Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2029/04-1
Relator: RICARDO SILVA
Descritores: PROIBIÇÃO DE CONDUZIR VEÍCULO MOTORIZADO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/11/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Sumário: I – Referindo o n.°2, do art.° 69.°, do C. P. que “a proibição produz efeito a partir do trânsito em julgado da decisão e pode abranger a condução de veículos com motor de qualquer categoria” , a leitura ao preceito aponta, como sentido mais imediato, para que a possibilidade de extensão a diferentes categorias, deve ser entendida apenas como uma mera faculdade, cuja forma mais clara e segura de afirmação será a da precisar na decisão em que se manifeste, das categorias abrangidas pela proibição, quando o agente esteja habilitado a conduzir mais do que uma delas.
II – E se esta afirmação se pode fazer pela positiva, não se nos afigura censurável, que se adopte, como na sentença recorrida uma formulação por exclusão, tratando-se, no fundo, de uma simples diferença de forma, o proibir-se a condução de veículos com motor durante determinado período, “ com excepção de tractores agrícolas, máquinas retro-escavadoras de qualquer categoria e espécie, nomeadamente as de marca JCB, já que situação económica e familiar ao arguido pode ficar em risco em virtude de não poder exercer a sua profissão ”.
III – É claro que a interpretação da norma do n.° 2, do art° 69.°, pode ser outra, podendo, v.g., o legislador querido expressar que não há categorias de veículos legalmente exceptuados do âmbito de aplicação da norma.
IV – Mas estamos em crer que o real sentido não é esse, porque não se vê que o legislador lançasse mão de uma formulação ambígua para afirmar uma realidade que já resultava do regime do artigo, sem essa concreta proposição, pelo que entendemos que, na sentença, foi feito uso de um poder legal.
V – Por outro lado, não só a decisão é legal como é equilibrada.
VI – Em primeiro lugar porque a proibição de conduzir veículos ligeiros de passageiros penaliza o arguido de modo sensível, sem pôr em causa o seu trabalho.
VII – Depois ainda se dirá que das definições constantes dos artigos 108.°, n.° 1, e 109.°, n.° 2, do Código de Estrada, para “ tractor agrícola ou florestal “ e “ máquina industrial “ mostram que estes veículos se destinam essencialmente a trabalhos fora da estrada e não à circulação rodoviária, pelo que se é certo que “ in itinere “ eles circulam, por vezes, na estrada, mais os tractores agrícolas do que as máquinas industriais que normalmente são transportadas em reboques, de qualquer modo, a sua contribuição para os problemas do tráfego não é comparável à dos veículos destinados a circular nas estradas, por isso a sua parte de criação de perigo é menor.
Decisão Texto Integral: Acordam, em audiência, no Tribunal da Relação de Guimarães

I

1. Por sentença proferida em 2004/07/14, no processo sumário n.º 339/04.6GTVCT, do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Ponte de Lima, foi o arguido "A", com os demais sinais nos autos, condenado, além do mais:

– como autor de um crime consumado de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.º 292.º do C. P., na pena de oitenta dias de multa, à taxa diária de € 3,00 ( três euros), perfazendo a multa de € 240,00 (duzentos e quarenta euros), ou 53 dias de prisão subsidiária; e,

– nos termos do disposto no art. 69.º, n.º 1, alínea a), do C. P., na redacção dada pela Lei 77/01 de 13 de Julho, na pena acessória de proibição de condução de veículos com motor durante o período de quatro meses; com excepção de tractores agrícolas, máquinas retro-escavadoras de qualquer categoria e espécie, nomeadamente as de marca JCB, já que situação económica e familiar do arguido pode ficar em risco em virtude de não poder exercer a sua profissão.

2. Inconformado com esta decisão, dela recorreu o M.º P.º.

Rematou as conclusões do recurso que apresentou, com a formulação das seguintes conclusões:

« 1. Sendo a taxa de alcooléma apresentada pelo arguido de 2,76 gramas por litro de sangue, devia ter sido fixada em oito meses a proibição de conduzir a aplicar ao arguido.
« 2. Ao condená-lo em apenas quatro meses de proibição de conduzir, o Tribunal a quo não tomou na devida consideração os factores supra referidos, violando dessa forma o disposto no art. 71.º, n.os 1 e 2, do Cód. Penal.
« 3. Com efeito, não tomou em conta o grau de ilicitude do facto, traduzido numa taxa de alcoolemia bem superior ao dobro do limite mínimo com relevância criminal, e a mediana intensidade do dolo.
« 4. 4. Factores estes que, aliados às penas que normalmente são aplicadas em situações semelhantes pela generalidade dos Tribunais, aconselhavam a que a pena fosse fixada de acordo com o referido em 1.
« 5. Violou também o disposto no art. 69º, n.° 2 do Cód. Penal, tendo interpretado tal normativo como permitindo ao Juiz retirar da proibição de conduzir determinados veículos, incluindo nesses veículos os da categoria com que foi praticado o crime.
« 6. Quando na verdade tal normativo visa permitir ao Juiz que condene em proibição de conduzir por forma a abranger veículos de outras categorias, para além da categoria que o arguido conduzia no momento da prática do crime.
« 7. Por outro lado, a redacção encontrada necessitaria sempre de ser reformada, uma vez que, tal como se encontra, resulta da mesma que o arguido está autorizado a conduzir tractores pesados, categoria para a qual o arguido não possui carta de condução.»
Terminou pedindo a procedência do recurso.

3. Admitido o recurso, e cumprido ao disposto no art.º 413.º, n.º 1, do C. P. P., o arguido apresentou resposta, propugnado pela manutenção do decidido.

4. Nesta instância, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto foi de parecer de que o recurso merece provimento.

5. Cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do C. P. P., não foi apresentada resposta.

6. Efectuado exame preliminar e não havendo questões a decidir em conferência, colhidos os vistos, prosseguiram os autos para audiência, que se realizou com observância do formalismo legal, como a acta documenta, mantendo-se as alegações orais no âmbito das questões postas no recurso.

II

1. São duas as questões postas no recurso:

– Se a pena acessória de proibição de conduzir é parca devendo ser aumentada para oito meses.

– Se a excepção feita à proibição, abrangendo certas máquinas industriais e tractores agrícolas, viola o disposto no art.º 69.º, n.º 2, do C. P., por o sentido dessa disposição legal ser – na doutrina do recorrente – o de permitir ampliar a proibição a veículos de outras categorias, para além da do veículo que o arguido conduzia no momento da prática do crime e não o contrário.

Vejamos:

2. São os seguintes os factos dados como provados na decisão recorrida, bem como a correspondente motivação:

« 1 - No dia 17 de Junho de 2004, pelas 19h33, na EN 203 - Ribeira, Ponte de Lima, o arguido conduzia o veículo de passageiros de matrícula ...-OG, ao ser submetido ao teste de alcoolemia com aparelho de modelo legalmente aprovado, acusou 2,76 g/l de álcool no sangue;
« 2 - O arguido, anteriormente, tinha estado a ingerir só duas cervejas Super Bock; --
« 3 - O arguido agiu livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei; --
« 4 – O arguido tem a profissão de tractorista e manobrador de máquinas rectro- -escavadoras auferindo € 569,00;--
« 5 - O arguido é casado, vive com a esposa, esta é operária fabril e aufere o salário mínimo, vivem em casa arrendada, pagando € 200 por mês, tem um filho menor no infantário e paga € 30 por mês;
« 6 - O arguido é a primeira vez que responde em Tribunal.
« 7 – Confessou os factos de que vem acusado de livre e sem reservas, de espontânea vontade.
« Não ficaram por provar quaisquer factos constantes da acusação.
« Convicção do tribunal;
« Esta fundou-se no conjunto das provas produzidas, criticamente analisadas e valoradas segundo as regras da experiência comum.
« Nas declarações do arguido, o qual admitiu os factos tal como vieram a ser dados como provados e no que às suas condições de vida concerne, bem como o depoimento das testemunhas que o arguido arrolou em sua defesa que demonstraram ter conhecimento da sua situação económica e social do arguido.
« Na ficha do controlador do aparelho "DRAGER”, modelo “7110 MKIII P”, aprovado pelo Despacho de aprovação de Mod. N.º 211.06.96.33.0, publicado no DR N.º 223 III Série, de 25 de Setembro de 1996 e a autorização de utilização N.º 001/DGV/ALC0/98 da D.G.V.»

3. Quanto à primeira questão:

– A moldura abstracta de aplicação da pena acessória em causa é de três meses a três anos.

O crime do art.º 292.º, do C. P. verifica-se quando o agente apresente uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l (gramas por litro).

Abaixo da referida taxa e a partir de uma taxa de 0.5 g/l a lei prevê e sanciona a conduta como contra-ordenação, que passa a ser muito grave a partira da taxa de 0,8 g/l.

Este facto não é indiferente, pois um condutor cumpridor aferirá o seu comportamento em matéria de ingestão de álcool pelo tecto dos 0,4 g/l permitidos.

Por isso, ao atingir-se a taxa que dá lugar à conduta criminalmente punível, dificilmente é possível falar-se em negligência ligeira ou em culpa leve.

Acresce que, no caso, o arguido não apresentava uma taxa de 1,2 g/l, mas sim, como bem frisa o M.º P.º, de 2,76 g/l.

O que aponta para uma culpa intensa, já que não há circunstâncias concorrentes que a atenuem.

Diz-se que o arguido, anteriormente, tinha estado a ingerir só duas cervejas. Mas isto não pode ser senão uma expressão parcelar da realidade, atentos os resultados relativos à taxa de álcool no sangue. Até porque não se esclarece a exacta extensão do que se refere como «anteriormente». Já para não assinalar que há cervejas de diferentes volumes, mesmo da marca referida na sentença.

Temos, assim, que o arguido agiu com culpa acentuada e apresentava uma taxa de álcool no sangue que dava origem à criação de um grande perigo de verificação de acidente, pelo que, sendo o crime de perigo abstracto, a ilicitude foi também elevada.

Acresce que são muito elevadas as exigências de prevenção geral de integração (() Cfr., quanto ao conceito, Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas Do Crime, Aequitas/ Editorial Notícias, 1993, pág. 72.), atenta a sinistralidade estradal existente na nossa sociedade e o papel central que o álcool desempenha nessa temática.

Por todo o exposto afigura-se-nos como adequada à culpa e às necessidades de prevenção a pena acessória de oito meses de proibição de conduzir, reclamada pelo M.º P.º enquanto mínimo susceptível de “satisfazer a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma violada”.

Pelo que o recurso, nesta parte, deve proceder,

4. Quanto à segunda questão.

Se a tese do M.º P.º fosse exacta, o Juiz, quando aplicasse a pena acessória de proibição de conduzir, deveria concretizar, sempre que entendesse dever alargar o âmbito de aplicação da pena, a que categorias de veículos a mesma se aplicaria, por o princípio ser o de aplicação à categoria de veículos referida àquele que fosse conduzido no momento da prática do crime.

Mas não é assim que se tem vindo a entender, tanto quanto sabemos. A proibição é, por norma, geral, isto é, abrangente de todas as classes de veículos que o agente estiver habilitado a conduzir. O que está em consonância com o regime de execução mediante a entrega da carta de condução pelo período correspondente à duração da proibição.

É claro que a questão se simplifica por, na grande maioria dos casos, os condutores estarem apenas habilitados a conduzir automóveis ligeiros.

Mas o certo é que o n.º 2, do art.º 69.º, do C. P. determina que «a proibição produz efeito a partir do trânsito em julgado da decisão e pode abranger a condução de veículos com motor de qualquer categoria».

A leitura do preceito aponta, como sentido mais imediato, para a possibilidade de extensão a diferentes categorias, apenas, uma possibilidade, uma mera faculdade.

Faculdade cuja forma mais clara e segura de afirmação será a da precisão, na decisão em que se manifeste, das categorias abrangidas pela proibição, quando o agente esteja habilitado a conduzir mais do que uma delas.

Esta afirmação poderia fazer-se pela positiva. Mas não se nos afigura censurável, que se adopte, como na sentença recorrida uma formulação por exclusão, tratando-se, no fundo, de uma simples diferença de forma.

È claro que a interpretação da norma do n.º 2, do art.º 69.º, pode ser outra. Pode, v.g., o legislador querido expressar que não há categorias de veículos legalmente exceptuados do âmbito de aplicação da norma. Mas estamos em crer que o real sentido não é esse, porque não se vê que o legislador lançasse mão de uma formulação ambígua para afirmar uma realidade que já resultava do regime do artigo, sem essa concreta proposição.

Por isso entendemos que, na sentença, foi feito uso de um poder legal.

E não só a decisão é legal como é equilibrada.

A proibição de conduzir veículos ligeiros de passageiros penaliza o arguido de modo sensível, sem pôr em causa o seu trabalho.

Consta dos artigos 108.º, n.º 1, e 109.º, n.º 2, ambos do Código de Estrada, que «tractor agrícola ou florestal é o veículo com motor de propulsão, de dois ou mais eixos, construído para desenvolver esforços de tracção, eventualmente equipado com alfaias ou outras máquinas e destinado predominantemente a trabalhos agrícolas» e «máquina industrial é o veículo com motor de propulsão, de dois ou mais eixos, destinado à execução de obras ou trabalhos industriais e que só eventualmente transita na via pública, sendo pesado ou ligeiro consoante a sua tara exceda ou não 3500 Kg».

Estas definições mostram veículos que se destinam essencialmente a trabalhos fora da estrada e não à circulação rodoviária. É certo que in itinere eles circulam, por vezes, na estrada, mais os tractores agrícolas do que as máquinas industriais que normalmente são transportadas em reboques. Mas a sua contribuição para os problemas do tráfego não são comparáveis aos dos veículos destinados a circular nas estradas. Por isso a sua parte de criação de perigo é menor.

Por outro lado, o arguido não mostrou circunstâncias pessoais que sobressaltem, quanto à necessidade de prevenção especial. É primário, confessou, mostrou arrependimento e tem boa inserção social.

Assim sendo o crédito que se lhe dá permitindo-se que ele conduza veículos que são quase exclusivamente ferramentas de trabalho, não é injusto nem se afigura imprudente.

Termos em que entendemos que o recurso deverá improceder, nesta parte.


III


Nos termos expostos.

Acordamos em dar parcial provimento ao recurso, alterando a decisão recorrida na parte em que aplicou ao arguido "A" a pena acessória de proibição de conduzir pelo período de quatro meses e condenado o referido arguido na mesma pena acessória, mas pelo período de 8 (oito) meses.

No mais confirmando a decisão recorrida.

Sem condenação em taxa de justiça, por o MP estar isento.

Guimarães,