Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1943/04-1
Relator: MIGUEZ GARCIA
Descritores: PRESSUPOSTOS DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
PROIBIÇÃO DE CONDUZIR VEÍCULO MOTORIZADO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/10/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I – A taxatividade do artigo 50° do Código do Penal, ao prever unicamente a suspensão da pena de prisão, não oferece quaisquer dúvidas.
II – A suspensão, em casos em que se não decreta a prisão, corresponderia à criação de um instrumento sancionatório criminal que lei anterior não prevê, o que necessariamente afrontaria o princípio da legalidade, violando, ilegal e inconstitucionalmente, o princípio derivado nulla pena sine lege.
III – Não há assim qualquer possibilidade de se suspender a sanção decretada, de proibição de conduzir prevista no artigo 69°, nº 1, alínea a), do Código Penal, para quem for punido por crime do artigo 292°.
Decisão Texto Integral: Acordam em audiência no Tribunal da Relação de Guimarães

I. Em 11 de Julho de 2004 foi julgado em processo sumário, no Tribunal Judicial de Guimarães, o arguido "A", que a sentença de fls. 9 condenou na pena de 90 dias de multa à taxa diária de 3 euros pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez do artigo 292º, nº 1, do Código Penal, sobre a qual incide desconto de um dia. Por aplicação da norma do artigo 69º, nº 1, alínea a), do mesmo Código, foi ainda o arguido condenado na pena acessória de proibição de conduzir por 4 meses.
Foram tidos em conta os seguintes factos provados: (1) No dia 11/07/2004, pelas 05 horas e 57 minutos, na Estrada Nacional nº 105, Covas, Guimarães, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros, matrícula ...ID, e submetido ao exame de pesquisa de álcool no sangue, foi-lhe detectada uma taxa de 1,88 g/l. (2) O arguido agiu voluntária, livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei. (3) O arguido confessou os factos que lhe são imputados; é serralheiro, auferindo mensalmente cerca de 350,00 euros; é solteiro e vive com os seus pais a quem entrega mensalmente cerca de 50,00 Euros, para ajuda nas despesas domésticas; tem o 6º ano de escolaridade; e não tem antecedentes criminais.
No recurso que "A" traz a este Tribunal, pede a diminuição quantitativa das sanções aplicadas bem como a suspensão da proibição de conduzir, subordinada à prestação de uma caução de boa conduta.
O Ministério Público, na 1ª instância como nesta Relação, é de parecer que o recurso não merece provimento.
Colhidos os “vistos” legais, procedeu-se à audiência a que se refere o artigo 423º do Código de Processo Penal, com observância do formalismo respectivo.
II. O sistema dos dias-de-multa adoptado no Código Penal (artigo 47º, nºs 1 e 2) permite, no dizer do Prof. Figueiredo Dias (Direito penal português. As consequências jurídicas do crime, 1993, p. 126), a integral realização das intenções político-criminais e dos referentes jurídico-constitucionais que na aplicação da multa convergem. E isso, “através de um procedimento complexo, integrado basicamente por dois actos autónomos de determinação da pena, nos quais se consideram, em separado e sucessivamente, os factores relevantes para a culpa e a prevenção, por um lado, e para a situação económico-financeira do condenado, por outro”.

Para o recorrente, a multa é excessiva, atendendo à confissão e ao facto de ser o arguido primário e de modesta condição.

Acontece que na determinação da pena, o Tribunal ponderou o circunstancialismo resultante da audiência. Estando em causa a forma dolosa do crime (“o arguido agiu voluntária, livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida”, diz-se entre os factos provados), a colocar a censura penal em grau elevado, atenta a indiferença perante o Direito que ilustra, e situando-se a taxa de álcool no sangue bem acima do nível previsto no nº 1 do artigo 292º, não pode ter-se como desajustada ou desproporcionada a pena aplicada, de 90 dias de multa, acontecendo até, a contrariar argumentos do recorrente, que a confissão, ao fim e ao cabo, coincide com a descrição da conduta observada pelos agentes policiais e com o registo da taxa de álcool no sangue encontrada (1,88 g/l). Não pode, por isso, atribuir-se-lhe relevo especial.
Vem igualmente posta em causa a medida da sanção acessória decretada, prevista no artigo 69º, nº 1, alínea a), do Código Penal, para quem for punido por crime do artigo 292º. Estabelecendo-se aí, em abstracto, a moldura de três meses a três anos, logo se vê que o período fixado na sentença, de quatro meses de proibição, está, também ele, bem próximo do mínimo legal, considerando-se, nomeadamente, aqueles factores que integram a conduta dolosa e a tas de 1,88 g/l. Nem a pena de multa nem a da medida acessória se revela, no caso, de todo desproporcionada (cf. Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, p. 197, a propósito da controlabilidade em via de recurso do procedimento de determinação da pena). Só assim, cremos, se justificaria a intervenção correctiva do Tribunal superior.
Por outro lado, a taxatividade do artigo 50º do Código Penal, ao prever unicamente a suspensão da pena de prisão, não oferece quaisquer dúvidas. A suspensão, em casos em que se não decreta a prisão, corresponderia à criação de um instrumento sancionatório criminal que lei anterior não prevê, o que necessariamente afrontaria o princípio da legalidade, violando, ilegal e inconstitucionalmente, o princípio derivado nulla pena sine lege. Não há assim qualquer possibilidade de se suspender a sanção decretada, de proibição de conduzir.
Nestes termos, acordam em negar provimento ao recurso de "A", mantendo-se integralmente a sentença recorrida.
A cargo do recorrente, fixa-se a taxa de justiça normal para os recursos na Relação (artigos 82º, nºs 1 e 2, e 87º, nº 1, alínea b), do Código das Custas Judiciais, e 513º, nº 1, do Código de Processo Penal).
Guimarães, 10 de Janeiro de 2005