diversa relativamente a cada um dos factos; .c) no que concerne aos pontos da matéria de facto cuja impugnação se apoie em prova gravada (no todo ou em parte), para além da especificação dos meios de prova em que se fundamenta, tem que indicar com exactidão as passagens da gravação relevantes, transcrevendo, se assim o entender, os excertos que considere oportunos; .d) o recorrente deverá mencionar expressamente qual a decisão que deve ser proferida sobre os pontos concretos da matéria de facto impugnada (cfr. ensinamentos de António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código do Processo Civil, Coimbra: Almedina, 2013, p. 126 e 127). Todos estes pontos têm de ser observados com rigor (cfr. se defende, entre outros, no Ac.do Tribunal da Relação de Coimbra, de 11-07-2012, proferido no proc. 781/09 que embora proferido no domínio do CPC anterior à Lei 43/2013, mantém actualidade, acessível em www.dgsi.pt, sítio onde poderão ser consultados todos os acórdãos que venham a ser citados sem indicação da fonte). O contrato de cessão de exploração de estabelecimento é o contrato mediante o qual alguém transfere temporária e onerosamente para outrem, juntamente com o gozo do prédio, a exploração de um estabelecimento comercial ou industrial nele instalado. A cessão de exploração ou concessão de exploração de estabelecimento comercial quando instalado num imóvel arrendado, não é senão um contrato de locação do estabelecimento como unidade jurídica, isto é, um negócio jurídico pelo qual o titular do estabelecimento proporciona a outrem, temporariamente e mediante retribuição, o gozo e fruição do estabelecimento, ou seja, a sua exploração mercantil. O objecto da cessão de exploração não é o imóvel em si, mas sim o estabelecimento como um bem unitário, compreendendo a globalidade dos elementos que o integram e a sua destinação ao prosseguimento de uma dada actividade mercantil. À cessão de exploração aplicam-se as regras do artº 1108º e ss do CC com as necessárias adaptações (artº 1109º, nº 1 do CC).A cessão de exploração do estabelecimento comercial não carece de autorização do senhorio, mas deve ser-lhe comunicada no prazo de um mês (artº 1109º, nº 2 do CC). Na cessação de exploração não se transmite o gozo de um prédio, o detentor do estabelecimento transfere para o cessionário o gozo e fruição de uma unidade comercial, com todas as marcas e feições distintivas que acompanham esta figura de direito comercial (como se defende no Ac. do STJ de 11.04.2012, proferido no proc. 5527/04, que embora proferido no âmbito do regime anterior ao NRAU, mantém actualidade). O trespasse habitualmente define-se como o contrato que consiste na transmissão a outrem da titularidade de um estabelecimento comercial ou industrial enquanto unidade global ou universalidade, de forma definitiva, gratuita ou onerosa. (cfr Pinto Furtado, “Manual do Arrendamento Urbano”, 1996, pág. 510). Ou seja, o trespasse traduz-se numa cedência definitiva do estabelecimento e não temporária como acontece na cessão de exploração, podendo o trespasse assumir natureza onerosa (v.g.venda) mas também gratuita (v.g.doação). A final, já depois das conclusões, pedem os apelantes que se se entender que não lhes assiste razão, se chame o EE. Além de esta questão estar fora das conclusões e como tal não pode ser considerada como integrando o objecto de recurso, os apelantes também não fundamentam nem concretizam o incidente pretendido, pelo que sempre esta pretensão teria que improceder. |