Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | HEITOR GONÇALVES | ||
Descritores: | CAMINHO DE CONSORTES SERVIDÃO DE PASSAGEM | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 02/15/2018 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 1.ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | 1º Um caminho de consortes traduz apenas uma situação de comunhão de direitos, que tanto pode reportar-se a direitos relativos como a direitos absolutos de eficácia erga omnes 2º Por regra, um caminho de servidão define uma situação de servidão de passagem que onera um ou mais prédios em benefício de outros prédios rústicos. 3º Está afastada pelo actual ordenamento jurídico a orientação do primitivo direito romano de que o titular da servidão é também dono do terreno por onde se faz o percurso ou do leito por onde correm as águas – artº 1543º do Código Civil. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I.Relatório. A autora P. Amaral intentou esta acção contra M. Silva, e pede: a) a condenação da ré a reconhecer que a parede sul do átrio e casa de habitação da autora, pertence em exclusivo a esta, e abster-se de praticar qualquer ato, seja de que forma for, sem consentimento da autora, que impeça ou diminua o seu direito de propriedade e fruição; b) a declaração de que a Autora é a única e exclusiva proprietária dos prédios Urbano e Rústico descritos nos artigos 1° e 2° da P.I; c) A declaração de que a parede descrita nos artigos 46° e 47° da P.I. é parte integrante do Prédio Urbano descrito no artigo 1 °; d) a condenação da ré a reconhecer que, aqueles prédios e aquela parede do prédio urbano supra descritos, são propriedade exclusiva da autora; e) a condenação da ré a abster-se de, por qualquer forma praticar atos que colidam com o direito de propriedade da autora, ou que diminuam o seu gozo ou fruição; f) a declaração de que, o prédio rústico da autora, descrito no artigo 2° da P.I., tem como única passagem para o mesmo o caminho de rego e consortes descrito nos artigos 14° até 21° inclusive, da Petição; g) A declaração de que tal caminho pode ser efetuado pela autora, a pé e/ou de trator, sem qualquer restrição ou limitação espaço-temporal; h) a condenação da ré a reconhecer que a autora goza daquele direito de passagem, naqueles precisos termos; i) E consequentemente, deve a ré ser condenada a retirar, de imediato o portão e a vedação que colocou nas extremidades do caminho, conforme o descrito nos artigos 23 até 28° inclusive, da PI.; j) E ainda a condenação da ré a desocupar o leito do caminho e abster-se de, por qualquer forma impedir, diminuir ou restringir a passagem da autora de pé ou de trator, para o seu prédio rústico; k) A condenação da ré no pagamento de uma indemnização à autora pelos prejuízos que lhe tem causado, cuja quantificação, exigibilidade e determinação se remetem para execução de sentença. II. A ré contestou por excepção – arguíu a sua ilegitimidade por estar desacompanhada dos demais herdeiros do imóvel identificado na p.i.- e impugna a versão dos factos apresentada pela autora. Em reconvenção pede: Que seja declarado (i) extinto o direito da autora de fazer passar águas através das parcelas de terreno descritas nos artigos 17º e 18º da contestação em direção ao seu prédio rústico descrito no artigo 2 da petição, utilizando o rego em causa, por impossibilidade do seu exercício há mais de quarenta anos; (ii) o direito de propriedade pleno, sem qualquer limitação e exclusivo sobre as parcelas de terreno descritas nos artigos 17º e 18º da contestação à Ré, na qualidade de cônjuge meeira, e à herança de J. Silva, representada pelos seus herdeiros, ou a estes, caso se entenda não possuir a herança personalidade jurídica ou judiciária; (iii) o direito de propriedade pleno e sem qualquer limitação e exclusivo sobre a parede exterior do lado nascente da casa de habitação descrita no artigo 56º da contestação à Ré-reconvinte, na qualidade de cônjuge meeira, e à herança de J. Silva, representada pelos seus herdeiros, ou a estes, caso se entenda não possuir a herança personalidade jurídica ou judiciária; E a condenação da autora a (iv) abster-se de praticar qualquer ato que perturbe o direito de propriedade da Ré-reconvinte, na qualidade de cônjuge meeira, e da herança de J. Silva, representada pelos seus herdeiros, ou a destes, caso se entenda não possuir a herança personalidade jurídica ou judiciária, sobre a parede exterior do lado nascente da casa de habitação descrita no artigo 56º da contestação; (vi) a pagar a ré a indemnização de €509,64 pelos prejuízos decorrentes dos factos mencionados nos artigos 77º e 78º da contestação. III. A sentença final, julgando a acção parcialmente procedente, 1. declara a Autora única e exclusiva proprietária dos prédios Urbano e Rústico descritos nos arts 1° e 2° da P.I. e condena os réus a reconhecerem a autora como tal; 2. declara que o prédio rústico da autora, descrito no artigo 2° da P.I., tem como única passagem para o mesmo o caminho de rego e consortes descrito nos artigos 14° até 21° inclusive, da p.i. e que tal caminho pode ser efetuado pela autora, a pé e/ou de trator, sem qualquer restrição ou limitação espaço-temporal; 3º Condena os RR. a reconhecer que a autora goza daquele direito de passagem, naqueles precisos termos e consequentemente, devem retirar, de imediato o portão e a vedação que colocaram nas extremidades do caminho; 4. Condeno ainda os réus a desocuparem o leito do caminho e absterem-se de, por qualquer forma impedir, diminuir ou restringir a passagem da autora de pé ou de trator, para o seu prédio rústico; 5. Condeno os réus no pagamento de uma indemnização à autora pelos prejuízos que lhe tem causado, cuja quantificação, exigibilidade e determinação se remetem para execução de sentença; 6. Absolvo os réus dos demais pedidos contra si formulados; 7. Condeno a autora e a ré nas custas do pedido principal na proporção dos decaimentos, que fixo em 1/3, 2/3; e Julgando o pedido reconvencional parcialmente procedente: Declara o direito de propriedade pleno e sem qualquer limitação e exclusivo sobre a parede exterior do lado norte da casa de habitação dos réus, a favor destes; Condena a A. a abster-se de praticar qualquer ato que perturbe o direito de propriedade dos réus; Absolve a autora dos demais pedidos formulados. IV. A ré/reconvinte interpôs recurso dessa sentença, pretendendo obter a sua revogação e a consequente improcedência dos pedidos da acção das alíneas f), g), h), i), j) e k) e a procedência do pedido reconvencional da al.b), tendo para o efeito impugnado a decisão relativamente aos pontos da matéria de facto provada nºs. 3, 7 a 12, 14, e 17 a 23, bem como a matéria não provada das als G), I e J), e em função da reclamada alteração extrai as seguintes conclusões de índole jurídica: 53. Admitida a alteração à matéria de facto, no sentido acima proposto, é convicção da Ré que logrou provar que ela, na qualidade de cônjuge meeira, e a herança do falecido J. Silva, representada pelos seus herdeiros ou os herdeiros dessa herança, caso se entenda não possuir a herança personalidade jurídica nem judiciária, são titulares do direito de propriedade sobre a faixa de terreno situada junto à casa do lado poente, atualmente vedado, por fazer parte do prédio urbano que adquiriu com o falecido marido em 1973 e por a terem adquirido por usucapião. 54. Com efeito, é a favor da Ré e dos chamados que se verificam os pressupostos da usucapião sobre a faixa de terreno em dissídio, pois desde agosto de 1973 até novembro de 2012, momento em que foi intentada a presente ação, pela Ré e marido e, depois do falecimento deste, por ela e pelos chamados, e, antes disto pelos antepossuidores, foi exercida posse sobre a faixa de terreno de forma pública, contínua, pacífica, com o animus de proprietário. 55. De facto, ficou provado que foram praticados vários atos materiais correspondentes ao exercício do direito de propriedade e que o foram ao longo de mais de 30 anos. 56. E, não se invoque em defesa de posição contrária, que tal não podia suceder, porquanto poria em causa o acesso ao prédio rústico da Autora, e antes dela pelos seus anteriores proprietários, pois este ficaria encravado. E tal, por duas razões: A primeira razão assenta na matéria de facto que se considera ter ficado provada, isto é, o prédio rústico, ora pertencente à Autora, não era encravado, porque o seu acesso, hoje em dia como anteriormente, quando pertencia aos anteriores donos da casa que igualmente pertence à Autora, se fazia diretamente pela casa, por uma porta lá existente. A segunda razão é que ainda que se entenda diferentemente e se considere que se fez prova de que a passagem para o prédio rústico da Autora sempre tivesse sido feito pela referida faixa de terreno, tal não seria impeditivo de que sobre a mesma existisse um direito de propriedade da Ré e dos chamados, pois esta passagem poderia ser enquadrada no exercício de um direito de servidão de passagem pela Autora e, antes desta, pelos anteriores proprietários, que pelas características do local de que se fez prova, necessariamente seria uma direito de servidão a pé, e nunca com carros de bois ou tratores. 57. Se assim não fosse, não se consegue conceber que os comproprietários daquela faixa de terreno tivessem permitido, sem qualquer tipo de oposição e durante tantos anos, que a Ré mandasse lá construir uma fossa e a cultivasse ou mandasse cultivar. 58. Por último, jamais pode vingar a tese segundo a qual se o prédio rústico e o urbano, que ora pertencem à Autora, passassem a pertencer a donos distintos, o prédio rústico ficaria encravado, pois, como bem se sabe, nesses casos a Lei apresenta mecanismos para resolver as situações em que os prédios ficam encravados (artigo 1550º e seguintes do Código Civil). 59. Pelo exposto, afigura-se à Ré que a sentença recorrida violou, além do mais, os artigos 1296º, 1305º, 1403º, 1406º e 1550º do Código Civil. V. Fundamentação. Factos a sentença considerou provados (os factos em itálico são os impugnados): 1. O direito de propriedade sobre o Prédio Urbano composto de Casa de sobrado de 1° e 2° andar, sito … S. Lourenço de Ribapinhão, concelho de Sabrosa, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ... e inscrito na respectiva matriz daquela freguesia sob o artº 673, encontra-se registado a favor da autora. 2. O direito de propriedade sobre o Prédio Rústico, composto de cultura arvense, sito …, freguesia de S. Lourenço de Ribapinhão, concelho de Sabrosa, descrito na CRP sob o n° ..., e inscrito na respectiva matriz sob o artigo 1724, a que corresponde o atual artigo 5283 daquela freguesia, encontra-se registado a favor da autora. 3. Tais prédios - Urbano e Rústico - supra descritos foram adquiridos por compra. 4. A autora, por si e antepossuidores, tem usufruído ambos os prédios na convicção de que é sua proprietária, e para tanto, tem pago os impostos de ambos os prédios, efetuado obras de conservação, granjeando e retirando do prédio rústico os frutos e legumes que produz. 5. Tudo isto efectuado à vista de toda a gente, de forma pública, sem violência ou oposição de quem quer que seja, de forma pacífica há mais de trinta anos, de forma ininterrupta. 6. A sul do seu prédio urbano, confronta a ré Nair, possuindo um prédio urbano que constitui a sua casa de habitação. 7. O prédio rústico da autora a poente do seu prédio urbano, teve sempre e continua a ter, como única entrada, quer a pé, quer de trator (antigamente de carros de bois), um caminho e rego que, 8. Tem o seu início na estrada municipal, no sentido sul/poente acompanhando o limite sul do prédio da ré e, 9. Fazendo uma curva à sua direita, acompanhando a delimitação poente do prédio da ré, até, 10. Entrar no prédio rústico da A. a norte, sempre contornando o prédio da ré, primeiro a sul e depois a poente do mesmo. 11. Tal caminho, além da passagem, acompanhava e acompanha o rego em terra batida que conduzia água da mina da Leviada, para os terrenos da ré e outros consortes mais a poente. 12. O caminho tem pedras antiquíssimas a delimitá-lo, o leito batido e uniforme próprio da passagem de pessoas, alfaias agrícolas e tratores. 13. A ré vedou toda a parte do caminho a poente do seu prédio, até entrar na propriedade rústica da Autora. 14. A ré vedou e passou a cultivar a parte do caminho de consortes, situado a poente da sua casa. 15. Colocando um portão, com trinco e fechadura, na entrada daquele pedaço de caminho, que mantém fechado à chave, e 16. Colocando no outro extremo - precisamente onde o caminho confluí, entra no prédio rústico da A. - com estacas profundas e robustas, e uma vedação em rede, em toda a sua extensão. 17. A Autora, desde tempos imemoriais, ou há pelo menos 30 anos, por si e antepossuidores, tem como única passagem o caminho de rego e consortes supra descrito. 18. Sempre a autora e seus antepossuidores ali passaram, para poderem entrar no prédio rústico. 19. Fazendo-o diária e ininterruptamente quer a pé, quer de carros de bois e agora de trator. 20. Por ali passavam com as alfaias agrícolas, sementes, adubos e tudo quanto era necessário ao amanho do seu prédio. 21. E por ali, sempre retiravam os frutos, as batatas, os legumes, tudo quanto a terra dava. 22. Sempre o fizeram à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém 23. De forma pública e pacífica, ininterruptamente há mais de trinta anos. 24. A casa de habitação da autora descrita em 1 tem um largo átrio ou logradouro de entrada, que confina com a estrada municipal. 25. Para quem se coloca de frente para a casa da autora, à esquerda, ergue-se uma parede a toda a altura da casa, e a toda a profundidade do átrio de entrada. 26. É naquela parede que assenta a ombreira do portão de entrada para veículos da autora e o pilar do próprio portão. 27. Em data não concretamente apurada a ré contratou os serviços de um empreiteiro para revestir o algeroz no topo da parede com uma tela impermeabilizante com vista a impedir infiltrações de humidade na sua casa. 28. A Ré contraiu casamento com J. Silva em 1959, segundo o regime de comunhão geral de bens. 29. Deste casamento nasceram os filhos Henrique, Vítor, Judite, Manuel e João Augusto. 30. No dia 8 de Novembro de 2002, faleceu em Lyon, França, sem testamento, J. Silva. 31. Por contrato de compra e venda, titulada por escritura pública, lavrada no Cartório Notarial de Vila Real, no dia de 16 de agosto de 1973, o marido da Ré adquiriu, além do mais, o prédio urbano composto por uma casa de sobrado com quintal, sito … freguesia de S. Lourenço do concelho de Vila Real descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número ... e inscrito na matriz respectiva sob o artigo 245, a M. Torres e mulher T. Pereira. 32. Há mais de vinte anos, que a Ré e e os chamados, por eles e antepossuidores, têm custeado as despesas com conservação do imóvel. 33. Retirando dele todas as utilidades a que se destina, habitando a casa. 34. A ré e os chamados, por si e seus antepossuidores sempre utilizaram a parcela de terreno situada a sul do seu urbano para aceder a compartimentos da casa sitos nos rés-do chão e cuja entrada é feita pelo lado poente da mesma, 35. Assim como para aceder à parcela de terreno situada a poente da sua casa. 36. A mando da ré foi construída uma fossa na parcela de terreno, situada a poente de sua casa para a descarga das águas residuais da casa. 37. O prédio rústico da Autora confronta com o seu prédio urbano. 38. Quando a Ré e o falecido marido adquiriram o prédio urbano descrito no artigo 33 a parede em causa constituía e constitui a parede exterior do lado norte da mesma, sustentando em toda a sua extensão a casa de habitação da Ré. 39. No cimo dessa parede, ao longo de todo o seu comprimento, está, como sempre esteve, apoiado um algeroz em pedra que recolhe as águas pluviais provenientes do telhado da casa de habitação da Ré, e só desta, e as encaminha por uma caleira fixada na parede exterior do lado sul da sua casa de habitação. 40. Observando pelo lado poente das duas casas, constata-se que a parede do lado exterior da casa da Autora termina encostada à parede exterior da casa de habitação da Ré que se prolonga até ao caminho público. 41. Existe um cachorro de pedra saliente, que provém da parede da casa de habitação da Ré e ocupa o espaço pertencente ao prédio urbano da Autora para servir de apoio à ombreira do seu portão. Factos considerados não provados (o itálico reporta-se à matéria impugnada). A. O prédio da ré não possuindo qualquer área descoberta, quintal ou logradouro. B. Desde a estrada, até virar à sua direita no sentido sul/nascente, o caminho tem dois metros de largura, por cerca de catorze metros de comprimento. C. Ao virar para a direita, para a propriedade da Autora, e até entrar nela, aquele caminho alarga mais um metro, tendo três metros de largura, D. E cerca de nove metros e meio de comprimento, entrando então no prédio rústico da A. E. Para colocar a tela impermeabilizadora a ré entrou no átrio da casa da autora. F. O prédio urbano dos réus sempre teve e tem uma área descoberta composta por uma parcela de terreno contígua à casa de habitação da Ré, no seu lado nascente, e que confronta com o prédio de Miguel B. S. do seu lado poente, com cerca de 15 metros de comprimento e três metros e trinta centímetros de largura. G. E uma parcela de terreno, servindo de quintal, com cerca de 42 m2 situada junto ao lado norte da casa Ré. H. Há mais de 20 anos a ré e os chamados por si e antepossuidores têm pago as contribuições, impostos e demais encargos devidos pelo prédio urbano identificado em 33 dos factos provados. I. Há mais de 20 anos a ré e os chamados por si e antepossuidores têm cultivado e recebido os respectivos frutos da parcela de terreno situada a poente da sua casa. J. Quando a não cultivaram directamente, deram-na a cultivar a terceiros, nomeadamente ao Sr. Mário M. S. que a cultivou desde 1975 e até falecer em 21 de Janeiro de 2006. K. A fossa referida em 38 foi construída em Agosto de 1975. L. A ré e os chamados por si e seus antepossuidores têm utilizado o trato de terreno referido nos artigos 8, 9 e 10 dos factos provados, em exclusividade, na frente de toda a gente, de dia e de noite, sem oposição de ninguém e com ânimo de serem os seus únicos e exclusivos donos. M. O portão referido em 15 dos factos provados foi colocado em 2003. N. A vedação foi colocada em 2005. O. Quando a Ré e seu marido compraram o seu prédio em 1973, já não passava água pelo rego. P. Foi a ré e o seu marido que, quando procederam a obras de remodelação da casa, mandaram, além do mais, rebocar a parede. Q. São decorridos mais de vinte anos, que a Ré e os chamados, por si e antepossuidores, têm procedido a todas as obras de conservação de que a parede careceu, suportando os custos das mesmas. R. Tudo isto tem sido levado a cabo, na frente de toda a gente, de dia e de noite, sem oposição de ninguém e com ânimo de serem os seus únicos e exclusivos donos. S. A parede referida foi erguida, construída pela autora, dentro da sua propriedade, aquando da reconstrução da sua casa de habitação, encostada à parede da ré. T. A autora arrancou parte da tela impermeabilizadora que revestia o algeroz da casa de habitação da Ré sem o seu consentimento ou conhecimento. U. O que originou infiltrações de humidade num quarto e na sala de estar da casa de habitação da Ré, provocando um prejuízo correspondente ao custo da obra de reparação do algeroz, que ascendeu a € 509,64. V. Devido a obras de canalização das águas da mina da Leviada, efectuadas em 1966, deixou de ser possível conduzir a água dessa mina pelo rego e dessa forma, irrigar, entre outros, o prédio rústico da autora. VI. Cumpre decidir. A sentença recorrida definiu os direitos das partes sobre a parcela de terreno contígua à habitação dos demandados, reconhecendo à autora o direito de passagem para acesso ao terreno rústico situado nas traseiras da sua casa de habitação, e negando à reconvinte o peticionado direito de propriedade. 1.Visando alterar o sentido dessa decisão e de molde a poder provar a aquisição originária do direito de propriedade do terreno, a recorrente reclama a inclusão no acervo provado dos seguintes factos: (G)«e uma parcela de terreno, servindo de quintal, situada junto ao lado poente da casa da ré»; (I) «há mais de 20 anos a ré e os chamados por si e antepossuidores têm cultivado e recebido os respectivos frutos da parcela de terreno situada a poente da sua casa»; e (J) «quando a não cultivaram directamente, deram-na a cultivar a terceiros». Entendemos que a razão está do lado da recorrente. As pessoas ouvidas em audiência não noticiam a prática de abundantes actos possessórios (compreensível face às vicissitudes da vida quer dos ocupantes dos prédios quer dos vizinhos), mas ainda assim foi possível alcançar a reclamada realidade dos factos, uma vez sopesados e confrontados os depoimentos das testemunhas com outros elementos probatórios(1). É o que desde logo é sugerido pelos factos provados dos pontos 34, 35 e 36: «A ré e chamados, por si e seus antepossuidores, sempre utilizaram a parcela de terreno situada a sul do seu urbano para aceder a compartimentos da casa sitos nos rés-do chão e cuja entrada é feita pelo lado poente da mesma» (ponto 34), «assim como para aceder à parcela de terreno situada a poente da sua casa» (p. 35) e «a mando da ré foi construída uma fossa na parcela de terreno, situada a poente de sua casa para descarga das águas residuais da casa» (ponto 36). Isto é, esse enunciado configura o exercício dum poder de facto, que faz presumir a posse de quem o tem exercido (artigos 1251º e 1252º, nº2, do Código Civil), por correspondência ao direito de propriedade da parcela de terreno. Outras utilidades oferecia essa área contígua à habitação dos (refere a testemunha José Ilídio que o seu pai chegou a criar os porcos na corte adjacente a esse terreiro), e embora a prova não assevere com a necessária segurança que tivesse sido cultivada antes de a ré ter vedado e implantado a horta, repara-se que a própria escritura pública de 16 de Agosto de 1973 refere a transmissão de “uma casa de sobrado com quintal”, e as inscrições matriciais contêm a alusão a um logradouro, e isso é o que mais se ajusta à nomalidade da vida no meio rural. Enfatiza-se que a questionada parcela é contígua à casa de habitação dos demandados, não dispõe de outra área que lhe sirva de logradouro ou de quintal (é o que sugerem as fotografias), e mais ninguém reclama a sua propriedade a não ser os réus. E uma coisa é o direito de propriedade da parcela, coisa diferente são os direitos reais menores que eventualmente a possam onerar (v.g. servidões prediais de aqueduto e de passagem em benefício de outros prédios), são duas realidades que podem conviver perfeitamente. As testemunhas Felicidade .. e José … têm idade, vivência e boa razão de ciência para serem merecedoras de confiança no tocante ao relato de factos que denunciam a integração da dita faixa de terreno no prédio dos demandados, e não é assim tão inverosímil a versão de que o acesso a pé ao terreno rústico se fazia directamente pelo interior da casa de habitação (o que não exclui a possibilidade de também se fazer pela questionada faixa de terreno quando era necessário acompanhar a água de rega, e conduzir os animais ao terreno). A casa antiga tinha uma diferente estrutura e configuração da actual, dispondo de acessos directos ao terreno pelas traseiras, nesse aspecto convergem os depoimentos (2), e o que é normal é que tivesse espaços para albertar alfaias afrícolas, como qualquer outra típica casa rural. Pelo exposto, a factualidade das alíneas G/, I/ e J/ passam para o acervo provado com a seguinte redacção e numeração: 36-A. «Sempre serviu de quintal à casa de habitação dos réus a parcela de terreno situada junto ao seu lado poente»; 36-B. «Há mais de 20 anos que a ré e chamados, por si e antepossuidores, têm utilizado e recebido os respectivos proveitos da parcela de terreno situada a poente da sua casa, como sendo os seus donos»; 36-C . «E quando a não cultivaram directamente, deram-na a cultivar a terceiros». 2. Consequentemente, impõe-se a revogação da sentença sobre o mérito da reconvenção, porquanto os factos permitem concluir que, por via da usucapião (3) (arts 1251º, 1252º, 1263º, 1268º, 1287º e ss, do Código Civil) a ré e a herança ilíquida e indivisa deixada por óbito de J. Silva adquiriram o direito de propriedade sobre a parcela de terreno indicada nos pontos 13º, 14º e 15º da descrita matéria de facto. 3. E esse julgamento tem efeitos jurídicos quanto ao mérito da causa no que diz respeito ao decretado direito de passagem da autora, a pé e/ou tractor, para através do caminho que percorre a referida parcela aceder ao terreno rústico situado nas traseiras da sua casa de habitação. A sentença recorrida conclui que se trata de um “caminho de consortes”, e que os factos provados se reconduzem à aquisição por usucapião do direito de compropriedade da autora sobre o questionado terreno por onde o caminho faz parte do seu percurso. Tratam-se a nosso ver de conclusões sem qualquer abrigo nos factos provados – e que é assim, basta atentar que os novos factos que sustentam a o direito de propriedade da reconvinte não colidem com os demais insertos no acervo provado-, e em bom rigor um caminho de consortes traduz apenas uma situação de comunhão de direitos que tanto pode reportar-se a direitos relativos (relação jurídica estabelecida entre as partes, vg. por meio de contratos) como a direitos absolutos de eficácia erga omnes – por regra, um caminho de servidão define uma situação de servidão de passagem e/ou de aqueduto que onera um ou mais prédios em benefício de outros prédios rústicos, necessariamente pertencentes a donos diferentes (os dominantes e os servientes) como é pressuposto de qualquer servidão predial, estando afastada pelo actual ordenamento jurídico a orientação do primitivo direito romano de que o titular da servidão é também dono do terreno por onde se faz o percurso ou do leito por onde correm as águas – artº 1543º do Código Civil (4). O alegado direito de passagem reconduz-se a uma mera situação de facto mantida há mais de 30 anos, mas a autora omite na petição o instituto jurídico em que apoia esse pedido, designadamente se corresponde ao exercício duma servidão predial (e se não reconhece aos demandados a qualidade de proprietários ou comproprietários da faixa de terreno, não se entende por que razão se deu ao cuidado de definir o conteúdo e extensão da passagem), lacunas que não só tornam irrelevante a apreciação da impugnação da matéria de facto dos pontos 7 a 12, 14, e 17 a 23, como ditam também a improcedência da acção e a absolvição dos demandados dos pedidos das alíneas E/ a J/ do petitório (5). Os itens 36º e 37º da petição parecem sugerir a evocação duma servidão predial de passagem, mas a demandante não o concretiza no petitório, e a alegação é contraditória, pois se o primeiro item deixa entender uma servidão de passagem adquirida por usucapião, no segundo é indicada a o artigo 1550º, do Código Civil, normativo que prevê a faculdade do proprietário de prédio encravado de exigir o acesso à via pública através de terrenos vizinhos (6). Decisão: Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação e consequentemente: Abolvem os demandados dos pedidos da acção formulados sob as als E/ a J/, e declaram que à ré e à herança ilíquida indivisa deixada por óbito de J. Silva pertence o direito de propriedade da parcela de terreno contígua à sua casa de habitação, indicada nos pontos 13º, 14º e 15º da descrita matéria de facto provada. No demais, mantém-se o decidido na sentença recorrida. Custas pela recorrida. TRG, 15.02.2018 Heitor Gonçalves Amílcar Andrade Carvalho Guerra 1. Segundo o Prof. Anselmo de Castro, está alcançada a realidade de um facto «quando se se atinja o grau de certeza que as pessoas mais exigentes da vida reclamariam para dar como verdadeiro o facto respectivo» (cfr. in Direito Processual Civil Declaratório, ed. 1982, Volume III-pág. 345/346). 2. -A prova diz que havia uma divisãda casa e do terreno em duas partes: uma parte era do Sr. Bernardo, outra do Sr. Manuel Joaquim -antes deles pertenciam às suas mães, que eram irmãs. 3. «A aquisição do usucapiante estende-se aos bens sobre os quais recaíu a posse neles exercida, e confere-lhes sobre esses bens o direito que corresponder à natureza dos actos possessórios praticados» (in Teoria Geral da Relação Jurídica, II, pág. 18). 4. Refere P. de Lima e A. Varela, que o texto do artigo 1543º afasta deliberadamente essa orientação do primitivo direito romano pela qual enveradava Teixeira de Abreu (Código Civil Anotado, 2ª Ed. Revista e Actualizada, Vol. III, pág. 614). 5. . A definição judicial do verdadeiro conteúdo e natureza do aludido direito de passagem a nosso ver passa incontornavelmente por outra demanda que não esta, e antecipa-se que a evocação do instituto do caso julgado dificilmente se pode colocar quando na primitiva acção não se concretizou o direito peticionado nem o facto jurícido donde ele emerge. 6. Dispõe o artigo 1550º do Código Civi que “os proprietários de prédios que não tenham comunicação com a via pública, nem condições que permitam estabelecê-la sem excessivo incómodo ou dispêndio, têm a faculdade de exigir a constituição de servidões de passagem sobre os prédios rústicos vizinhos” (nº1), isto é, o fundamento da sua constituição nada tem que ver com a usucapião (artº 1547º do Cód. Civil), traduzida na posse reiterada, pública e pacífica correspondente a esse direito real, mantida por certo lapso de tempo (artº 1287º do Código Civil), e exige a obrigação de pagamento duma indemnização ao dono do prédio onerado com a servidão. |