Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | RICARDO SILVA | ||
Descritores: | FRAUDE SOBRE MERCADORIA CONCORRÊNCIA DESLEAL CONCURSO CRIME | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 10/17/2005 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROVIMENTO PARCIAL | ||
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Sumário: | I – Malgrado a existência de jurisprudência em sentido divergente, entendemos que entre os crimes de fraude sobre mercadorias, p. e p. pelo artigo 23.°, n.° 1, alínea a), do Decreto-lei n.° 28/84, de 20 de Janeiro, e de contrafacção de marca, p. e p. pelo artigo 264.°, n.° 1, alínea a), do Código da Propriedade Industrial, se verifica uma relação de concurso efectivo de crimes, por serem distintos os bens jurídicos tutelados por um e por outro. II – Conforme refere Manuel da Costa Andrade, - «A nova lei dos crimes contra a economia (Decreto-Lei n.° 28/84, de 20 de Janeiro) à luz do conceito de “bem jurídico”», Ciclo de Estudos de Direito Penai Económico, Centro de Estudos Judiciários, 1.a edição, Coimbra 1985, p. 91 - o direito penal económico contido no Decreto-lei n.° 28/84 assenta em específicos e autónomos bens jurídicos que, para além da sua índole supraindividual, se caracterizam materialmente pela sua relevância directa para o sistema económico cuja sobrevivência, funcionamento ou implementação se pretende assegurar III – No referido artigo 23.°, precisamente o preceito que, no diploma, abre o capítulo dos «Crimes contra a Economia», incriminam-se condutas genericamente recondutíveis à categoria de «Fraude sobre mercadorias» que têm em comum a potencialidade de enganar o público, sendo as modalidades de acção susceptíveis de preencher a respectiva factualidade integradas por condutas dotadas de características que violam as expectativas reconhecidas dos consumidores em relação a mercadoria concreta, o que se pode dar através de Imitações, contrafacção, produção defeituosa, redução quantitativa, etc. IV – O bem jurídico tutelado é assim a confiança dos operadores económicos na genuinidade e autenticidade dos produtos quer no que respeita às qualidades, quer mesmo no que toca às quantidades. V – Por sua vez, dispõe o artigo 1.° do Decreto-lei n.° 16/95, de 24 de Janeiro, que alterou o Código da Propriedade Industrial, que «a propriedade industrial desempenha a função social de garantir a lealdade da concorrência pela atribuição de direitos privativos no âmbito do presente diploma, bem como pela repressão da concorrência desleal». VI – Na verdade, o Código da Propriedade Industrial visa, em primeira linha, a protecção de interesses individuais ou particulares como sejam a actividade e os seus processos e resultados criativos, designadamente o direito de patentes, de marcas, do nome insígnia do estabelecimento e das denominações de origem, com incidência no património das pessoas singulares ou colectivas que se dedicam àquela actividade, pelo que o bem jurídico tutelado é aqui o interesse privado, individual – cfr. acórdão da Relação do Porto, de 28 de Junho de 2000, publicado na Colectânea de Jurisprudência, Ano XXV, Tomo III – 2000. pp. 239-240. VII – Efectivamente, a contrafacção de marcas registadas põe em causa a tutela legal contra a falsificação das marcas de procedência, ou seja, os sinais identificativos da pertença de uma mercadoria a uma empresa determinada, que permitam diferenciá-la das similares dos seus competidores no mercado . VIII – Assim, sendo diferentes os bens jurídicos tutelados no tipo-de-ilicito do artigo 23.° do Decreto-lei nº 28/84 e no tipo-de-ilícito do artigo 264.° do Código da Propriedade Industrial, o recorrente, com a sua conduta, violou dois bens jurídicos distintos e de diferente natureza, pelo que se verifica uma situação de concurso efectivo de crimes. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em audiência, no Tribunal da Relação de Guimarães I. 1. Por sentença, proferida no processo comum n.º 39/02.1EAPRT, do 3.º Juízo do Tribunal Judicial de Fafe, em 2003/906/02, foi, além dos mais, decidido: a) Condenar a arguida Maria P..., pela prática, em co-autoria material, de um crime de contrafacção, previsto e punido pelo artigo 264.º, n.º 1, alínea a), do Dec.-Lei n.º 16/95, de 24 de Janeiro, na pena de 10 (dez) meses de prisão; b) Condenar a arguida Maria P..., pela prática, em co-autoria material, de um crime de fraude sobre mercadorias, previsto e punido pelo artigo 23.º, n.º 1, alínea a), do Dec.-Lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro, com a redacção alterada pelo Dec.-Lei n.º 20/99, de 28 de Janeiro, na pena de 07 (sete) meses de prisão e na pena de multa de 40 (quarenta) dias, à taxa diária de € 05,00 (cinco euros), totalizando o montante de € 200,00 (duzentos euros); c) Condenar a arguida Maria P..., operando cúmulo jurídico das supra referidas penas, na pena única de 11 (onze) meses de prisão, cuja execução é suspensa pelo prazo de 02 (dois) anos, e na pena de multa de 40 (quarenta) dias, à taxa diária de € 05,00 (cinco euros), totalizando o montante de € 200,00 (duzentos euros); d) Condenar o arguido António M..., pela prática, em co-autoria material, de um crime de contrafacção, previsto e punido pelo artigo 264.º, n.º 1, alínea a), do Dec.-Lei n.º 16/95, de 24 de Janeiro, na pena de 14 (catorze) meses de prisão; e) Condenar o arguido António M..., pela prática, em co-autoria material, de um crime de fraude sobre mercadorias, previsto e punido pelo artigo pelo artigo 23.º, n.º 1, alínea a), do Dec.-Lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro, com a redacção alterada pelo Dec.-Lei n.º 20/99, de 28 de Janeiro, na pena de 10 (dez) meses de prisão e na pena de multa de 60 (sessenta) dias, à taxa diária de € 05,00 (cinco euros), totalizando o montante de € 300,00 (trezentos euros); f) Condenar o arguido António M..., operando cúmulo jurídico das supra referidas penas, na pena única de 14 (catorze) meses e meio de prisão e na pena de multa de 60 (sessenta) dias, à taxa diária de € 05,00 (cinco euros), totalizando o montante de 300,00€ (trezentos Euros); g) Condenar a arguida «R... Confecções, L.da», pelos ilícitos jurídico-penais praticados pelos seus representantes, na pena de multa de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de € 50,00 (cinquenta euros), totalizando o montante de € 1.000,00 (mil euros); (...) j) Declarar perdidos a favor do Estado os objectos apreendidos a fls. 04 e 05; 2. Inconformados com esta decisão, dela interpuseram recurso os arguidos Maria P..., António M... e «R... Confecções, L.da». 4. Nesta instância, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto foi de parecer de que o recurso não merece provimento, excepto quanto a entender que não é de declarar perdidas as máquinas apreendidas para o Estado. 5. Cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do C. P. P., o recorrente não respondeu. 6. Efectuado exame preliminar, foi suscitada pelo, então, relator, questão prévia da existência de uma circunstância obstativa do conhecimento do mérito, relativa à aplicação processual no tempo, quanto ao crime de contrafacção. 7. Conhecida a questão em conferência, foi proferido acórdão, em 20004/04/19, a ordenar que os autos baixassem ao tribunal recorrido para aí se ordenar a notificação dos ofendidos para, querendo, declararem se pretendiam procedimento criminal contra os arguidos. Sendo que, as conclusões a retirar posteriormente quanto ao crime de contrafacção dependeriam da posição que os ofendidos tomassem, à semelhança do que ocorre com o regime estabelecido no artigo 52°, do Código de Processo Penal: se declarassem que não pretendiam promover o procedimento criminal, ou nada declarassem, deveria ser julgado extinto o procedimento criminal dos arguidos relativamente ao crime de contrafacção pelo qual foram condenados (remetendo-se, depois, o processo à Relação para julgamento dos recursos atinentes ao crime de fraude sobre mercadoria); se declarassem pretender esse procedimento, então o processo voltaria à mesma fase em que se encontrava, ou seja, o seria novamente distribuído nesta Relação, para julgamento de todo o objecto dos recursos interpostos. 8. Após as necessárias diligências, realizadas na 1.ª Instância, veio a ofendida em causa declarar que queria procedimento criminal contra os arguidos, pelo crime de contrafacção, após o que o recurso foi, de novo, distribuído nesta Relação. 9. Efectuado novo exame preliminar e não havendo questões a decidir em conferência, colhidos os vistos, prosseguiram os autos para audiência, que se realizou com observância do formalismo legal, como a acta documenta, mantendo-se as alegações orais no âmbito das questões postas no recurso. II. 1. As questões colocados no recurso são as seguintes, pela ordem de precedência determinada pela sua correlativa prejudicialidade: – Se houve erro de julgamento quanto os factos constantes das alíneas b) a o), quanto à arguida Maria, e h), quanto ao arguido António, da matéria de facto dada como provada na sentença recorrida, devendo ser alterada essa factualidade, no sentido se serem dados como não provados os referidos factos, com as consequentes absolvição da arguida Maria e demais consequências jurídicas. – Se há concurso efectivo ou aparente, entre os crimes previstos e puníveis, respectivamente, pelo artigo 264° do C. P. I. e pelo artigo 23.°, n.° 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro, com a redacção alterada pelo Decreto-Lei n.° 29/99 de 28 de Janeiro. – Se as penas aplicadas são excessivas, devendo, nos termos do art.º 71.º do C. P., ser aplicadas penas de multa, especialmente atenuada a do recorrente, nos mínimos legalmente previstos. – Se não é de declarar perdidas a favor do Estado as máquinas apreendidas nos autos. Vejamos: 2. São os seguintes os factos dados como provados e não provados e respectiva motivação de facto da sentença recorrida: « Matéria de facto provada * * * « Matéria de facto não provada« Não resultaram não provados quaisquer factos constantes da acusação. * * * « Motivação da decisão sobre a matéria de facto « A convicção deste Tribunal quanto à matéria de facto considerada como provada baseou-se no conjunto da prova documental junta aos autos e da prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento, nomeadamente: « Relativamente às alíneas a) a o), nos depoimentos dos agentes da I.G.A.E. que procederam à operação de fiscalização e à apreensão constante dos presentes autos, ABEL SILVA, MÁRIO JORGE BESSA, ANÍBAL CARVALHO e LUÍS FARIA, as quais depuseram de forma inteiramente livre, coerente e isenta, demons-trando um conhecimento directo dos factos e merecendo inteira credibilidade. As testemunhas em causa descreveram igualmente o tipo de peças e materiais apreen-didos, a concreta identificação dos locais onde foram encontradas as peças contra-feitas, bem como a forma como a fábrica de confecção se encontrava a laborar no momento da inspecção. Quanto ao facto de os arguidos serem gerentes da socie-dade arguida, foi relevante a análise da certidão do registo comercial junta aos autos a fls. 111 a 115, os documentos de fls. 49 a 53, 123 e 124, bem como o facto de, no dia da operação de fiscalização do I.G.A.E., a arguida Maria OLIVEIRA se encontrar a comandar toda a actividade da fábrica, sendo que, quando os agentes da I.G.A.E. pediram para chamar o responsável, foi a arguida que o fun-cionário chamou e que compareceu perante os mesmos. Assim, não obstante o arguido ter admitido os factos constantes da acusação e ter procurado eximir a arguida Maria P... à sua responsabilidade jurí-dico-penal pela prática dos factos que lhe são imputados, defendendo que a sua qua-lidade de gerente era meramente fictícia, em sede de audiência de julgamento resul-tou suficientemente provado que a mesma assumia a gerência da sociedade arguida juntamente com o arguido. Relativamente ao licenciamento das marcas foi igualmente relevante a análise dos documentos de fls. 09 a 14, 31 a 37, bem como o relatório pericial de fls. 41 e 42; « Quanto ao teor do certificado de registo criminal da arguida, constante da alínea p), foi relevante a análise do mesmo, o qual se encontra junto aos autos a fls. 85; « Relativamente ao teor do certificado de registo criminal do arguido, constante das alíneas v) a aa), foi relevante a análise do mesmo, o qual se encontra junto aos autos a fls. 100 a 103; « Quanto às condições sócio-económicas dos arguidos, constantes das alíneas q) a u), bb) a ee), foram relevantes as declarações dos próprios arguidos, as quais surgiram, quanto a esta parte, relevantes e coerentes, bem como a cuidada análise da documentação junta aos autos a fls. 111 a 135. * * * 3. Há que, previamente, fazer notar que há no recurso um equívoco terminológico, que cumpre esclarecer:
Atentos os termos da motivação do seu recurso e, sobretudo, das conclusões daquela, que, nos termos do disposto no art.º 412.º, n.º 1, do C. P. P., definem o âmbito do recurso, ao invocar a existência de “erro notório na apreciação da prova” os recorrentes não estão a referir-se ao vício da sentença referido no art.º 410.º, n.º 2, al. c), do C. P. P., mas a um erro de julgamento, a apreciar nos termos do amplo conhecimento em matéria de facto do Tribunal de recurso. O mesmo se diga quanto à invocada existência, na sentença recorrida, de contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, que os recorrentes nem identificam no texto da decisão recorrida (() Conforme decorre da Lei do referido artigo 410º, n.º 2, do CPP e tem sido recorrentemente afirmado na jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, a ocorrência de quaisquer dos vícios plasmados no aludido normativo, há-de resultar do texto da decisão recorrida, por si só, ou conjugada com as regras da experiência ), impondo-se a conclusão, que, ainda aqui, se referem ao que, na sua óptica, se resume num erro de julgamento da matéria de facto. Relativamente ao pretenso erro de julgamento, não têm os recorrentes razão: Os factos postos em crise no recurso são, quanto à arguida Maria, todos os relativos á sua comparticipação criminosa. Se bem pensamos, toda argumentação da recorrente assenta na negação da sua participação na gerência da sociedade arguida e na sua reclamada não intervenção na prática dos delitos, sendo essa a medida da sua impugnação dos factos que põe em crise. Ou seja os factos, segundo ela, não são verdadeiros apenas na medida em que lhe são referidos. Porém, não cabem dúvidas de que a recorrente Maria era gerente, de direito e de facto, da sociedade arguida e que actuou pessoalmente na prática delituosa apreciada nos autos, nos termos que resultam da matéria de facto dada como provada, o que se demonstrou, como consta da motivação da matéria de facto da sentença recorrida, da certidão do registo comercial junta aos autos a fls. 111 a 115, dos documentos de fls. 49 a 53, 123 e 124, e do facto de, no dia da operação de fiscalização do I.G.A.E., se encontrar ela a comandar toda a actividade da fábrica, sendo que, quando os agentes da I.G.A.E. pediram para chamar o responsável, foi a arguida que o fun-cionário chamou e que compareceu perante os mesmos. O ataque ao julgamento da matéria de facto do tribunal recorrido não assenta em divergências quanto às provas que o tribunal valorou, mas sim no desacordo quanto ao sentido dessa valoração. Porém, o tribunal julga a matéria de facto de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, com assento no art.. 127.º, do CPP, excepto nos caso de prova vinculada, questão que, ora, não se coloca. A livre apreciação consiste em o tribunal apreciar a prova de acordo com a sua livre convicção e as regras da experiência. Ora, o que a recorrente pretende é que o tribunal de recurso censure a livre convicção do tribunal a quo quanto ao sentido de valoração da prova, sem qualquer motivo legal que justifique essa censura. Porque não resulta da sentença e do confronto desta com a prova produzida que o tribunal tenha julgado sem prova ou, segundo as regras da experiência, contra a prova. Os recursos em matéria de facto, como vem a ser repetidamente afirmado, servem para sindicar a legalidade das decisões sobre que versam e não para suscitar novas decisões que redefinam aquelas, supostamente aperfeiçoando-as. Quanto à alegação, que já interessa a ambos os recorrentes, de que não se provou o facto consignado sob a alínea h) da matéria de facto provada, temos que: O auto de fls. 4 e 5, é claro, no sentido de que o valor dos artigos – máquinas excluídas – é de € 107.900,00, sendo € 97.600,00 referentes a calças já confeccionadas, € 9.300,00 relativos a calças em acabamento, e € 1.000,00 correspondentes a acessórios. No mesmo auto é atribuído, separadamente, o valor aproximado de € 10.300,00 às máquinas apreendidas, que de modo alguma se confunde com o referido valor das mercadorias, este de € 107.900,00. Não têm, em conclusão, qualquer viabilidade de procedência as questões levantadas no recurso, respeitantes a erro de julgamento da matéria de facto. 4. A questão do concurso entre os crimes previstos e puníveis, respectivamente, pelo artigo 264° do C. P. I. e pelo artigo 23.°, n.° 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro, com a redacção alterada pelo Decreto-Lei n.° 29/99 de 28 de Janeiro. Na linha sustentada na resposta do M.º P.º em 1.ª instância e sufragada no parecer Exm.º Procurador-Geral Adjunto, também entendemos, malgrado a existência de jurisprudência em sentido divergente, que entre os crimes de fraude sobre mercadorias, p. e p. pelo artigo 23.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro, e de contrafacção de marca, p. e p. pelo artigo 264.º, n.º 1, alínea a), do Código da Propriedade Industrial, se verifica uma relação de concurso efectivo de crimes, por serem distintos os bens jurídicos tutelados por um e por outro, sendo que o número de crimes se determina pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos (artigo 30.º, n.º 1, do Código Penal). O direito penal económico contido no Decreto-lei n.º 28/84 assenta em específicos e autónomos bens jurídicos que, para além da sua índole supra-individual, se caracterizam materialmente pela sua relevância directa para o sistema económico cuja sobrevivência, funcionamento ou implementação se pretende assegurar (() Manuel da Costa Andrade, «A nova lei dos crimes contra a economia (Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro) à luz do conceito de “bem jurídico”», Ciclo de Estudos de Direito Penal Económico, Centro de Estudos Judiciários, 1.ª edição, Coimbra 1985, p. 91.). No artigo 23.º, precisamente o preceito que, no diploma, abre o capítulo dos «Crimes contra a Economia», incriminam-se condutas genericamente recondutíveis à categoria de «Fraude sobre mercadorias» que têm em comum a potencialidade de enganar o público. As modalidades de acção susceptíveis de preencher a respectiva factualidade integram condutas dotadas de características que violam as expectativas reconhecidas dos consumidores em relação à mercadoria concreta. Isto pode dar-se através de imitações, contrafacção, produção defeituosa, redução quantitativa, etc. O bem jurídico tutelado é a confiança dos operadores económicos na genuinidade e autenticidade dos produtos quer no que respeita às qualidades, quer mesmo no que toca às quantidades (() Ibidem, p. 99.). Dispõe o artigo 1.º do Decreto-lei n.º 16/95, de 24 de Janeiro, que alterou o Código da Propriedade Industrial, que «a propriedade industrial desempenha a função social de garantir a lealdade da concorrência pela atribuição de direitos privativos no âmbito do presente diploma, bem como pela repressão da concorrência desleal». O Código da Propriedade Industrial visa, em primeira linha, a protecção de interesses individuais ou particulares como sejam a actividade e os seus processos e resultados criativos, designadamente o direito de patentes, de marcas, do nome e insígnia do estabelecimento e das denominações de origem, com incidência no património das pessoas singulares ou colectivas que se dedicam àquela actividade. O bem jurídico tutelado é aqui o interesse privado, individual (() Como se escreveu no acórdão da Relação do Porto, de 28 de Junho de 2000, publicado na Colectânea de Jurisprudência, Ano XXV, Tomo III – 2000, pp. 239-240. ). A contrafacção de marcas registadas põe em causa a tutela legal contra a falsificação das marcas de procedência, ou seja, os sinais identificativos da pertença de uma mercadoria a uma empresa determinada, que permitam diferenciá-la das similares dos seus competidores no mercado (() Como se escreveu no acórdão da Relação de Évora, citando Bajo Fernandez, Derecho Penal Economico Aplicado a la Actividad Empresarial, Civitas, S.A., p. 268, publicado na Colectânea de Jurisprudência, Ano XXIV, Tomo V – 1999, pp. 280-283.). Assim, sendo diferentes os bens jurídicos tutelados no tipo-de-ilícito do artigo 23.º do Decreto-lei n.º 28/84 e no tipo-de-ilícito do artigo 264.º do Código da Propriedade Industrial, o recorrente, com a sua conduta, violou dois bens jurídicos distintos e de diferente natureza, pelo que se verifica uma situação de concurso efectivo de crimes. Como se escreveu no já referido acórdão da Relação de Évora (() Cfr. a nota anteriorr.), na fraude sobre mercadorias o que se visa proteger é o interesse da confiança dos adquirentes consumidores na genuinidade e na qualidade dos produtos que adquirem, susceptíveis de serem defraudados pela aparência imitativa da mercadoria, idónea a enganar, enquanto no artigo 264.º o que se protege é a propriedade da marca registada e não a autenticidade da mercadoria. Assim, no caso em que uma mercadoria contrafeita seja transaccionada com marca contrafeita, verifica-se um concurso de infracções pois, como se disse, são diferentes os interesses protegidos (() Cfr. quanto ao problema do concurso de crimes em causa, o Acórdão da Relação do Porto de 19 de Junho de 2002, proferido no processo n.º 14/2002, cuja fundamentação seguimos, neste passo. ). – 5.A questão da medida das penas: Antes de mais, torna-se necessário referir que, após a prolação da sentença recorrida, foi publicado o novo Código da propriedade Industrial, com o Decreto-Lei n.º 36/2003, de 15 de Julho, sendo o crime de “contrafacção, imitação e uso ilegal de marca” passado a ser previsto e punível pelo artigo 323.º, do referido decreto-lei, com pena de prisão até três anos e ou com pena de multa até 360 dias. Era o seguinte o disposto no art.º 264.º, do Decreto-Lei n.º 16/95, de 24 de Janeiro: « art.º 264.º, Pelo que o novo regime é necessariamente desfavorável, em concreto, aos arguidos, o que se consigna, tendo em vista o disposto no art.º 2.º, n.º 4, do C. P. Quanto às penas concretamente aplicadas, note-se que a sentença recorrida fundamenta exaustivamente as penas aplicadas e que seria ocioso estar, aqui, a reproduzir todos os seus argumentos. Nela, se diz, relativamente à opção pela pena de prisão, para sancionar o crime de contrafacção de marca que tal opção se deve a que a pena de multa não realiza eficazmente, no caso, a necessidade de prevenção geral positiva, tendo em vista a solicitação económica do crime, a zona do país em que este se verificou, com forte incidência de empresas que produzem artigos contrafeitos e a actividade dos arguidos, agentes económicos no ramo das confecções têxteis. Estas razões são claras e insofismáveis. Não se argumente com a pretensamente baixa ilicitude do crime, para se tentar contrariá-las. É que a ilicitude não foi baixa, senão elevada. O artigo contrafeito é de preço elevado e de qualidade muito apreciada no mercado, as quantidades contrafeitas eram grandes e o número de etiquetas apreendidas permite concluir que o grau de grandeza da actividade é marcadamente superior ao que os artigos fabricados ou em via de fabricação deixam supor. Acresce que, lateralmente à protecção dos bens jurídicos tutelados pelas normas violadas e dos direitos dos legítimos detentores das marcas, levantam-se no caso dos têxteis, razões de interesse colectivo numa imagem de credibilidade, que abrangem toda uma indústria e uma região. Não tem sentido, no contexto da gravidade da conduta do arguido, quer quanto ao dolo quer relativamente à ilicitude, pretender fazer derivar, quase de modo automático, de uns, alegados, confissão dos factos e arrependimento que, aliás, a sentença recorrida, nem consigna sem refere, uma atenuação especial da pena. Quanto às medidas propriamente ditas, basta referir que quer as penas de prisão quer a de multa estão bem ajustadas, quer à gravidade dos factos quer às situações económicas dos arguidos. Também a suspensão da execução da pena de prisão à arguida e o período pelo qual foi decretada – de dois anos –, não merece qualquer crítica. Num ponto, porém, discordamos da sentença recorrida: Como vimos, supra, o arguido foi condenado: em 1993, pela autoria de um crime de desobediência qualificada, numa pena de multa de Esc. 15.000$00; em 1997, pela autoria de um crime fraude sobre mercadorias, numa pena de multa, de Esc. 95.000$00, que pagou; em 1998, por um crime de falsidade de depoimento ou declaração, numa multa de Esc. 45.000$00; e, em 2000, pela prática de um crime de contrafacção, numa multa de Esc. 135.000$00ção, que também pagou. Concluiu-se na sentença recorrida, muito com base nestes antecedentes criminais, que a ideia do afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes, não encontra qualquer eco na matéria de facto assente, tendo em conta a total indiferença que o arguido tem demonstrado perante os normativos jurídico-penais e perante as duas anteriores condenações pela prática de iguais factos. ), a finalidade politico-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão é clara e terminante: o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e não qualquer «correcção», «melhora» ou - ainda menos - «metanoia» das concepções daquele sobre a vida e o mundo. E em suma, como exprime Zipf, uma questão de «legalidade» e não de «moralidade» que aqui está em causa. Ou. como porventura será preferível dizer, decisivo é aqui o «conteúdo mínimo» da ideia de socialização, traduzida na «prevenção de reincidência». No nosso entender, o juízo de prognose sobre o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes não pode, não deve, ser afastado, uma vez que o arguido não foi , ainda, confrontado com uma realidade futura de privação da liberdade como consequência da reiteração da conduta delituosa. Assim, considerando o grau de ilicitude médio dos delitos anteriores e as penas concretas que, então, lhe foram aplicadas, assim como dos, já referidos, crimes agora sub judice, aliados às demais circunstâncias pessoais do arguido, de onde avultam os factos de ele ter uma situação sócio-profissional estável – gerente de uma sociedade que emprega trinta trabalhadores – com família estabelecida e dois filhos menores a cargo, e situação económica pouco mais do que modesta – considerados os vencimentos auferidos e os lucros distribuídos pela sociedade –, temos que é, ainda de considerar que a censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da prisão, desde que a suspensão da pena seja fixada por uma período tão longo quanto o permitido por lei, como forma de manter a consciência do arguido alertada para o imperativo de rejeição definitiva da conduta censurada. As máquinas apreendidas fazem parte do activo da sociedade ré, que está legalmente constituída e persegue um escopo lícito. Não são em si mesmas criminógenas, já que a sua aptidão natural de instrumento do fabrico de vestuário têxtil nada tem em si mesmo de ilegal. Por outro lado, o facto de os arguidos se terem servido de tal maquinaria numa actividade ilícita não significa, necessariamente, que daí decorra perigo de utilização das mesmas máquinas em actividades criminosas futuras. Nada nos antecedentes dos arguidos e na forma como estão socialmente inseridos autoriza tal conclusão. Assim, as referidas máquinas não preenchem os requisitos que, nos termos do disposto no art.º 109.º, n.º 1, do CP determinariam a sua perda a favor do Estado. Pelo que a recurso deve proceder, nesta parte, e deve ser revogada a ordem de perdimento da favor do Estado das máquinas apreendidas nos autos. Sem mais, III I – Damos parcial provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida na parte em que: – Decide pela não suspensão da execução da pena ao arguido António M..., suspensão essa que, agora, determinamos e cujo período fixamos em 5 (cinco) anos; – Ordena o perdimento a favor do estado das máquinas apreendidas, alínea i) da parte decisória da sentença, mantendo-se no mais, a ordem de perdimento (instrumentos e produtos do crime: pares de calças, confeccionados e em confecção, etiquetas, botões, rebites e cintos de cós tecidos) II – No mais julgamos o recurso improcedente e negamo-lhe provimento, confirmando toda a restante parte decisória da sentença recorrida.
Condenamos cada um dos recorrentes em 3 (quatro) UC, de taxa de justiça, pelo decaimento parcial. Guimarães, 2005-10-17 |