Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | FERNANDO FERNANDES FREITAS | ||
Descritores: | FIXAÇÃO DE PRAZO INCUMPRIMENTO MORA BOA-FÉ CONTRATO-PROMESSA | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 01/08/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | I – Se, num contrato-promessa de compra e venda, não ficar estabelecido a quem compete marcar a data da escritura, qualquer um dos contraentes o pode fazer, visto que se trata de uma prestação de natureza fungível. II – E se o contrato determinar a qual dos contraentes cabe marcar a referida data da escritura, se ele mantiver um comportamento omissivo durante um lapso de tempo considerado intolerável ou quando faça um exercício abusivo desta sua faculdade, poderá o outro contraente, nos termos do nº. 3 do artº. 777º., do Cód. Civil, requerer ao tribunal a fixação do prazo para a outorga do contrato. III – Na interpelação admonitória, para além da fixação do prazo peremptório é ainda necessário que contenha a referência expressa à cominação correspondente à sua inobservância, sendo o devedor formalmente intimado a cumprir a obrigação dentro do prazo fixado sob pena de se considerar a obrigação como definitivamente não cumprida. IV – O nº. 2 do artº. 442º., do Cód. Civil só tem aplicação numa situação de incumprimento definitivo do contrato e não de simples mora. V – A inobservância do princípio da boa fé, quer no período da formação dos contratos quer no cumprimento das prestações contratuais e no exercício dos direitos atribuídos pelo contrato, justificará a modificação ou a restrição, e mesmo a ampliação do conteúdo da prestação contratual. Contudo, à partida poderá não ser suficiente para justificar a resolução do contrato. | ||
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Decisão Texto Integral: | - ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES – A) RELTÓRIO I.- A A. J…, com os sinais de identificação nos autos, intentou a presente acção de condenação, com processo comum ordinário contra a Ré Junta da freguesia de…, pedindo que se declare resolvido o contrato-promessa de compra e venda que celebrou com esta Ré e seja a mesma condenada a restituir-lhe em dobro a quantia que a ela entregou a título de sinal, no valor de € 70.850,00, acrescida de juros de mora legais desde a data da citação até efectivo e integral pagamento. Fundamenta estes pedidos alegando que celebrou um contrato-promessa com a Ré pelo qual esta prometeu vender-lhe dois lotes de terreno pelo preço de € 70.850,00, tendo entregue, na data da celebração do contrato, e a título de sinal e princípio de pagamento, a importância de € 35.425,00. A Ré ficou incumbida de proceder à marcação da escritura pública o que até à data não fez, apesar de ter tentado por diversos meios que ela o fizesse, tendo mesmo promovido a sua notificação judicial avulsa. Ora, decorridos estes mais de cinco anos sobre a data da celebração do contrato-promessa alterou os seus planos de vida no que se refere à construção da sua habitação própria e permanente pelo que perdeu o interesse na celebração do contrato definitivo. Contestou a Ré alegando que a marcação da escritura esteve sempre dependente de prévia aprovação da operação de loteamento pela Câmara Municipal de Guimarães, não tendo esta Entidade ainda emitido o respectivo alvará de loteamento; como não foi fixado prazo para o cumprimento daquela sua obrigação só ela, Ré, é que poderá estabelecê-lo, não podendo a Autora lançar mão da presente acção sem antes ter obtido a fixação judicial do prazo. Por outro lado, só o cumprimento definitivo permite ao credor resolver o contrato e exigir a devolução do sinal em dobro. Respondeu a Autora e os autos prosseguiram os seus termos, vindo a proceder-se ao julgamento que culminou com a sentença na qual se decidiu julgar improcedente a acção, absolvendo-se a Ré dos pedidos que a Autora formulara. Inconformada com esta decisão, traz a Autora o presente recurso pedindo que ela seja revogada e se decida pelo provimento dos pedidos que formulou contra a Ré. Esta respondeu ao recurso defendendo o decidido. O recurso foi recebido como de apelação com efeito devolutivo. Foram colhidos os vistos legais. Cumpre apreciar e decidir. * II.- A Autora/Apelante funda o recurso nas seguintes conclusões: 1 - A recorrente apresentou contra a recorrida uma acção declarativa sob a forma de processo ordinário na qual pede que seja declarado resolvido o contrato-promessa celebrado com a recorrida em 25/01/2005 e que esta seja condenada a restituir à recorrente a quantia recebida a título de sinal, em dobro, no valor de € 70.850,00, acrescida de juros legais desde a citação até efectivo e integral pagamento. 2 - A sentença ora em crise julgou improcedente a acção e, em consequência, absolveu a recorrida dos pedidos formulados pela recorrente, entendendo o Meritíssimo Juiz a quo que a recorrente deveria ter lançado mão do processo especial regulado nos artigos 1456° e 1457º do Código de Processo Civil para fixar o prazo da prestação a que a recorrida está obrigada por força do contrato promessa celebrado entre as partes. 3 - Não pode a recorrente concordar com os fundamentos invocados pelo Meritíssimo Juiz a quo, nos quais baseou a sentença de que se recorre, pois que configuram uma errada interpretação e aplicação da lei, designadamente dos artigos 771°, n.º 1 e 2 e 442°, n.º 2, ambos do Código Civil (CC), bem como erro na determinação da norma aplicável, devendo ter sido invocado o disposto nos artigos 406°, n.º 1, 1ª parte e 762°, n.º 2, também ambos do CC. 4 - A obrigação da recorrida - de proceder à marcação da escritura definitiva de compra e venda - subsume-se no n.º 1 do artigo 777º do CC e constitui uma obrigação pura, inexistindo, no presente caso, estipulação ou disposição especial da lei que afaste a aplicação desse normativo. 5 - As partes não estipularam um prazo certo e determinado para a realização do contrato prometido, o que não significa, no entanto, que a recorrida tenha o total arbítrio de marcar a escritura de compra e venda quando lhe for conveniente, esperando a recorrente passivamente que tal aconteça. 6 - Face ao princípio da boa fé no cumprimento dos contratos e obrigações (artigo 762°, n.º 2 do CC), a recorrida está naturalmente obrigada a usar um grau de eficácia e diligência normalmente exigíveis a quem se compromete a vender um imóvel, após ter recebido a título de sinal metade do preço da venda, e quando sempre assegurou à recorrente, até à celebração do contrato promessa, que o processo de loteamento se concluiria muito em breve. 7 - Atendendo à natureza da obrigação e às circunstâncias do caso concreto, não pode a recorrente conformar-se com a decisão de que se recorre quando refere que se "impõem a necessidade do decurso de certo tempo até à celebração do contrato definitivo, o tempo adequado à conclusão da operação de loteamento: a natureza da prestação e as circunstâncias que a determinam não se compadecem com a exigibilidade a todo o tempo". 8 - Interroga-se, pois, a recorrente se cinco anos (contados desde a celebração do contrato promessa até à notificação judicial avulsa) não é já tempo suficiente e adequado para concluir a operação de loteamento em causa. 9 - Não pode dizer-se que a recorrente, ao interpelar a recorrida para cumprir, através de notificação judicial avulsa, esteja a exigir o cumprimento da prestação "a todo o tempo", quando a recorrida foi notificada em 04/06/2010, ou seja, mais de cinco anos após a celebração do contrato promessa. 10 - A notificação judicial avulsa efectuada é título bastante para a interpelação da recorrente à recorrida a qual, não cumprindo a obrigação de marcação da escritura pública definitiva de compra e venda no prazo fixado de 15 dias, constituiu-se em mora, mora essa que se transformou em não cumprimento definitivo. 11 - "No contrato promessa, havendo sinal passado, a transformação da mora em não cumprimento definitivo afasta-se do regime-regra do artigo 808°" do CC (vd. Almeida Costa, in Contrato - Promessa, 7ª edição, página 77). 12 - Tendo sido prestado sinal, como o foi no caso presente, a recorrente, promitente compradora, considerada a parte mais frágil desta relação jurídica, "uma vez verificado a mora, pode prevalecer-se das consequências desta ou exercer o direito potestativo de transformá-la, de imediato, em não cumprimento definitivo, sem observância de qualquer dos pressupostos indicados no n.º 1 do artigo 808º" (vd. obra citada, página 78). 13 - "A exigência do sinal ou da indemnização actualizada constitui uma declaração tácita de resolução do contrato-promessa" (obra citada, página 78). 14 - "No regime actual do contrato-promessa, face ao disposto no artigo 442º, n.º 2 e 3 do Código Civil, na redacção introduzida pelo DL 379/86, de 11 de Novembro, a sanção de exigência pelo promitente comprador não faltoso do dobro do sinal é aplicável logo que o devedor incorra em mora" (acórdão do STJ, de 15/12/1998 (in www.dgsi.pt). 15 - Afasta-se, assim, a doutrina tradicional, após a alteração introduzida pelo supra indicado DL 379/86, de 11 de Novembro, entendendo-se ser bastante a simples mora para que as consequências previstas no artigo 442, n.º 2 do CC se verifiquem (acórdão STJ de 27/11/1997, in www.dgsi.pt. o qual remete, ainda, para vária jurisprudência favorável à posição aqui sustentada). 16 - Não se concordando com a posição doutrinária acima defendida, sempre o comportamento omissivo da recorrida, lesivo do princípio da boa fé e do pontual cumprimento contratual (artigo 406°, n.º 1 do CC), abalou a confiança mínima da recorrente na capacidade e vontade da recorrida em realizar o negócio prometido. 17 - Ainda que não se entenda que existe recusa por parte da recorrida em cumprir a obrigação decorrente do contrato promessa, sempre se deve considerar que se verifica no caso concreto um incumprimento definitivo do contrato promessa por parte da recorrida e a perda objectiva do interesse da recorrente na prestação. 18 - A violação dos deveres de diligência e boa fé que a recorrida devia respeitar e o facto de a confiança da recorrente ter sido profundamente abalada com a atitude completamente omissiva da recorrida durante todos estes anos, que desconsiderou totalmente os objectivos e as legítimas e naturais expectativas da recorrente, traduz-se na existência de uma justa causa de resolução do negocio jurídico celebrado, sem necessidade de recurso ao artigo 808° do CC.. 19 - Por respeito aos princípios da boa-fé e da confiança, bem como atendendo aos princípios da equidade e proporcionalidade, deve admitir-se no caso concreto a existência do direito da recorrente de resolver o contrato promessa celebrado com a recorrida e de exigir desta o pagamento da quantia que entregou a título de sinal, em dobro, por aplicação do n.º 2 do artigo 442° do CC. * III.- Nas quarenta e sete conclusões com que termina as suas contra-alegações a Ré, no essencial, refere: a) Não tendo sido estipulado prazo, no contrato-promessa, para o cumprimento da obrigação de marcar a data da escritura, a fixação dele é deferida ao tribunal, nos termos do nº. 2 do artº. 777º., do CC, atenta a natureza da prestação (está dependente de um acto formal de terceiro) e às circunstâncias que a determinam. b) Assim, não tendo a Apelante recorrido à acção para fixação judicial do prazo, também ela, Ré, não pode ser considerada em mora. c) Se se entender que ela, Ré, devia marcar a data da escritura no prazo que a Apelante estabeleceu na notificação judicial avulsa, então apenas entrou em mora e nunca em incumprimento definitivo, já que esta notificação não configura uma verdadeira interpelação admonitória por não preencher os pressupostos da mesma, sendo que nela a Apelante refere que recorrerá à execução específica. d) Havendo a Apelante invocado na acção a perda do interesse não invocou circunstâncias que o provem. e) Não resulta dos autos que ela, Ré, tenha recusado o cumprimento do contrato-promessa. f) Os efeitos previstos no artº. 442º., nº. 2 do CC só actuam em sede de incumprimento definitivo do contrato não sendo suficiente a simples mora. * Como resulta do disposto nos art.os 684º., nº. 3; 685º.-A, nº.s 1 e 3, e 685º.-C, nº. 2, alínea b), todos do C.P.Civil, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, o tribunal de recurso só conhecerá das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso. De acordo com as conclusões da Apelante as questões a decidir são: - fixação do prazo para o cumprimento da obrigação de designar a data da celebração da escritura; - se a simples mora faz actuar o regime previsto no nº. 2 do artº. 442º., do CC. - se existe fundamento para ser reconhecido à Apelante o direito a resolver o contrato, com a exigência do pagamento do sinal em dobro. * B) FUNDAMENTAÇÃO IV.- O Tribunal a quo julgou provados os seguintes factos: 1 - Por escrito denominado contrato promessa de compra e venda, outorgado em 26 de Janeiro de 2005, a Junta de Freguesia de… declarou prometer vender a J…, que, em sede de licitação, ofereceu o maior lance, tendo declarado prometer pagar nos termos determinados, os lotes nºs 60 e 61, com a área aproximada de 2.180m2, resultante do projecto designado por “Loteamento - Zona Habitacional da Cumeeira”, cuja apreciação prévia mereceu despacho favorável da Câmara Municipal de Guimarães, com data de 13.01.2000. 2 - Acordaram ainda as partes que o preço seria de € 70.850,00, tendo a promitente compradora entregue a quantia de € 35.425,00 a título de sinal. 3 - E que a restante parte do preço seria paga “(. . .) no acto da celebração da escritura, cuja data será “marcada pelo primeiro outorgante (Junta de Freguesia de Gondomar) e mediante aviso prévio”. 4 - Consta ainda do mencionado documento que o referido lote "(. . .) resulta da operação de loteamento a concluir nos termos que vierem a ser estabelecidos pela Câmara Municipal de Guimarães e Junta de Freguesia de…". 5- Até hoje a Ré não procedeu à marcação da escritura, pese embora a Autora a tenha contactado diversas vezes para o efeito. 6 - A Ré não iniciou as diligências com vista à marcação da escritura. 7 - A Autora requereu a notificação judicial avulsa da Ré para cumprir o disposto no contrato-promessa no prazo de quinze dias, sob pena de recorrer a juízo, notificação que se concretizou em 6.04.2010. 8 - O Município de Guimarães ainda não emitiu o alvará relativo ao loteamento referido em 4. 9 - Até à assinatura do contrato referido em 1 o Presidente da Ré assegurou à Autora que o processo de loteamento se concluiria em breve. 10 - Em Setembro de 2004, estavam realizados arruamentos, sistemas de saneamento e abastecimento de água. 11 - Sobre um dos imóveis objecto da operação de loteamento, pertença de terceiro, incidia uma penhora. 12- A Autora tencionava construir a sua habitação no lote referido em 1. 13- A Autora trabalha em Braga. * V.- Como resulta inequívoco da facticidade provada, a Apelante e a Ré celebraram um contrato-promessa de compra e venda, cujo objecto são dois lotes de terreno, com os nos. 60 e 61, no projecto designado por “Loteamento – Zona Habitacional da Cumeeira”. Tendo ficado acordado que o preço da compra era de € 70.850,00, a Apelante entregou à Ré, a título de sinal, a quantia de € 35.425,50. O contrato-promessa cria uma obrigação de contratar, resultando dele uma obrigação que tem por objecto uma prestação de facere (prestação de facto positivo). A Apelante e a Ré celebraram um contrato bilateral, sinalagmático (cria uma obrigação para cada uma das partes) e oneroso, sendo ainda formal visto ter por objecto coisa imóvel (artº. 410º., nº. 2, do Cód. Civil). Posto que lhe não foi atribuída eficácia real, aquele contrato produz efeitos somente entre os contraentes (e os sucessores da Apelante), vinculando-os às prestações contratuais que por ele assumiram. Mandando o artº. 410º., nº. 1, do Cód. Civil (como o serão todas as disposições legais a seguir citadas sem menção do Diploma Legal a que pertencem) aplicar ao contrato-promessa todas as disposições legais relativas ao contrato prometido, há que ter em consideração, para além das normas específicas do contrato de compra e venda, também todas as normas que respeitam aos contratos em geral. Não sendo cumprida a obrigação contratual poder-se-á configurar uma situação de incumprimento definitivo ou uma situação de simples mora. O devedor considera-se em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efectuada no tempo devido – cfr. nº. 2, do artº. 804º.. A prestação em causa no contrato-promessa é a outorga do contrato prometido – no caso, o contrato de compra e venda dos lotes de terreno identificados pelos nos. 60 e 61. Se não tiver ficado estabelecido no contrato-promessa a qual das partes compete marcar a data da escritura de compra e venda qualquer um dos contraentes o pode fazer, visto que se trata de uma prestação de natureza fungível – neste sentido, o Ac. desta Rel. de Guimarães, de 31/03/2004 (in C.J., ano XXIX, tomo II, págs. 278). Se o contrato determinar a qual dos contraentes cabe marcar a referida data, como refere o Ac. do S.T.J. de 30/06/1998, “se o titular do direito de marcação da data mantiver um comportamento omissivo durante um lapso de tempo considerado intolerável pode a contraparte, nos termos do nº. 3 do artº. 777º., requerer ao tribunal a fixação desse prazo”, assim como quando o credor faça um exercício abusivo daquela faculdade de ser ele a marcar a data da escritura (cfr., neste sentido, Almeida Costa in “Direito das Obrigações”, 12ª. edição, pág. 1010). E, prossegue aquele aresto, “só depois dessa fixação judicial do prazo é que, eventualmente, poderá vir a ocorrer a mora por banda daquele promitente, quanto à obrigação de contestar” (in C.J., Acs. do S.T.J., ano VI- 1998, tomo II, pág.s 152/153). Na situação sub judicio ficou contratualmente estabelecido que era à Ré, promitente vendedora, que cabia marcar a data da celebração da escritura, avisando previamente a Apelante da data que pretendesse designar. Compreende-se o, assim, estipulado já que a prática daquele acto estava dependente da conclusão da “operação de loteamento”, posto que só depois de a Câmara Municipal de Guimarães emitir o respectivo alvará de loteamento é que estavam reunidos os pressupostos da celebração do contrato definitivo. Como se disse, cabendo à Ré marcar a data da escritura, demorando a fazê-lo não restava outra alternativa à Apelante que não a do recurso ao tribunal para o fixar – na falta de acordo das partes são os tribunais os órgãos próprios para dirimir o diferendo. A Apelante, porém, enveredou por uma notificação judicial avulsa, pela qual intimou a Ré a marcar a data da escritura, fixando-lhe o prazo de quinze dias para o efeito. Posto que a fixação deste prazo foi unilateral, a Ré não pode ser considerada em mora por o não cumprir. Improcedem, pois, as conclusões quatro a nove. * VI.- De todo o modo, sendo a prestação ainda possível, o não cumprimento do contrato dentro do prazo estabelecido não determina necessariamente a rescisão. No contrato-promessa, havendo mora do promitente-vendedor, poderá o promitente-comprador recorrer à execução específica, obtendo sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso, nos precisos termos do artº. 830º.. E na notificação judicial avulsa, que a Apelante usou para interpelar a Ré para cumprir a referida sua obrigação, manifestou essa vontade de recorrer à execução específica, como se vê do documento de fls. 13 e sgs., maxime 15 e 16. Ora, a manifestação desta intenção de fazer cumprir impositivamente o contrato é incompatível com a vontade de resolução desse mesmo contrato. Daqui resulta não poder considerar-se aquele acto como interpelação admonitória para conversão da mora em incumprimento definitivo da obrigação. Com efeito, na interpelação admonitória, para além da fixação do prazo peremptório é ainda necessário que contenha a “referência expressa à cominação correspondente à sua inobservância”, - cfr. Ac. do S.T.J. de 18/03/2004 (proferido no Processo 04B368, com texto integral disponível em http://www.dgsi.pt/jstj). Ou seja, o devedor é formalmente intimado a cumprir a obrigação dentro do prazo fixado “sob pena de se considerar a obrigação como definitivamente não cumprida” – cfr. Ac. do S.T.J. de 27/09/2001 (in C.J., Acs. do S.T.J., ano IX, tomo II, pág. 47/48) Ora, a cominação que consta da notificação judicial avulsa não é a que a Apelante agora pretende, de se considerar a obrigação definitivamente incumprida, é até de sentido oposto. Improcede, pois, a conclusão décima. * VII.- Ao invés do que defende a Apelante, é entendimento dominante da jurisprudência o de que, mesmo após a alteração introduzida pelo Dec.-Lei nº. 379/86, de 11 de Novembro, o nº. 2 do artº. 442º. só tem aplicação numa situação de incumprimento definitivo do contrato, como se alcança, de resto, do próprio elemento literal: “se quem constitui o sinal deixar de cumprir…”; “se o não cumprimento do contrato for devido a este último”; e “o seu valor, ou do direito a transmitir … … determinado objectivamente à data do não cumprimento”. Neste sentido vão, dentre outros, v. g., os Acs. do S.T.J. de 18/01/1995, de 15/10/2002, e de 13/03/2003 (in C.J., Acs. do S.T.J., respectivamente, ano III, Tomo I, pág. 35/38; ano X, Tomo III, pág. 96; e ano XI, Tomo II, pág. 12/14). De resto, o Prof. Almeida Costa (citado pela Apelante), muito embora defenda que “no contrato-promessa, havendo sinal passado, a transformação da mora em não cumprimento definitivo, afasta-se do regime-regra do artº. 808º.” Não deixa de citar larga jurisprudência que sustenta a doutrina contrária (in “Direito das Obrigações”, 12ª. edição revista e actualizada, pág. 437), acima exposta, e a que aderimos. Improcedem, pois, as conclusões onze a quinze. * VIII.- Finalmente, invoca a Apelante como fundamento da resolução do contrato a violação, pela Ré, dos deveres de diligência e de boa fé e o facto de a sua confiança ter sido completamente abalada com a atitude completamente omissiva desta durante todos estes anos, que desconsiderou os objectivos e as suas legítimas expectativas. Faz ainda apelo aos princípios da equidade e da proporcionalidade. Sem embargo de ser esta a primeira vez que tais fundamentos, assim mesmo considerados, são invocados como causa de resolução do contrato, e de, como resulta do disposto no artº. 676º., nº. 1, do C.P.Civil, sendo da natureza dos recursos a reponderação das decisões proferidas pelos tribunais recorridos, o que afasta a possibilidade de o tribunal ad quem conhecer de questões novas, salvo das que possa conhecer oficiosamente, não deixaremos de tomar posição já que se pode vislumbrar alguma relação entre eles e o que antecedentemente vem alegado pela Apelante. Ora, como se sabe, a resolução dos contratos só é admitida se houver fundamento na lei ou em convenção, como expressamente dispõe o nº. 1 do artº. 432º.. Certo que os contratos devem ser pontualmente cumpridos – cfr. artº. 406º., nº. 1 - isto é, o cumprimento deve ajustar-se integralmente à prestação, não apenas no aspecto temporal, mas também “ponto por ponto” (cfr. P. LIMA e A. VARELA, no Código Civil Anotado, vol. I, págs. 344/345). E, por outro lado, quer já no período das negociações, assim como no da formação dos contratos, quer também no cumprimento das prestações contratuais e no exercício dos direitos que o contrato lhes atribui, as partes têm de usar de boa fé, como impõem, respectivamente, os artºs. 227º. e 762º., nº. 2. Contudo, a inobservância destes princípios apenas poderá justificar a modificação ou a restrição, e mesmo a ampliação do conteúdo da prestação contratual. Como refere Menezes Cordeiro para o princípio da confiança, as consequências da sua violação consistem “na preservação da posição nela alicerçada ou num dever de indemnizar”, sendo que, em regra, o direito português “exprime a tutela da confiança através da manutenção das vantagens que assistiriam ao confiante, caso a sua posição fosse real” (in “Da Boa Fé no Direito Civil”, Almedina, págs. 1249 e 1250). Os comportamentos violadores daqueles princípios, sendo, embora, geradores da responsabilidade de indemnizar, poderão não ser suficientes para justificar, à partida, a resolução do contrato, tudo dependendo do grau de violação e da importância que tais comportamentos possam ter na execução do contrato. O Ac. do S.T.J., de 22/11/1994, considerando ser contrária à boa fé “qualquer conduta activa ou omissiva de uma das partes no sentido de contrariar ou impedir o normal evoluir do contrato, de modo a trair a confiança que nela deposita a outra parte, e a perturbar o equilíbrio das respectivas prestações e cláusulas (no caso as respeitantes ao termo), praticamente as descaracterizando ou inutilizando” julgou justificada a resolução do contrato com base na violação deste princípio da boa fé porque “quem o infringiu não pode esperar que a outra parte continue indefinidamente vinculada ao contrato-promessa”. Porém, naquela concreta situação a parte violadora do princípio omitiu outros deveres de conduta que assumiram um tal grau de gravidade que foi considerado representarem “um farisaísmo incompatível com a justiça”. Ora, na situação sub judicio, a Apelante, não invocou nem fez prova de qualquer acto que tenha sido praticado pela Ré no sentido de contrariar ou impedir o normal cumprimento do contrato, nem de ter omitido qualquer dever ou solicitação que tenha provocado o atraso na emissão do alvará relativo ao loteamento (ficou provado que sobre um dos imóveis objecto da operação de loteamento, pertença de terceiros, incidia uma penhora, o que poderá justificar pelo menos algum atraso, imposto pela resolução do problema da dívida). E embora até à assinatura do contrato o presidente da Ré tenha assegurado à Apelante que o processo de loteamento se iria concluir em breve, nada foi alegado no sentido de ter aquela contribuído, de alguma forma, para que estas expectativas se não concretizassem. Se é certo terem já decorrido mais de cinco anos desde a data da celebração do contrato-promessa também o é que a celebração do contrato definitivo está dependente de um pressuposto, que é essencial, e que a Ré, por si só, não pode preencher, qual é o da emissão do alvará do loteamento, com o que a Apelante, decerto, já contava, posto que no próprio contrato-promessa se faz referência a isso. Termos em que improcedem ainda as conclusões dezassete a dezanove. Do exposto resulta que improcedem todas as conclusões em que assentava o presente recurso donde resulta, inelutavelmente, a improcedência deste. * C) DECISÃO Nos termos que acima se deixam expostos, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o presente recurso de apelação mantendo, consequentemente, a decisão impugnada. Custas pela Recorrente. Guimarães, 08/Janº./2013 (escrito em computador e revisto) Fernando Freitas Purificação Carvalho Rosa Tching |