Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | ISABEL ROCHA | ||
Descritores: | CIRE INSOLVÊNCIA REQUISITOS INDEFERIMENTO LIMINAR | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 09/24/2015 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | A situação de insolvência ocorrerá a partir do momento em que o devedor comprovadamente não pode cumprir as obrigações vencidas, nem poderá fazê-lo num futuro próximo, bastando para tanto que o devedor não se encontre em condições de satisfazer aquelas que, pelo seu significado no conjunto do passivo, ou pelas próprias circunstâncias do incumprimento, evidenciem a sua incapacidade de continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os juízes da 1.ª secção do tribunal da relação Guimarães Relatório AA…, requereu a sua declaração de insolvência alegando, em síntese, que: -na constância do seu casamento com BB… da qual já se divorciou, contraiu junto da Caixa Geral de Depósitos, um financiamento com hipoteca, no montante de €24.861,00 para aquisição de fracção autónoma tipo T3; -ainda junto da mesma instituição bancária contraiu um financiamento no valor de € 6.411,00; -ademais durante a constância do seu casamento, contraiu a título pessoal um empréstimo no extinto BES, agora Novo Banco, no montante de €7493,23; -enquanto sócio gerente da sociedade “CC… LDA” que foi extinta na sequência da sua declaração de insolvência, constituiu-se avalista do contrato de locação financeira imobiliária, contraindo junto do BES, actualmente Novo Banco, um financiamento não liquidado, estando em dívida o montante de €20.557,17; deve também ao BARCLAYS BANK; PLCa quantia de €900,00; Neste momento, as dívidas contraídas somam o valor de € 60, 222,40; O requerente é funcionário da empresaDD…, auferindo como contrapartida o vencimento mensal base de €850,00; No processo de execução que corre termos no tribunal de Guimarães, a Caixa Geral de Depósitos reclamou os créditos e, nessa sequência, o bem imóvel referido foi penhorado, procedendo-se á venda do mesmo, em sede de negociação particular e adjudicado aEE e FF, pelo valor de €70,000,00. Alega também que as suas despesas mensais ascendem a €1004,96, incluindo: -pensão de alimentos das suas duas filhas menores e o ATL de uma delas; -renda de casa, despesas de electricidade água luz e gás, alimentação transportes, vestuário, calçado, farmácia e telemóvel Nestes termos concluiu que, não consegue fazer face ás ditas obrigações, devendo-se declarar a sua insolvência, pedindo também que lhe seja concedido a exoneração do passivo, fixando-se o rendimento mínimo disponível em montante nunca inferior a €1.100,00. Sobre tais pedidos, foi proferida decisão, que julgou liminarmente indeferido o pedido de declaração de insolvência. Inconformado, o requerente, interpôs recurso de apelação,juntandoalegaçõesde onde se extraem as seguintes conclusões: 1. Não se conforma o recorrente com a decisão de indeferimento liminar do pedido de declaração de insolvência. 2. Porquanto entende o recorrente/apelante ter alegado e provado no pedido de declaração de insolvência factos que determinam o preenchimento se não de todos, de pelo menos um, dos factos índices a que alude o artigo 20.º n.º 1 do CIRE. 3. A apresentação à insolvência importa o reconhecimento da própria situação de insolvência e consequentemente, constitui uma verdadeira confissão que deve ser apreciada nos termos do preceituado no artigo 352.º do Código Civil. 4. O recorrente fundamenta a sua declaração de insolvência na circunstância de se encontrar impossibilitado de cumprir a generalidade das suas obrigações vencidas e vincendas, reconhecendo determinada realidade fáctica na petição inicial, de onde, salvo o respeito devido por melhor opinião, pode concluir-se que o recorrente deixou de conseguir dar satisfação aos seus compromissos em termos que projectam a sua incapacidade de pagar. 5. Declarou o recorrente/apelante que, não obstante todos os esforços desenvolvidos desde 2008, entrou em incumprimento generalizado de todas as suas obrigações vencidas. 6. Pelo que, por força do disposto no artigo 28.º do CIRE impõe-se a imediata declaração de insolvência do recorrente/apelante. 7. Apesar de o tribunal a quo entender que o recorrente se encontra, ainda que de forma coactiva, a pagar os aludidos créditos, “de há muito que tem sido geral e pacificamente entendido pela doutrina e pela jurisprudência que, para caracterizar a insolvência, a impossibilidade de incumprimento não tem de abranger todas as obrigações vencidas do insolvente. 8. O que verdadeiramente releva para a insolvência é a insusceptibilidade de satisfazer obrigações que, pelo seu significado no conjunto do passivo do devedor, ou pelas próprias circunstâncias do incumprimento evidenciam a impotência, para o obrigado, de continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos.”, in Ac. TRC de 08/05/2012, Proc. 716/11.6TBVIS.C1, relator Artur Dias, publicado em www.dgsi.pt. 9. “ A insolvência não necessita de uma cessação generalizada de pagamentos, podendo apenas resultar de algumas faltas de pagamento ou mesmo de uma só, desde que feitas em circunstâncias ou acompanhadas de actos de onde se possa inferir Menezes Leitão, Almedina, 2011, 3.ª Edição, pág. 140. 10. De notar que, apesar da cobrança coerciva de créditos vencidos ao recorrente/apelante, designadamente pela penhora de salário e venda judicial da fracção autónoma de que era proprietário, o mesmo havia já deixado de cumprir a generalidade das suas obrigações vencidas quanto ao BANIF S.A. (cuja dívida foi totalmente paga naquele processo), NOVO BANCO S.A. e CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS S.A.. 11. Extinto que está o processo executivo pendente contra o recorrente/apelante desde 27/07/2015, ou seja, em data posterior à entrada do pedido de insolvência, mantém-se a impossibilidade generalizada do devedor, aqui requerente, de pagamento de todas as obrigações vencidas. 12. Acrescida da perda do património, vendido em sede de processo executivo e, consequentemente, da insuficiência de bens para pagamento da totalidade dos créditos vencidos. 13. Mantendo-se ainda as dívidas ao NOVO BANCO S.A., CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS S.A. e BARCLAYS BANK no montante global à presente data de 60.222,40€ (sessenta mil duzentos e vinte euros e quarenta cêntimos). 14. Ascendendo o vencimento base do recorrente aos 850,00€ (oitocentos e cinquenta euros) e encargos mensais fixos com o seu sustento e das suas filhas (está obrigado a pagar pensão de alimentos) que rondam os 1.000,00€. 15. Pelo que, salvo o devido respeito por melhor e fundamentada opinião, não assiste razão ao tribunal a quo quando julga não estarem preenchidos os pressupostos a que alude o artigo 20.º n.º 1 do CIRE, nomeadamente quanto à alínea b) do indicado preceito legal, concluindo pela manifesta improcedência do pedido de insolvência. 16. Porquanto, atentos os factos alegados na petição inicial e que aqui sumariamente de referem, impunha-se decisão diversa da proferida, considerando-se preenchido pelo menos um de três dos factos índices a que alude o artigo 20.º n.º 1, mormente os constantes das alíneas a), b) e e) do CIRE. 17. Violou, entre outros, a decisão recorrida os artigos 1.º, 2.º n.º 1 al. a), 3.º n.º 1, 20 .º n.º 1 e 28.º do CIRE.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir FUNDAMENTAÇÃO Objecto do recurso. Considerando que o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões da alegações a questão a decidir é a de saber se, dos factos alegados pela requerente, se pode concluir que a mesma está em situação de insolvente.
A factualidade a ter em conta é a descrita no relatório.
DECIDINDO Nos termos do disposto no art.º 3.º n.º 1 é considerada em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas. Por sua vez, o n,º 4 da mesma norma equipara á situação de insolvência actual a que se iminente, no caso de apresentação pelo devedor á insolvência. Acresce que, o art.º 20.º do CIRE prevê várias situações em que se presume a existência de uma situação de insolvência, quando a declaração de insolvência requerida por credor ou pelo Ministério Público. Estão em causa factos-índices ou presuntivos, da insolvência, tendo precisamente em conta a circunstância de, pela experiência da vida, manifestarem a insusceptibilidade de o devedor cumprir as sus obrigações, que é a pedra de toque do instituto” (cf. Código da insolvência e da Recuperação de Empresas anotado de Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, 2008 pag.133). Estes factos-índices ou presuntivos, podem também ser ponderados no caso em que é o devedor quem requer a declaração de insolvência, relevando no concreto, o n.º 1 alínea b) que dispõe que, se verifica a situação de insolvência no caso de “ falta de cumprimento de uma ou mais obrigações, que pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações”. Decorre pois destas normas que, a situação de insolvência se traduz na impossibilidade comprovada de cumprimento pelo devedor das suas obrigações, sendo certo que, nem sequer se exige uma pluralidade de incumprimentos, nem tão pouco uma pluralidade de credores, pressupondo e traduzindo “a ideia de incapacidade económico-financeira do devedor, reportando-se portanto à falta de meios económicos, em particular numerário, ou à falta de meios financeiros da empresa para dar satisfação às obrigações vencidas” (cf. Acórdão da Relação de Coimbra de 28-05-2013 publicado em www.dgsi.pt. Assim, a situação de insolvência ocorrerá a partir do momento em que o devedor comprovadamente não pode cumprir as obrigações vencidas, nem poderá fazê-lo num futuro próximo, bastando para tanto que o devedor não se encontre em condições de satisfazer aquelas que, pelo seu significado no conjunto do passivo, ou pelas próprias circunstâncias do incumprimento, evidenciem a sua incapacidade de continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos. Ora salvo o devido respeito, e em face dos factos alegados não se evidência que o ora requerente esteja em situação de insolvência, em face do montante das suas dívidas contraídas e já vencidas, no valor de € 60, 222,40; Há que ter em conta que, o requerente, tem um rendimento do seu trabalho no valor base de €850,00 o que significa que, receberá outros montantes, que não concretizou (veja-se que, o requerente, em sede de pedido de exoneração pediu que se fixasse o valor do rendimento indisponível num valor nunca inferior a €1.100,00. Ademais, o imóvel que pertence ao ora apelante em sede de execução foi objecto de negociação particular com vista á sua venda fixando-se o preço em €70.000,00 não se sabendo se a quantia a receber era suficiente para saldar as suas dívidas que, de facto pelo menos agora, ascendem a valor inferior. Assim sendo, tem razão o Mm.º Juiz da 1.º instância quando refere que, emface aos factos aduzidos, não obstante, o requerente encontra-se a pagar os aludidos créditos, ainda que coercivamente, sendo certo que não há ainda notícias da insatisfação da acção executiva que lhe foi movida. Acresce que, o valor da dívida não é elevada, não se evidenciando a impossibilidade do seu cumprimento, ainda que, num futuro próximo. Deve pois improceder o recurso. Em conclusão: A situação de insolvência ocorrerá a partir do momento em que o devedor comprovadamente não pode cumprir as obrigações vencidas, nem poderá fazê-lo num futuro próximo, bastando para tanto que o devedor não se encontre em condições de satisfazer aquelas que, pelo seu significado no conjunto do passivo, ou pelas próprias circunstâncias do incumprimento, evidenciem a sua incapacidade de continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos.
DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes desta secção em julgar improcedente a apelação confirmando-se a decisão recorrida. Custas pelo apelante Guimarães, 24.09.2015 Isabel Rocha Jorge Teixeira Miguel Baldaia |