Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
623/07-1
Relator: AUGUSTO CARVALHO
Descritores: SERVIDÃO DE AQUEDUTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/29/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: JULGADA PROCEDENTE
Sumário: 1.Os titulares duma servidão de aqueduto em que a condução da água se faz em tubo subterrâneo não pode substituir este por uma meia cana em cimento, ficando o proprietário do prédio serviente e consorte da mesma água impedido de regar com esta uma parte daquele; a alteração efectuada não é permitida aos Réus pelo nº 1, do artigo 1566, nem pelo nº 3, do artigo 1568º e, na medida em que priva os Autores da utilização da água na rega do seu terreno, também viola o disposto no nº 1, do artigo 1406º, todos do C. Civil.
2.Numa servidão de aqueduto, tendo sido operada a substituição do rego a descoberto por tubo subterrâneo para a condução da água, não é de manter a passagem pelo prédio serviente para acompanhamento e vigilância da água; se o aqueduto é subterrâneo, não assiste tal direito ao proprietário do prédio dominante, pois, este necessita apenas de, quando as circunstâncias o imponham, inspeccionar o aqueduto; aquela faculdade de passagem deixou de ter interesse para o exercício da servidão de aqueduto, por força do disposto no artigo 1565º, nº 1, do C. Civil.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães


António L... e mulher Deolinda P... intentaram a presente acção declarativa, com processo comum e forma ordinária, contra António O... e outros, pedindo que se declare reconhecido o direito aos autores, quer ao prédio que identificam, quer à água, em comum com os réus; que sejam os réus condenados solidariamente a repor a situação anterior, de modo a que a água entre nas atolas, depois de sair da poça S..., devendo, para o efeito, refazer o aqueduto com os níveis anteriores.

Os réus contestaram e deduziram reconvenção, pedindo a condenação dos autores a não estorvarem a passagem para acompanhamento e limpeza do rego/meia cana de cimento, na forma que descrevem no seu articulado.

Foi proferido despacho saneador, fixada a matéria de facto assente e elaborada a base instrutória.

Procedeu-se a julgamento e, a final, a Exmª Juiz proferiu sentença, na qual julgou a acção totalmente improcedente e a reconvenção parcialmente procedente, condenando os autores a não estorvarem a passagem para acompanhamento e limpeza do rego/meia cana de cimento, alterando a forma de abertura do portão e retirando o tubo como colocaram em cima do tubo normal de regadio.

Inconformados com a decisão, os autores recorreram para esta Relação, formulando as seguintes conclusões:
1.Existe uma água – da Fonte de Santa Marinha – apropriada por AA e RR e requeridos, cuja propriedade não se discute.
2.Existe servidão de aqueduto a onerar o prédio dos autores, ora recorrentes.
3.Durante largos anos, foi a água conduzida em rego a céu aberto mas, por acordo de todos e com um financiamento de um organismo do Ministério da Agricultura, foi entubada. Obra inquestionavelmente séria, por ser benéfica para todos.
4.Essa água, desde 1989 a 1995, foi conduzida no entubamento aprovado pelo Ministério da Agricultura.
5.Tinha início esse entubamento na Poça S... e, depois de passar, subterraneamente, um caminho de servidão de campos e bouças passava na extrema poente do prédio dos autores.
6.Sob invocação de entupimento, que não provaram, os réus, sem consentimento dos autores e com a sua enérgica oposição, levantaram os tubos.
7.E puseram a água a correr em rego a céu aberto e com meia cana em cimento no leito. Isto é bem diferente da anterior condução e impedem o direito a rega dos autores, pois, o rego com meia cana ficou com uma profundidade tal que os impede de irrigar o seu terreno.
8.Não houve restauração do rego a céu aberto, mas um novo rego com meia cana e a uma profundidade que obsta a que os autores reguem. Só se utilizarem um motor. Há inovação.
9.Retirar o tubo (novo) e privativo dos autores, afundar o rego e retirar as duas atolas, deixando os mesmos autores sem poderem regar é pior do que apropriar-se do alheio. Actuaram como actuam os ladróes, fazendo acto violento de destruição do que não era seu.
10.Há violação do direito de propriedade dos autores e esta violação deve acarretar a norma do artigo 1311º, nº 1 e 2, do C. Civil.
11.Alterar o conteúdo da servidão de aqueduto, sem o consentimento dos autores, é uma violação da norma do artigo 1568º, nº 3, do C. Civil.
12.Destruir um entubamento pago pelo Estado e executado de acordo com todos os consortes, se tiverem direito, é um abuso de direito. Atenta-se contra o fim social e económico desse direito. Não há nenhum benefício para os réus e há “danificações” para os autores. Actuaram os réus contra “factum proprium”. É uma atitude clamorosamente injusta. No rego podem cair crianças.
13.Os réus exerceram acção directa saem se verificarem os pressupostos consignados na lei – artigo 336º, do C. Civil – , pois, tinham e tiveram tempo de recorrer ao processo de alteração de servidão.
Sacrificaram o direito de rega dos autores e a privacidade dum lar (o rego fica a cerca de 30 metros duma casa de morada – artigo 3º - e não se vislumbra interesse dos réus para o seu acto.
14.Aliás, a sentença enferma de nulidade, por absoluta falta de fundamentos – artigo 665º, nº 1, alínea b), do C. P. Civil.
15.É uma sentença que considera inútil todo o processado anterior e posterior à contestação, pois, a ser como conclui, devia tudo ser decidido no saneador.
16.O rego a céu aberto, mesmo com meia cana, mas profundidade superior à possível rega pelos autores, é uma aberração.
Dizer-se, como faz a sentença, que não há ilícito, é uma afirmação gratuita e sem apoios em regras ético-jurídicas. É uma sentença que, por falta de razões, não convence.
17.Ao menos, a sentença devia mandar repor o rego na profundidade que permita aos autores regar o seu terreno e ordenar a colocação do seu tubo e das atolas.
18.A reconvenção não tem bases, pois, falta a lesão de direito para permitir condenação. Nem factos provados ou controvertidos existem.
Termos em que se pede a revogação da sentença, ordenando-se a reposição no estado anterior, tal era o entubamento, as atolas dos autores e tudo o mais que necessário for para aquela restauração; ou, pelo menos, a procedência parcial, no sentido de serem condenados a repor o tubo e as atolas dos autores, de modo a ser possível regar o seu terreno.

Contra-alegaram os recorridos, pedindo a manutenção do julgado.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

A sentença recorrida considerou assentes os seguintes factos:
A) Existe uma Água de Regadio, de vários consortes e que pela sua origem toma o nome de ÁGUA DA FONTE DE SANTA MARINHA.
B) A água referida em A) tem e sempre teve A TOLAS ou pontos de saída do REGO e entrada nos prédios que os consortes utentes conservam e nos quais se contam os AA e RR.


C) Encontra-se inscrito na matriz predial rústica da Freguesia de MATO o artigo n° 353°, na matriz urbana o art.º 1230 e ainda não descrito na conservatória, o terreno onde corre a AGUA DA FONTE DE SANTA MARINHA pertencente aos autores.
D) O rego de consortes, aqueduto condutor da água para AA e RR e intervenientes, segue para rega e lima dos demais campos -dos RR -como ÁGUA, apropriada através dos séculos como coisa comum, ainda que dividida por giros.
As obras de captação são visíveis -mina, pedras a recolher e atolas por todo o trajecto.
E) Sempre e por mais de 10 anos a mesma água é utilizada no regadio, com obras visíveis, escavações, minas, regos, atolas e seus acessórios.
F) Com a ajuda de um organismo ligado ao auxílio à Agricultura desta Zona Agrária foi a mesma água entubada.
G) Esses tubos estiveram até 29.06.1995, colocando os consortes de seguida, no mesmo ano, a meia cana.
H) Assiste aos autores o direito de rega e lima pois têm a posse por mais de vinte, e trinta e mais anos da referida ÁGUA DA FONTE DE SANTA MARINHA, sempre na forma pacífica, continuada e pública, e na convicção de que exerciam um direito sob coisa sua por todo aquele dilatado tempo.
I) A poça existente na Bouça de S... serve no regadio para "encorar" e ganhar ponto de nível de água para os autores, para encher (poçada) e armazenar para o consorte seguinte, quando ainda não esteja vazia a poça das Leiras,
J) A água de rega é de facto dividida segundo usos antigos expressos num documento que aqui se dá por reproduzido e que define os dias e horas de cada consorte incluindo os autores (cfr. doc. 1 -fls. 99).
L) A água de Santa Marinha corre em rego e terra batida, e uma parte em meia cana, construída pelos consortes da água que termina numa poça, preza na Bouça do Mato, também conhecida por S..., onde empoça, atravessa por tubo subterrâneo um caminho de consortes.
M) Segue, desde 1995, em meia cana, no prédio dos autores estremando pelo lado poente e serve nos respectivos dias e horas, o prédio dos AA e o prédio seguinte, nomeadamente:
"'Rosa Anninda Pemandes Dias (parcela 25 e 1/2 da 24) -6.a Ré;
Isabel Fernandes Dias (parcela 25 e 1/2 da 24) e Laurinda Fernandes da Silva Dias. (parcela 25 e 1/2 da 24) Domingos Fernandes de Azevedo (parcela 23 e 1/2 da 24) conforme documento junto a fls.353.
N) Na parcela 23 (cfr. doc. 2 -fls. 353) -fls. 353, serpenteado pela extrema poente volta a água a empoçar numa presa denominada "poça das leiras" construída em pedra e cimento de forma triangular que serve todos os restantes consortes.
O) A partir da respectiva adufa existente naquela poça ladeando as respectivas propriedades, por tubos, caixas, pijeiros, atolas, serve a água os prédios seguintes:
Parcela 22 (doc. 2 -fls. 353) propriedade dos 4.os RR - prédio denominado das leiras, inscrito na matriz rústica sob o art.º 341 (cfr. doc. 6 -fIs. 370 -tIs.);
Parcela 21 (doc. 2 -fls. 353) propriedade dos 4.os RR -prédio rústico denominado "campo das leiras", inscrito na matriz rústica sob o art.º 343, omisso na Conservatória e de um "campo de lavradio", com dois balcões e água de rega e lima, vinha em ramada e em uveiras e com oliveiras, si to no Lugar de Mato, descrito na Conservatória sob o n.º 52034 e na matriz sob o art.º 342 (cfr. doc. 5 -tIs. 365);
Parcela 20 (doc. 2 -tIs. 353) propriedade dos 7.os RR -Prédio denominado "Eido do mato" inscrito na matriz sob o art.º 345;

Parcela 19 (doc. 2 -tIs. 353) propriedade dos primeiros RR -do prédio denominado "leira de Cima do Eido do Mato", terreno de cultivo de ramada e oliveiras, descrito na Conservatória sob o n.º 00161 e inscrito na matriz sob o art.º 346 e ainda de 38/72 do prédio rústico "campo do Eido do Mato" descrito na Conservatória sob o n.º 00186 e inscrito na matriz sob o art.º 345 (cfr. doc. 3 -tIs. 354);
Parcela 18 (doc. 2 -tIs. 353) propriedade dos 2.s e 3.s RR -prédio rústicos denominados "campo de prado" e "Quinta do Mato" constituído por um terreno de cultivo, com vinha em ramada descrito na Conservatória sob o n.º 58.761 e na matriz sob os art.º 375 e 376 (cfr. doc. 4 -tIs. 361);
Parcela 17 (doc. 2 -tIs. 353) propriedade dos 13.os RR -1/2 prédio rústico denominado "Campo do Mato" omisso na matriz (cfr. doc. 10 -tIs. 387);
Parcela 16 (doc. 2 -tIs. 353) propriedade dos 12.os RR -1/2 prédio rústico denominado "Campo do Mato" omisso na matriz;
Parcela 15 (doc. 2 -tIs. 353) Carlos Fernandes Azevedo e herdeiros -Prédio rústico
Denominado "Leira do Penedo";
Parcela 14 (doc. 2 -tIs. 353) propriedade dos AA;
Parcela 13 (doc. 2 -tIs. 353) propriedade dos 9.s RR -Prédio rústico sito no Lugar de Mato, inscrito na matriz sob o art.º 327 (cfr. doc. 7 -tIs. 374);
Parcela 12 (doc. 2 -fis. 353) propriedade dos 10.s RR e outros interessados -terreno de cultivo designado de "Leira do Penedo, inscrito na matriz sob o art.º 326 (cfr. doc. 8 -fis. 376);
Parcela 11 (doc. 2 -fis. 353) propriedade dos segundos RR (Parcela 11) -19/42 do "campo do mato de cultivo e vinha, oliveiras, descrito na Conservatória sob o n.º 00252 e na matriz sob o art.º 325 (cfr. doc. 9 -fis. 386);
Parcela 10 (doc. 2 -fis. 353) propriedade dos 8.s RR -Prédio denominado "campo do Loureiro" inscrito na matriz sob o art.º 321;
Parcela 9 (doc. 2 -fis. 353) propriedade dos 16.s RR -Prédio rústico, denominado fileira do Loureiro" descrito na Conservatória sob o n.º 00020 e inscrito na matriz sob o art.º 322 (cfr. doc. 12 -fis. 399);
Parcela 8 (doc. 2 -fis. 353) propriedade dos 17.s RR-
Prédio rústico denominado fileira do Loureiro" descrito na Conservatória sob o n.º 00149 e inscrito na matriz sob o art.º 323 (cfr. doc. 13 -fis. 402);
Parcela 7 (doc. 2 -fis. 353) propriedade dos 15.s RR-
Prédio rústico denominado "Campo do Penedo" inscrito na matriz rústica art.º 324 (cfr. doc. 11 -fis. 391);
Parcela 6 (doc. 2 -fis. 353) propriedade dos 14.s RR -Prédio rústico denominado
"Campo da Vessada" inscrito na matriz sob o art.º 333;
Parcela 5 A (doc. 2 -fis. 353) propriedade dos 18.s RR -Prédio rústico denominado fileira da Vessada com uveiras, sita no lugar de mato, inscrita na matriz sob o art.º 335 (cfr. doc. 14 -fis. 406);
Parcela 5 (doc. 2 -fis. 353) propriedade de herdeiros de António Alves Cardoso -
Prédio denominado "Leira da Vessada";
Parcela 4 (doc. 2 -fis. 353) propriedade dos 19.s RR -Prédio rústico denominado
"Campo da Vessada" inscrito na matriz sob o art.º 334;
Parcela 3 (doc. 2 -fis. 353) propriedade dos herdeiros do 22.0 R -Prédio rústico
Constituído por leira de cultivo com oliveiras inscrita na matriz sob os arts.ºs 336, 294 e 299 (cfr. doc. 17 -fis. 429),
Parcela 2 (doc. 2 -fIs. 353) propriedade dos 20.s RR -Prédio rústico constituído de campo de lavradio, com uveiras inscrito na matriz sob o art. 297 (Cfr. doc. 15 -fIs. 409);
Parcela 1 (doc. 2 -fIs. 353) propriedade dos 21.s RR – "Campo de Lavradio" com vinha e ramada, si to no Lugar da Arroteia, inscrito na matriz sob o art.º 296 (cfr. doc. 16 -fIs. 427).
1º) A água referida em A) vem à luz do dia por obra do homem, feitas no prédio superior, até que numa bouça denominada e conhecida por S... armazena-se e ganha ponto ao nível para dali seguir para os vários consortes -sentido nascente/sul
2º) Seguiu durante muito tempo em todo o seu percurso, em rego a céu aberto, denominado REGO DO PASSAL, e sempre foi mantido com cuidados de todos os consortes/utentes
3º) O primeiro prédio a seguir à POÇA DA BOUÇA DE S... que também toma o nome de POÇA S..., atravessando em rego subterrâneo, um caminho de servidão para campos e bouças, é um prédio dos autores
4º) Os artigos referidos em C), trata-se de prédio misto denominado "Cabrão" -Eido do Cabrão -onde foi feita há mais de 20 anos uma casa de morada de com edifícios anexos de fins agrícolas e feito quintal para hortaliças e vinha, tudo sempre regado com esta água
5º) Os AA. estão na posse pública, contínua, pacífica e na melhor boa fé do referido terreno e casa, atolas e água, sempre
a) à vista de toda a gente e por isso publicamente,
b) sem queixas, sem intromissões e por isso pacificamente,
c) sem interrupções e por isso continuamente,
d) na convicção, própria e dos demais homens de que exercem os poderes
correspondentes ao direito de propriedade e por isso de boa fé,
e) por todo aquele dilatado tempo de mais de 20 e 30 anos
6º) Sempre e na forma antes alegada têm os autores granjeado o terreno, estrumando, arando e, depois, colhido o milho, o feijão e outros cereais e frutos, e tudo como coisa sua
7º) Sempre e na mesma forma e modo alegado têm feito ramadas, colhido o vinho e feito outras obras, regado o terreno através de Atolas e regos
8º) Edificaram a casa com materiais que pagaram, como cimento, telhas, tijolo, pedra e tudo mais bem como pagaram salários
9º) Há mais de vinte anos que habitam a casa e anexos nestes criando, cuidando animais e aves e nas condições de posse pacífica, contínua e pública e na convicção de exercer sobre coisa sua
11º) É no topo -poente (estrema) deste prédio dos AA que se inicia, depois de atravessar o referido caminho de servidão, o Rego do Passal ou de consortes -aqueduto condutor da água para AA e RR
12º) A obra referida em F) foi executada há cerca de 9 anos
13º) Iniciando-se a colocação do tubo desde a Poça de S... até aos terrenos; e da referida Poça descia para a rega dos vários campos
14º) Os tubos foram colocados no sítio onde era o rego a céu aberto e com início na Poça e Bouça de S..., justamente, onde ganhava ponto para deslizar. E foi com a concordância expressa de todos
15º) Com aquiescência de todos os consortes ficou alterado o conteúdo da servidão por cima do prédio dos RR e dos demais. Com três Atolas, modernamente preparadas, faziam a entrada no terreno dos AA e retiraram os RR, apenas, os tubos no terreno dos AA.
16º) Os RR arrancaram todo o entubamento na parte que atravessava o prédio dos AA e substituíram por uma "meia cana" em cimento
17º) Ficou o aqueduto com a meia cana a céu aberto
19º) Substituíram o entubamento pela referida "MEIA CANA" em cimento
20º) Conforme parecer de um Avaliador, Cândido Gonçalves Monteiro, vê-se que na extrema poente existia, na extensão de 140m uma canalização em tubos plásticos com diâmetro de 0,20 por 0,15, subterraneamente, integrada no Regadio do Passal e que se destinava a conduzir águas para irrigação do EIDO DO CABRÃO e de outros prédios de diversos consortes
21º) Através de escavação por desaterro foi levantada a tubagem
22º) Pelas escavações ficou uma vala com profundidade variável de 0,70m e menos, o que não permite a irrigação do prédio na parte paralela ao rego condutor de águas, com a área de cerca de 3000 m2, devido a que a superfície do solo se situa a uma cota superior que a água não atinge
25º) A água de lima é dividida conforme consta do doc. junto a fls. 100 a 128
26º) Em 1989, substituiu-se o rego a céu aberto por tubos, faltando cerca de 28 metros para a poça das leiras
32º) Os consortes substituíram os tubos pela meia cana referida em G)
33º) A meia cana referida em G) tem actualmente profundidades variáveis entre 0,70m, 0,60m, 0,50m,0,40m, em relação à superfície do solo da parte do terreno mais alto.
34º) Permanecendo em algumas áreas a água conduzida por tubo.
36º) Mantém-se a condução da água por tubo em cerca de 12 metros, desde a poça de S...
38º) e 39º) Desde que acaba o tubo e a cerca de 50 metros localizou-se o primeiro pijeiro e a cerca de 57 metros desse pijeiro localizou-se o segundo
41º) O rego, antes de 1989 tinas características de profundidade e largura da actual meia cana em cimento, com pijeiros toscos de pedra no lugar dos actuais, em que o primeiro era tapado a torrões
42º) O aqueduto referido era marginado por um carreiro de pé posto, para acompanhamento da água e limpeza do rego com uma largura de cerca de sessenta cms
43º) Apesar da colocação dos tubos, após aquela data, tal carreiro manteve-se para acompanhar e desentupir os mesmos, nomeadamente no acesso às poças, S... E LEIRAS, pijeiros e caixas de derivação
44º) Os autores colocaram um portão à entrada do seu prédio que quando aberto, estorva e impede o acompanhamento da água / limpeza do rego supra descritos nos quesitos 42 e 43
46º) Os autores colocaram um tubo na poça de S... ou do MATO em cima do tubo normal de regadio
47º) Por acordo de todos os consortes presentes aquando da obra referida em G) substituíram o tubo, repondo o rego antigo.

São apenas as questões suscitadas pelos recorrentes e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar – artigos 684º, nº 3 e 690º, nº 1, do C. P. Civil.
As questões a decidir são as seguintes: saber se os titulares duma servidão de aqueduto em que a condução da água se faz em tubo subterrâneo pode substituir este por uma meia cana em cimento, ficando o proprietário do prédio serviente e consorte da mesma água impedido de regar com esta uma parte daquele; e saber se numa servidão de aqueduto, tendo sido operada a substituição do rego a descoberto por tubo subterrâneo para a condução da água, é de manter a passagem pelo prédio serviente para acompanhamento e vigilância da água.
Existe uma água que, pela sua origem, toma o nome de Água da Fonte de Santa Marinha, apropriada por Autores e Réus.


A onerar o prédio dos Autores, existe uma servidão de aqueduto, através da qual, durante muitos anos, aquela água foi conduzida em rego a céu aberto. Em 1989, por acordo de todos os consortes e com o financiamento do Ministério da Agricultura, a referida Água da Fonte de Santa Marinha foi entubada, subterraneamente.
Em 1995, sob o pretexto de frequente entupimento dos tubos, os Réus arrancaram estes, na parte em que atravessava o prédio dos Autores, e substituíram-nos por uma meia cana a céu aberto. Esta não permite a irrigação do prédio dos Autores, “na parte da parcela paralela ao rego condutor, com a área de cerca de 3.000 m2, devido a que a superfície do solo se situa a uma cota superior que a água não atinge”.
O artigo 1543º, do C. Civil, define servidão predial como um encargo imposto num prédio – prédio serviente – em benefício exclusivo de outro prédio – prédio dominante – , pertencente a dono diferente.
O direito de servidão é um direito real de gozo sobre coisa alheia, mediante o qual o proprietário de um prédio tem a faculdade de se aproveitar de utilidades de prédio alheio em benefício do aproveitamento das utilidades do primeiro.
«Quer isto dizer que as utilidades, cujo gozo o direito de servidão propicia, devem ser utilidades susceptíveis de serem gozadas por intermédio de outro prédio – o dominante». Mota Pinto, Direitos Reais, pág. 305.
Na servidão predial, a afectação do prédio serviente não pode ser feita em atenção à pessoa do titular do direito sobre o prédio dominante, individualmente considerado, mas como titular deste direito. Além disso, a fixação do conteúdo do direito de servidão e das condições do seu exercício é dominada por um critério que atende às exigências objectivas do proveito dele emergente para o prédio dominante. É necessário um proveito objectivamente ligado ao prédio dominante.
No que se refere à definição do conteúdo da servidão, o nº 2, do artigo 1565º, do C. Civil, estabelece que “em caso de dúvida quanto à extensão ou modo do exercício, entender-se-á constituída a servidão por forma a satisfazer as necessidades normais e previsíveis do prédio dominante com o menor prejuízo para o prédio serviente”.
Este preceito estabelece uma regra que se divide em duas partes, que se completam: «por um lado, como primacial objectivo, manda-se atender às necessidades normais e previsíveis do prédio dominante; por outro lado, entre as várias formas que possivelmente satisfaçam esse desideratum, escolher-se-á a que menos onerosa se torne para o prédio serviente, porque a servidão, diz-se, deve ser exercida civiliter.
Se houver duas ou mais formas de satisfazer as necessidades do prédio dominante, a que a servidão se encontra adstrita, deve preferir-se a que menor dano cause ao dono do prédio serviente e não a que maior vantagem proporcione ao titular do prédio dominante». P. de Lima e A. Varela, Código Civil Anotado, Vol. III, pág. 664 e 665.
Em obediência ao princípio do menor prejuízo para o prédio onerado, é vedado ao proprietário dominante introduzir na servidão quaisquer inovações que ampliem abusivamente o seu conteúdo.
São permitidas àquele proprietário dominante as inovações que não afectem o conteúdo ou extensão e a modalidade do exercício da servidão; mas não pode operar modificações que se traduzam num agravamento do prédio serviente, ou seja, no exercício de um ónus superior ao resultante do título.
Dos factos apurados resulta que Autores e Réus são comproprietários da Água da Fonte de Santa Marinha, por eles aproveitada na rega dos prédios que lhes pertencem.
Desde 1989, por acordo de todos os consortes, os RR passaram a conduzir a água até aos seus prédios, através de um tubo subterrâneo existente no prédio dos AA. Por esse mesmo tubo também os Autores conduziam a água, nas alturas em que têm direito à respectiva utilização.
O direito de servidão compreende tudo o que é necessário para o seu uso e conservação, sendo lícito ao proprietário do prédio dominante fazer obras no prédio serviente, dentro dos poderes que lhe são conferidos, desde que não torne mais onerosa a servidão – artigos 1565º, nº 1 e 1566º, nº 1, do C. Civil.
O nº 3, do artigo 1568º, do mesmo diploma, estabelece que «o modo e o tempo de exercício da servidão serão igualmente alterados, a pedido de qualquer dos proprietários, desde que se verifiquem os requisitos referidos nos números anteriores», isto é, desde que seja conveniente aos proprietários dos prédios dominante ou serviente e não prejudique os interesses de um ou de outro.
Como escrevem P. de Lima e A. Varela, «se, por exemplo, o titular duma servidão de aqueduto em que a condução da água se faz por um rego coberto de pedra quiser substituir este por um tubo de ferro, que melhor proteja contra as perdas ou infiltrações de água, estará sem dúvida dentro dos poderes que lhe são conferidos no artigo 1565º, independentemente de saber se há ou não alteração da servidão». Ob. e vol. cits., pág. 666.
Em consequência, «a proibição imposta ao proprietário interessado de não modificar unilateralmente a modalidade de exercício da servidão não exclui a possibilidade do recurso a meios mais idóneos para esse exercício, meios tecnicamente mais modernos e eficientes. O essencial é sempre que seja respeitada a função da servidão e tais modificações não se traduzam num agravamento do ónus.
Decerto que não há uma delimitação segura, uma orientação certa que permita distinguir rigorosamente o âmbito do artigo 1565º (modificação unilateral) e o âmbito de funcionamento do artigo 1568º para pedir a alteração (intervenção judicial).
Há situações em que nitidamente podem efectuar-se obras e introduzir-se inovações, tão óbvio e claro é nenhum agravamento existir e nenhuma oposição séria ser admissível.
Mas outros casos se verificam em que, à falta de consenso dos interessados, o recurso ao poder judicial se impõe sem dúvida alguma. Haverá então que verificar se se reúnem os requisitos ou pressupostos legais de alteração, designadamente se as pretendidas modificações da servidão tornam ou não mais gravosa a condição do prédio serviente». Tavarela Lobo, Mudança e Alteração de Servidão, pág. “201 a 203.
Em 1995, como se referiu, sob o pretexto do frequente entupimento dos tubos, os Réus arrancaram estes, na parte em que atravessava o prédio dos Autores, e substituíram-nos por uma meia cana a céu aberto. Esta não permite a irrigação do prédio dos Autores, “na parte da parcela paralela ao rego condutor, com a área de cerca de 3.000 m2, devido a que a superfície do solo se situa a uma cota superior que a água não atinge”.
No caso concreto, esta substituição do tubo subterrâneo pela chamada meia cana a céu aberto tem a ver com o “modo de exercício da servidão” e, por conseguinte, ela só poderia ter lugar se se verificarem os respectivos requisitos, que são as vantagens para o proprietário do prédio dominante ou do serviente e a ausência de prejuízos para qualquer deles.
O nº 3, do citado artigo 1568º, do C. Civil, refere «a pedido de qualquer dos proprietários…», o que significa que neste o regime é diferente do estabelecido no nº 1, do artigo 1566º. Ao abrigo deste, o proprietário do prédio dominante não carece da autorização ou consentimento do proprietário do prédio serviente para realizar as obras necessárias ao uso e conservação da servidão. Mas, para alteração do modo de exercício da servidão, é necessário o pedido de qualquer dos proprietários, não podendo aquela fazer-se por decisão unilateral, quer do proprietário do prédio dominante, quer do proprietário do prédio serviente. E, deste modo, ou os dois proprietários acordam na alteração do modo de exercício da servidão ou, na falta de acordo, o proprietário interessado terá de recorrer a juízo e provar as vantagens que para si advêm e a ausência de prejuízos para o outro.
Não resultou provado o fundamento invocado para a alteração, ou seja, que os tubos apareciam frequentemente entupidos com pedras e terra – resposta ao número 27º, da base instrutória; também não houve autorização ou consentimento dos autores para a alteração efectuada, como se vê da resposta ao número 48º, da base instrutória. Finalmente, como resulta da resposta ao número 22º, da base instrutória, a meia cana a céu aberto ficou com uma profundidade variável de 0,70 e menos, o que não permite a irrigação do prédio dos Autores, “na parte da parcela paralela ao rego condutor, com a área de cerca de 3.000 m2, devido a que a superfície do solo se situa a uma cota superior que a água não atinge”.
E não se diga, como se faz na sentença recorrida, que “conforme se vê, se é certo que a profundidade inibe os autores de fazerem entrar a água para rega do seu terreno, também se pode constatar que o rego em causa tem as mesmas características de profundidade e largura da actual meia cana em cimento”.
De facto, com o devido respeito, há aqui um equívoco, pois, nem foi alegada a profundidade do rego a céu aberto primitivo.
Por outro lado, está provado que os Autores sempre irrigaram o seu terreno e que, agora, estão impedidos de o fazer, dada a profundidade da meia cana actual – alínea H), da matéria de facto assente e resposta ao número 22º, da base instrutória.
Acresce que não foi dado como provada a parte final do número 47º, ou seja, “respeitando as suas iniciais características”.
Por tudo isto, a sentença recorrida não pode manter-se, pois, a alteração efectuada não é permitida aos Réus pelo nº 1, do artigo 1566, nem pelo nº 3, do artigo 1568º e, na medida em que priva os Autores da utilização da água na rega do seu terreno, também viola o disposto no nº 1, do artigo 1406º, todos do C. Civil.

Os réus deduziram reconvenção, pedindo a condenação dos autores a não estorvarem a passagem para acompanhamento e limpeza da meia cana de cimento.
A solução a dar a esta parte do recurso resulta já, em grande medida, do que acima se decidiu quanto à ilegalidade da alteração da servidão, ilegalidade que implica a obrigação de os Réus reporem a situação no estado anterior, isto é, o entubamento subterrâneo.
E, então, como se referiu, a questão a decidir consiste em saber se numa servidão de aqueduto, tendo sido operada a substituição do rego a descoberto por tubo subterrâneo para a condução da água, é de manter a passagem pelo prédio serviente para acompanhamento e vigilância da água.
O princípio do nº 1, do artigo 1565º, do C. Civil – de que o direito de servidão compreende tudo quanto é necessário para o seu uso e conservação – mais não é do que uma simples aplicação da ideia de que toda a lei que reconhece ou atribui um direito legitima os meios indispensáveis para o seu exercício.
«A lei contentou-se mesmo com a enumeração do princípio genérico aplicável a esta matéria, não descendo à discriminação das faculdades ou poderes que acompanham necessariamente o direito principal, os chamados adminucula servitutis (a que outros têm chamado também, mas impropriamente, servidões acessórias), como o direito de limpar o aqueduto, de passar no prédio serviente para fazer reparações, de ocupar momentaneamente esse prédio, etc.». P. de Lima e A. Varela, C. Civil Anotado, vol. III, pág. 664.
Os adminucula servitutis «não constituem uma servidão autónoma ainda que acessória e diferente da que se designaria por principal. O conteúdo da servidão é uno e os adminucula são simples faculdades complementares reconhecidas ao titular para exercer a única servidão existente.
São simples modalidade de exercício de uma servidão, modalidade essa que, só por si, não constitui um poder sobre o prédio serviente e que tem uma função instrumental respeitante à servidão, com o conteúdo ou extensão resultante do título.
Subsistem apenas enquanto aquela durar e o seu exercício não obsta à extinção da servidão». Tavarela Lobo, Mudança e Alteração da Servidão, pág. 16 e segs.
Na servidão de aqueduto apontam-se numerosos adminucula, entre os quais, se conta a faculdade de passar no prédio serviente para a inspecção, consertos e melhoramentos necessários.
Constitui adminuculum desta servidão, tratando-se de aqueduto ou rego a descoberto, a faculdade de passagem pelo prédio serviente, pois que só no uso desta passagem «poderá o titular, no tempo e exercício da servidão, assegurar o livre curso das águas, removendo do leito do aqueduto a terra, pedras, areia e qualquer entulho que impeçam ou retardem aquele curso ou provoquem a diminuição do caudal.
Este direito assim assegurado ao proprietário do prédio dominante de proceder à necessária expurgação ou limpeza do aqueduto em nada colide com o direito de tapagem ou vedação conferido por lei ao proprietário do prédio serviente (artigos 1356º e segs., do C. Civil).
Nada impede, por isso, que este vede o prédio serviente, assegurando sempre o livre trânsito do proprietário do prédio dominante quer para acompanhar a água e para a inspecção do aqueduto, quer para obras de reparação e consertos, podendo, nomeadamente, facultar uma chave ao proprietário do prédio dominante.
Se o aqueduto é subterrâneo, é óbvio que não assiste tal direito ao titular do prédio dominante, pois necessita apenas de, quando as circunstâncias o imponham, inspeccionar o aqueduto». Tavarela Lobo, Manual do Direito de Águas, vol. II, pág. 392 e 393.
No caso em apreço, tendo o rego a céu aberto, em 1989, por acordo de todos os consortes, sido substituído por tubo subterrâneo, não é de manter o adminuculum da passagem pelo prédio dos Autores. Mercê desta substituição do rego a céu aberto, os Réus deixaram de ter necessidade de transitar pelo prédio dos Autores – prédio serviente – para encaminhar, acompanhar ou vigiar a água.
Aquela faculdade de passagem deixou de fazer parte do conteúdo da servidão, por força do disposto no artigo 1565º, nº 1, do C. Civil. Neste mesmo sentido, acórdão desta Relação, de 26.1.2005, C.J., ano XXX, tomo I, pág. 283.
Por isso, também na parte relativa à reconvenção, a sentença recorrida não pode manter-se, devendo ser totalmente revogada.
Deste modo, e em conclusão, dir-se-á o seguinte: os titulares duma servidão de aqueduto em que a condução da água se faz em tubo subterrâneo não pode substituir este por uma meia cana em cimento, ficando o proprietário do prédio serviente e consorte da mesma água impedido de regar com esta uma parte daquele; a alteração efectuada não é permitida aos Réus pelo nº 1, do artigo 1566, nem pelo nº 3, do artigo 1568º e, na medida em que priva os Autores da utilização da água na rega do seu terreno, também viola o disposto no nº 1, do artigo 1406º, todos do C. Civil; numa servidão de aqueduto, tendo sido operada a substituição do rego a descoberto por tubo subterrâneo para a condução da água, não é de manter a passagem pelo prédio serviente para acompanhamento e vigilância da água; se o aqueduto é subterrâneo, não assiste tal direito ao proprietário do prédio dominante, pois, este necessita apenas de, quando as circunstâncias o imponham, inspeccionar o aqueduto; aquela faculdade de passagem deixou de ter interesse para o exercício da servidão de aqueduto, por força do disposto no artigo 1565º, nº 1, do C. Civil.

Decisão:
Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes desta secção cível em julgar a apelação procedente e, consequentemente, revogar a sentença recorrida, condenando-se os Réus no pedido e absolvendo-se os Autores do pedido reconvencional.

Custas pelos apelados.


Guimarães, 29.11.2007