Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
| ||
Relator: | JOSÉ ALBERTO MOREIRA DIAS | ||
Descritores: | CAUSA DE PEDIR FACTOS ESSENCIAIS ALEGAÇÃO DOS FACTOS ESSENCIAIS PRINCÍPIO DA PRECLUSÃO CONTRATO DE MANDATO | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 11/16/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 1.ª SECÇÃO CÍVEL | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | 1- Os factos essenciais são aqueles que integram a causa de pedir em que o autor sustenta o pedido que formula contra o réu ou que integram a exceção oposta pelo réu ao exercício desse direito pelo autor e carecem de ser alegados, respetivamente, pelo autor na petição inicial e pelo réu na contestação. 2- Os factos dados como provados em ação de acidente de viação provocado por um cão, demonstrativos em como a proprietária desse cão, ré nessa ação, já não detinha o domínio sobre o cão aquando da eclosão do acidente de viação, consubstanciam, em ação de indemnização instaurada pela autora dessa ação de acidente de viação contra a sua defensora oficiosa, pretendendo ser indemnizada pela última pelos danos decorrentes de ter perdido a ação de acidente de viação em consequência dessa sua patrona ter incumprido, por negligência, as obrigações emergentes do contrato de mandato, matéria integrativa de exceção ao direito indemnizatório que a autora exerce contra a sua defensora (Ré nesta última ação). 3- Esses factos carecem de ser alegados pela defensora (Ré) na contestação que apresente na ação que contra ela foi instaurada pela sua anterior patrocinada (Autora), sob pena de preclusão e do tribunal não os poder considerar como provados, ainda que se encontre junta ao processo certidão da sentença proferida nos autos de acidente de viação, com nota do respetivo trânsito em julgado, que prove esses factos e dos quais derive que a viabilidade da patrocinada obter vencimento na ação de acidente de viação era nula ou muito reduzida. 4- O estatuto de defensora não se distingue, no essencial, de um sui generis contrato de mandato forense, pelo que à relação contratual estabelecida entre a defensora e a patrocinada são aplicáveis as regras do contrato de mandato, as normas deontológicas previstas no EOA e as demais normas legais, incluindo, as enunciadas no CPC. 5- Cumpre defeituosamente o contrato de mandato a defensora que comparece à audiência mais de meia hora após a hora designada para o seu início e quando já se encontrava em curso a inquirição da primeira testemunha e quando já tinha sido proferido despacho a determinar que a prova iria incidir sobre toda a matéria da base instrutória e não apenas sobre a aditada por determinação do Tribunal da Relação e não cuida em se informar sobre o que se tinha passado na sua ausência e, na sequência daquele despacho, não cuida em requerer que seja designada data para a continuação da audiência final a fim de nela fazer comparecer as testemunhas que tinham conhecimento das circunstâncias em que eclodiu o acidente de viação. | ||
![]() | ![]() | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães. I. RELATÓRIO. Recorrente: C. F.. Recorrida: T. B.. * T. B., casada, residente na Travessa …, Alijó, instaurou a presente ação declarativa de condenação, com processo na forma comum, contra C. F., advogada, residente na Rua …, Alijó, e Companhia de Seguros X, S.A., com sede na Avenida … Lisboa, pedindo a condenação destas a pagar-lhe a quantia de 27.850,00 euros, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, acrescida de juros de mora desde a citação até integral e efetivo pagamento. Para tanto alega, em síntese que por via da atuação negligente da 1ª Ré, que lhe foi nomeada patrona oficiosa com vista a instaurar uma ação de responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos emergente de acidente de viação e que, no exercício desse patrocínio, instaurou essa ação, não obteve ganho de causa, causando-lhe, como consequência direta e necessária dessa atuação negligente, danos patrimoniais e não patrimoniais, cuja indemnização reclama. Mais alega que essa responsabilidade da 1ª Ré se encontrava transferida para a 2ª Ré por contrato de seguro. A 2ª Ré contestou, aceitando a existência do contrato de seguro, mas excecionou, invocando a não cobertura pela garantia conferida por esse contrato, nos termos do disposto no art. 3º das condições especiais e no art. 10º das condições gerais da apólice, caso se prove que a 1ª Ré tinha conhecimento prévio dos factos que lhe são imputados e de que os mesmos podiam dar origem a uma reclamação e a possível responsabilização decorrente do exercício da sua profissão de advogada; Impugnou parte dos factos alegados pela Autora. Excecionou sustentando que caso se conclua pela perda total do veículo, que a Autora recebeu pelo menos 2.000,00 euros pelos salvados desse veículo; Alega que ao pretender obter o valor dos salvados e ao pretender obter das Rés montantes aos quais sabe não ter direito, a Autora litiga de má-fé. Conclui pedindo que por via da procedência da exceção invocada, se absolva aquela do pedido e, subsidiariamente, que se julgue a ação totalmente improcedente por não provada e se absolva ambas as Rés do pedido e se condene a Autora como litigante de má fé em multa e em indemnização, nunca inferior a 5.000,00 euros, a atribuir a uma Instituição de Solidariedade Social. A 1ª Ré contestou impugnando a matéria alegada pela Autora, concluindo pela improcedência da ação, com todas as consequências legais. A 1ª Ré requereu a intervenção principal provocada de W, Ltd, sustentando que no ano de 2002, contratou uma apólice individual de reforço junto da corretora de seguros Y Portugal, mediante o qual foi eliminada a franquia de 5.000,00 euros, contrato de seguro esse que foi celebrado com a requerida e que é titulado pela apólice n.º 201220…. Este incidente foi indeferido por despacho de fls. 145 a 147. Convidou-se a Autora a aperfeiçoar a petição inicial, o que a mesma acatou. Dispensou-se a realização de audiência prévia, fixou-se o valor da ação, proferiu-se despacho saneador, o objeto do litígio e os temas da prova, não tendo havido reclamações. Realizada audiência final, foi proferida sentença julgando a ação parcialmente procedente, constando da sentença recorrida a seguinte parte decisória: “Em face de tudo quanto supra se expendeu julgo a presente acção parcialmente procedente e, em consequência, condeno a ré: a) C. F. no pagamento à autora T. B. da quantia de 5000€ (cinco mil euros), acrescidos de juros de mora deste a citação até efectivo e integral pagamento b) COMPANHIA DE SEGUROS X, S.A., no pagamento à autora T. B. da quantia de 6500€ (seis mil e quinhentos euros), acrescidos de juros de mora deste a citação até efectivo e integral pagamento. * Custas a cargo da autora e das rés na proporção do decaimento (cf. art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC)”.Inconformada com o assim sentenciado, a 1ª Ré, C. F., veio apelar, tendo apresentado as seguintes conclusões de recurso: A – Na douta sentença recorrida o Senhor Juiz não apreciou nem teve em consideração documentos essenciais do processo 70/06.8TBALJ (processo este que a Ré, na sua contestação, deu por integralmente reproduzido (art.2º), indicando-o como meio de prova e requerendo a sua apensação aos autos) designadamente: a) A petição inicial e o requerimento probatório apresentado pela aí Autora (fls.2-8 a e 82) por onde se verifica que as três primeiras testemunhas indicadas eram a apresentar; b) O acórdão da Relação do Porto de 10.05.2010 (fls.328 a 333) que determinou a reformulação da Base Instrutória com vista a “ aferir com mais rigor e precisão a extensão e os limites da responsabilidade da Ré na forma como exercia e exerceu o dever de vigilância que sobre ela impendia, enquanto dona e detentora do cão em causa” – fls. 333 . c) A Base Instrutória reformulada (fls.334 a 335) d) A acta da audiência de julgamento de 16.03.2011 (fls.403) que confirma que só nessa data, no início da diligência, foi proferido um despacho, na ausência da Ré/Recorrente, através do qual as partes foram que o julgamento incidiria sobre toda a matéria vertida na base instrutória e não apenas sobre aquela que resultou da reformulação operada pelo despacho de fls. 358 -359. e) A sentença (fls. 417 a 427), em que se deram como provados os factos aditados à BI na sequência da ordenada reformulação pelo Tribunal da Relação do Porto e que demonstram que, à data do acidente, a aí Ré não exercia um poder de facto de vigilância sobre o cão (cfr. fls 420 e 421 FACTOS PROVADOS: 1- A ré, M. C., vive numa quinta situada no Lugar de …, composta por casa de habitação e por uma área de terreno adjacente, toda ela vedada por muros de blocos de cimento e gradeamento em ferro 2 - A ré teve consigo, na quinta aludida em 1, um cão de raça “boxer”, de nome N.”, com pêlo castanho escuro e branco, no qual foi implantado um chip de identificação, até Maio de 2004, altura em que o referido animal despareceu 3 - O referido cão terá fugido de casa da ré numa altura em que os portões de entrada da quinta se encontravam abertos 4- Da quinta, propriedade da ré, ao nó de acesso ao IP 4 mais próximo distam 2km 5 -Logo que constataram a falta do cão referido em 2, supra, a ré, seu marido, seus filhos e netos encetaram diligências no sentido de o encontrarem 6-Deslocando-se às localidades vizinhas do …, …, …, …, …, …, … e …, sitas no Concelho de Alijó 7 - E às localidades de … e …, sitas no Concelho limítrofe de Murça 8 - E contactaram pessoas 9- Procuraram-no em montes, prédios e demais locais 10 - E no IP 4 também efectuaram vários percursos 11- O referido em 6 a 10 prolongou-se por alguns dias.12 - A R. e familiares nunca encontraram o cão 13 - Desde Maio de 2004, nunca mais a R. e seus familiares souberam do paradeiro do cão ou dele tiveram quaisquer notícias. B - Mesmo salvaguardando o princípio da livre apreciação da prova, o Senhor Juiz não fez qualquer apreciação dos depoimentos das testemunhas da Ré, omitindo totalmente a apreciação do depoimento prestado na audiência de julgamento pela testemunha, Dr. A. V.. C - Através do depoimento da testemunha: i) Foram corroborados os factos que se encontram documentalmente provados e não constam dos factos provados, nomeadamente o referido em 1 d) destas conclusões ii) Revelada toda a actuação da Ré, sua Colega, ao longo do processo, relatando em que moldes ocorreu o atraso à audiência de julgamento, a razão do atraso e o pedido de desculpas que apresentou iii) Ficou confirmado que a Ré, sua Colega, não foi notificada do despacho do Senhor Juiz que ordenou que o julgamento incidiria sobre toda a matéria vertida na base instrutória e não apenas sobre aquela que resultou da reformulação iv) Demonstrado como é que a acção nunca poderia ter ganho de causa mesmo que as testemunhas indicadas no requerimento probatório tivessem prestado depoimento. D – A conduta da Ré (que chegou atrasada à audiência de julgamento) não foi causa da improcedência da acção no proc. 70/06.8TBAL, uma vez que aí Ré logrou provar que não tinha o dever de vigilância de facto sobre o cão nem se servia do mesmo no seu próprio interesse o que levaria, sempre, à improcedência do pedido. E - Foi legítima a convicção da Ré de que julgamento no proc. 70/06.8TBALJ apenas se repetiria para a matéria constante dos quesitos reformulados e que permaneceria intocada a matéria de facto respeitante à dinâmica do acidente a que já tinham prestado depoimento as testemunhas – art. 712 nº4 do CPC revogado e art. do NCPC F – O atraso da Ré, consubstanciado na sua chegada ao Tribunal 15/20minutos após o início da audiência de julgamento quando já estava a ser inquirida uma testemunha, - e de que foi apresentadas desculpas ao Senhor Juiz - não configura, smo, conduta indesculpável merecedora de censura deontológica. Inexiste, assim, facto ilícito culposo bem como nexo de causalidade adequada entre o atraso da Ré e o prejuízo que a Autora alega ter sofrido. G – A presunção da culpa prevista no art. 799 nº 1 do CC não dispensa o lesado, quer da prova do dano, quer do nexo de causalidade entre a culpa e o dano, o que in casu, não aconteceu. H - Foi dado como não provado na douta sentença recorrida que “ tivesse sido a actuação da Ré que tenha impedido a Autora de conseguir o ressarcimento dos danos que lhe foram causados pelo acidente de viação em que seu filho se viu envolvido – (cf. 1) dos factos não provados), o que necessariamente, teria que levar à improcedência da acção. Existe assim contradição com a decisão proferida. I - A perda de chance, passível de indemnização, é aquela em que fica demonstrada uma real possibilidade de êxito que se frustrou e que necessariamente tem que ser provada pelo pretenso lesado – art.342 nº 1 do CC. J – No caso concreto, e face à matéria da BI que foi reformulada no processo 70/06.8TBALJ (e que a aí Ré, proprietária do cão, logrou provar) a chance de êxito na procedência da acção era, salvo o devido respeito, nula ou muitíssimo reduzida, sendo que a Autora não demonstrou que tinha uma possibilidade séria e segura de obtenção de uma vantagem, negada em resultado do atraso da Ré. K – “A oportunidade perdida deve ser avaliada o mais possível com referência ao caso concreto, estando o juiz obrigado a realizar uma representação ideal do que teria sucedido no processo, caso não tivesse ocorrido o facto negligente do advogado” (Consº Hélder Roque, Ac.de 04/07/2013 , Colectânea II/135) No mesmo sentido, diz Luís Medina Alcoz (Revista de Responsabilidade Civil e Seguro) que a avaliação da probabilidade de sucesso no litigio em questão, passa pela realização daquilo a que se tem chamado um juízo dentro de um juízo, “o juiz está nestes casos obrigado a realizar uma representação ideal do que teria sucedido no processo caso não tivesse ocorrido o facto negligente do advogado avaliando o grau de probabilidade de vitória nesse processo. L – Ora, a representação ideal do que teria sucedido no processo caso não tivesse ocorrido o atraso da Ré, não foi configurada nos presentes autos com base nos documentos referidos em A). M – A apreciação dos documentos referidos supra, a apreciação do depoimento da testemunha, Dr. A. V., e a representação ideal do que teria sido sucedido no processo caso não tivesse ocorrido o atraso da Ré, levarão, necessariamente à improcedência da acção, oposta à que foi proferida no douto acórdão recorrido. N- Mesmo julgando a acção procedente, não poderia o Tribunal condenar a Ré em juros, pois esta sempre seria, única e exclusivamente, responsável, pelo pagamento da franquia. A sentença recorrida ao condenar a(s) Ré (s) a indemnizar a Autora com base na “perda e chance” omitindo o teor de documentos juntos aos autos e o depoimento de testemunha –violou, entre outros, por omissão e/ou incorreta interpretação, o disposto nos artgs. 607 nºs 4 e 5, 615º nº1 b), C) e d) do CPC, artgs. 483º nº1, 798ºe 799º nº1 do CC e artg. 115º nº 1 do EOA . A recorrida apresentou contra-alegações, nas quais apresenta as seguintes conclusões: I - Está a Apelada dispensada de efectuar a prova dos factos que levaram à decisão ora recorrida, em virtude de esses factos, no caso concreto, terem sido alegados em juízo e constarem das peças processuais e demais documentação presente nestes autos. II - Caso o Tribunal Ad Quem considere tais documentos e valore os mesmos da forma que supra se enunciou deverá o presente recurso improceder. III - Conforme amplamente demonstrado, todos os documentos existentes no autos, nomeadamente a Petição Inicial e Recurso apresentado pela Apelante demonstram a sua cabal falta de zelo, cuidado e estudo das questões que lhe haviam sido confiadas, IV - Mais, conforme consta do Despacho em que a Apelante parece fundamentar toda a sua argumentação, a mesma chegou mais do que uma hora atrasada à audiência de discussão e julgamento, tendo o Meritíssimo Juiz diligenciado no sentido de a contactar. V - Assim, não só não comunicou ao Tribunal que iria atrasar-se, com ainda se mostrou completamente incontactável. VI - Bem sabia a Apelante que a Audiência havia sido agendada para a data e hora em questão… que era seu dever comparecer à mesma… que sobre a mesma recai um especial dever de urbanidade e de respeito para com a S/ Constituinte e para com o Tribunal. VII - Uma vez mais, salvo o respeito merecido, qualquer Mandatário (diligente) que se visse na situação referida, teria, mal tivesse oportunidade para tal, solicitado ao Meritíssimo Juiz um esclarecimento sobre a amplitude dos depoimentos, VIII - Solicitando, face ao alargamento da Base Instrutória, prazo para contactar as suas testemunhas com vista ao depoimento das mesmas e por forma a poder preparar a defesa da Autora, ora Apelada - nem que para tal fosse necessário o agendamento de nova data para inquirição das mesmas. IX - Mais, conforme se poderá analisar, a Petição Inicial e o Recurso apresentados pela Apelante são incipientes, sem conteúdo jurídico e fáctico. X - Na referida Petição Inicial a Apelante não identifica o condutor pelo nome, apenas mencionando que se tratava do filho da Autora. XI - Não refere a direcção em que o veículo se dirigia. XII - Não indica as consequências do acidente, nomeadamente descrevendo o estado do carro e o sítio onde ficou parado, apenas mencionando que se tratou de um “brutal e aparatoso acidente”. XIII - Não requereu a realização de uma perícia ao estado do automóvel. XIV - Não foi junta certidão de registo que comprovasse a propriedade do veículo. XV - Não foi junto nenhum comprovativo da comunicação pela autora à aí ré dos danos materiais sofridos com o acidente de viação, apesar de se alegar a dita comunicação. XVI - Mais, a Apelante refere, apenas, como fundamentação de Direito de tal Petição Inicial: “Nos termos dos arts. 483o e ss do Código Civil, a R. é responsável pelo pagamento de todos os danos causados à aqui A.”. XVII - A intervenção do Instituto Estradas de Portugal foi suscitado pelo Mandatário da então Ré e não pela ora Apelante - como seria de esperar caso a mesmo tivesse estudado a questão que lhe havia sido confiada correctamente. XVIII - Foi, apenas, nessa sequência que a Apelante replicou e deduziu um pedido de intervenção principal provocada do “Instituto das Estradas de Portugal” – cfr. Doc. 8 que consta do processo n.º 70/06.8 TBALJ. XIX - Foi com base nas faltas acima referidas que o douto Tribunal da Relação do Porto (para onde a Apelante recorreu, na qualidade de Mandatária da ora Apelada da sentença proferida e que julgou improcedente o S/ pedido) diz o seguinte: “Do facto de o cão pertencer à ré e recorrida naquele processo não podia resultar como provado como ocorreu o acidente e se houve qualquer relação do acidente com o canídeo referido. (sublinhado e negrito nosso). “Não é possível afirmar que o cão referido teve qualquer intervenção na produção do acidente pelo que não é possível equacionar a responsabilidade da sua proprietária ou das Estradas de Portugal.” (sublinhado e negrito nosso). XX - Parece, assim, à ora Apelada que a Apelante não exerceu o Mandato Forense que lhe havia sido conferido de forma cuidada e zelosa, não tendo a mesma estuda a questão que lhe havia sido confiada, XXI - tendo, inclusive, negligenciado a S/ relação com a ora Apelada ao não lhe contar o resultado do recurso da Pate Contrária naquele processo, da repetição do julgamento, da nova decisão e do novo recurso. XXII - Conforme ficou demonstrado junto do douto Tribunal A Quo a Apelada só teve conhecimento da sentença que lhe era desfavorável aquando da decisão de improcedência do recurso apresentado pela Apelante relativamente a essa sentença. XXIII - Não teria a ora Apelada direito a saber todas estas informações? Não era dever da Apelante informá-la? Não era também seu dever tratar as questões que lhe são confiadas com zelo e com conhecimento profundo sobre as matérias envolvidas? XXIV - Ora, como se poderá analisar pelos referidos documentos que a Apelante pretende que sejam valorados de forma distinta, é óbvia e flagrante a falta de profissionalismo, de cuidado e de urbanidade da ora Apelante relativamente ao processo da Apelada. XXV - Já no respeitante ao depoimento da Testemunha Dr. A. V., a Apelante pretende usar o mesmo como demonstrativo da S/ actuação correcta e profissional. XXVI - Contudo, esquece-se a mesma de dar relevância a citações fundamentais, efectuadas pelo mesmo, e que demonstram exactamente o contrário. XXVII - Começa a Apelante por referir de que através do referido depoimento se consegue descortinar que a intervenção do Instituto Estradas de Portugal foi por si requerida ao douto Tribunal. XXVIII - Contudo, esquece e Apelante de referir que a referida Testemunha claramente menciona que: “Portanto dai que eu considerava que ela era parte ilegítima mas também, no fundo, para suscitar a própria intervenção dessa entidade que acaba por ser, creio que era na altura designado Instituto de Estradas de Portugal ou Estradas de Portugal, qualquer coisa assim do géN.”. (conforme transcrição efectuada pela Apelante) XXIX - Ou seja, foi a Testemunha (na altura, Mandatário da Ré no processo n.º 70/06.8TBALJ) quem contestou a Petição Inicial apresentada pela Apelante, desde logo se considerando parte ilegítima e suscitando a intervenção daquela Entidade XXX - Salvo melhor opinião, o zelo e estudo da questão que lhe havia sido confiada deveria ter levado a Apelante a demandar, imediatamente, aquando da apresentação da Petição Inicial não só a Ré, mas também o Instituto Estradas de Portugal. XXXI - Mais, refere a Apelante que o facto da Testemunha reconhecer que a mesma recorreu da sentença é demonstrativo da S/ diligência profissional. XXXII - Ora salvo o devido respeito, se não o tivesse feito seria de uma falta de profissionalismo ainda mais inqualificável. XXXIII - Contudo, não podemos deixar de referir que o Recurso apresentado pela mesma é parco de fundamentação, incoerente, não consegue demonstrar a existência de nexo causal, baseia a sua legitimidade e razão na não notificação do despacho no início da audiência a que chegou atrasada,… enfim, demonstrativo daquilo que sempre foi a S/ conduta enquanto Mandatária da Apelada. XXXIV - Aliás, conforme acima mencionado, o recurso apresentado pela Apelante foi completamente desconstruído, ainda para mais porque o mesmo contradizia aquelas que foram as acções da Apelante no processo. XXXV - Continua a Apelante a fundamentar no referido depoimento o S/ constrangimento ao chegar atrasada no dia da Audiência de Discussão e Julgamento e o facto de o Meritíssimo Juiz não a ter notificado do Despacho de ampliação da Base Instrutória. XXXVI - Contudo, esquece-se a Apelante de referir que a mesma Testemunha refere que o Meritíssimo Juiz, durante os 45 minutos seguintes à hora agendada para começo da referida Audiência, tentou contactá-la por diversas vezes, tanto para o telemóvel como para o escritório, estando a mesma incontactável - “Eu creio que sim, creio que para o telemóvel dela e para o escritório, foram feitos vários contactos, vejamos o Dr. F. também começa o julgamento com a certeza que ela estava incontactável.” (sublinhado e negrito nossos). XXXVII - Refere, também, a Testemunha (no depoimento transcrito pela Apelante) quando questionado sobre se a Apelante teria, na primeira pausa após a S/ chegada, questionado o Meritíssimo Juiz sobre o facto da mesma se ter apercebido da ampliação da Base Instrutória, que: “Não” XXXVIII - Aliás, refere inclusive no depoimento transcrito pela Apelante: “É assim eu sinceramente fiquei e não me preocupei muito pelo motivo que as testemunhas que eu tinha indicado eram precisamente as mesmas que eu havia indicado para a primeira sessão digamos de julgamento. Agora, seguramente, seguramente se as testemunhas fossem diferentes eu creio que, eu creio não tenho a certeza que me insurgia quanto a essa situação.” (sublinho e negrito nosso). XXXIX - Assim e salvo melhor opinião em contrário, era dever da Apelante, assim que tal fosse possível, desculpar-se pelo S/ atraso, justificando o mesmo e solicitando os esclarecimentos que considerasse necessários em função daquilo que se havia apercebido. XL - Continua a Apelante a fazer uso do referido depoimento ao mencionar que - artigos 12º a 14ª da Apelação - mesmo que tivesse sido notificada do Despacho acima referido, tal não alteraria em nada a decisão posterior uma vez que a Testemunha (Mandatário da Ré na altura) teria conseguido provar que aquela não teria o domínio do cão na data do acidente. XLI - Convém primeiro referir que é a própria Testemunha que refere claramente no S/ depoimento que a ora Apelante não conseguiu provar o nexo causal a que estava obrigada para ver a S/ acção vencedora (se não pela condenação da Ré, pela condenação do Instituto Estradas de Portugal). XLII - A esse propósito refere claramente que “Isso não ficou provado.” XLIII - Assim, e conforme amplamente relatado nas alegações supra, é patente, objectiva e clara a falta de profissionalismo por parte da Apelante, a violação dos deveres deontológicos a que está vinculada enquanto Advogada e a sua conduta desrespeitosa para com a S/ Constituinte e até para com o douto Tribunal a Quo. XLIV - Todos estes comportamentos levaram à impossibilidade da ora Apelada ser ressarcida dos danos patrimoniais e não patrimoniais que lhe foram causados, XLV - tendo a mesma direito a ver compensados tais prejuízos causados pela conduta da Apelante. * Corridos os vistos legais, cumpre decidir.* II- FUNDAMENTOSO objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, não podendo a Relação conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC. No seguimento desta orientação as questões que se encontram submetidas à apreciação desta Relação são as seguintes: 1- se a sentença proferia pelo tribunal a quo é nula com fundamento nos vícios enunciados nas alíneas b), c) e d) do n.º 1 do art. 615º do Cód. Proc. Civil, designadamente por contradição entre a decisão nela proferida e a matéria de facto nela dada como não provada no ponto 1 dos factos dados como não assentes; 2- se o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento quanto à matéria de facto dada como provada ao não dar como assente os factos descritos nas alíneas a) a e) de fls. 280 verso e se reponderando na prova produzida se impõe dar como provada essa matéria; 3- se o tribunal a quo incorreu em erro de direito ao julgar parcialmente procedente a ação, condenando as Rés a indemnizar a Autora apesar de matéria dada como não provada no ponto 1º dos factos dados como não assentes; 4- se o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao julgar parcialmente procedente a presente ação, condenando as Rés a indemnizar a Autora apesar de perante a matéria de facto dada como provada no Proc. 70/06.8TBALJ, a ali Ré, proprietária do cão, ter logrado fazer prova que não tinha o poder de facto sobre esse cão e, consequentemente, a chance de êxito da ali e aqui Autora nessa ação ser nula ou muitíssimo reduzida; 5- se aquele tribunal incorreu em erro de julgamento ao condenar a recorrente em juros de mora a calcular sobre a franquia. ** FUNDAMENTAÇÃO DE FACTOO tribunal a quo considerou provada e não provada a matéria que se passa a enunciar: A) O processo n.º 70/06.8TBALJ correu termos no Tribunal Judicial de Alijó e opôs a ora Autora a M. C., enquanto ré. B) No referido processo, a ora Ré foi nomeada defensora oficiosa da Autora – cfr. doc. 1 que ora se junta e se dá por reproduzido para os devidos efeitos legais. C) No dia 27 de Agosto de 2004, ao quilómetro 118,7 do IP4, Vila Verde, por volta das 5h30, ocorreu um acidente de viação. D) O veículo envolvido em tal acidente era um veículo ligeiro de passageiros com a matrícula MF, da marca Peugeot, pertencente à Autora E) O condutor do dito veículo era, nesse momento e local, o filho da Autora, A. B.. F) O veículo encontrava-se ainda ocupado por outros dois passageiros. G) O veículo deslocava-se na direcção Vila Real – Bragança. H) O tempo estava seco e a estrada apresentava boas condições de visibilidade. I) O condutor do veículo conduzia à velocidade de 90 km/hora, quando um cão se atravessou no seu caminho. J) O cão veio do lado direito da faixa de rodagem, de um monte e foi inevitavelmente atropelado pelo condutor. L) Em consequência do aparecimento do cão, o veículo despistou-se e embateu nos rails de protecção da estrada. M) Por força de tal embate o veículo automóvel danificado, nomeadamente: destruição quase total dos vidros; jantes e rodas empanadas e partidas; tejadilho destruído; capô e portas completamente empanadas; direcção partida; e interiores destruídos. N) O veículo foi considerado como irreparável, sendo o valor do salvado de € 2.000,00 (dois mil euros) e o valor venal de € 11.600,00 (onze mil e seiscentos euros) – cfr. carta da Empresa A – Assistência e Serviços, Lda. O) O cão que provocou o acidente morreu em consequência do mesmo. P) O filho da Autora solicitou a presença do veterinário municipal, no dia 30 de Agosto de 2004, para determinar se o canídeo que determinou o acidente era portador de um chip electrónico, através de um leitor de identificação electrónica de animais Q) O cão em causa era de raça boxer e tinha o pelo castanho-escuro e branco – cfr. Doc. 3. R) O cão tinha um chip de identificação com o n.º 9410000000… S) A proprietária do cão era M. C., casada, portadora do bilhete de identidade n.º 19…, residente em …, Alijó. T) Na sequência dos factos relatados, em 21 de Julho de 2005, a Autora requereu a concessão de apoio judiciário, que foi concedido por despacho proferido no dia 10 de Agosto de 2005 U) Por despacho do dia 21 de Novembro de 2005, a ora Ré foi, então, designada para efeitos de consulta jurídica, no âmbito da apreciação liminar da existência ou inexistência de fundamento para a pretensão da Autora e para o respectivo patrocínio da Autora, caso concluísse pela existência do dito fundamento. V) No dia 01 de Março de 2006, deu entrada no Tribunal Judicial de Alijó a petição inicial. W) A acção então iniciada correu termos sob o número de processo 70/06.8TBALJ, no Tribunal Judicial da Comarca de Alijó. X) Na dita acção, figuraram como autora a ora Autora e como ré a proprietária do cão que esteve na origem do acidente, M. C.. Y) Foi dispensada a realização da audiência preliminar, o processo foi saneado e foram seleccionados os factos assentes e os que passaram a integrar a base instrutória. Z) Teve lugar a audiência final e foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente o pedido formulado pela Autora. AA) Desta sentença foi interposto recurso de apelação para o Tribunal da Relação do Porto. AB) O Acórdão do TRP de 10 de Setembro de 2012 anulou o julgamento e determinou a reformulação da base instrutória. AC) Foi, como tal, proferida nova sentença, pela qual o pedido formulado pela Autora foi julgado improcedente e as rés foram absolvidas do mesmo. AD) A Autora, ainda representada pela ora Ré, interpôs da decisão do Tribunal de primeira instância recurso de apelação para o Tribunal da Relação do Porto. AE) Este recurso correu termos sob o número de processo 70/06.8TBALJ.P2, na 5.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto. AF) Em sede de alegações de recurso, a Ré, enquanto representante da Autora, concluiu que, no início da audiência final, quando ainda não se encontrava presente, foi proferido despacho em que se esclareceu às partes que o julgamento iria versar sobre toda a matéria de facto da base instrutória. AG) Este despacho não foi notificado à Ré e, quando chegou, já decorria o depoimento da primeira testemunha, situação que prejudicou a defesa da posição da autora/ naquela acção, aqui Autora também. AH) O Tribunal da Relação do Porto decidiu no sentido de não dar provimento ao recurso interposto. AI) O veículo acidentado era o meio de transporte da Autora. AJ) Era ainda o meio de transporte dos seus filhos menores e de um sobrinho que estava à guarda da Autora. AL) Tanto os filhos como o sobrinho da Autora estudavam em Alijó. AM) Desde a perda do veículo a Autora passou a ter que se deslocar pé, sempre que não conseguia boleia, desde o local onde reside, …, que fica a 5 km de Alijó, até Alijó, onde trabalhava como empregada doméstica. AN) O facto de ter ficado sem meio de transporte causou transtornos no quotidiano da Autora. AO) A Ré transferiu a sua responsabilidade civil, nomeadamente por actos praticados no âmbito da sua actividade profissional, para a Ré Companhia de Seguros X, S.A, no qual está consagrada um franquia de 5000€. Factos não provados. 1) A actuação da ora Ré impediu a Autora de conseguir o ressarcimento dos danos que lhe foram causados pelo acidente de viação em que o seu filho se viu envolvido. 2) Foi a falta de diligência na elaboração das peças processuais pela Ré no tocante ao processo que correu termos no Tribunal Judicial de Alijó que a impossibilitou de se ver ressarcida dos danos que lhe foram causados. 3) Não fosse ter existido uma falha fulcral na articulação da matéria de facto pela Ré na petição inicial e na produção de prova, que impediu que se concluísse pela existência de nexo de causalidade entre a presença do cão e a ocorrência de danos, a Autora poderia ter sido ressarcida. 4) À falha na articulação da matéria de facto somou-se a falha na elaboração das alegações de recurso, pela qual a Ré entrou em contradição com a sua própria actuação, ao referir que a falta de audição, por si, do despacho proferido no início da audiência final, prejudicou a defesa apresentada, quando tal não foi manifestamente o caso. * No entanto, tendo em consideração que a Autora alegou nos arts. 69º a 73º da petição inicial a matéria que aí se encontra exarada e que essa matéria se encontra provada através do documento autêntico junto aos autos a fls. 31 a 40 – acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto no âmbito dos autos de acidente de viação -, cuja autenticidade não foi impugnada, e porque essa matéria releva para a decisão da causa e não foi considerado pelo tribunal a quo, como se impunha que acontecesse, ao abrigo do disposto nos arts. 607º, n.º 4 e 663º, n.º 2 do CPC., adita-se aos factos provados os seguintes factos:AH1- A aqui Ré, em sede de recurso referido em AD) a AF), invocou a nulidade do despacho identificado em AF), com fundamento na circunstância desse despacho não lhe ter sido notificado, tendo o Tribunal da Relação do Porto, pelo acórdão identificado em AH), transitado em julgado, conhecido dessa exceção, nos seguintes termos: “A Ré veio invocar a falta de notificação do Despacho proferido no início início da Audiência Final, ocasião em que ainda não estava presente. Como se vê do acima considerado provado para efeito de apreciação desta questão, o Despacho em causa foi de mero esclarecimento e o seu eventual desconhecimento por parte da Patrona da Recorrente em da afetou a posição da Autora, pois que indicou as suas testemunhas (2ª e 3ª a serem ouvidas) aos pontos 1º a 6º da B.I.,o que demonstra, à saciedade que tinha a consciência plena que a nova Audiência Final não abrangia só a matéria de facto aditada ou alterada, mas todos os factos integrantes da Base Instrutória. Além de que é demonstrativo de que a Autora não necessitava do esclarecimento constante do Despacho. Não ocorreu, pois, qualquer prejuízo para a sua posição processual. E não estamos perante uma situação prevista no art. 201º, n.º 1 do CPC. Carece, assim, de razão a Autora quanto a esta questão” – cfr. doc. de fls. 31 a 40. AH2- O pedido foi julgado improcedente nos termos relatados em AC), por não ter ficado apurado como ocorreu o acidente, “não sendo possível afirmar que o cão referido teve qualquer intervenção na produção do mesmo. Não é possível afirmar que o cão tenha tido qualquer atuação de que resultou o acidente. Desconhecendo se ocorreu essa intervenção, não é possível equacionar a responsabilidade da sua proprietária ou da EP, S.A., na produção do alegado acidente e suas consequências danosas para a Recorrente” – cfr. doc. de fls. 31 a 40. ** B- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO B.1- Da nulidade da sentença, designadamente por contradição entre a decisão nela proferida e a matéria de facto dada como não assente no ponto 1º dos factos não provados. Embora a apelante não suscite expressamente a questão da nulidade da sentença proferida pelo tribunal a quo, verifica-se que a mesma não só afirma expressamente que ocorre contradição entre a decisão proferida e a matéria de facto dada como não provada no ponto 1º dos factos dados como não assentes, como invoca expressamente que essa sentença viola o disposto no art. 615º, n.º 1, als. b), c) e d) do Cód. Proc. Civil (doravante CPC), normativo este que versa sobre as causas da nulidade da sentença, de onde decorre que aquela acaba, assim, por implicitamente suscitar o vício da nulidade da sentença proferida pelo tribunal a quo, razão pela qual se impõe conhecer, em primeiro lugar, desse vício, sabendo-se que o mesmo, a verificar-se, poderá determinar a anulação da sentença, com eventual renovação da prova produzida ou produção de nova prova ou, ainda, a ampliação da matéria de facto, pelo que, nesses casos, poderá resultar prejudicada a apreciação dos demais fundamentos de recurso que vêem aduzidos pela apelante. Expressa o referido art. 615º, n.º 1, que a sentença é nula quando: a) …; b) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre as questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. Os vícios que se encontram enunciados neste normativo reportam-se à estrutura ou aos limites da sentença, tratando-se de defeitos de atividade ou de construção da própria sentença proferida. Respeitam a vícios da estrutura da sentença os fundamentos enunciados nas alíneas b) (falta de fundamentação) e c) (oposição entre os fundamentos e a decisão); e respeitam a vícios atinentes aos limites da sentença, os enunciados nas alíneas d) (omissão ou excesso de pronúncia) e e) (pronuncia ultra petitum). Os vícios em referência “afetam formalmente a sentença e provocam a dúvida sobre a sua autenticidade, como é o caso da falta de assinatura do juiz, ou a ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que se decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduzir logicamente a resultado oposto do adotado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender resolver questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões que deveria conhecer (omissão de pronúncia)”(1). Diferentemente desses vícios são os erros de julgamento (error in judicando), os quais contendem com erros quanto à decisão de mérito explanada na sentença, decorrentes de uma distorção da realidade factual (error facti) e/ou na aplicação do direito (error juris), de forma que o decidido não corresponde à realidade ontológica ou normativa. Nos erros de julgamento assiste-se a uma deficiente análise crítica das provas produzidas ou a uma deficiente enunciação e/ou interpretação dos institutos jurídicos aplicados ao caso concreto, sendo que esses erros, por não respeitarem já a defeitos que afetam a própria estrutura da sentença, mas ao mérito da relação material controvertida nela apreciada, não a inquinam de invalidade, mas de error in judicando atacáveis em via de recurso (2). B.1.1- Da nulidade da sentença por falta de fundamentação. No caso concreto, a apelante sustenta que a sentença proferida pelo tribunal a quo viola o disposto na al. b), do n.º 1 do art. 615º do CPC, normativo este que se reporta ao vício da falta de fundamentação, mas não cuida em concretizar em que se consubstancia essa alegada falta de fundamentação. Como se sabe, o dever de fundamentação das decisões judiciais é uma decorrência do art. 205º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa. Densificando esse comando constitucional, os arts. 154º, n.º 1 e 615º, n.º 1, al. b) do CPC impõem ao juiz o dever de especificar os fundamentos de facto e de direito em que alicerça a decisão. A ausência dessa fundamentação ou a fundamentação mediante simples referência genérica aos factos alegados pelas partes ou aos que foram objeto da prova ou, ainda, a simples adesão genérica aos fundamentos de direito invocados pelas partes (n.º 2 do art. 154º), inquina a sentença de nulidade. Acontece que compulsada a sentença proferida nos autos, verifica-se que para além da apelante não concretizar em que se consubstancia o vício da falta de fundamentação que assaca a essa sentença, constata-se que nela se encontram devidamente especificados os fundamentos de facto e de direito em que se alicerça a decisão nela proferida, pelo que não se vislumbra que a mesma padeça do invocado vício da nulidade por falta de fundamentação. Precise-se que de acordo com a doutrina e a jurisprudência, o vício da falta de fundamentação determinativo de nulidade da sentença apenas se verifica quando falta, em absoluto, a indicação dos fundamentos de facto ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão, não consubstanciando vício de falta de fundamentação a mera deficiência de fundamentação, a qual consubstancia error in judicando e, consequentemente, questão de mérito, atacável em via de recurso, não determinativo de nulidade da sentença proferida (3). Resulta do que se vem dizendo, improceder o vício da nulidade da sentença proferida pelo tribunal a quo com fundamento na falta de fundamentação. B.1.2- Da nulidade da sentença com fundamento em oposição entre os fundamentos e a decisão e/ou ininteligibilidade da decisão nela proferida. Sustenta a recorrente que a sentença viola o disposto na al. c), do n.º 1 do art. 615º do CPC. Neste preceito prevêem-se duas causas de nulidade da sentença: uma primeira causa, decorrente da circunstância de se assistir à oposição entre a decisão e os fundamentos de facto e/ou de direito em que ela repousa; e uma segunda causa de nulidade decorrente da sentença padecer de ambiguidade ou obscuridade que torna a decisão ininteligível. Quanto à primeira dessas causas de nulidade, a mesma afirma-se quando existe uma contradição lógica entre a decisão e os fundamentos de facto e/ou de direito avocados na sentença para ancorar essa decisão. Isto é, o julgador segue determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e em vez de a tirar, decide noutro sentido, oposto ou divergente. Esta oposição não se confunde, porém, com “o erro na subsunção dos factos à norma jurídica, ou muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já se o raciocínio expresso na fundamentação apontar para determinada consequência jurídica e na conclusão for tirada outra consequência, ainda que esta seja a juridicamente correta, a nulidade verifica-se. A oposição entre os fundamentos e a decisão tem o seu correspondente na contradição entre o pedido e a causa de pedir” (4). Dito por outras palavras, a nulidade da sentença com fundamento em oposição entre os fundamentos e a decisão traduz-se num vício real no raciocínio do julgador explanado na sentença, consistente em a fundamentação apontar num determinado sentido e a decisão seguir caminho oposto ou, pelo menos, diferente. Esse vício distingue-se do erro de julgamento em virtude de neste não existir qualquer vício de raciocínio do julgador, mas apenas uma incorreta interpretação da lei ou uma indevida aplicação desta aos factos provados ou não provados no caso concreto. Cremos que é a este vício da oposição lógica entre fundamentos e a decisão a que a recorrente se quer especificamente referir quando implicitamente invoca a nulidade da sentença recorrida. Na verdade, a recorrente sustenta que o facto de naquela sentença se ter dado como não provado que “tivesse sido a atuação da Ré que tenha impedido a Autora de conseguir o ressarcimento dos danos que lhe foram causados pelo acidente de viação em que o seu filho se viu envolvido”, faz com que a sentença entre em contradição com a decisão nela proferida. Acontece que compulsada a sentença verifica-se que apesar de ser certo que o tribunal a quo deu como não provada aquela matéria, não existe qualquer contradição lógica nos pressupostos de facto e de direito que nela se explanam, designadamente, quanto ao raciocínio que nela se encontra espelhado a propósito desses fundamentos de facto e de direito e a decisão condenatória da Ré (apelante) e sua seguradora nela proferida, designadamente, entre essa decisão e o facto de nela se ter concluído pela não prova da referida factualidade. Na verdade, o tribunal a quo considerou que a apelante, enquanto advogada oficiosa, se encontrava, contratual e legalmente, obrigada perante a apelada a uma obrigação de meios, tendente a obter vencimento de causa na ação de acidente de viação que instaurou em representação daquela e no exercício do contrato de mandato que com a mesma celebrou. Mais considerou que sendo a “vitória judicial sempre de natureza incerta, e tendo toda a causa um resultado aleatório, o autor não pode afirmar que a ação judicial, onde ocorreu semelhante omissão do seu mandatário, teria sido, sem ela, julgada, total ou parcialmente, procedente” (cfr. fls. 257), residindo, a nosso ver, aqui o fundamento específico da não prova da matéria vertida no ponto 1º dos factos não provados. Ao assim decidir o tribunal a quo está estritamente no plano dos factos. No entanto, perante a factualidade que se apurou sob as alíneas AF e AG, em que se provou que “em sede de alegações de recurso, a Ré, enquanto representante da Autora, concluiu que, no início da audiência final, quando ainda não se encontrava presente, foi proferido despacho e que se esclareceu as partes que o julgamento iria versar sobre toda a matéria de facto da base instrutória. Este despacho não foi notificado à Ré e, quando chegou, já decorria o depoimento da primeira testemunha, situação que prejudicou a defesa da posição da autora naquela ação, aqui Autora também”, (sublinhado nosso) -, o tribunal a quo conclui que a apelante incumpriu as suas obrigações contratuais e deontológicas a que se encontrava obrigada perante a apelada e com isso frustrou a chance desta de obter vencimento de causa, provocando-lhe um dano em si mesmo indemnizável, traduzido na perda da chance de obter vencimento de causa. Ao assim decidir o tribunal a quo moveu-se no plano do direito aplicável – mérito. Assim, não obstante o tribunal a quo ter concluído não poder comprovar que não fora aquela conduta ilícita da apelante, a apelada teria logrado obter vencimento de causa e lograria ser indemnizada pelos danos patrimoniais e não patrimoniais que sofreu em consequência do acidente de viação por via da procedência da ação instaurado pela apelante no exercício do mandato que lhe conferiu e, nessa medida, ter concluído pela não prova da matéria vertida no ponto 1º dos factos não provados, concluiu que, por via daquela atuação ilícita da apelante, esta prejudicou a defesa da posição da apelada naquela ação, afastando irremediavelmente a chance desta de obter vencimento de causa nessa ação, cujo grau de probabilidade de vencimento tinha atingido um nível de consistência tal que fez nascer na esfera jurídica da apelada um direito indemnizatório sobre a apelante e foi este direito indemnizatório que condenou a última (e a sua seguradora) a satisfazer à apelada. Neste raciocínio não se vislumbra existir qualquer contradição lógica entre a parte decisória da sentença proferida pelo tribunal a quo e os fundamentos de facto e de direito que aduziu para nela fazer repousar essa decisão. Poderá existir um eventual erro de julgamento, decorrente do tribunal a quo ter interpretado de forma incorreta os factos dados como provados e não provados naquela sentença, ter avocado institutos jurídicos não aplicáveis a essa concreta factualidade ou eventualmente ter feito uma interpretação incorreta desses institutos ao caso concreto, o que, a verificar-se, consubstanciará error in judicando, não determinativo da nulidade da sentença proferida. Decorre do que se vem dizendo improceder a alegada nulidade da sentença proferida pelo tribunal a quo com fundamento em alegada oposição entre a decisão e os fundamentos em que ela repousa. A sentença recorrida não padece igualmente de ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível. É que uma sentença sofre de ambiguidade quando a parte decisória propriamente dita (com exclusão, portanto, dos fundamentos nela explanados para ancorar essa decisão) tem mais do que um sentido, tornando-se, consequentemente, incerto, duvidoso ou indefinido o respetivo comando para um declaratário normal; será obscura quando o seu exato sentido não pode ser alcançado por esse declaratário médio, ou seja, no primeiro caso, um declaratário médio, quando confrontado com a decisão, interpreta-a em mais que um sentido e, consequentemente, desconhece qual o sentido a seguir; no caso de obscuridade, esse declaratário médio/normal nem sequer consegue apreender o que o juiz quis dizer na parte decisória (5). Ora, no caso, é manifesto que a parte decisória da sentença proferida pelo tribunal a quo não padece de nenhum dos apontados vícios, sendo o decidido facilmente apreensível para quem quer que seja, sem grande esforço interpretativo. Nesta conformidade, improcede a invocada nulidade da sentença recorrida com fundamento em ambiguidade ou obscuridade daquela, que torne a decisão nela proferida ininteligível. B.1.3- Da nulidade da sentença com fundamento em omissão ou excesso de pronúncia. Alega a recorrente que a sentença proferida pelo tribunal a quo viola o disposto no art. 615º, n.º 1, al. d) do CPC. Neste normativo encontram-se previstas duas causas de nulidade da sentença: a nulidade decorrente da omissão de pronúncia e aquela que decorre de excesso de pronúncia. Devendo o tribunal conhecer de todas as questões que lhe são submetidas (art. 608º, n.º 2 do CPC), isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e de todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer, o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção cuja conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão, constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da sentença, que as partes hajam invocado, uma vez que o juiz não se encontra sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5º, n.º 3 do CPC). Acresce que como já referia Alberto dos Reis (6), impõe-se distinguir, por um lado entre “questões” e, por outro, “razões ou argumentos”. “…Uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção (…). São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar as suas pretensões”. Ora, apenas a não pronúncia pelo tribunal quanto a questões que lhe são submetidas determina a nulidade da sentença, mas já não a falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões. Ocorre excesso de pronúncia quando o juiz conheça de causas de pedir não invocadas ou de exceções não deduzidas pelas partes e que estejam na exclusiva disponibilidade destas (art. 608º, n.º 2 do CPC) (7) No caso, verifica-se que, mais uma vez, apesar de sustentar que a sentença proferida viola o disposto no art. 615º, n.º 1, al. d) do CPC, a recorrente não cuidou em concretizar essa sua alegação, sem que se vislumbre que nela o tribunal a quo tenha incorrido em excesso ou omissão de pronúncia. Note-se que lidas as motivações e as conclusões de recurso apresentadas pela recorrente, afigura-se-nos que a mesma sustenta a alegada omissão de pronúncia na circunstância do tribunal a quo não ter selecionado matéria de facto que, na sua perspetiva, em face da prova produzida, devia ter selecionado, dando-a como provada, e que seria demonstrativa em como a Ré nos autos de acidente de viação não tinha já o domínio do cão na altura do acidente e, consequentemente, essa ação de acidente de viação teria nulas ou escassas possibilidades de viabilidade, o que, a seu ver, excluiria o direito indemnizatório que foi arbitrado à apelada no âmbito dos presentes autos, com o que, salvo o devido respeito por opinião contrária, a apelante confunde omissão de pronuncia determinativa de invalidade da sentença proferida pelo tribunal a quo com erro de julgamento em que terá incorrido esse tribunal quer em sede de matéria de facto, quer em sede de direito, erros esses que, a serem verificáveis, por contenderem com o mérito da ação, consubstanciam error in judicando, atacáveis em via de recurso e não determinativos de nulidade da sentença proferida. Resulta do exposto, improceder a invocada nulidade da sentença proferida pelo tribunal a quo com fundamento em excesso de pronúncia e/ou em omissão de pronúncia. B.2- Da Impugnação da matéria de facto Antes de passarmos à análise dos concretos erros de julgamento que a recorrente assaca à matéria de facto operada pelo tribunal a quo, impõe-se enunciar os critérios que presidem a essa impugnação e os termos a que a Relação se encontra subordinada na reponderação da prova produzida. B.2.1- Dos critérios impostos à recorrente em sede de impugnação da matéria de facto. Com a reforma introduzida pelos Decretos-Leis n.ºs 39/95, de 15/02 e 329-A/95, de 12/12, ao CPC, o legislador introduziu o registo da audiência de discussão e julgamento, com a gravação integral da prova produzida, e conferiu às partes o duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, de modo que a alteração da matéria de facto, que no anterior regime processual era excecional, passou a ser uma função normal da Relação. Nessa operação foi propósito do legislador que o tribunal de segunda instância realize um novo julgamento em relação à matéria impugnada, assegurando um efetivo duplo grau de jurisdição, sendo isto que resulta expressamente do estatuído no art. 662º, n.º 1 do CPC, quando nele se expressa que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento supervenientes impuserem decisão diversa. Como vem sendo repetidamente afirmado pelo Supremo Tribunal de Justiça, na sequência daquelas alterações, são de rejeitar todas as interpretações minimalistas do enunciado art. 662º que, refugiando-se nas dificuldades relacionadas com a audição dos depoimentos testemunhais captados sem registo de imagem, com prejuízo do princípio da imediação (prejuízo esse que, aliás, é uma realidade), se limitam a fazer um controlo meramente formal da fundamentação vertida pelo tribunal a quo, assim como aquelas que se limitam a fundamentar, de forma genérica, sem referência aos concretos meios de prova e a conectá-los entre si e com as regras da experiência comum, isto é, sem fazer um novo julgamento, por forma a demonstrar o acerto ou desacerto da decisão proferida pelo tribunal a quo em relação à matéria impugnada em sede recursória. Na verdade, o desiderato do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto pressupõe um novo julgamento quanto à matéria de facto impugnada e “somente será alcançado se a Relação, perante o exame e análise crítica das provas produzidas, a respeito dos pontos de facto impugnados, puder formar a sua própria convicção, no gozo pleno do princípio da livre apreciação das prova, sem estar limitada pela convicção que serviu de base à decisão recorrida, em função do princípio da imediação da prova, princípio este que tido por absoluto transformaria este duplo grau de jurisdição em matéria de facto, numa garantia praticamente inútil” (8). Resulta do que se vem dizendo que perante as regras positivas enunciadas na atual lei processual civil, tendo o recurso por objeto a impugnação da matéria de facto, a Relação deve proceder a um novo julgamento, limitado à matéria de facto impugnada, procedendo à efetiva reapreciação da prova produzida, devendo, nessa tarefa, considerar os meios de prova indicados no recurso, assim como, ao abrigo do princípio do inquisitório, outros que entenda relevantes, tudo da mesma forma como o faz o juiz da primeira instância. Como verdadeiro tribunal de substituição, a Relação aprecia livremente as provas produzidas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto impugnado, exceto no que respeita a factos para cuja prova a lei exija formalidades especiais ou que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados por documento, acordo ou confissão (art. 607º, n.º 5 do Cód. Proc. Civil). Nessa sua livre apreciação, a Relação não está condicionada pela apreciação e fundamentação do tribunal recorrido uma vez que o objeto da apreciação em 2ª instância é a prova produzida, tal como na 1ª instância, e não a apreciação que a 1ª instância fez dessa mesma prova, podendo e devendo na formação dessa sua convicção autónoma, recorrer a presunções judiciais ou naturais nos mesmos termos em que o faz o juiz da primeira instância (9). Não obstante o que se acaba de dizer, não foi propósito do legislador que o julgamento a realizar pela Relação em sede de matéria de facto se transformasse na repetição do julgamento realizado em Primeira Instância, sequer admitir recursos genéricos, e daí que tenha rodeado o recurso da impugnação da matéria de facto à imposição ao recorrente de determinados ónus, que enuncia no art. 640º do CPC., destinados a obstar que o recurso da matéria de facto se transforme numa repetição dos julgamentos e a rejeitar a admissibilidade de recurso genéricos, contra a errada decisão da matéria de facto, tendo “o legislador optado por restringir a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente”, pelo que se mantém o entendimento que, como tribunal de 2ª instância que é, este deverá ter competência residual em sede de reponderação ou reapreciação da matéria de facto (10), estando subtraída ao seu campo de cognição a matéria de facto fixada pelo tribunal a quo que não seja alvo de impugnação. Acresce que tal como se impõe ao juiz a obrigação de fundamentar as suas decisões, também ao recorrente é imposto, como correlativo do princípio da auto-responsabilidade e dos princípios estruturante da cooperação, da lealdade e da boa-fé processuais, a obrigação de fundamentar o seu recurso, demonstrando o desacerto em que incorreu o tribunal a quo em decidir a matéria de facto impugnada em determinado sentido, quando se impunha decisão diversa, devendo no cumprimento desses ónus, indicar não só a matéria que impugna, como a concreta solução que, na sua perspetiva, se impunha que tivesse sido proferida e os concretos meios de prova que reclamam essa solução diversa. Deste modo é que o art. 640º, n.º 1 do CPC, estabelece que “quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. Depois, caso os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (al. a), do n.º 2 do art. 662º). Note-se que cumprindo a exigência de conclusões nas alegações a missão essencial da delimitação do objeto do recurso, fixando o âmbito de cognição do tribunal ad quem, é entendimento jurisprudencial uniforme que, nas conclusões, o recorrente tem de delimitar o objeto da impugnação de forma rigorosa, indicando os concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados. Já quanto aos demais ónus, os mesmos, porque não têm aquela função delimitadora do âmbito do recurso, mas se destinam a fundamentar o recurso, não têm de constar das conclusões, mas sim das motivações. Sintetizando, à luz deste regime, seguindo a lição de Abrantes Geraldes (11), sempre que o recurso de apelação envolva matéria de facto, terá o recorrente: a) em quaisquer circunstâncias indicar sempre os concretos factos que considere incorretamente julgados, com a enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; b) especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; c) relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar, com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos. O cumprimento dos referidos ónus tem, como alerta Abrantes Geraldes, a justificá-la a enorme pressão, geradora da correspondente responsabilidade de quem, ao longo de décadas, pugnou pela modificação do regime da impugnação da decisão da matéria de facto e se ampliasse os poderes da Relação, a pretexto dos erros de julgamento que o sistema anterior não permitia corrigir; a consideração que a reapreciação da prova produzida em 1ª instância, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida; a ponderação de que quem não se conforma com a decisão da matéria de facto realizada pelo tribunal de 1ª instância e se dirige a um tribunal superior, que nem sequer intermediou a produção da prova, reclamando a modificação do decidido, terá de fundamentar e justificar essa sua irresignação, sendo-lhe, consequentemente, imposto uma maior exigência na impugnação da matéria de facto, mediante a observância de regras muito precisas, sem possibilidade de paliativos, sob pena de rejeição da sua pretensão e, bem assim o princípio do contraditório, habilitando a parte contrária de todos os elementos para organizar a sua defesa, em sede de contra-alegações. É que só na medida em que se conhece especificamente o que se impugna e qual a lógica de raciocínio expandido na valoração/conjugação deste ou daquele meio de prova, é que se habilita a parte contrária a poder contrariá-lo em sede de contra-alegações. A apreciação do cumprimento das exigências legalmente prescritas em sede de impugnação da matéria de facto deve ser feita à luz de um “critério de rigor” como decorrência dos referidos princípios de auto-responsabilização, de cooperação, lealdade e boa-fé processuais e salvaguarda cabal do princípio do contraditório a que o recorrente se encontra adstrito, sob pena da impugnação da decisão da matéria de facto se transformar numa “mera manifestação de inconsequente inconformismo” (12). Por último, precise-se que porque se mantêm em vigor os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova, e o julgamento humano se guia por padrões de probabilidade e não de certeza absoluta, o uso pela Relação dos poderes de alteração da decisão da 1ª Instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados. A alteração da matéria de facto só deve, assim, ser efetuada pelo Tribunal da Relação quando, depois de proceder à audição efetiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direção diversa, e delimitam uma conclusão diferente daquela que vingou na 1ª Instância. O que se acaba de dizer encontra sustentação na expressão “imporem decisão diversa” enunciada no n.º 1 do art. 662º, bem como na ratio e no elemento teleológico desta norma. Deste modo, “em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte” (13). No caso, analisada a impugnação da matéria de facto operada pela recorrente, impõe-se reconhecer que a mesma cumpriu com os ónus que sobre si impendiam e que acima se elencaram em sede de impugnação da matéria de facto, na medida que indica qual a concreta matéria de facto que, na sua perspetiva, devia ter sido dada como provada pelo tribunal a quo e que este alegadamente não apreciou e desconsiderou, quais os concretos elementos de prova que suportam essa matéria de facto que devia ter sido considerada e dada como provada, no que respeita à prova gravada, indica os concretos pontos do depoimento prestado pela testemunha A. V. que igualmente suportam, na sua perspetiva, a prova dessa matéria, transcrevendo, inclusivamente, os concretos excertos desse depoimento que suportam essa matéria, pelo que, deste ponto de vista, nenhum obstáculo processual se levanta a que se conheça dessa impugnação. B.2.2- Do erro de julgamento decorrente do tribunal a quo não ter apreciado e considerado a matéria especificada nas alíneas a) a e) de fls. 280 verso. A recorrente não impugnou nenhum dos factos dados como provados e não provados pelo tribunal a quo, pelo que estes se têm como definitivamente assentes nos termos em que se encontram julgados pela 1ª Instância. O que a recorrente pretende é que se adite aos factos dados como provados pelo tribunal a quo a matéria que se passa a descrever, sustentando que se trata de “factos” e que os mesmos resultam provados perante a prova documental junta aos autos, designadamente, a relativa ao Proc. n.º 70/06.8TBALJ e, bem assim pelo depoimento prestado pela testemunha A. V., sustentando que não obstante a relevância desses factos para a decisão a proferir nestes autos quanto à relação material neles controvertida, aquele tribunal não os apreciou, sequer considerou: a- teor da petição inicial e do requerimento probatório apresentado pela aí Autora (fls. 2 a 8 e 82), por onde se verifica que as primeiras três testemunhas indicadas eram a apresentar; b- teor do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, de 10/05/2010 (cfr. fls. 328 a 333) que determinou a reformulação da base instrutória com vista a “aferir com mais rigor e precisão a extensão e os limites da responsabilidade da Ré na forma como exercia e exerceu o dever de vigilância que sobre ela impendia, enquanto dona e detentora do cão em causa”; c- teor da base instrutória reformulada (fls. 334 a 335) e que essa matéria apenas respeita a matéria alegadas pelas ali Rés e sobre elas impendia o ónus da prova. d- teor da ata da audiência de julgamento de 16/03/2011 (fls. 403), que confirma que só nessa data, no início da diligência, foi proferido um despacho, na ausência da Ré/recorrente, através do qual as partes foram notificadas que o julgamento incidiria sobre toda a matéria vertida na base instrutória e não apenas sobre aquela que resultou da reformulação operada pelo despacho de fls. 358 a 359; e- porque chegou atrasada à audiência de julgamento, a Ré não foi notificada deste despacho, quando o mesmo foi proferido, nem em momento posterior; f- teor da sentença (fls. 417 a 427), em que se deram como provados os factos aditados à BI na sequência da ordenada reformulação pelo Tribunal da Relação do Porto e que demonstram que, à data do acidente, a aí Ré não exercia um poder de facto de vigilância sobre o cão, por nessa ação se ter dado como provado que: f.1- a Ré, M. C., vive numa quinta situada no Lugar de …, composta por casa de habitação e por uma área de terreno adjacente, toda ela vedada por muros de blocos de cimento e gradeamento em ferro; f.2 - A ré teve consigo, na quinta aludida em 1, um cão de raça “boxer”, de nome N.”, com pêlo castanho escuro e branco, no qual foi implantado um chip de identificação, até Maio de 2004, altura em que o referido animal despareceu; f.3- O referido cão terá fugido de casa da ré numa altura em que os portões de entrada da quinta se encontravam abertos; f.4- Da quinta, propriedade da ré, ao nó de acesso ao IP 4 mais próximo distam 2km; f.5- Logo que constataram a falta do cão referido em 2, supra, a ré, seu marido, seus filhos e netos encetaram diligências no sentido de o encontrarem, f.6- Deslocando-se às localidades vizinhas do .., …, …, …, …, …, … e …, sitas no Concelho de Alijó; f.7- E às localidades de … e …, sitas no Concelho limítrofe de Murça; f.8- E contactaram pessoas; f.9- Procuraram-no em montes, prédios e demais locais; f.10 - E no IP 4 também efectuaram vários percursos; f.11- O referido em 6 a 10 prolongou-se por alguns dias; f.12- A R. e familiares nunca encontraram o cão; f.13 - Desde Maio de 2004, nunca mais a R. e seus familiares souberam do paradeiro do cão ou dele tiveram quaisquer notícias. Passando à apreciação da pretensão da recorrente, antes de mais, impõe-se referir que “facto” é o acontecimento, o evento, a ocorrência da via real, aquilo que acontece. Este conceito, salvo o devido respeito por entendimento contrário, não é levado em devida consideração pela recorrente quando pretende que se adite aos factos provados na sentença recorrida o teor das peças processuais que indica em cada uma das alíneas acima identificadas, o que é bem demonstrativo que a mesma confunde “facto” ou “factos” com elementos de prova, designadamente, prova documental. Na verdade, os documentos não são “factos”, mas antes, conforme decorre do estatuído nos arts. 362º a 387º do Cód. Civil e 423º a 451º do CPC, são elementos de prova. Esses elementos de prova, a par dos demais elementos de prova, enunciados na Lei, designadamente, a prova por confissão e por declarações de parte, a prova pericial, a inspeção judicial e a testemunhal, destinam-se a fazer prova do “facto” ou “factos”. Assim, o facto provado por documento não corresponde ao próprio documento, mas ao concreto acontecimento, evento, ou ocorrência da via real que o documento comprova, pelo que sendo o documento mero elemento de prova, não é o teor do documento que se pode levar aos factos provados ou não provados, mas o concreto acontecimento, evento ou ocorrência da vida real que se extrai desse documento e que este prova. Significa isto, que o tribunal a quo, assim como esta Relação jamais poderá dar por reproduzidos, em sede de aditamento à matéria de facto dada como provada na sentença recorrida, o teor dos documentos, mas apenas o concreto facto ou factos que esses documentos provam. Esclareça-se ser certo que se tornou relativamente frequente as partes nos respetivos articulados, assim como os magistrados, nas peças processuais que elaboram, designadamente, sentenças que proferem, remeterem para documentos, consignando darem “por reproduzidos o teor do documento x”. Acontece que para além dos documentos serem elementos/meios de prova e não meio alegatório das partes (quanto aos factos essenciais), é manifesto que esse procedimento não é correto. Que assim é resulta não só dos conceitos de “facto” e de “meio de prova”, mas também do disposto no art. 607º, n.º 4 do CPC, onde expressamente se prevê que na fundamentação da sentença o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, (…); o juiz toma ainda em consideração factos que estão (…) provados por documentos (…)”, daqui resultando claramente que na sentença se dá como provados e não provados “factos”, nomeadamente, os factos que resultam provados por documento e/ou outros meios de prova e não o teor dos documentos em si. Decorre do que se acaba de explanar que esta Relação nunca poderá dar como provado o teor dos documentos identificados pela recorrente nas alíneas a) a f) supra, mas apenas os concretos factos que aqueles documentos provam. Acresce que reportando-se todos os factos a que se reporta a recorrente em todas aquelas alíneas, a factos ocorridos no âmbito de um processo judicial, nos termos do disposto nos arts. 131º, 144º, 150º, 153º, 159º a 161º, 163º, n.º 3 do CPC, 363º, n.º 2, 364º, n.º 1 e 369º a 372º do Cód. Civil, os mesmos apenas podem ser provados por documento autêntico, a saber certidão das peças processuais a que se refere e identifica em cada uma dessas alíneas. Por sua vez, nos termos do disposto nos arts. 371º, n.º 1 e 372º do Cód. Civil, os documentos autênticos fazem prova dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respetivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas perceções da entidade documentadora, apenas podendo essa força probatória ser ilidida com base na arguição da falsidade desses documentos. Deriva do que se acaba de referir, que os factos atestados por esses documentos autênticos e a que se reportam os factos a que se reporta a recorrente nas diversas alíneas acima identificados, se encontram subtraídos ao princípio da livre apreciação da prova, sendo o seu valor probatório o mero resultado da aplicação das normas sobre prova vinculada que não deixam ao juiz qualquer margem de subjetivismo, e daí que sobre esses factos não possa recair prova testemunhal, sequer qualquer outro tipo de prova. Significa isto que ou os factos que a recorrente pretende sejam aditados aos factos dados como assentes resultam provados pelo teor das certidões juntas aos autos relativas às sobreditas peças processuais, ou os mesmos não podem ser provados através de outro meio de prova, designadamente, prova testemunhal, sendo, por isso, para a matéria em causa, totalmente irrelevante o depoimento prestado pela testemunha A. V. em audiência final (14). Em relação à alínea c), acresce dizer que afirmar que a matéria vertida na base instrutória reformulada respeita a matéria cujo ónus da prova impende sobre as Rés nos autos de acidente de viação, não configura qualquer “facto”, mas antes matéria de direito, na medida em que saber-se se o ónus da prova impende sobre uma ou outra das partes resulta assacado da aplicação das regras legais enunciadas nos arts. 342º a 344º do Cód. Civil aos factos alegados. Resulta do que se vem dizendo que em relação: - à alínea a) supra, a pretensão da recorrente em se dar como provado o teor da petição inicial e do requerimento probatório que apresentou a fls. 2 a 8 e 82 nos autos de acidente de viação carece de ser indeferido, sendo que o facto que a propósito desta concreta alínea que eventualmente poderá ser dado como provado traduz-se unicamente no seguinte: as primeiras três testemunhas arroladas pela Autora na ação identificada em W e X eram a apresentar; - à alínea b) supra, impõe-se indeferir a pretensão da recorrente em se levar à matéria dada como provada o teor do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, de 10/05/2010, sendo que o facto que a esse propósito poderá eventualmente ser dado como provado traduz-se unicamente no seguinte: aditar à alínea AB) da matéria já considerada como provada na sentença recorrida que a reformulação da base instrutória teve em vista “aferir com mais rigor e precisão a extensão e os limites da responsabilidade da Ré na forma como exercia e exerceu o dever de vigilância que sobre ela impendia, enquanto dona e detentora do cão em causa”; - à alínea c) supra, impõe-se indeferir a pretensão da recorrente em se levar o teor da base instrutória reformulada aos factos assentes, assim como a pretensão desta em se levar a esses factos assentes que o ónus da prova em relação à matéria aditada impendia sobre as Rés (matéria de direito), sendo que o único facto que eventualmente podia ser levado aos factos assentes é que a matéria aditada à base instrutória tinha sido alegada pelas ali Rés; - à alínea d) supra, impõe-se indeferir a pretensão da recorrente quando pretende que se leve aos factos provados o teor da ata de audiência de julgamento de 16/03/2011. Quanto a esta concreta alínea, os factos que se podiam dar como provados consistem no seguinte: No início da audiência de julgamento realizada em 16/03/2011, foi proferido um despacho, na ausência da aqui ré/recorrente, através do qual as partes foram notificadas que o julgamento incidiria sobre toda a matéria vertida na base instrutória e não apenas sobre aquela que resultou da reformulação da base instrutória ordenada pelo Tribunal da Relação do Porto. Acontece que esses factos já se encontram englobados nos factos dados como provados nas alíneas AF e AG da sentença recorrida, de sorte que se impõe indeferir, in totum, a pretensão da recorrente no que tange à matéria da enunciada alínea d) supra; - à alínea e) supra, embora encerre “factos”, verifica-se que essa matéria fática já se encontra englobada nos factos dados como provados nas alíneas AF) e AG) da sentença recorrida, pelo que se impõe indeferir a pretensão da recorrente quanto à matéria em causa; - à alínea f), impõe-se indeferir a pretensão da recorrente quando pretende que se leve aos factos provados o teor da sentença de fls. 417 a 427, proferida nos autos de acidente de viação. Acresce que a alegação da recorrente que “à data do acidente, a aí Ré não exercia um poder de facto de vigilância sobre o cão” é matéria conclusiva, que, como tal, não pode ser levada aos factos provados. Essa conclusão há-de ser extraída dos factos identificados em f.1 a f.13 supra, pelo que eventualmente seriam estes concretos factos que se teria de levar aos factos dados como provados na sentença recorrida. Assentes nestas premissas, impõe-se verificar se o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao não considerar como provados os concretos factos que se acabam de identificar na sentença recorrida. Estabelece o art. 607º, n.º 4 do CPC, que “na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras da experiência”. Este comando legal carece de ser conjugado com o estatuído nos arts. 5º, 552º, n.º 1, al. d) e 572º, al. c) do CPC. Preceitua aquele art. 5º que: “1- Ás partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas. 2- Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz: a) os factos instrumentais que resultem da instrução da causa; b) os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar; c) os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções”. Já o art. 552º, n.º 1, al. d) reza que “Na petição, com que propõe a ação deve o autor expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à ação”. Por último, o art. 572º, al. c) estatui que “Na contestação deve o réu expor os factos essenciais em que se baseiam as exceções deduzidas, especificando-as separadamente, sob pena de os respetivos factos não se considerarem admitidos por acordo por falta de impugnação”. Decorre da conjugação destes normativos que com o intuito de aumentar os poderes do tribunal sobre a matéria de facto e de flexibilizar a sua alegação pelas partes, a atual lei processual civil partiu de uma distinção entre factos essenciais, instrumentais e complementares ou concretizadores. Os “factos essenciais” são aqueles que integram a causa de pedir ou o fundamento da exceção e cuja falta determina a inviabilidade da ação ou da exceção. Já os “factos instrumentais, probatórios ou acessórios” são aqueles que indiciam os factos essenciais e que podem ser utilizados para a prova indiciária destes últimos. Finalmente, são “factos complementares e factos concretizadores” aqueles cuja falta não constitui motivo de inviabilidade da ação ou da exceção, mas que participam de uma causa de pedir ou de uma exceção complexa e que, por isso, são indispensáveis à procedência dessa ação ou exceção (15). Seguindo a lição de Teixeira de Sousa (16), “a cada um destes factos corresponde uma função distinta: - os factos essenciais realizam uma função constitutiva do direito invocado pelo autor ou da exceção deduzida pelo réu; sem eles não se encontra individualizado esse direito ou exceção, pelo que a falta da sua alegação pelo autor determina a ineptidão da petição inicial por inexistência de causa de pedir; os factos complementares possibilitam, em conjugação com os factos essenciais de que são complemento, a procedência da ação ou da exceção: sem eles a ação ou exceção não pode ser julgada procedente; por fim os factos instrumentais destinam-se a ser utilizados numa função probatória dos factos essenciais ou complementares”. Quanto aos factos essenciais, ou seja, os factos que integram a causa de pedir do direito que o autor exerce nos autos, ou que integram a exceção que o réu pretenda opor ao exercício desse direito pelo autor, com vista a impedir, modificar ou extinguir esse direito, os mesmos carecem de ser alegados pelo autor e pelo réu, respetivamente, na petição inicial ou na contestação (cfr. arts. 552º, n.º 1, al. d) e 572º, al. c) do CPC). Em relação aos factos essenciais, continua, assim, a vigorar, em pleno, o princípio do dispositivo, pelo que às partes incumbe alegar esses factos, sob pena de o juiz não poder dar como provados os mesmos em sede de sentença e isto ainda que esses factos venham a ser demonstrados por prova documental ou de outra natureza qualquer carreada para os autos na sequência da instrução da causa. Precise-se, aliás, que em relação aos factos essenciais funciona plenamente o princípio da preclusão, pelo que não cuidando o autor em alegá-los em sede de petição inicial ou o réu, em sede de contestação, não pode vir alegá-los em posterior articulado (17). A ausência da alegação dos factos essenciais pelo autor determina a ineptidão da petição inicial e a ausência da alegação desses factos essenciais consubstanciadores de exceção que o réu pretenda opor ao direito do autor, impede que o tribunal dê como provados esses factos essenciais em sede de sentença, improcedendo a exceção por ausência da alegação (e consequente, prova) dos factos que a integram. Quanto aos factos instrumentais, os mesmos não carecem de ser alegados pelas partes e podem ser livremente discutidos e apreciados na audiência final (parte final do n.º 2 do art. 574º do CPC, onde se vê que que caso esses factos instrumentais tenham sido alegados pelo autor e não tenham sido contestados pelo réu, a admissão dos mesmos pode, inclusivamente, ser afastada por prova posterior). Atenta a função secundária que desempenham no processo, tendentes a justificar simplesmente a alegação ou a prova dos factos essenciais ou complementares, os factos instrumentais não têm de integrar os temas da prova, não devendo, em regra, ser objeto de um juízo probatório específico, isto é, não carecem de ser dados como provados ou não provados na sentença. Esses factos, independentemente de terem ou não sido alegados, desde que resultem da instrução da causa, designadamente da prova produzida em sede de audiência final, o juiz, em associação com as regras da experiência que se traduzem na aplicação de presunção judiciais, deve tomá-los em consideração quando se tratar de motivar a afirmação ou a negação dos factos verdadeiramente relevantes, isto é, devem ser considerados na motivação/fundamentação da prova ou não prova dos factos essenciais ou complementares (art. 607º, n.º 4 do CPC) (18). Quanto aos factos complementares, os mesmos não carecem de ser alegados pelas partes em sede, respetivamente, de petição inicial ou contestação, devendo o juiz, considerá-los na sentença, desde que resultem da instrução da causa e as partes tenham tido a possibilidade de sobre eles se pronunciarem (art. 5º, n.º 2, al. b) do CPC), ou seja, o tribunal não pode, sem mais, considerá-los como provados ainda que a respetiva prova tenha resultado da instrução da causa, mas deve notificar as partes que irá/poderá considerá-los como provados na sentença para que estas, ao abrigo do princípio do contraditório, tenham possibilidade de se defender. Decorre do exposto que o comando legal enunciado no n.º 4 do art. 604º do CPC, carece de ser interpretado no sentido de que o juiz, na sentença, não tem de considerar provados e não provados todos os factos alegados pelas partes nos respetivos articulados, e por outro lado, que naquela sentença, tem de considerar factos ainda que não alegados pelas partes nos respetivos articulados, dando-os como provados (caso dos factos complementares ou concretizadores), quando a respetiva prova tenha resultado da instrução da causa ou tenham sido admitidos por acordo ou a respetiva prova resulta de documento ou de confissão reduzida a escrito, desde que tenha sido observado o contraditório. O juiz tem na sentença que dar como provados ou não provados os factos essenciais alegados pelas partes. No entanto, quanto aos factos essenciais integrativos da causa de pedir invocada pelo Autor para sustentar o pedido que aduz, ou os factos essenciais integrativos da exceção aduzida pelo Réu na contestação, o tribunal não pode dar como provados esses factos essenciais ainda que os mesmos tenham resultado provados da instrução da causa ou tenham sido admitidos por acordo ou por documento ou por confissão reduzida a escrito, quando esses factos essenciais não tenham sido alegados pelo autor em sede de petição inicial para ancorar a causa de pedir aí aduzida ou pelo réu na contestação para ancorar a matéria da exceção que aí invocou, sob pena de violação do princípio do dispositivo (arts. 5º, n.º 1, 552º, n.º 1,al. d) e 572º, al. c), todos do CPC). Precise-se que ao referir-se naquele art. 604º, n.º 4 que o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, ou que estejam provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, tal como resulta do n.º 5 daquele art. 604º, a Lei está a referir-se àqueles casos em que a prova encontra-se subtraída ao princípio da livre apreciação da prova. É que tendo o Autor, em sede de petição inicial, alegado factos essenciais integrativos da causa de pedir que aí aduz para ancorar a sua pretensão de tutela judiciária (pedido) ou tendo o réu, em sede de contestação, invocado os factos essenciais integrativos da exceção que aí invocou para impedir, modificar ou extinguir o direito que o autor vem exercer nos autos contra aquele, nas ações em que vigora o princípio da impugnação especificada e não se tratando de factos que apenas possam ser provados por documentos, esses factos essenciais, caso não sejam impugnados pela contraparte, têm-se como admitidos, não podendo, posteriormente, em sede de instrução da causa ou da prova produzida em audiência final, sobre eles recair prova, e caso recaia, independentemente da prova que venha a ser produzida quanto aos mesmos, esses factos têm-se como assentes. O que se acaba de dizer é igualmente válido naqueles casos em que os factos essenciais alegados pelas partes só possam ser provados por documento autêntico, como é o caso dos autos relativamente aos factos em análise, pelo que, quanto a estes factos, não vigora o princípio da livre apreciação da prova – esses factos essenciais têm-se como provados ou não provados em função daquilo que resultar do documento autêntico que tenha sido junto aos autos. Por outro lado, sendo junto aos autos documento autêntico ou autenticado de cujo teor resulte a confissão de determinado facto por uma das partes, nos termos do disposto nos arts. 371º, n.º 1 (quanto aos documentos autênticos) e 376º (quanto aos documentos autenticados), ambos do CC., se não for arguida a falsidade desses documentos, nos termos do art. 358º, n.º 2, do CC., os factos essenciais confessados pelo confitente nesses documentos faz prova pleníssima contra o confitente, exceto nos casos enunciados no art. 354º do CC., pelo que, nesses casos, os factos essenciais confessados pelo confitente, independentemente da prova produzida em sede de instrução e julgamento da causa, se têm como provados. Quanto aos documentos particulares, estando este assinado pelo confitente e não cuidando o último em impugnar a veracidade da letra ou da assinatura, ou caso afirme desconhecer se as mesmas são verdadeiras, apesar destas lhe serem imputadas pelo apresentante do documento, nos termos do disposto nos arts. 358º, n.º 2 e 374º do CC., exceto nos casos enunciados no aludido art. 354º (em que não é admissível a confissão ou esta seja insuficiente por lei para se considerar provado o facto confessado), os factos essenciais confessados pelo confitente nesse documento, fazem prova pleníssima contra o confitente, pelo que, nesses casos, os factos essenciais confessados pelo confitente, independentemente da prova produzida em sede de instrução e julgamento da causa se têm como provados. Sendo requerido depoimento de parte ou declarações de parte, caso o depoente ou declarante confesse factos essenciais e essa confissão seja reduzida a escrito, exceto nos casos enunciados naquele art. 354º do CC, esses factos essenciais assim confessados, nos termos do art. 358º, n.º 1 do CC, faz prova pleníssima contra o confitente, pelo que, nesses casos, os factos essenciais confessados pelo confitente, independentemente da prova produzida em sede de instrução e julgamento da causa se têm como provados. O que se acaba de referir quanto aos factos essenciais é igualmente válido quanto aos factos complementares ou concretizados, contanto, quanto a estes, ainda que não alegados, a respetiva prova resulte da instrução da causa e quanto a eles tenha sido observado pelo juiz o princípio do contraditório. Em relação aos factos instrumentais, ainda que tenham sido alegados pelas partes, o tribunal não os tem de dar como provados ou não provados na sentença. Esses factos instrumentais, quer tenham sido alegados pelas partes, quer não o tenham sido, desde que a respetiva prova resulte demonstrada da instrução da causa, carecem de ser considerados pelo tribunal na sentença em sede de motivação das respostas dadas como provadas e não provadas em relação aos factos essenciais e/ou complementares ou concretizadores. Assentes nestas premissas, incumbe verificar se o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao não dar como provada a factualidade acima referida, ou seja, que as três primeiras testemunhas que tinham sido arroladas pela Autora nos autos de acidente de viação, também aqui Autora, eram a apresentar; que a reformulação da base instrutória ordenada pelo Tribunal da Relação do Porto naqueles autos teve em vista “aferir com mais rigor e precisão a extensão e os limites da responsabilidade da Ré na forma como exercia e exerceu o dever de vigilância que sobre ela impendia, enquanto dona e detentora do cão em causa”; que a matéria que, nessa sequência, foi aditada à base instrutória, foi alegada pelas Rés naqueles autos de acidente de viação e, bem assim os factos enunciados supra nas alíneas f.1 a f.13, não obstante todos esses factos resultarem provados pelos documentos juntos aos autos. No caso, compulsada a contestação apresentada pela recorrente, verifica-se que a mesma não invocou, nesse articulado de fls. 101 a 106, qualquer exceção ao direito indemnizatório que a Autora vem exercer nos autos contra a mesma com fundamento na circunstância da recorrente, no exercício do mandato, ter incumprido negligentemente as obrigações contratuais e deontológicas a que se encontrava adstrita enquanto advogada perante aquela, na execução do contrato de mandato. A recorrente limitou-se a impugnar os factos alegados pela Autora e veio invocar, em sede de “impugnação motivada”, além do mais, que o Tribunal da Relação do Porto ordenou a reformulação da base instrutória de molde a nela serem incluídos os factos referenciados naquele acórdão e quaisquer outros que tendo sido alegados pelas partes se mostrassem com interesse para a boa decisão da causa (art. 33º da contestação); que nessa sequência, deu conhecimento à Autora que iria haver novo julgamento, mas apenas para prova de matéria alegada pelas Rés, razão pela qual as testemunhas da Autora não voltariam a ser inquiridas e, por isso, desnecessária seria a presença das testemunhas que eram a apresentar, designadamente, A. B. e T. C. (art. 36º da contestação) e que no dia da audiência de julgamento se viu confrontada com a presença das duas testemunhas que tinha indicado no seu requerimento probatório e que haviam sido notificadas e que as demais testemunhas que tinha arrolado eram a apresentar e não estavam presentes (cfr. arts. 46º e 47º da contestação). Acontece que aceitando a recorrente, em sede de contestação, que chegou atrasada ao tribunal e que, por via desse seu atraso, não ouviu o despacho nela proferido pelo juiz que presidiu a essa audiência, determinando que o julgamento incidisse sobre toda a matéria da base instrutória e não apenas sobre aquela que resultou da reformulação operada pelo despacho de fls. 334 a 335, longe daquela matéria consubstanciar “impugnação motivada” e, nessa medida, poder alterar o direito indemnizatório que a Autora/recorrida vem exercer nos autos contra a recorrente, dando-lhe outra conotação jurídica, a mesma consubstancia factos instrumentais dos factos essenciais que a recorrida alegou em sede de petição inicial para integrar a causa de pedir que nela invocou para sustentar esse seu pedido indemnizatório contra a recorrente, ou seja, a negligência que imputa à recorrente em sede de exercício do mandato que lhe conferiu. Precise-se que o que se acaba de concluir acaba por ser reconhecido pela própria recorrente na sua contestação. É que é a própria recorrente que no art. 49º da contestação alega que “As circunstâncias em que decorreu este julgamento, designadamente o desconhecimento do despacho proferido no início da audiência de julgamento e o facto de não pode inquirir as testemunhas, que por serem a apresentar não se encontravam no tribunal, fragilizaram a defesa da posição da Autora”, acrescentando no art. 78º “É certo que caso não tivesse chegado atrasada e, em consequência tivesse sido notificada do despacho proferido na audiência de julgamento poderia requerer que as testemunhas A. B. e T. C. (que eram a apresentar) fossem ouvidas noutra data”. E estando-se na presença de matéria que consubstancia meros factos instrumentais dos factos essenciais que a Autora/recorrida alegou para ancorar o direito indemnizatório que deduz contra a recorrente, bem andou o tribunal a quo em não dar como provada a matéria em referência – os factos instrumentais têm de ser considerados na motivação (vide fundamentos supra). No que respeita aos factos vertidos nas alíneas f.1 a f.13 supra, trata-se de factos que foram efetivamente dados como provados na sentença que acabou por ser proferida nos autos de acidente de viação, sentença esta que foi confirmada por acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, devidamente transitado em julgado – cfr. doc. de fls. 31 a 38. Acontece que como é bom de ver, aqueles factos consubstanciam factos essenciais de exceção ao direito indemnizatório que a recorrida vem exercer nos autos contra a recorrente, uma vez que, como bem afirma a recorrente, esses factos demonstram que, na altura do acidente de viação, a ali Ré já não possuía o domínio sobre o cão causador do acidente e, consequentemente, que a ação de acidente de viação, não fora a atuação negligente da recorrente, teria nulas ou escassas possibilidades de procedência. Tratando-se de matéria integrativa da exceção que a recorrente podia opor ao direito indemnizatório que a aqui recorrida contra ela vem exercer nos autos, como acima se deixou dito, nos termos do disposto nos arts. 5º, n.º 1 e 572º, al. c) do CPC, essa matéria tinha que ser alegada pela recorrente em sede de contestação, sob pena de preclusão (art. 573º do CPC) e o tribunal não a poder considerar na sentença a proferir, ainda que a mesma viesse a ser provada, como o foi, por documento autêntico. Ora, conforme se vê da contestação apresentada pela recorrente, esta não cuidou em alegar esses factos essenciais integrativos daquela exceção e isto não obstante ter conhecimento dos mesmos e, inclusivamente, em anexo à petição inicial, a Autora ter junto aos autos cópia do acórdão da Relação do Porto, em que aqueles factos constam como provados. Esses factos essenciais integrativos da exceção ao direito indemnizatório que a recorrida vem exercer nos autos contra a recorrente, caso fossem desconhecidos pela última quando apresentou a contestação (que não o eram), tinham de ser por ela alegados mediante a apresentação de articulado superveniente e mediante a junção do documento autêntico destinado a provar esses factos extintivos ou modificativos daquele direito indemnizatório da recorrida. Não sendo este o caso, já que, reafirma-se, aquando da apresentação da contestação, a recorrente já tinha conhecimento daqueles factos essenciais da exceção que podia opor à recorrida mediante a alegação daqueles factos, ao não alegá-los em sede de contestação, precludiu-se o seu direito em alegá-los posteriormente (art. 573º do CPC), alegação esta que, de resto, aquela não fez mediante a apresentação do pertinente articulado superveniente, o qual, teria, em todo o caso, de ser indeferido dado o seu conhecimento anterior desses factos (art. 598º, n.º2 do CPC). Resulta do que se vem dizendo, que o tribunal a quo não incorreu em qualquer erro de julgamento ao desconsiderar aqueles factos, como se impunha que desconsiderasse, porque quanto aos primeiros, são factos instrumentais dos factos essenciais integrativos da causa de pedir invocada pela recorrida para ancorar a sua pretensão indemnizatória contra a recorrente, e quanto aos segundos (os das alíneas f.1 a f.13 supra), os mesmos são facto essenciais integrativa de exceção que a recorrente podia opor à recorrida, mas que a primeira não cuidou em alegar, como nos termos do n.º 1 do art. 5 e 572º, al. c) do CPC, lhe era imposto que fizesse, pelo que em nenhum erro de julgamento incorreu o tribunal a quo ao não considerar aqueles factos. Nessa sequência, na improcedência dos fundamentos de recurso invocados pela recorrente, mantém-se inalterada a matéria de facto fixada pelo tribunal a quo. B.4- Do erro de julgamento decorrente de se ter julgado parcialmente a ação, condenando a recorrente (e a sua seguradora) a indemnizar a recorrida apesar de se ter dado como não provada a matéria do ponto 1º dos factos dados como não assentes. Sustenta a recorrente que a circunstância de se ter dada como não provado na sentença recorrida que “a atuação da ora Ré impediu a Autora de conseguir o ressarcimento dos danos que lhe foram causados pelo acidente de viação em que o seu filho se viu envolvido” entra em contradição com a condenação da mesma a pagar à Autora a quantia de 5.000,00 euros, acrescida de juros de mora desde a citação até efetivo e integra pagamento, bem como da Companhia de Seguros X, S.A., sua seguradora, a pagar a essa Autora a quantia de 6.500,00 euros, acrescida de juros de mora desde a citação até efetivo e integral pagamento, impondo-se irremediavelmente, em face daquela matéria que se deu como não provada, na perspetiva da recorrente, absolvê-las do pedido, mas, antecipe-se, desde já, sem razão. Na verdade, tendo a recorrente sido nomeada defensora oficiosa da recorrida, para instaurar ação de indemnização por factos ilícitos emergentes de acidente de viação, o seu estatuto como defensora não se distingue, no essencial, de um sui generis contrato de mandato forense – art. 1157º do Cód. Civil -, razão pela qual, dentro da margem técnica inerente ao patrocínio, competia-lhe adotar a estratégia mais conveniente para que a recorrida obtivesse vencimento de causa nessa ação, de modo que são invocáveis, no contexto dessa incumbência, as normas do contrato de mandato, as normas deontológicas que enquanto advogada a recorrente se encontrava subordinada e as normas do CPC. a que se encontrava obrigada no exercício desse mandato (19). O contrato de mandato é uma das modalidades tipificadas do contrato de prestação de serviços e é aquele “pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais atos jurídicos por conta da outra” (arts. 1157º e 1154º do CC.). Distinto do contrato de mandato, mas que pode coexistir com aquele, é o negócio jurídico unilateral e autónomo da procuração, através do qual alguém confere a outrem, voluntariamente, poderes de representação, de acordo com o disposto no art. 262º, n.º 1 do CC. Sempre que uma pessoa promete a outra a sua colaboração jurídica, pondo à disposição dela a sua capacidade de agir no mundo do direito, praticando atos jurídicos em nome da última, constitui-se entre elas um contrato de mandato. Os direitos e obrigações provenientes da atividade exercida no âmbito desse contrato pelo mandatário só se projetam, diretamente, no património do mandante, se o primeiro tiver poderes de representação e proceder à sombra deles. Exercendo os advogados a sua atividade a título profissional e mediante procuração, isto é, em nome e por conta do seu representado, de modo que os efeitos jurídicos dessa sua atividade se projetam diretamente na esfera jurídica do representado, o mandato judicial ou forense configura um contrato de mandato oN.so, com representação, nos termos do disposto nos arts. 1157º, 1158º e 1178º do CC. Assim, sempre que os advogados incorram em incumprimento ou em incumprimento defeituoso desse contrato, os mesmos, nos termos do disposto no art. 798º, n.º 1 do CC., constituem-se em responsabilidade civil contratual, nos termos gerais, perante os seus clientes. Por sua vez, sendo os advogados indispensáveis à administração da justiça, compreende-se que a sua atividade se encontre sujeita a um conjunto de regras – a deontologia profissional –, impositivas de um conjunto de deveres, princípios e normas que regulam o comportamento público e profissional daqueles e a relação com os seus clientes. Essas normas deontológicas encontram-se consagradas no Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA), aprovado pela Lei n.º 15/2005, de 26/01, na redação vigente à data em que foi instaurada e correu termos o Proc. n.º 70/06.8TBALJ, do Tribunal Judicial de Alijó, e que é, por conseguinte, a aplicável aos autos para efeitos de se determinar se a recorrente incorreu em qualquer comportamento ilícito perante a recorrida no âmbito do exercício do contrato de mandato nesse processo. Nos termos do disposto no art. 83º do EAO, o advogado é indispensável à administração da justiça e, como tal, deve ter um comportamento público e profissional adequado à dignidade e responsabilidade da função que exerce, cumprindo pontual e escrupulosamente os deveres consignados no presente Estatuto e todos aqueles que a lei, os usos, costumes e tradições profissionais lhe impõem (n.º 2); a honestidade, probidade, lealdade, cortesia e sinceridade são obrigações profissionais (n.º 3). A propósito das relações com os clientes, o art. 92º daquele Estatuto estabelece como princípios gerais, que a relação entre o advogado e o cliente deve fundar-se na confiança recíproca (n.º 1); tendo o advogado o dever de agir de forma a defender os interesses legítimos do cliente, sem prejuízo do cumprimento das normas legais e deontológicas (n.º 2). Por sua vez, nos termos do disposto no art. 151º do CPC, as diligências judiciais, designadamente, as audiências finais, são marcadas mediante acordo prévio entre o juiz e os mandatários judiciais (n.ºs 1 a 3), devendo os mandatários judiciais comunicar prontamente ao tribunal quaisquer circunstâncias impeditivas da sua presença a essas diligências (n.º 5), impondo-se igual obrigação ao juiz, no caso de justificado obstáculo ao início pontual das diligências, devendo este comunicar esse obstáculo aos advogados e aos demais intervenientes processuais, dentro dos trinta minutos subsequentes à hora designada para o início da diligência, sob pena destes ficarem automaticamente dispensados de a ela comparecerem (n.ºs 6 e 7). A falta dos advogados das partes não é motivo de adiamento da audiência final, salvo se a audiência não tiver sido marcada pelo juiz mediante acordo prévio com os advogados ou ocorra justo impedimento destes (art. 603º, n.º 1 do CPC). Por sua vez, as notificações às partes em processos pendentes são feitas na pessoa dos seus mandatários judiciais (art. 247º, n.º 1 do CPC), valendo como notificações as convocatórias e comunicações feitas aos interessados presentes em ato processual, por determinação da entidade que a ele preside, desde que documentadas no respetivo auto ou ata (art. 254º do CPC.). No caso, conforme resulta da matéria apurada sob as alíneas A a U, correu termos no Tribunal Judicial de Alijó, ação emergente de acidente de viação, em que foi autora a aqui recorrida, que demandou M. C., e onde figurava como interveniente principal “EP, EPE”, e onde aquela pretendia ser indemnizada pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em consequência direta e necessária daquele acidente, cuja eclosão imputou, em exclusivo, ao surgimento de um cão, propriedade da identificada M. C., em plena faixa de rodagem. A recorrente foi nomeada defensora à recorrida e foi ela que instaurou aquela ação em 01/03/2006 (cfr. alíneas U a W). Realizada audiência final no âmbito dessa ação, veio a ser proferida sentença, que julgou parcialmente procedente o pedido da Autora, mas essa sentença veio a ser anulada pelo Tribunal da Relação do Porto, que ordenou a reformulação da base instrutória (cfr. alíneas W a AB). Designada data para a realização de nova audiência final, no início dessa audiência, a recorrente não se encontrava presente, altura em que foi proferido despacho que esclareceu as partes que o julgamento iria versar sobre toda a matéria de facto da base instrutória (e não apenas a objeto da reformulação ordenada pelo Tribunal da Relação do Porto) (cfr. alínea AF da matéria apurada). Esse despacho não foi notificado à Ré, que quando chegou, já decorria o depoimento da primeira testemunha, situação que prejudicou a defesa da posição da Autora naquele ação, aqui Autora também (alínea AG da matéria apurada). Finalmente, foi proferida nova sentença nesses autos, que julgou o pedido formulado pela Autora totalmente improcedente (cfr. alínea AC da matéria apurada). Perscrutada a matéria que se acaba de transcrever, é indiscutível que a recorrente não cumpriu os deveres deontológicos a que se encontrava, legal e contratualmente obrigada no exercício do contrato de mandato que celebrou com a recorrida no âmbito daquela ação. Na verdade, a recorrente não compareceu à hora que se encontrava designada para a realização da audiência final na sequência da anterior sentença ter sido anulada pelo Tribunal da Relação do Porto com vista à ampliação da matéria de facto, como era sua obrigação deontológica e processual fazer na defesa dos interesses da sua constituinte. Apesar dessa audiência de julgamento se encontrar designada para as 13h30m, e de conforme se vê da ata de fls. 291 a 293, o tribunal ter aguardado até cerca das 14h10m pela chegada da recorrente, ou seja, muito para além dos trinta minutos a que alude o art. 151º, n.º 6 do CPC., e de a ter tentado contactar, pelo menos, por três vezes para o escritório e para o telefone móvel, sem sucesso, e da audiência final apenas ter iniciado pelas 14h15m, a recorrente apenas veio a comparecer quando a inquirição da primeira testemunha já se encontrava em curso e quando já tinha sido proferido despacho determinando que a prova a produzir iria incidir sobre toda a matéria da base instrutória. A recorrente não comunicou qualquer impedimento ao tribunal justificativo daquele seu atraso e uma vez chegada ao tribunal, não invocou qualquer situação de justo impedimento. Destarte, perante os factos que se acabam de enunciar é indiscutível que caso a recorrente tivesse comparecido tempestivamente à audiência final, a mesma teria ouvido aquele despacho, o qual por ter sido proferido verbalmente em audiência final e consignado em ata, se tem como presuntivamente notificado à mesma, sem que se descortine qualquer obrigação legal, a não ser ética e por simples cortesia e de lealdade do juiz que presidiu a esse julgamento, lhe dar conhecimento desse despacho que anteriormente proferira, obrigação ética, de cortesia e de lealdade que, aliás, também se impunha aos colegas da recorrente presentes, mandatários das restantes partes. Decorre do exposto que não obstante a alegação incisiva da recorrente segundo a qual não foi notificada daquele despacho, não se descortina que tendo esse despacho sido proferido em audiência final, impendesse ao juiz notificá-la desse despacho quando a mesma chegou à audiência final, antes era sobre aquela que impendia a obrigação legal e contratual de se inteirar sobre o que se tinha passado na sua ausência. Note-se que independentemente do que se acaba de referir, conforme se vê do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, junto aos autos a fls. 31 a 38, transitado em julgado, aquela Relação considerou que a recorrente teve conhecimento desse despacho, na medida em “que indicou as suas testemunhas (2ª e 3ª a serem ouvidas) aos pontos 1º a 6º da BI, o que demonstra à saciedade que tinha consciência plena que a nova audiência final não abrangia só a matéria de facto aditada ou alterada, mas todos os factos integrantes da base instrutória”, concluindo que a circunstância da recorrente não se encontrar presente quando foi proferido esse despacho, “em nada afetou a posição da Autora”. Deste modo, quer a recorrente tivesse tomado conhecimento desse despacho, conforme se encontra, em definitivo, decidido pelo Tribunal da Relação do Porto, quer não o tivesse tido (o que por mera hipótese de raciocínio de admite, já que se encontra, em definitivo, por acórdão transitado em julgado, decidido que a mesma teve conhecimento desse despacho), porque era sobre a recorrente que se impunha, na defesa dos interesses da sua cliente, a obrigação legal e contratual de se inteirar do que se tinha passado na sua ausência, era-lhe exigível que, uma vez inteirada desse despacho, à semelhança do que teria feito um mandatário medianamente diligente, recorrer dessa decisão, caso com ela não se conformasse, ou tendo-se com ela conformado, como foi o caso, requerer a designação de nova data para continuação da audiência final, a fim de fazer comparecer as testemunhas que tinham conhecimento sobre o modo como eclodiu o acidente de viação e então ausentes. Nada disto foi feito pela recorrente, pelo que, ao assim proceder, e vindo a ação de acidente de viação a ser julgada improcedente por não ter sido feita prova das circunstâncias em que eclodiu o acidente (fls. 38), é inegável que a recorrente agiu ilicitamente, violando as normas deontológicas que a obrigavam a defender os interesses da sua cliente. Note-se que aquela ação de acidente de viação veio a ser julgada improcedente por ausência de prova sobre as circunstâncias em que eclodiu o acidente, quando essa prova tinha sido feita na primeira audiência final realizada no âmbito dos autos de acidente de viação e foi feita no âmbito dos presentes autos (cfr. alíneas C a S da matéria apurada), o que é bem demonstrativo que caso a recorrente tivesse solicitado a designação de nova data para a continuação da audiência final, com vista a fazer comparecer as testemunhas que então não se encontravam presentes, e que tinham conhecimento sobre o modo como eclodiu o acidente, com elevadíssima probabilidade a mesma teria feito prova desses circunstancialismo e teria logrado obter vencimento de causa, conseguindo obter para a recorrida, pelo menos, a mesma indemnização que lhe tinha sido arbitrada na primeira sentença que veio a ser anulada pelo Tribunal da Relação do Porto. Neste contexto, é inegável que foi aquela atitude omissiva da recorrente, contrária às legis artis que se lhe impunham que observasse enquanto advogada na defesa da sua patrocinada, que arredou, em definitivo, a possibilidade da ali e aqui Autora obter vencimento de causa nessa ação. A recorrente não foi diligente no exercício daquele patrocínio, como lhe era imposto que fizesse de acordo com as normas deontológicas da sua profissão, e com isso agiu ilicitamente, cumprindo defeituosamente o contrato de mandato que celebrou com a sua cliente (20). Além de ilícita, essa conduta afirma-se negligente, negligência essa que, de resto, se presume, nos termos do disposto n.º 1 do art. 799º do Cód. Civil. Embora, quer no domínio da responsabilidade civil extracontratual, quer na contratual, o facto ilícito e culposo sejam pressupostos do dever de indemnizar, os mesmos não são suficientes para que esse dever indemnizatório se afirme. Na verdade, dispõe o art. 563º do CC, “que a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”, de onde resulta que nem todos os danos sobrevindos do facto ilícito e culposo estão incluídos na responsabilidade indemnizatória do agente, sendo ainda indispensável verificar-se o nexo de causalidade juridicamente adequado entre o facto ilícito e culposo do agente e o dano. Esse nexo exige que a conduta do agente seja, antes de mais, no plano naturalístico, condição sem a qual o dano não se teria verificado e, depois, é imprescindível que em abstrato ou em geral aquela conduta seja causa adequada daquele. Na doutrina da causalidade adequada na formulação negativa de Ennecerus Nipperdey, que é a consagrada naquele art. 563º, o dano só não deverá ser considerado causa adequada do mesmo, se dada a sua natureza geral e em face das regras da experiência comum, se mostrar indiferente para a verificação do dano (21). Assim, a existência do nexo causal entre o facto e o dano envolve juízos valorativos, ou seja, de direito, que não meramente factuais. Quando o tribunal a quo deu como não provado que a atuação da Ré impediu a Autora de conseguir o ressarcimento dos danos que lhe foram causados pelo acidente de viação em que o seu filho se viu envolvido, estando aquele em sede de apreciação dos factos, é nesse âmbito, puramente factual, que esse tribunal respondeu àquela matéria, dando-a como não provada. Na verdade, no campo puramente factual, sendo uma ação judicial por natureza de resultado incerto, é indiscutível que inexiste a possibilidade de se saber se a autora, aqui recorrida, ganharia ou não a ação de acidente de viação, mesmo que a recorrente, sua advogada, não tivesse agido ilícita e culposamente, conforme agiu. Essa realidade era (e é) insuscetível de ser provada. Situando-se o tribunal a quo quando responde à matéria de facto no campo puramente factual, é manifesto que outra solução não lhe restou que não dar aquela matéria como não provada. Acontece que a questão do nexo causal não se situa no campo puramente factual, mas empírico-normativo, pelo que ao condenar a recorrente e a sua seguradora a indemnizar a Autora pela perda da chance decorrente do comportamento ilícito e culposo da primeira, é manifesto que não existe qualquer contradição entre a parte decisória da sentença recorrida e a matéria dada como não assente no ponto 1º dos factos não provados. Precise-se que a recorrente violou ilícita e culposamente o contrato de mandato forense que celebrou com a autora, sua cliente, no âmbito daqueles autos de acidente de viação, deixando de satisfazer, cabalmente, a prestação que estava vinculada ao não comparecer tempestivamente à audiência final e ao não ter requerido que fosse designada nova data para a continuação da audiência, a fim de nela fazer comparecer as testemunhas, não presentes, que tinham conhecimento das circunstâncias em que eclodiu o acidente, com o que frustrou, em definitivo, a chance da Autora, sua cliente, de obter vencimento de causa, tornando-se responsável pelos prejuízos causados à mesma nos termos das disposições combinadas dos arts. 798º e 799º, n.º 1 do CC. Esclareça-se que não obstante a doutrina e a jurisprudência discutirem sobre a viabilidade de ser reconhecida uma indemnização pela designada perda de chance, também conhecida por perda de oportunidade de realizar um ganho ou evitar um prejuízo, sem que se possa apurar da sua verificação efetiva, havendo uma corrente que rejeita essa possibilidade com o argumento de que o regime legal da responsabilidade civil exige a certeza na identificação do dano e do respetivo nexo de causalidade com o evento lesivo, como pressuposto da obrigação de indemnizar, o que nunca seria possível aferir em sede de perda de chance, existe uma outra corrente que admite essa ressarcibilidade, sustentando que a mesma é ainda compatível com o conceito de causalidade adequada pressuposto pelo já citado art. 493º, procurando, no entanto, delimitar os contornos e requisitos dessa indemnização. Esta última corrente foi a seguida pelo tribunal a quo e é aquela que, na esteira dos arestos que infra se identificam (22), também sufragamos. Na verdade, no quadro da responsabilidade civil, a lei civil nacional não contempla, sequer teria de contemplar, uma definição de dano, mas refere-o como um dos pressupostos da obrigação de indemnizar nos artigos 483º, n.º 1 e 798º do Código Civil. No entanto, a lei nos arts. 562º a 566º do CC, fornece parâmetros para se formular tal definição, ao proclamar o princípio geral da obrigação de indemnizar, segundo o qual “quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação” e ao prescrever no art. 563º que “a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”. Também importa reconhecer que a responsabilidade civil no ordenamento jurídico nacional tem uma função primordialmente compensatória, ou seja, visa a reparação do dano, condição essencial e limite da obrigação de indemnizar, ainda que dentro de tais limites se contenham finalidades acessórias preventivas e mesmo sancionatórias, como decorre da possibilidade de limitação aquém do montante do dano causado, nos termos do art. 494º do Cód. Civil. Nessa linha é pertinente considerar que a obrigação de indemnizar tem como balizas, por um lado, o princípio da reparação integral do dano e, por outro, a proibição do enriquecimento sem causa do lesado à custa da indemnização. Nessa base, a doutrina tem definido o dano, embora sob a formulação variadas, como sendo a lesão ou prejuízo real, sob a forma de destruição, subtração ou deterioração de um certo bem, lesão de bens juridicamente protegidos do lesado, patrimoniais ou não, ou simplesmente uma desvantagem que é juridicamente relevante, por ser tutelada pelo Direito. Assim o “dano” não é uma realidade puramente empírica, mas antes uma categoria normativa, mais concretamente, um conceito e uma realidade empírico-normativo. A determinação do dano exige que se convoque dados empírico-naturalísticos mas a sua subsunção a um referencial normativo. Exige-se uma equação entre a situação real económica em que o lesado se encontra na data mais recente que possa ser atendida e a situação hipotética que existiria se não tivesse ocorrido o evento lesivo. Ora, se aquela situação real é demonstrável diretamente pela realidade de facto, já a situação hipotética só é alcançável através de um juízo de probabilidade a formular dentro dos limites normativos estabelecidos. Por isso, na definição de qualquer dano existe, em maior ou menor grau, uma dimensão recortada com apelo a um juízo de probabilidade, que não uma certeza de absoluta verificabilidade, o que se torna bem patente nos lucros cessantes – enquanto benefícios que o lesado deixou de ter em consequência da lesão, ou seja, que obteria se não fosse essa lesão -, ou ainda nos casos de danos futuros previsíveis, certos ou suficientemente prováveis. Quando, por exemplo, se arbitra uma indemnização, a título de responsabilidade civil emergente de acidente de viação, por frustração de uma promoção profissional que se alcançaria se não tivesse ocorrido o evento lesivo, o que se opera aqui é um juízo de probabilidade sobre uma hipotética promoção profissional, ainda que apoiado em indícios factuais que a fazem presumir à luz da experiência comum. Mas nem por isso, a frustração daquela provável promoção deixará de assumir a natureza de dano juridicamente relevante. Resulta do que se vem dizendo, que, a nosso ver, não existe no ordenamento jurídico nacional qualquer obstáculo legal à qualificação da perda de chance como um dano em si mesmo, desde que sustentado num juízo de probabilidade tido por suficiente em função dos indícios factualmente provados. “Com efeito, desde que se prove, desse modo indiciário, a consistência de tal vantagem ou prejuízo, ainda que de feição hipotética mas não puramente abstrata, terá de se reconhecer que ela constitui uma posição favorável na esfera jurídica do lesado, cuja perda definitiva se traduz num dano certo contemporâneo do próprio evento lesivo” (23). Uma vantagem perdida por decorrência de um evento lesivo, desde que consistente e séria, deve ser qualificada como um dano autónomo. A chance “perdida merece a tutela do direito porque, à data da violação ilícita, integra o património jurídico do lesado, o seu património económico e moral, sendo ressarcível por consubstanciar um dano certo, salvo quanto ao seu montante, onde acaba por emergir a perda de uma possibilidade atual, e não de um dano futuro. É um dano presente que consiste na perda de probabilidade de obter uma futura vantagem, um acréscimo patrimonial, sendo, contudo a perda de chance uma realidade atual e não futura, um bem jurídico digno de tutela, embora possa surgir no futuro, reportando-se ao valor da oportunidade perdida e não ao benefício esperado” (24). No caso, conforme se pondera na sentença proferida pelo tribunal a quo, não podemos deixar de concordar que a viabilidade da ação de acidente de viação instaurada pela recorrida era suficientemente séria, já que a última, no primeiro julgamento realizado no âmbito daqueles autos de acidente de viação e que veio a ser anulada, não só logrou provar as circunstâncias em que eclodiu o acidente, como logrou obter a procedência parcial dessa ação e já, nestes autos, tornou a fazer prova do circunstancialismo em que eclodiu aquele acidente, pelo que, nesse contexto, a chance da recorrida de obter a condenação de um das ali Rés a pagar-lhe, pelo menos, a quantia de 11.500,00 euros, a título de indemnização pelos danos sofridos em consequência do acidente de viação era suficientemente séria, consistente e credível. No entanto, com a sua já descrita e analisada conduta inadimplente, a recorrente frustrou, em definitivo, a chance, isto é, a possibilidade da recorrida obter vencimento de causa naquela ação de acidente de viação, pelo que, nos termos do disposto nos arts. 798º, n.º 1 e 799º, n.º 1 do CC, encontra-se obrigada a indemnizar a recorrida pela chance frustrada, ou seja, a satisfazer-lhe os apontados 11.500.00 euros. B.5- Do erro de julgamento decorrente da proprietária do cão ter logrado fazer prova nos autos de acidente de viação que já não tinha o domínio do cão aquando da eclosão do acidente. Sustenta a recorrente que assim não é e que, inclusivamente, o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao condená-la, mais a sua seguradora, naquela indemnização apesar da matéria de facto dada como provada nos autos de acidente de viação, onde se verifica que a ali Ré, proprietário do cão, logrou fazer prova em como, na altura do acidente, já não tinha o poder de facto sobre o cão, concluindo que, consequentemente, a chance da recorrida de obter êxito naquela ação de acidente de viação era nula ou muitíssimo reduzida. Precise-se que é certa a alegação da recorrente quando sustenta que a Ré nos autos de acidente de viação, proprietária do cão, logrou fazer prova de factualidade demonstrativa em como, na altura do acidente, já não tinha o domínio do cão. No entanto, como acima se deixou dito, essa factualidade não pode ser considerada nestes autos pela simples razão da mesma integrar matéria de exceção ao direito indemnizatório que a recorrida vem exercer nos presentes autos contra a recorrente e desta última não ter cuidado em alegar essa factualidade em sede de contestação. Neste contexto, o tribunal a quo não pôde considerar aquela matéria, como também não a pode considerar esta Relação, sob pena de violação do princípio do dispositivo. Decorre do exposto, que inexiste qualquer erro de julgamento em que tivesse incorrido o tribunal a quo, mas apenas a ausência de alegação de factos integrativos de matéria de exceção que a recorrente não cuidou em alegar e em que funda esse pretenso erro de julgamento. B.6- Do erro de julgamento ao condenar a recorrente em juros de mora a calcular sobre a franquia. Finalmente, pretende a recorrente que o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao condená-la a pagar juros de mora sobre a franquia. Acontece que a franquia corresponde ao montante indemnizatório devido pela recorrente à recorrida em consequência dos danos que lhe causou pela frustração da perda da chance em consequência direta e necessária da violação do contrato de mandato que com aquela celebrou e correspondente à parte da indemnização não transferida para a seguradora Neste contexto, é indiscutível que nos termos do disposto nos arts. 805º, n.º 3, 804º, n.º 1, 805º, n.ºs 1 e 2 do CC., são devidos juros de mora sobre essa parte indemnizatória não transferida para a seguradora (a franquia) e que, consequentemente, impende sobre a recorrente a obrigação de pagar juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano, desde a citação até integral e efetivo pagamento, a calcular sobre o valor da franquia. Resulta do exposto, improcederem todos os fundamentos de recurso, impondo-se julgar a apelação totalmente improcedente e confirmar a sentença recorrida. Decisão: Nestes termos, os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmam a sentença recorrida. Custas pela apelante (art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC). Notifique. * Guimarães, 16 de novembro de 2017 (Dr. José Alberto Moreira Dias) (Dr. António José Saúde Barroca Penha) (Dra. Eugénia Maria de Moura Marinho da Cunha) 1. Abílio Neto, in “Novo Código de Processo Civil Anotado”, 2ª ed., janeiro/2014, pág. 734. 2. Ac. STJ. 08/03/2001, Proc. 00A3277, in base de dados da DGSI. 3. José Lebre de Freitas, in “A Ação Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013”, 3ª ed., Coimbra Editora, pág. 332; Lebre de Freitas, in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, Coimbra Editora, 2001, pág. 669; Acs. STJ.03/11/2005,Proc. 05B3239; 14/11/2006, Proc. 06B1441; e 17/04/2007; Proc. 07B418, todos in base de dados da DGSI. 4. José Lebre de Freitas, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, pág. 670; Ac. STJ. de 20/01/2004, Proc. 03S1697, in base de dados da DGSI. 5. Abílio Neto, in ob. cit., pág. 739; Lebre de Freitas, “A Ação Declarativa Comum”, cit., pág. 333. 6. Alberto dos Reis, in “Código de Processo Civil Anotado”, 5º vol., págs. 55 e 143. 7. Lebre de Freitas, “A Ação Declarativa Comum”, pág. 335. 8. Ac. STJ. de 14/02/2012, Proc. 6823/09.3TBRG.G1.S1, in base de dados da DGSI. 9. Ac. RG. de 01/06/2017, Proc. 1227/15.6T8BGC.C1, in base de dados da DGSI. 10. António Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 4ª ed., 2017, pág. 153. 11. ob. cit., pág. 155. 12. Abrantes Geraldes, in ob. cit., pág. 159. No mesmo sentido vide Acs. S.T.J. de 18/11/2008, Proc. 08A3406; 15/09/2011, Proc. 1079/07.0TVPRT.P.S1; 04/03/2015, Proc. 2180/09.0TTLSB.L1.S2; 01/10/2015, Proc. 824/11.3TTLSB. L1. S1; 26/11/2015, Proc. 291/12.4TTLRA.C1; 03/03/2016, Proc. 861/13.3TTVIS.C1.S1; 11/02/2016; Proc. 157/12.8TUGMR.G1.S1, todos in base de dados da DGSI. 13. Ana Luísa Geraldes, “Impugnação e Reapreciação Sobre a Matéria de Facto”, in “Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, vol. IV, pág. 609. 14. Neste sentido vide Abrantes Geraldes, in ob. cit., pág. 275, onde a propósito do art. 662º do CPC escreve: “Com a nova formulação deixou de se prever especificamente a modificação da decisão da matéria de facto quando os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa insuscetível de ser destruída por quaisquer outras provas, possibilidade que agora se inscreve no preceituado no n.º 1, de âmbito mais genérico. Obviamente que a modificação continuará a justificar-se em tais circunstâncias, designadamente quando o tribunal recorrido tenha desrespeitado a força plena de certos meios de prova, o que ocorre quando, apesar de ter sido junto ao processo um documento com valor probatório pleno relativamente a determinado facto (arts. 371º, n.º 1 e 376º, n.º 1 do CC), o considere não provado, relevando para o efeito prova testemunhal produzida ou presunções judiciais (…) Em qualquer destes casos, a Relação, limitando-se a aplicar regras vinculativas extraídas do direito probatório material, deve integrar na decisão o facto que a 1ª instância considerou não provado ou retirar dele o facto que ilegitimamente foi considerado provado (sem prejuízo, neste caso, da sua sustentação noutros meios de prova), alteração que nem sequer depende da iniciativa da parte”. 15. Teixeira de Sousa, in “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex, 1997, pág. 70. No mesmo sentido, vide Abílio Neto, in “Novo Código de Processo Civil Anotado”, 2ª ed., janeiro de 2014, págs. 24 e 25, onde se lê: “…seriam factos principais aqueles que integram o facto ou factos jurídicos que servem de base à ação ou exceção. Por seu turno, estes factos dividir-se-iam em essenciais e complementares, sendo os primeiros os que constituem os elementos típicos do direito que se pretende atuar em juízo e os segundos aqueles que, de harmonia com a lei, lhes conferem a eficácia jurídica necessária para fazer essa atuação. Ou seja, aquele denominador comum abrangeria não só a causa de pedir (os factos essenciais), mas também a procedibilidade da ação (os factos complementares). Tomemos como exemplo a separação de facto por um ano consecutivo como fundamento do divórcio sem consentimento de um dos cônjuges (…); será este o facto essencial. Mas, para a procedência da ação ter-se-á ainda de prova que durante esse ano não existiu comunhão de vida entre os cônjuges e que houve da parte de ambos, ou de um deles, o propósito de não a restabelecer (…); estes serão os factos complementares”. Também Abrantes Geraldes in “Sentença Cível”, janeiro de 2014, acessível in Internet, e Ac. RC. de 23/02/2016, Proc. 2316/12.4TBPBL.C1, in base de dados da DGSI. 16. Ob. cit., pág. 70. 17. Abrantes Geraldes, in “Sentença Cível”, pág. 11. 18. Abrantes Geraldes, “Sentença Cível”, págs. 12 e 13. 19. Ac. STJ. de 01/07/2014, Proc. 824/06.5TVLSB.L2.S1, in base de dados da DGSI. 20. Acs. STJ. de 05/02/2013, Proc. 488/09.4TBESP.P1 e de 01/07/2014, Proc. 824/06.5TVLSB.L2.S1., ambos in base de dados da DGSI. 21. Ac. STJ. 20/06/2006, CJ/STJ, 2006, II, pág. 119; e Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, vol. I, 9ª ed., págs. 639 a 643 22. Acs. STJ. de 09/07/2015, Proc. 5105/12.2TBXL.L1.S1; de 01/07/2014, Proc. 824/06.5TVLSB.L2.S1; de 05/02/2013, Proc. 488/09.4TBESP.P1.S1; R.L. de 28/04/2015, Proc. 2776/10.8TVLSB.L1-1 e de 23/06/2015, Proc. 1540/11.1TVLSB.L1-7, todos in base de dados da DGSI. 23. Ac. STJ. 09/07/2015, já acima identificado. 24. Armando Braga, in “A Reparação do Dano Corporal na Responsabilidade Extracontratual”, Almedina, 2005, págs. 125 e 126; Patrícia Costa, in “O Dano da Perda da Chance e a sua Perspetiva no Direito Português”, Dissertação de Mestrado, pág. 165. |