Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2416/07-2
Relator: ANSELMO LOPES
Descritores: DESISTÊNCIA DA QUEIXA
CONDIÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/28/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: JULGADO IMPROCEDENTE
Sumário: I – Nos termos do artº 116º, nº 2 do Código Penal, o queixoso pode desistir da queixa, desde que não haja oposição do arguido, até à publicação da sentença da 1ª instância, acrescentando-se que a desistência impede que a queixa seja renovada.
II – Assim, sobretudo face à impossibilidade de renovação, a desistência nunca pode ser subordinada a qualquer condição, pois a desistência de queixa, para ser válida como tal, e consequentemente homologada, tem que ser uma declaração livre.
III – Num caso em que a ofendida renuncia, isto é, desiste da queixa, «desde que o acusado não me volte a provocar e não ronde a minha residência», está a condicionar a desistência a um comportamento futuro do arguido, mais concretamente a um non facere bem explícito, que vale como contrapartida do seu acto, o de fazer extinguir o procedimento criminal.
IV – Assim, não valem aqui as regras do negócio jurídico e, de todo o modo, a condição assumiria natureza resolutiva, no sentido de que se resolveria a declaração de desistência no caso de o arguido não vir a cumprir a condição.
V – Uma condição como aquela que a ofendida expressamente invoca traria problemas insolúveis (não determinação do prazo da condição e renascimento, contra legem, do procedimento criminal), que esclarecem a clara impossibilidade de uma desistência de queixa poder ser condicionada, seja ao que for.
VI – Concebendo-se situações em que os ofendidos propõem condições tais (condições impossíveis ou absurdas) que se devem ter como irrelevantes e não condicionantes da desistência, tal não é o caso dos autos, pois a ofendida deixa bem claro que só desiste se obtiver determinado resultado.
Decisão Texto Integral: Após conferência, acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

TRIBUNAL RECORRIDO
Tribunal Judicial de Cabeceiras de Basto – Pº 29/01.1TACBC

ARGUIDO/RECORRENTE
Manuel

RECORRIDO
O Ministério Público

OBJECTO DO RECURSO
O arguido, além do mais, está pronunciado (fls. 733) da prática de 6 crimes de coacção sexual, p. e p. pelo artº 163º, nº 1; 6 crimes de violação na forma tentada, p. e p. pelo artº 164º, nº 1; 6 crimes de rapto, p. e p. pelo artº 160º, nº 1, al. b) e 6 crimes de ameaça, p. e p. pelo artº 153º, nºs 1 e 2, todos do Código Penal.
No decurso da instrução, foi proferido o seguinte despacho:
A fls. 697 vem a ofendida P, declarar que pretende «…renunciar à acusação, desde que o acusado não me volte a provocar e não ronde a minha residência».
A declaração prestada pela ofendida não possui qualquer relevância jurídico-penal, nomeadamente no que à prossecução dos presentes autos se refere, uma vez que a mesma não pode ser valorada como desistência de queixa. A desistência de queixa para ser válida como tal e consequentemente homologada, tem que ser uma declaração livre e não pode estar sujeita a condições, como sucede com o caso dos autos.
Por tal, a declaração da ofendida não é valorada como desistência de queixa.

MOTIVAÇÃO/CONCLUSÕES
É do citado despacho que o arguido recorre, retirando-se da motivação as seguintes conclusões:
.- Nos crimes semi-públicos de que o arguido vem acusado, a renúncia da ofendida tem que ser entendida como desistência de queixa válida, pois a condição por ela posta é resolutiva;
.- Sendo a expressão da ofendida uma condição resolutiva, tem-se por não escrita, não invalidando a declaração;
.- Ao considerar relevante e válida essa declaração condicional, o Tribunal fez da condição uma interpretação inconstitucional, no sentido de que violou o princípio da presunção de inocência – in dubio pro reo - consagrado no artº 32º da Constituição;
.- Na verdade, valorar positivamente aquela condição equivale reflexamente a aceitar a factualidade da acusação como a expressão da verdade material e absoluta, isto é, presumir a culpa do arguido.

RESPOSTA
O Digno Procurador da República-Adjunto responde no sentido da improcedência do recurso, pois é manifesto que da expressão «desde que o acusado não me volte a provocar e não ronde a minha residência» não pode extrair-se a existência de actual, inequívoca e genuína expressão de vontade da ofendida em desistir do procedimento criminal instaurado contra o arguido, mas antes o mero enunciar que apenas o fará se o arguido adoptar um determinado comportamento futuro.

PARECER
Nesta instância, o Ilustre Procurador Geral-Adjunto adere à resposta da 1ª instância.

FUNDAMENTAÇÃO
Nos termos do artº 116º, nº 2 do Código Penal, o queixoso pode desistir da queixa, desde que não haja oposição do arguido, até à publicação da sentença da 1ª instância. A desistência impede que a queixa seja renovada.
No caso, como se viu, a ofendida renuncia, isto é, desiste da queixa, «desde que o acusado não me volte a provocar e não ronde a minha residência», ou seja, condiciona a desistência a um comportamento futuro do arguido, mais concretamente a um non facere bem explícito, que vale como contrapartida do seu acto, o de fazer extinguir o procedimento criminal.
Assim, não valem aqui as regras do negócio jurídico e, de todo o modo, a condição assumiria natureza resolutiva, no sentido de que se resolveria a declaração de desistência no caso de o arguido não vir a cumprir a condição.
Trata-se de condição (resolutiva) semelhante àquelas que as Leis de Amnistia costumam inserir, obrigando os arguidos a não praticarem determinados crimes num certo período, sob pena de ficarem sem efeito os perdões.
Ora, como é fácil de ver, no caso da desistência da queixa, uma condição como aquela que a ofendida expressamente invoca traria problemas insolúveis (não determinação do prazo da condição e renascimento, contra legem, do procedimento criminal), que esclarecem a clara impossibilidade de uma desistência de queixa poder ser condicionada, seja ao que for.
Concebem-se situações em que os ofendidos propõem condições tais (condições impossíveis ou absurdas) que se devem ter como irrelevantes e não condicionantes da desistência. Porém, como já se acentuou, tal não é o caso dos autos, pois a ofendida deixa bem claro que só desiste se obtiver determinado resultado.
A não consideração da desistência nos citados termos nada tem a ver com a factualidade da pronúncia (caberá ao Ilustre mandatário, se quiser, explorar em audiência as expressões verbais da ofendida) e, como é óbvio, muito menos com a alegada violação da presunção de inocência do arguido. Simplesmente, a desistência não é válida e, assim, o arguido terá que ser submetido a julgamento, continuando presumido inocente até ao trânsito de decisão final.

ACÓRDÃO
Pelo exposto, acorda-se em se julgar improcedente o recurso.
Custas pelo recorrente.
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Guimarães, 28 de Janeiro de 2008