Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | LINA CASTRO BAPTISTA | ||
Descritores: | ACTA DE JULGAMENTO DOCUMENTO AUTÊNTICO FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PRAZO DO INCIDENTE | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 05/11/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | I – As Atas de audiência de julgamento ou de qualquer diligência judicial são documentos públicos, qualificáveis como documentos autênticos, por força das disposições legais dos art. 369.º e ss. doC.Civil. II - O requerimento de retificação da Ata apresentado junto do Juiz integra-se no princípio da cooperação entre as partes e o Tribunal e tem a sua sustentação na possibilidade de o respetivo funcionário judicial, por mero lapso, omissão desculpável ou opção menos feliz de redação, ter nela incluído um conteúdo que não constitua o fiel repositório de tudo o que ocorreu. III - Em face do princípio constitucional do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, constante do art. 20.º da Constituição da República Portuguesa, deve entender-se que a apresentação do requerimento de retificação da Ata suspende o prazo de interposição do incidente de falsidade do documento. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I—RELATÓRIO M, residente na Rua do Sabugueiro, Morgada, Montalegre, intentou contra R, com domicílio fiscal na Rua Horta da Fonte, Valpaços, ação de regulação das responsabilidades parentais quanto ao menor MA, nascido a 03 de Setembro de 2011, filho de ambos. No dia 15 de setembro de 2016, realizou-se Conferência de Pais, tendo sido elaborada a respetiva Ata, com o teor de fls. 09 e 10. Com data de 21 de Setembro de 2016, a Requerente veio apresentar um requerimentoalegando que se deve proceder à correcção de parte do teor do clausulado e inserto na Ata da Conferência de Pais, designadamente o constante do Item 3, por não corresponder ao acordado entre as partes. Acrescenta estar convicta que os lapsos de escrita resultaram da contraposição da proposta sugerida (PI) e o entendimento alcançado.Apresenta aquela que, em seu entendimento, deverá ser a redacção constante da Ata nessa parte. Remata pedindo “Termos em que, deverão ser consultados os “apontamentos” e nesse sentido requer as aludidas alterações homologando por sentença o acordo, corrigindo-se a proferida, acedendo à acta no dia 19.09.2016.” Com a mesma data de 21 de Setembro de 2016, o Requerido veio responder que a rectificação solicitada pela Requerente não tem qualquer fundamento, porquanto a Ata traduz cabalmente o nos exatos termos o que foi acordado na diligência realizada. Com data de 17 de outubro de 2016, a Requerente veio apresentar novo requerimento aos autos, requerendo que o Excelentíssimo Sr. Juiz a quo proferisse decisão sobre a questão por si suscitada. Foi proferido despacho judicial a 09 de novembro de 2016, onde se indeferiu a retificação da Ata, por na mesma ter sido reduzido o acordo sobre as responsabilidades parentais relativos ao menor alcançado no âmbito da conferência de progenitores. Com data de 15 de novembro de 2016, a Requerente veio apresentar novo requerimento aos autos, arguindo a falsidade da Ata respeitante à diligência de 15/09/16. Arrolou prova e pediu que se julgasse o incidente em causa procedente, alterando-se a Ata quanto ao teor sob 3, alíneas a), b), c), d) e e) nos termos aludidos. Com data de 25 de novembro de 2016, o Requerido veio responder, invocando a intempestividade da arguição da falsidade da Ata e, supletivamente, impugnando tudo o vertido no articulado de incidente apresentado. Foi proferido despacho, a 05 de janeiro de 2017, notificando-se a Requerente do incidente de falsidade da ata da conferência de progenitores para, querendo, no prazo de 10 dias, se pronunciar quanto à invocada intempestividade do incidente. Foi proferido novo despacho, a 01 de fevereiro de 2017, onde – no essencial – se decidiu: “(…) Nem do processo electrónico, nem do processo físico, consta a menção de quando é que a requerente tomou conhecimento da ata impugnada e, nomeadamente, nada nos autos demonstra que a mesma apenas tivesse ficado disponível para aquela parte no dia 19/09/2016, como a própria refere no seu requerimento (cf. artigo 2.º do requerimento da requerente). Certo é que esta teve conhecimento daquela ata, pelo menos, no dia 21/09/2016, data em que veio requerer a respetiva rectificação. Deste modo, correspondendo o prazo do n.º 2 do artigo 451.º do Código de Processo Civil a um prazo de natureza processual, o mesmo está sujeito às regras da prática de atos e de contagem de prazos estabelecidas nos artigos 137.º e 138.º do mesmo diploma. O que significa que o prazo de 10 dias do artigo 451.º, n.º 2, do Código de Processo Civil para a requerente arguir o incidente de falsidade da ata findava, o mais tardar, a 03/10/2016. Contudo, a requerente apenas veio suscitar o referido incidente a 15/11/2016, não se verificando qualquer das hipóteses enunciadas no artigo 139.º, n.ºs 4 e 5 do Código de Processo Civil, ou seja, mais de 30 dias depois de o prazo legalmente estabelecido para o efeito ter findado. A referida extemporaneidade conduz ao indeferimento liminar do incidente. Em face do exposto, indefere-se liminarmente o incidente de falsidade da acta da conferência de pais do dia 15/09/2016, arguido pela progenitora requerente M. (…).” Inconformada com esta decisão, a Requerenteinterpôs o presente recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES: 1. A acta é um documento, e os recursos têm como objecto as decisões judiciais (sentenças e despachos), estas não são documentos, não retratando com fidelidade o que se passou, deve a parte, com legitimidade para tanto, requerer a rectificação da mesma, pois pode tratar-se de simples lapso, OU deduzir o incidente da sua falsidade, se for o caso, sendo alegada desconformidade o juiz profere decisão definitiva e se mantiver o seu teor apesar das desconformidades reclamadas e não rectificadas nesse momento tem a parte o direito de ilidir a sua falsidade, pois, a acta é um documento autêntico e, como tal, faz prova plena dos referidos actos (artigo 371.° do C. Civil), a manter-se o teor tal força probatória só pode ser ilidida com base na sua falsidade (artigo 372.° do C.C.), é neste incidente que consiste a impugnação da acta, sendo que, do despacho que for entretanto proferido é que pode caber recurso, nos termos gerais. 2. A falsidade da acta deve ser arguida no prazo de 10 dias, a contar daquele em que deva entender-se que a parte teve conhecimento do acto, cf. decorre do artigo 451.°, n." 2, do CPC, ao caso a recorrente teve conhecimento do acto no dia 9.11.2016(indeferimento da requerida rectificação por desconformidade/lapso), o incidente foi suscitado em tempo, ou seja, no dia 15.11.2016. 3. O direito adjectivo erradica nos princípios da boa-fé, cooperação e correção, sendo prematuro suscitar-se a falsidade da acta de modo precipitado, razão pela qual no dia 21 de Setembro de 2016a ora recorrente requereu a correcção de parte do teor do clausulado e inserto na acta da conferência de pais, esta sucedida no dia 15.09.2016,do seu conhecimento a posterior, portanto. O Requeridocontra-alegou, formulando as seguintes CONCLUSÕES: a. No dia 15/09/2016, foi realizada uma conferência de pais com a recorrente e o recorrido, na qual os progenitores chegaram a acordo quanto à regulação das responsabilidades parentais relativas ao menor MA, homologado por sentença. b. A referida conferência de pais foi devidamente documentada em acta. c. Por requerimento de 21/09/2016, a recorrente requereu a rectificação da referida acta, o que veio a ser indeferido por despacho de 09/11/2016. d. A retifícação solicitada pela recorrente não tem qualquer fundamento. e. A Ata traduz cabalmente e nos exatos termos o que foi acordado na diligência realizada no dia 15/09/2016. f. A 15/11/2016, a progenitora suscitou o incidente da falsidade da acta da conferência de pais realizada no día 15/09/2016,0 qual veio a ser julgado improcedente. g. A acta corresponde fielmente aquilo que foi acordado na diligência, pelo que a invocada falsidade não se verifica. h. Assim, o douto despacho recorrido, encontra-se bem fundamentado, não merece qualquer reparo. i. A acta de julgamento é um documento autêntico, nos termos do art. 369º do CC, na justa medida em que é exarada por oficial público dentro das suas funções de atestação ao abrigo do art. 155 e 254 do CPC. j. E nos termos do art. 372/1 CC, a força probatória dos documentos autênticos só pode ser ilidida com base na sua falsidade. k. O documento é falso quando nele se atesta como tendo sido objecto da percepção da autoridade ou oficial público qualquer facto que na realidade se não verificou, ou como tendo sido praticado pela entidade responsável qualquer acto que na realidade o não foi - art, 372º, n.º 2, do CC. l. Decorre do art. 451.º n.º 2, do CPC que a falsidade de qualquer outro acto judicial deve ser arguida no prazo de 10 dias, a contar daquele que deva entender-se que a parte teve conhecimento do acto. m. Ora, a conferencia de pais teve lugar no dia 15.09.2016 e a respectiva acta ficou disponivel no citius no dia 21 de Setembro de 2016, tendo a requerente tomado conhecimento da mesma nessa data, conforme referido no seu articulado. n. A falsidade da acta, foi suscitada pela requerente em 15 de Novembro de 2016 ou seja, mais de 30 dias depois, após a data de conhecimento da mesma. o. A requerente/recorrente ultrapassou o prazo de 10 dias estabelecido no art. 451 nº. 2 doCPC. p. Assim, é absolutamente intempestiva a arguição da falsidade da acta de conferência de pais de 15/09/2016, não padecendo de qualquer reparoo despacho ora recorrido. q. Sem prescindir, e por cautela de patrocínio, a aludida falsidade não se verifica, porquanto a acta traduz nos exactos termos aquilo que foi acordado. r. Apesar do presente recurso se limitar à decisão proferida pelo douto Tribunal de 1.ª lnstância, sobre a intempestividade do incidente de falsidade, por mera cautela de patrocínio, impugna-se por não corresponder à verdade o vertido nos pontos 1,4 e 5 aI. b), c) e e) do recurso interposto pela recorrente. s. Pelo que, o recurso interposto pela recorrente M não tem qualquer sustentação e outra não poderá ser a decisão que sobre o mesmo venha a recair que não a sua total improcedência, confirmando-se, consequentemente, na íntegra, a douta decisão proferida nestes autos. Admitiu-se o presente recurso como de apelação, com subida imediata, em separado e efeito meramente devolutivo. Colhidos os vistos, cumpre decidir. * II—DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO Aquestão a apreciar, delimitada pelas conclusões do recurso, é a da tempestividade do incidente de falsidade da Ata de Conferência de Pais deduzido pela Requerente. * III – FUNDAMENTAÇÃOAtento o disposto no artigo 607.º (declaração dos factos provados e não provados), aplicável por força do art. 663.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Civil(1), importa enunciar todos os factos relevantes para a decisão que se encontram assentes nos autos, o que se passa a fazer: 1) M intentou contra Ração de regulação das responsabilidades parentais quanto ao menor MA, nascido a 03 de Setembro de 2011, filho de ambos. 2) No dia 15 de setembro de 2016, realizou-se Conferência de Pais, tendo sido elaborada a respetiva Ata, com o teor de fls. 09 e 10, de onde consta – entre o mais - o Ponto 3: “(Regime de visitas, férias e épocas festivas) a) O progenitor tem o direito de visitar o menor, com pernoita, de 15 em 15 dias. b) O progenitor assegurará o transporte do menor, indo buscá-lo sexta-feira a partir das 17:00 horas no infantário/escola ou à casa da mãe em caso de férias, entregando-o à progenitora no domingo, pelas 17:00 horas, na Travessa das Areias. Em Vila Nova de Gaia. c) O progenitor e a progenitora passarão férias com o menor, 15 dias interpolados e divididos por duas semanas, nos meses de junho, julho, agosto ou Setembro, desde que as datas não colidam com o normal funcionamento do estabelecimento do ensino escolar ou escolar que o menor esteja a frequentar ou dia do seu aniversário, mediante prévio acordo entre os progenitores. d) O menor poderá passar a véspera de Natal e o dia de Natal, alternadamente, com a mãe e com o pai, iniciando-se este ano com a progenitora e passar a véspera de Ano Novo e dia de Ano Novo, alternadamente, iniciando-se este ano com o progenitor. e) O menor, no dia do seu aniversário, fará uma das duas refeições principais com cada um dos progenitores, a ser acordado ano a ano, podendo cada um dos progenitores ter consigo o menor do dia da Mãe e no dia do Pai, bem como no dia dos respetivos aniversários, sem prejuízo dos horários escolares, assumindo cada um dos progenitores as conduções necessárias, salvaguardando os períodos de serviço excepcional não previsível dos progenitores. f) O menor, na Páscoa, está com os progenitores de forma alternada, iniciando-se com a progenitora, assumindo cada um dos progenitores as conduções necessárias e sob a sua responsabilidade e supervisão (ou dos avós maternos/avó paterna). g) Os períodos festivos e os períodos de férias sobrepõem-se aos períodos do direito de convívio/visitas anteriormente definidas.” 3) Com data de 21 de Setembro de 2016, a Requerente veio apresentar um requerimento alegando que se deve proceder à correcção de parte do teor do clausulado e inserto na Ata da Conferência de Pais, designadamente o constante do Item 3, por não corresponder ao acordado entre as partes. Acrescenta estar convicta que os lapsos de escrita resultaram da contraposição da proposta sugerida (PI) e o entendimento alcançado. Apresenta aquela que, em seu entendimento, deverá ser a redacção constante da Ata nessa parte. Remata pedindo “Termos em que, deverão ser consultados os “apontamentos” e nesse sentido requer as aludidas alterações homologando por sentença o acordo, corrigindo-se a proferida, acedendo à acta no dia 19.09.2016.” 4) Com a mesma data de 21 de setembro de 2016, o Requerido veio responder que a retificação solicitada pela Requerente não tem qualquer fundamento, porquanto a Ata traduz cabalmente o nos exatos termos o que foi acordado na diligência realizada. 5) Com data de 17 de outubro de 2016, a Requerente veio apresentar novo requerimento aos autos, requerendo que o Excelentíssimo Sr. Juiz a quo proferisse decisão sobre a questão por si suscitada. 6) Foi proferido despacho judicial a 09 de novembro de 2016, onde – no essencial – se decidiu: “(…) Ora, salvo o devido respeito, a ata constante de fls. 16 e 17, na qual foi reduzido a escrito o acordo sobre as responsabilidades parentais relativas ao menor MA, alcançado no âmbito da conferência de progenitores do dia 15/09/2016, espelha com exatidão tudo quanto aí foi dito pelas partes, não se discernindo em qualquer passagem qualquer desconformidade entre o que foi dito e o que efetivamente veio a ser reduzido a escrito. De resto, recordar-se-á à progenitora requerente que, no final da referida diligência, foi lida cada uma das cláusulas e cada uma das respetivas alíneas, tendo ambas as partes confirmado que o que se encontrava a ser ditado correspondia à vontade que, naquela sede, foi manifestada. A correção ao referido escrito que, agora, a requerente pretende operar corresponde ao que foi manifestado na diligência em causa, pelo que as alterações agora requeridas, pertinentes ao não para efeitos de modificação do que foi acordado, não se podem fundar em alegados erros materiais da ata da conferência de progenitores. Em face do exposto, indefere-se a requerida rectificação da ata da conferência de pais de fls. 16 e 17, mantendo-se a mesma nos termos em que foi exarada.” 7) Com data de 15 de novembro de 2016, a Requerente veio apresentar novo requerimento aos autos, arguindo a falsidade da Ata respeitante à diligência de 15/09/16. Arrolou prova e pediu que se julgasse o incidente em causa procedente, alterando-se a Ata quanto ao teor sob 3, alíneas a), b), c), d) e e) nos termos aludidos. 8) Com data de 25 de novembro de 2016, o Requerido veio responder, invocando a intempestividade da arguição da falsidade da Ata e, supletivamente, impugnando tudo o vertido no articulado de incidente apresentado. 9) Foi proferido despacho, a 05 de janeiro de 2017, notificando-se a Requerente do incidente de falsidade da ata da conferência de progenitores para, querendo, no prazo de 10 dias, se pronunciar quanto à invocada intempestividade do incidente. 10) Foi proferido novo despacho, a 01 de fevereiro de 2017, onde – no essencial – se decidiu: “(…) Nem do processo electrónico, nem do processo físico, consta a menção de quando é que a requerente tomou conhecimento da ata impugnada e, nomeadamente, nada nos autos demonstra que a mesma apenas tivesse ficado disponível para aquela parte no dia 19/09/2016, como a própria refere no seu requerimento (cf. artigo 2.º do requerimento da requerente). Certo é que esta teve conhecimento daquela ata, pelo menos, no dia 21/09/2016, data em que veio requerer a respetiva rectificação. Deste modo, correspondendo o prazo do n.º 2 do artigo 451.º do Código de Processo Civil a um prazo de natureza processual, o mesmo está sujeito às regras da prática de atos e de contagem de prazos estabelecidas nos artigos 137.º e 138.º do mesmo diploma. O que significa que o prazo de 10 dias do artigo 451.º, n.º 2, do Código de Processo Civil para a requerente arguir o incidente de falsidade da ata findava, o mais tardar, a 03/10/2016. Contudo, a requerente apenas veio suscitar o referido incidente a 15/11/2016, não se verificando qualquer das hipóteses enunciadas no artigo 139.º, n.ºs 4 e 5 do Código de Processo Civil, ou seja, mais de 30 dias depois de o prazo legalmente estabelecido para o efeito ter findado. A referida extemporaneidade conduz ao indeferimento liminar do incidente. Em face do exposto, indefere-se liminarmente o incidente de falsidade da acta da conferência de pais do dia 15/09/2016, arguido pela progenitora requerente MA. (…).” * IV - TEMPESTIVIDADE DO INCIDENTE DE FALSIDADE DA ATA DE CONFERÊNCIA DE PAIS DEDUZIDO PELA REQUERENTEAquestão a apreciar, delimitada pelas conclusões do recurso, prende-se com a tempestividade do incidente de falsidade da Ata de Conferência de Pais deduzido pela Requerente. Uma vez que estamos no âmbito de uma ação de regulação do poder paternal, o diploma legal aplicável é a Lei n.º 141/2005, de 08 de setembro (Regime Geral do Processo Tutelar Cível(2)) e, supletivamente, as regras do processo civil, que não contrariem os fins da jurisdição de menores. Na apreciação do presente recurso, relevam exclusivamente as regras constantes do Código de Processo Civil, por o RGPTC não consagrar regras eminentemente processuais. Como se viu, na sequência da realização de Conferência de Pais, a Requerente veio apresentar um requerimentoalegando que se deve proceder à correção de parte do teor da respetiva Ata, designadamente o constante do seu Item 3, por não corresponder ao acordado entre as partes. Sendo-lhe indeferido este requerimento, veio, posteriormente, apresentar incidente de falsidade da mesma Ata. As Atas de audiência de julgamento ou de qualquer diligência judicial são documentos públicos, qualificáveis como documentos autênticos, por força das disposições legais dos art. 369.º e ss. doC.Civil. Estes, tal como decorre do disposto no art. 371.º do C.Civil, fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respetivo, assim como dos factos que nele são atestados com base nas perceções da entidade documentadora. Sequencialmente, o art. 372.º do Código Civil veio determinar que o documento autêntico é falso quando “(…) nele se atesta como tendo sido objeto da perceção da autoridade ou oficial público qualquer facto que na realidade se não verificou, ou como tendo sido praticado pela entidade responsável qualquer ato que não realidade não foi.” (n.º 2), sendo que a respetiva força probatória apenas pode ser ilidida com base na sua falsidade (n.º 1). Por seu turno, oart. 451.º do C.P.Civil, determina no seu n.º 2, que “A falsidadede qualquer outro ato judicial deve ser arguida no prazo de 10 dias, a contar daquele em que deva entender-se que a parte teve conhecimento do ato.” Independentemente do que ficou acima exposto, há que ter especialmente em conta que a feitura das Atas judiciais incumbe ao funcionário judicial sob a direção do juiz. Bem como que estas são habitualmente elaboradas em momento posterior ao da própria audiência ou diligência, com base nos apontamentos retirados ao longo desta pelo funcionário judicial e apenas sendo dado das mesmas conhecimento aos Ilustres mandatários alguns dias após a realização da audiência. Com efeito, o art. 155.º, n.º 7 e 8, prescreve expressamente que “A realização e o conteúdo dos demais atos processuais presididos pelo juiz são documentados em ata, na qual são recolhidas as declarações, requerimentos, promoções e atos decisórios orais que tiverem ocorrido. A redação da ata incumbe ao funcionário, sob a direção do juiz.” Por inerência, sempre que a Ata não retrate com fidelidade o que passou na audiência ou diligência, a parte pode e deve requerer junto do Juiz a sua retificação. Trata-se de suprir situações que afetam a perfeição dos atos judiciais, em ordem ao alcance da melhor Justiça. Citando, a título meramente exemplificativo, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02/11/95, tendo como Relator Sá Nogueira (proferido no Processo n.º 048324 e disponível em www.dgsi.ptna data do presente Acórdão): “Se um interessado entender que a ata de julgamento não traduz a realidade, deve requerer, na altura própria, a correspondente alteração ou a inclusão de factos significativos de relevo para o julgamento.” A questão relevante é, portanto, a de saber se a Requerente teria que ter deduzido o incidente de falsidade da Ata juntamente com o requerimento de retificação da mesma. Entendemos que não. Com efeito, o requerimento de retificação da Ata integra-se no princípio da cooperação entre as partes e o Tribunal e tem a sua sustentação na possibilidade de, por mero lapso, omissão desculpável ou opção menos feliz de redação do funcionário judicial, o conteúdo desta não constituir o repositório de tudo o que ocorreu na audiência, caso em que será o Juiz da causa a pessoa competente para definir o conteúdo final da mesma. Apenas após apreciação pelo Juiz a quo dos fundamentos expostos em sede de retificação é que a parte pode, na posse da versão consolidada da Ata, ponderar convenientemente da pertinência da dedução do incidente de falsidade e dos fundamentos concretos a apresentar. Assim sendo, em face do princípio constitucional do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, constante do art. 20.º da Constituição da República Portuguesa, teremos que entender que a apresentação do requerimento de retificação da Ata suspende o prazo de interposição do incidente de falsidade do documento. É que, até ser proferida decisão quanto à retificação requerida, o Requerente está (ou pode estar) colocado numa situação de incerteza quanto ao caminho processual a seguir.Isto é, o resultado do pedido de retificação, qualquer que ele seja, é condicionante do direito de interposição do incidente de falsidade da Ata e/ou da forma concreta de o exercer. Por inerência, o entendimento que o incidente de nulidade da Ata deve ser apresentado conjuntamente com o requerimento de retificaçãoda mesma é inconstitucional, precisamente na vertente da violação deste princípio do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva. É que este princípio constitucional impõe que o processo judicial esteja estruturado de modo a permitir o efetivo exercício dos direitos subjetivos, através do estabelecimento pelo Estado de normas organizatórias e procedimentaisdireconadas para esse fim. A conclusão final é, portanto, a de que concordamos com a Recorrente ao defender que apenas teria que ter arguido a falsidade da Ata no prazo de 10 dias, a contar do conhecimento do indeferimento da requerida retificação ao conteúdo da mesma. Por inerência, concluímos que esta deduziu o incidente de falsidade da Ata tempestivamente. A decisão final é, assim, a da procedência do recurso da Requerente, com a revogação do despacho recorrido e ordenando-se a sua substituição por outro que admita liminarmente o incidente de falsidade da Ata, procedendo-se à sua subsequente tramitação. * Pelo exposto, acordam os Juízes que constituem este Tribunal da Relação em julgar procedente o recurso interposto, com a revogação do despacho recorrido e ordenando-se a sua substituição por outro que admita liminarmente o incidente de falsidade da Ata, procedendo-se à sua subsequente tramitação. * Custas a cargo do Recorrido/Requerido (art. 527.º do C.P.Civil).* Notifique e registe.(Processado e revisto com recurso a meios informáticos) Guimarães, 11 de maio de 2017 _______________________________ (Lina Castro Baptista) _______________________________ (Maria de Fátima Almeida Andrade) _______________________________ (Alexandra Maria Rolim Mendes) 1 - Doravante designado por C.P.Civil. 2 - Doravante apenas designado por RGPTC. |