Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | FERNANDO FERNANDES FREITAS | ||
Descritores: | VEÍCULO AUTOMÓVEL CONTRATO DE COMPRA E VENDA REGISTO DE AQUISIÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 03/23/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | I – O contrato de compra e venda de veículo automóvel é um contrato consensual, sendo, por isso, válido e eficaz quando seja celebrado verbalmente. II – É, porém, obrigatório o registo de aquisição de um veículo automóvel, nos termos impostos pelo art.º 5.º, n.ºs 1, alínea a) e 2, do Dec.-Lei n.º 54/75, de 12 de Fevereiro. III – Assim, o comprador que não regista a sua aquisição incorre na obrigação de indemnizar os danos que resultarem, para o titular inscrito, da omissão deste dever, por se verificarem os requisitos de aplicação do disposto no art.º 486.º do C.C.. | ||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES A) RELATÓRIO I.- L, identificada nos autos, intentou a presente acção declarativa sob a forma de processo comum contra J; e P, também identificados, pedindo: a) que se declare que os Réus agiram de má fé, com o intuito de a ludribiarem; b) que se declare que o 2.º Réu, P, é o legítimo proprietário e possuidor do veículo de matrícula DS desde 13.11.2009, por o ter adquirido à Autora naquela data; c) que os Réus sejam condenados a pagarem-lhe solidariamente a quantia de 620,05€, relativa aos montantes por si, Autora, já liquidados, correspondentes aos seguintes encargos tributários: a quantia de 40,47€ relativa ao Imposto Único de Circulação (IUC) referente ao ano de 2010, a que corresponde o processo n° 0353201401054554, liquidado pela Autora em 25.03.2014; as quantias de 20,85€ e 20,56€ relativas aos Impostos Únicos de Circulação (IUC) referentes ao ano de 2011 e 2012, a que correspondem os nºs de documento … e …, respectivamente, liquidadas pela Autora em 25.03.2014; a quantia de 153,84€ relativa a custos administrativos, taxas e coimas referentes ao ano de 2010, a que corresponde o processo n° 0353201401045741, liquidada pela Autora em 25.03.2014; a quantia de 106,50€ referente ao Imposto Único de Circulação (IUC) do ano de 2010, a que corresponde o processo nº 0353201406059015, liquidada pela Autora em 06.05.2014; a quantia de 106,50€ relativa ao Imposto Único de Circulação (IUC) do ano de 2011, a que corresponde o processo nº 0353201406046215, liquidada pela Autora em 06.05.2014; a quantia de 126,50€ relativa ao Imposto Único de Circulação (IUC) do ano de 2012, a que corresponde o processo nº 0353201406032877, liquidado pela Autora em 06.05.2014; a quantia de 20,49€ relativa ao Imposto Único de Circulação (IUC) referente ao ano de 2013, a que corresponde o nº de documento 639350003, liquidada pela Autora em 02.06.2014; a quantia de 25,00€ relativo à coima pelo atraso de pagamento do Imposto Único de Circulação (IUC) referente ao ano de 2013, a que corresponde o processo nº 0353201416137590, liquidada pela Autora em 02.06.2014; a quantia de 19,90€ relativa ao Imposto Único de Circulação (IUC) referente ao ano de 2014, a que corresponde o nº de documento 281027503, liquidada pela Autora em 02.06.2014. Peticiona, por fim, que os Réus sejam condenados a pagarem-lhe a indemnização no valor a liquidar em execução de sentença, relativa aos prejuízos por si sofridos com o não registo da propriedade do mencionado veículo, em quantia nunca inferior a 5.000€. Alega, para o efeito, que em 2006 vendeu a J o veículo de matrícula DS, pelo valor de € 750,00. Sucede que, apesar de obrigado a registar o veículo em seu nome, ele não o fez. Porém, pretendendo ele vender o mencionado veículo ao Réu P, e bem sabendo que, para o efeito, necessitava da assinatura da Autora, dado nunca o ter registado em seu nome, em 13 de Novembro de 2009, contactou-a, explicando-lhe que precisava que ela assinasse, novamente, mais uma declaração de venda, agora para o 2º réu. Como ela, Autora, num primeiro momento, se tivesse mostrado reticente, aquele J, na tentativa de a convencer, alegou não haver qualquer problema, comprometendo-se logo a assumir todas as responsabilidades inerentes ao veículo no tempo em que o mesmo esteve em sua posse. Assim, em face disso, ficou estabelecido que o J assinava a referida declaração, na qual se responsabilizava por todos os danos entre 2006 e 2009, a Autora assinava a declaração de venda para o aqui 2º Réu e este ficava obrigado a, no prazo máximo de uma semana, proceder à inscrição/registo em seu nome do referido veículo. Contudo, contrariamente ao acordado, veio a tomar conhecimento que o Réu P não havia procedido ao registo da propriedade do veículo a seu favor, embora tenha feito um seguro com início a 23/11/2009. Ora, alega ainda, foi notificada para proceder ao pagamento dos impostos únicos de circulação (IUC) e portagens do veículo em causa, DS, devidos desde o ano de 2010, o que fez. E, dadas as circunstâncias, viu-se confrontada com a necessidade de ordenar o cancelamento da matrícula do veículo em questão, diligência que encetou junto do Instituto de Mobilidade de Transportes IP, em 17 de Março de 2014. Por requerimento datado de 5 de Março de 2015, veio a Autora desistir do pedido que havia formulado contra o Réu J, desistência que foi homologada pela decisão constante de fls. 57, prosseguindo os autos apenas contra o Réu P. Este, devidamente citado, apresentou contestação arguindo a sua ilegitimidade processual, impugnando parte da factualidade alegada pela Autora e alegando que, em 6 de Outubro de 2010, vendeu o veículo em questão nos autos entregando-o como retoma de outro, pelo valor de € 250, tendo efectuado essa venda à empresa "JB", cuja intervenção principal provocada requereu. Este pedido de intervenção principal não foi admitido, por despacho que foi proferido nos autos em 8 de Setembro de 2015, transitado em julgado. A Autora respondeu à excepção de ilegitimidade arguida pelo Réu, a qual foi julgada improcedente no despacho saneador. Os autos prosseguiram os seus termos, vindo a proceder-se ao julgamento que culminou com a prolação de douta sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, por parcialmente provada, condenou o Réu P a pagar à Autora a quantia de € 300,81 (trezentos euros e oitenta e um cêntimos). A Autora, inconformada, traz o presente recurso pedindo a revogação da decisão e a sua substituição por outra que condene o Réu na totalidade do pedido. Não foram apresentadas contra-alegações. O recurso foi recebido como de apelação, com efeito meramente devolutivo. Foram colhidos os vistos legais. Cumpre apreciar e decidir. ** II.- A Autora/Apelante funda o seu recurso nas seguintes conclusões: A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida nos autos de processo acima identificado, que julgou parcialmente provada a acção e consequentemente, condenou o Réu, ora Recorrido, a pagar à Autora, ora Recorrente, a quantia de € 300,81. B. Entende a Autora, ora recorrente, que a decisão recorrida viola, no caso sub judice, o sentimento ético-jurídico de Justiça, que ao caso cabe, e ainda que tal solução, relativamente aos factos provados, não se coaduna com a prova produzida nos presentes autos, tendo sido os mesmos incorrectamente julgados. C. Pelo que, por via da presente Apelação, se suscita e requer a reapreciação da douta decisão proferida. D. Na verdade, confrontada a matéria de facto provada, a matéria de facto não provada e toda a prova produzida, E. Entende a recorrente que mal andou o tribunal recorrido ao considerar provado, no ponto 14, que o Réu P deu o veículo em retoma de outro, pelo valor de € 250 (duzentos e cinquenta euros), tendo efectuado essa venda à empresa "JB", que girava no comércio com a sigla MBM. F. Com efeito, e começando pela prova documental junta aos autos, não se retira qualquer conclusão, uma vez que a mesma, além de imperceptível, não confirma a alegada retoma/venda. G. De facto, o único documento credível consubstancia apenas um termo de responsabilidade relativo à compra e venda de um automóvel da marca Fiat, matricula HF, sendo que no mesmo não consta qualquer referência ao veículo ora em causa, da marca Renault. H. Ora, atento o supra exposto, na perspectiva da recorrente, o tribunal formou a sua convicção com base em meios probatórios sem qualquer objectividade, isto é, nas declarações prestadas pelo Réu, ora recorrido, e no depoimento da sua própria filha, que à luz das regras da experiência comum, e ainda que tal não devesse suceder, assume um cariz subjectivo, dada a relação de familiaridade entre a testemunha e o réu. I. Relativamente às declarações de parte prestadas pelo réu, ora recorrido, importa salientar que as mesmas denotam incongruências, nomeadamente no que concerne ao alegado negócio de retoma. J. Já no que respeita ao depoimento prestado pela filha do Réu, que se revelou ferido de alguma subjectividade, importa salientar que a mesma referiu ser conhecedora da transacção alegadamente efectuada em 6 de Outubro de 2010, no entanto, quando confrontada com os contornos do negócio, referiu que os mesmos não eram do seu conhecimento. K. De facto, o seu depoimento traduz uma versão dos factos pormenorizada em relação a alguma matéria e imprecisa em relação a outra. L. Com efeito, a filha do recorrido, aqui testemunha, revelou ter conhecimento dos contornos do primeiro negócio, no entanto em relação ao alegado negócio da retoma mostrou-se pouco conhecedora do mesmo, apenas informando o tribunal que o seu pai vendeu o veículo em Outubro de 2010. M. Por outro lado, soube informar o tribunal que o veículo em causa nunca havia sido registado em nome do seu pai e que o mesmo estava coberto por uma apólice de seguro, apólice essa solicitada pelo seu pai (tal como aliás foi dado como provado no ponto 6 da matéria dos factos provados). N. Tendo em conta os depoimentos transcritos e a prova documental, entende a recorrente que ficou suficientemente demonstrado que o recorrido não procedeu ao registo do veículo com a intenção de o utilizar sem ser responsabilizado pelas obrigações daí decorrentes, nomeadamente a nível tributário, O. E que a suposta retoma não foi mais do que uma manobra para se eximir das suas responsabilidades. P. Aliás, a confirmar-se a celebração do negócio de retoma a favor da entidade MBM Comércio Automóvel, alegadamente ocorrida no dia 6 de Outubro de 2010, deveria este veículo estar seguro em nome daquela entidade. Q. Assim, não restam dúvidas que se tal negócio tivesse sido celebrado surgiria no histórico da matrícula em causa, pelo menos entre 6 de Outubro de 2010 e 17 de Março de 2014 (data em que a matrícula foi cancelada), como tomador do seguro, a empresa JB, o que de facto nunca sucedeu. R. Não obstante o supra alegado, sempre se dirá que além da questão do seguro em nome daquela empresa, nunca o mesmo foi registado em seu nome. S. Quando, na verdade, enquanto compradora tinha a obrigação de proceder ao registo obrigatório (artigos 4.°, 5.° e 6.° do DL n.º 54/75 de 12.02). T. Deste modo, atento os argumentos expostos, entende a recorrente que o ponto 14 dos factos provados deveria ter sido considerado como não provado. U. Ademais, peticionou a recorrente a condenação do réu no pagamento de uma indemnização relativa aos prejuízos sofridos com a violação do dever legal de registo. V. Na sequência deste pedido, e ponderada toda a prova produzida, entendeu a Meritíssima Juiz titular dos autos que tal pedido não merecia atendimento. W. Ora, no modesto entendimento da recorrente, e sem prejuízo do exposto relativamente à reapreciação dos factos provados, encontravam-se reunidos os pressupostos da responsabilidade civil contratual (a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo causal). X. Com efeito, o facto ilícito resulta da violação por banda do recorrido do dever legal de registar a propriedade do veículo, tal como resulta da factualidade provada da douta decisão recorrida, Y. Por outro lado, a culpa presume-se, isto é, há presunção legal de culpa do contraente faltoso, nos termos do n.º 1 do artigo 799.° do Código Civil. Z. Ainda assim, a recorrente teve que demonstrar os outros pressupostos daquele tipo de responsabilidade: o dano (ou prejuízo) e o nexo causal. AA. Assim, no que tange aos danos patrimoniais, o princípio fundamental é o da reposição da coisa no estado anterior à lesão, excepto se a restauração não for exequível ou se se revelar excessivamente onerosa para o devedor. BB. In casu, e tal como afirma a Meritíssima Juiz do tribunal a quo, "Tal omissão do Réu causou à Autora danos, conforme resulta da factualidade dada por provada.", CC. Danos esses que foram cabalmente demonstrados nos presentes autos, uma vez que a recorrente, além de ter despendido diversas quantias para pagamento das obrigações tributárias atinentes ao veículo automóvel alienado ao recorrido, viu a sua vida seriamente afectada. DD. De facto, a recorrente foi confrontada com uma situação de incumprimento inesperada e indesejada, que lhe causou diversos transtornos, quer ao nível pessoal (ansiedade e angústia) quer ao nível profissional (perda de horas de trabalho e rendimento). EE. Atento o exposto, não restam dúvidas que o ilícito praticado pelo recorrido (violação do dever legal de registo) actuou como condição dos danos já referidos, FF. Pelo que, recai sobre o recorrido a obrigação de indemnizar, nos termos do artigo 563.° do Código Civil. III.- Como resulta do disposto nos art.os 608.º, n.º 2, ex vi do art.º 663.º, n.º 2; 635.º, n.º 4; 639.º, n.os 1 a 3; 641.º, n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil, (C.P.C.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso. Como se extrai das conclusões acima transcritas, cumpre: - reapreciar a decisão da matéria de facto, no segmento impugnado; - reapreciar a decisão de mérito. ** B) FUNDAMENTAÇÃO IV.- O Tribunal a quo proferiu a seguinte decisão de facto: a) julgou provado que: 1 - A Autora L vendeu, em 2006, a J, pelo preço de € 750 (setecentos e cinquenta euros), o veículo automóvel de matrícula, marca/modelo Renault Clio, ligeiro de passageiros a gasolina, passando o mesmo a ser o tomador do respectivo seguro. 2 - J não registou em seu nome o veículo de matrícula DS. 3 - Em data não concretamente apurada do ano de 2009, J, pretendendo vender o veículo de matrícula DS, solicitou à Autora que assinasse uma (nova) declaração de venda, dado que não o havia registado em seu nome. 4 - Para que a Autora acedesse à sua solicitação, J emitiu uma declaração datada de 13 de Novembro de 2009, com o seguinte teor: "J, contribuinte n° …, com sede na Rua de Penide, n° … …, …Areis S. Vicente, Barcelos, DECLARA para os devidos efeitos que se responsabiliza por multas e coimas e danos patrimoniais e não patrimoniais que possam advir, referente à viatura de marca Renault, modelo Clio, matrícula: DS, assim como também que o condutor da viatura seja portador de carta de condução, durante o período de utilização.". 5 - Como contrapartida da subscrição de tal declaração, a Autora assinou a declaração para venda ao Réu P, do veículo de matrícula DS. 6 - O Réu P não registou em seu nome o veículo de matrícula DS, mas fez seguro, com início a 23/11/2009, ou seja, 10 dias após o negócio de compra e venda. 7 - Em 5 de Novembro de 2012, foi a Autora notificada, pela "Ascendi", da decisão administrativa proferida pelo Instituto de Infra-Estruturas Rodoviárias, I.P., referente ao processo de contra-ordenação 100000055014, relativo ao não pagamento de portagens por parte do veículo de matrícula DS. 8 - Em 6 de Julho de 2011 e em 24 de Novembro de 2011, foi a Autora notificada, pela "Ascendi", para proceder à liquidação das taxas de portagens devidas pela circulação do veículo de matrícula DS. 9 - Foi a Autora notificada, pela Autoridade Tributária e Aduaneira, para proceder ao pagamento do Imposto Único de Circulação do veículo automóvel de matrícula DS, relativo aos anos de 2010, 2011, 2012 e 2013, bem como dos custos administrativos e coimas devidos pela falta de pagamento atempada de tal imposto. 10 - Em face de tais notificações, a Autora viu-se confrontada com a necessidade de ordenar o cancelamento da matrícula do veículo em questão, diligência que encetou junto do Instituto de Mobilidade de Transportes IP, em 17 de Março de 2014. 11 - A Autora procedeu ao pagamento dos seguintes montantes: - a quantia de 40,47€ relativa ao Imposto Único de Circulação (IUC) referente ao ano de 2010, a que corresponde o processo n° 0353201401054554, liquidada pela Autora em 25.03.2014; - As quantias de 20,85€ e 20,56€ relativas aos Impostos Únicos de Circulação (IUC) referentes aos anos de 2011 e 2012, a que correspondem os documentos n.ºs 676888903 e 6802200503 respectivamente, liquidadas pela Autora em 25.03.2014; - a quantia de 153,84€ relativa a custos administrativos, taxas e coimas referentes ao ano de 2010, a que corresponde o processo n° 0353201401045741, liquidada pela Autora em 25.03.2014; - a quantia de 106,50€ referente ao Imposto Único de Circulação (IUC) do ano de 2010, a que corresponde o processo n° 0353201406059015, liquidada pela Autora em 06.05.2014; - a quantia de 106,50€ relativa ao Imposto Único de Circulação (IUC) do ano de 2011, a que corresponde o processo n° 0353201406046215, liquidada pela Autora em 06.05.2014; - a quantia de 126,50€ relativa ao Imposto Único de Circulação (IUC) do ano de 2012, a que corresponde o processo n° 0353201406032877, liquidada pela Autora em 06.05.2014; - a quantia de 20,49€ relativa ao Imposto Único de Circulação (IUC) referente ao ano de 2013, a que corresponde o documento n.º 639350003, liquidada pela Autora em 02.06.2014; - a quantia de 25,00€ relativa à coima pelo atraso de pagamento do Imposto Único de Circulação (IUC) referente ao ano de 2013, a que corresponde o processo n° 0353201416137590, liquidada pela Autora em 02.06.2014; - a quantia de 19,90€ relativa ao Imposto Único de Circulação (IUC) referente ao ano de 2014, a que corresponde o documento n.º 281027503, liquidada pela Autora em 02.06.2014; - a quantia de € 176,71, relativa ao Imposto Único de Circulação (IUC) referente ao ano de 2015 e coimas pelo atraso de pagamento de tal imposto, liquidada pela Autora em 5 de Fevereiro de 2016. 12 - O Réu P pagou o Imposto único de Circulação do veículo de matrícula DS referente ao ano de 2009, bem como uma coima no valor de € 15 (quinze euros). 13 - O veículo de matrícula DS não correspondeu às expectativas do Réu P porque, para além de outros problemas, começou a deixar entrar água no seu interior, o que levou a que poucas vezes tenha andado com ele. 14 - Tendo inclusive, em 6 de Outubro de 2010, dado o referido veículo em retoma de outro, pelo valor de € 250 (duzentos e cinquenta euros), tendo efectuado essa venda à empresa "JB", que girava no comércio com a sigla MBM. b) Julgou não provado que: a) Ficou estipulado que o Réu Paulo Alexandre Gomes Alves Magalhães Bastos ficava obrigado a no prazo máximo de uma semana (cinco dias úteis) proceder à inscrição/registo a seu favor do referido veículo. b) A estratégia adoptada pelos réus tinha como único objectivo ludibriar a Autora, fazendo-a crer na honestidade e boa fé que nunca existiu, já que os réus decidiram em conjunto enganar a Autora, pois enquanto o 1º Réu tirou proveito para si da venda ao 2º Réu, este por sua vez aproveitou para circular com o veículo sem qualquer despesa inerente a impostos e portagens. c) O Réu P adquiriu o veículo de matrícula DS no stand da Citroen, sito na Rua Conselheiro Lobato, nº …, a um Sr. que se apresentou como vendedor de automóveis, chamado Alberto Pinto, funcionário dessa empresa. d) Questionado sobre a pessoa que surgia como vendedora, pelo referido Sr. Alberto Pinto foi dito que era a última proprietária, o que correspondia à informação do livrete, mais tendo dito que se encontrava ainda registada a seu favor por não ser usual os stands de venda de automóveis usados registarem em seu nome veículos para venda, por tal facto os desvalorizar, atento o facto de acrescentar mais um proprietário ao histórico do veículo, o que o desvalorizava. ** V.- A Apelante insurge-se contra esta decisão da matéria de facto, apenas quanto à facticidade transcrita sob o n.º 14, pretendendo que, nesta sede de recurso, seja julgado “não provado”, alegando que o documento em que se fundamentou o Tribunal a quo é imperceptível e não confirma a alegada retoma/venda, e que não podia ter sido atribuída credibilidade às declarações prestadas pelo próprio Réu e ao depoimento da testemunha sua filha. Fez as transcrições, com indicação do tempo, dos trechos dos depoimentos que, a seu ver, contêm incongruências que os descridibilizam. Destarte, cumpriu a Apelante com todos os ónus impostos pelo art.º 640.º do C.P.C., não havendo, por isso, obstáculo legal à reapreciação da decisão quanto ao ponto de facto impugnado. Na reapreciação da decisão da matéria de facto impõe-se à Relação observar o que dispõe o art.º 662.º do C.P.C., para o que deve avaliar todas as provas carreadas para os autos, valorando-as e ponderando-as com recurso às regras da experiência, aos critérios da lógica, aos seus conhecimentos das pessoas e das coisas, para formar a sua própria convicção. De acordo com o art.º 341.º do C.C. as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos, não sendo, porém, de exigir que essa demonstração conduza a uma verdade absoluta (objectivo que seria impossível de atingir) mas tão-só a um elevado grau de probabilidade, suficiente para as necessidades práticas da vida. As regras sobre o ónus da prova constam dos art.os 342º. a 346.º do C.C., sendo que o princípio basilar é o que vem estabelecido no primeiro daqueles preceitos legais: quem invoca um direito tem de fazer a prova dos factos que o constituem. Já os factos impeditivos, modificativos ou extintivos têm de ser provados por aquele contra quem o direito é invocado. Complementarmente àquelas regras e princípios de direito material, cumpre ainda ter presente o princípio de direito adjectivo consagrado no art.º 414.º do C.P.C., que rege sobre a interpretação da dúvida acerca da realidade de um facto ou da repartição do ónus da prova, que se resolve contra a parte à qual o facto aproveita. De resto, o art.º 346.º do C.C. reporta-se, precisamente, à contraprova destinada a tornar duvidosos os factos – perante a dúvida inultrapassável, a questão é decidida contra a parte onerada com a prova. A importância destas regras e princípios radica na proibição, consagrada no n.º 1 do art.º 8.º do C.C., do tribunal deixar de julgar alegando dúvida insanável acerca dos factos em litígio. É no enquadramento destes princípios que se vai proceder à reapreciação da matéria de facto. ** VI.- A Apelante pretende que se julgue “não provado” o que consta sob o n.º 14, que refere a venda do veículo, ocorrida em 6/10/2010, que foi entregue como retoma na compra de outra viatura, pelo valor de € 250, venda que foi feita à empresa "JB", que girava no comércio com a sigla “MBM”.Como ficou a constar da fundamentação da decisão, a Meritíssima Juiz alicerçou a sua convicção “no declarado pelo Réu … em conjugação com o referido pela testemunha PV, filha do Réu, e com o teor dos documentos juntos a fls. 69 e 69vs.”, referindo que esta “confirmou que o pai, em Novembro de 2006, comprou um Renault Clio” e que “o pai pouco circulou com tal veículo, já que o mesmo apresentou vários problemas, entre eles a entrada de água para o seu interior. Em virtude disso, o seu pai, em Outubro de 2010, trocou tal viatura por uma outra, num stand denominado MBM”. Quanto ao Réu, P, escreveu que este “referiu que em 6 de Outubro de 2010, deu o veículo de matrícula DS em retoma de outro, pelo valor de € 250 (duzentos e cinquenta euros), tendo efectuado essa venda à empresa "JB", que girava no comércio com a sigla MBM.”. Assiste, em parte, razão à Apelante quando refere a impossibilidade de leitura dos documentos de fls. 69 e 69v.º, mas este “vício” só afecta a parte impressa deles e não já os dizeres manuscritos. E destes é possível extrair, com mediana clareza, que tais documentos respeitam a um contrato de compra, celebrado em 06/10/2010, no valor de € 1.750,00, para o pagamento do qual terão sido entregues duas importâncias de “250,00” cada, e “5 cheques de 250,00”, e que o veículo referido nos autos, “Renault Clio” de matrícula DS foi entregue porquanto há uma nota, entre parênteses, que diz: “(Falta cópia do BI NIF do vendedor)”, com uma rúbrica por baixo, sendo que o documento de fls. 69v.º é um “Termo de Responsabilidade”, assinado pelo aqui Réu, relativamente a um veículo “Fiat Marea” de matrícula HF. Relativamente às declarações do Réu e ao depoimento da testemunha PV, que são livremente apreciados pelo Tribunal, foram revisitadas as gravações e o que se extrai do que foi dado ouvir é que são injustificadas as observações tecidas pela Apelante, não se vislumbrando razões objectivas para dissentir da valoração do Tribunal a quo, que teve a imediação plena deles. De resto, não pode deixar de observar-se que as razões que a Apelante invoca para descredibilizar o depoimento da testemunha P, porque é filha do Réu, teriam inteira aplicação à valoração do depoimento do marido dela, Apelante, o qual, como ficou registado na fundamentação, foi determinante no apuramento dos factos relativos “a todos os negócios” e a “todas as questões que se seguiram à venda” do veículo. Não havendo, pois, motivos consistentes para alterar a decisão da matéria de facto, mantém-se toda a facticidade que o Tribunal a quo julgou provada, com o que improcede, quanto a esta parte, a pretensão recursiva da Apelante. ** VII.- Restando, embora, inalterada a matéria de facto, ressalvado respeito devido, julga-se não ser de aderir à decisão, que restringiu a responsabilidade do Réu ao Imposto de Circulação, custos administrativos, taxas e coimas e adicionais àquele Imposto, relativos ao ano de 2010 (€ 40,47+153,84+106,50= 300,81). Com efeito, e como se vai demonstrar, a responsabilidade do Réu deriva do não cumprimento do dever de registo, sendo, por isso, uma responsabilidade extracontratual. Como ficou provado, a Autora vendeu o veículo automóvel referido nos autos ao, também inicialmente demandado, J (n.º 1 da facticidade provada). Este, por sua vez, vendeu o mesmo veículo ao Réu P (n.os 3 e 5). 1.- O contrato de compra e venda de veículo automóvel é um contrato consensual, sendo, por isso, válido e eficaz quando seja celebrado verbalmente. Para além das obrigações específicas do contrato de compra e venda, que se retiram dos art.os 874.º e 879.º do Código Civil (C.C.) - transmissão da propriedade e entrega da coisa (para o vendedor) e pagamento do preço (para o comprador) –, há outros deveres acessórios que se impõe sejam observados pelos contratantes, decorrentemente do princípio da boa fé no cumprimento dos contratos, consagrado no art.º 762.º, n.º 2 do C.C., como o sejam, para o vendedor, a entrega de todos os documentos respeitantes ao veículo, assim como o fornecimento dos elementos identificativos que sejam necessários ao cumprimento das obrigações legais impostas ao comprador de um veículo automóvel. Uma das obrigações do comprador é a do registo da sua aquisição, registo que tem em vista a segurança do comércio jurídico (cfr. art.º 1.º, n.º 1 e art.º 27.º, n.º 2, ambos do Dec.-Lei n.º 54/75, de 12 de Fevereiro (com as onze alterações que lhe foram introduzidas). Com efeito, mau grado o registo, salvo, entre nós, a hipoteca, não tenha efeitos constitutivos do direito, sendo a sua função a de dar publicidade à situação jurídica dos bens, assegurando a qualquer interessado que o direito, a existir, pertence ao titular inscrito, o n.º 2 do art.º 5.º daquele Diploma Legal tornou-o obrigatório, assim como “a mudança de nome ou denominação e da residência habitual ou sede dos proprietários, usufrutuários e locatários”. 2.- Ora, as simples omissões dão lugar à obrigação de reparar os danos, quando, independentemente dos outros requisitos legais, havia, por força da lei ou de negócio jurídico, o dever de praticar o acto omitido – cfr. art.º 486.º do C.C.. Sendo inquestionável a existência do dever genérico de não lesar os direitos de outrem, não existe propriamente um dever de evitar a ocorrência de danos de terceiros, salvo nas situações em que a lei ou o negócio jurídico imponham um dever de agir para prevenir o perigo de dano. Sem embargo, e como escreve o Prof. Antunes Varela, citando a doutrina alemã, a vivência em sociedade impõe a cada um de nós “o dever (geral) de não expor os outros a mais riscos ou perigo de danos do que aqueles que são inevitáveis” – dever de prevenção do perigo (in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 114, n.º 3684, págs. 77-78). Relativamente ao âmbito de aplicação do referido art.º 486.º defende o Prof. Almeida Costa “um entendimento mais lato da referência ao dever legal de praticar o acto omitido”, devendo admitir-se “uma alusão genérica à ordem jurídica” (in “Direito das Obrigações”, Almedina, 12ª ed., págs. 559-560). Como salientam os Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, para que haja lugar a indemnização com fundamento naquele preceito legal, exige-se que “haja obrigação de agir, de praticar o acto omitido” e, nos termos do art.º 563.º do C.C., haja ainda um nexo de causalidade entre a omissão e o dano - “deve tratar-se de um dano que provavelmente se não teria verificado, se não fosse a omissão” (in “Código Civil Anotado”, vol. I, nota 1. da anotação ao supramencionado preceito legal). 3.- Na situação sub judicio, como ficou já referido, o Réu, por imposição legal, - n.º 2 do art.º 5.º do Dec.-Lei n.º 54/75 - estava obrigado a registar a sua aquisição do direito de propriedade sobre o veículo automóvel de matrícula DS. De acordo com o disposto no art.º 25.º, daquele Dec.-Lei 54/75, (com a redacção que lhe deu o Dec.-Lei n.º 20/2008, de 31 de Janeiro) o registo posterior de propriedade (de veículo automóvel) “adquirida por contrato verbal de compra e venda pode ser efectuado em face de: a) requerimento subscrito pelo comprador e confirmado pelo vendedor, através de declaração de venda apresentada com o pedido de registo; b) requerimento subscrito conjuntamente pelo vendedor e pelo comprador”. Como ficou provado, a Autora, satisfazendo os interessados, assinou a declaração de venda, nela fazendo constar, como comprador, o Réu P, dando-lhe, por isso, o “instrumento” adequado ao cumprimento do referido dever de registo da aquisição. Não tendo o Réu registado a sua aquisição quebrou o trato sucessivo impossibilitando os registos posteriores. Com efeito, de acordo com o disposto no art.º 34.º do Código de Registo Predial (aplicável por força do disposto no art.º 29.º do Dec.-Lei 54/75), o registo definitivo de aquisição de direitos depende “da prévia inscrição dos bens em nome de quem os transmite ou onera”, sendo que, nos termos do n.º 2, “no caso de existir sobre os bens registo de aquisição ou reconhecimento de direito susceptível de ser transmitido ou de mera posse, é necessária a intervenção do respectivo titular para poder ser lavrada nova inscrição definitiva, salvo se o facto for consequência de outro anteriormente inscrito”. Substituído o Imposto do Selo (que podia ser adquirido num quiosque ou livraria) pelo Imposto Único de Circulação (IUC) (processado informaticamente) o proprietário que não registou a sua aquisição dificilmente consegue controlar os tempos do pagamento e o valor a pagar, para mais não contando com o “aviso sensibilizador” do Fisco, que, como se sabe, é dirigido ao titular inscrito no registo. E, precisamente para obviar a situações como a presente, foi criado um procedimento especial para o registo de propriedade de veículos adquirida por contrato verbal de compra e venda, consagrado no Dec.-Lei n.º 177/2014, de 15 de Dezembro, no preâmbulo do qual se reafirma a importância da informação constante do registo automóvel “não só para a segurança do comércio jurídico e para a protecção dos direitos dos verdadeiros proprietários, como também para o exercício das atribuições legais de outras entidades públicas ou concessionários de serviços públicos”, reconhecendo-se que a não regularização do registo de propriedade “apresenta graves consequências” (designadamente) para quem permaneceu proprietário no registo, dando como exemplo precisamente o IUC “que atinge quem se encontra registado como proprietário de veículo automóvel e não aquele que é o seu verdadeiro proprietário e que não registou a sua aquisição”. Ora, se o Réu tivesse registado a sua aquisição teria permitido o registo da aquisição posterior e, de qualquer forma, à Apelante/Autora nunca seriam debitados os Impostos que, face às execuções fiscais que lhe foram movidas, se viu obrigada a pagar. Tendo, pois, o Réu omitido o dever legal de registar a sua aquisição, há um nexo causal evidente entre a omissão da prática deste acto e o dano sofrido pela Apelante no seu património. O Réu, tendo-lhe sido fornecidos o documento e os elementos necessários ao cumprimento daquele dever legal, não procedeu ao registo da sua aquisição por um acto de vontade sua, sendo, por isso, o seu comportamento culposo já que podia e devia ter agido de acordo com os ditames legais. Estão, assim, presentes todos os pressupostos enunciados no art.º 483.º do C.C.: a) o facto (voluntário do agente); a ilicitude desse facto; c) a imputação do facto ao lesante; d) o dano; e) um nexo de causalidade entre aquele facto e este dano (cfr. P. Lima e A. Varela, in “Código Civil Anotado”, vol. I, págs. 444 e sgs.). Constituiu-se, pois, o Réu na obrigação de reparar os danos derivados do seu comportamento, devendo ser reconstituída a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação – cfr. art.º 562.º do C.C.. A indemnização abrange os danos patrimoniais e os danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (cfr. artº. 496º., nº. 1, do C.C.), gravidade que se mede por critérios objectivos. Para além da pretensão de ser ressarcida pelas quantias que teve de pagar, relativas ao IUC, às taxas, coimas e custas, no valor global de € 620,05, pediu ainda a Apelante a condenação do Réu a indemnizá-la “no valor a liquidar em execução de sentença, relativa aos prejuízos sofridos com o não registo da propriedade”, e que, pretende, não seja inferior a € 5.000. Contudo, como anotou o Tribunal a quo, a Apelante não alegou, nem na petição inicial nem posteriormente, qualquer facto consubstanciador dos “prejuízos” que disse ter sofrido, destarte não cumprindo o ónus imposto pelo n.º 1 do art.º 342.º do C.C., sendo apodíctico que esta Relação não pode atender ao que (só em sede de recurso) vem invocado na conclusão DD – sofridos “transtornos, ansiedade e angústia”, e “perdas de trabalho e rendimento”. Assim, porque o referido pedido não vem suportado em causa de pedir, terá, inevitavelmente, de improceder. Quanto a esta parte desmerece provimento a pretensão da Apelante. ** C) DECISÃO Considerando tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente o presente recurso de apelação, pelo que: a) revogando em parte a decisão impugnada, condenam o Réu a pagar à Apelante a quantia de € 620,05 (seiscentos e vinte euros e cinco cêntimos); b) mantêm a absolvição do mesmo Réu quanto ao que de mais vem peticionado. Custas da acção e da apelação pelo Réu e pela Apelante na proporção do vencido. Guimarães, 23/03/2017 (escrito em computador e revisto) ___________________________________ (Fernando Fernandes Freitas) ___________________________________ (Lina Aurora Castro Bettencourt Baptista) ___________________________________ (Maria de Fátima Almeida Andrade) 1 - Relator – Desembargador Fernando Fernandes Freitas Adjuntos: - Desembargadora Lina Aurora Castro Bettencourt Baptista - Desembargadora Maria de Fátima Almeida Andrade |