Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | MARIA DA PURIFICAÇÃO CARVALHO | ||
Descritores: | GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS CRÉDITO DA SEGURANÇA SOCIAL PRIVILÉGIO CREDITÓRIO ENTIDADE PATRONAL SÓCIO GERENTE | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 04/10/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | 1 - Os créditos da Segurança Social não gozam do privilégio imobiliário previsto nos arts 2º do decreto-lei nº 512/76 de 03 de Julho e 103/80 de 09 de Maio sobre bens do responsável subsidiário revertido na execução fiscal mas só sobre os “ imóveis existentes no património das entidades patronais á data da instauração do processo executivo. 2 - Sendo directa e simultaneamente contribuintes e beneficiários da Segurança Social, os trabalhadores independentes são, naquela qualidade, equiparados às entidades patronais do regime da segurança social dos trabalhadores por conta de outrem. 3 - O privilégio creditório sobre os bens imóveis existentes no património das entidades patronais ou trabalhadores independentes a elas equiparados de que gozam os créditos da segurança social abrange os imóveis que integram o património comum do devedor. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam nesta Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães. I - Relatório Por apenso aos autos de Execução para pagamento de quantia certa, com o nº178258/08.6YIPRT-A, que “S…, Lda.” move contra F…, veio o “Instituto da Segurança Social, I. P. – Centro Distrital de Braga”, nos termos do disposto no artigo 865º, nº2, do Código de Processo Civil, reclamar um crédito no valor global de €104.694,47 (cento e quatro mil, seiscentos e noventa e quatro euros e quarenta e sete cêntimos), sem prejuízo dos juros de mora vincendos, até integral e efectivo pagamento. Alega, para o efeito, que o executado/requerido encontra-se inscrito como contribuinte no Centro Distrital de Braga, sob o nº10292397816, na qualidade de responsável subsidiário da sociedade “C…, Lda.”, no processo 0301200601299310 e apensos, que corre termos na secção de Processo Executivos de Braga. Encontra-se obrigado a proceder ao pagamento das correspondentes contribuições, de harmonia com os artigos 47º e 51º, do Decreto-Lei nº240/96, de 14 de Dezembro. É devedor de contribuições referentes aos meses de Julho a Dezembro de 2001, de Janeiro a Maio e de Julho a Dezembro de 2002, de Janeiro a Dezembro de 2003, de Julho a Agosto de 2004, de Janeiro e Abril a Dezembro de 2005 e de Janeiro de 2006 a Novembro de 2007, no valor de €38.345,82 (trinta e oito mil, trezentos e quarenta e cinco euros e oitenta e dois cêntimos). São também devidos juros de mora, nos termos do artigo 3º, do Decreto-Lei nº73/99, de 16 de Março, que contados desde a data do vencimento de cada uma das contribuições até ao dia 31 de Dezembro de 2010, ascendem a €35.253,79 (trinta e cinco mil, duzentos e cinquenta e três euros e setenta e nove cêntimos). Por força do artigo 1º, do Decreto-Lei nº103/80, de 09 de Maio, o executado/requerido encontra-se inscrito como contribuinte no Centro Distrital de Braga, sob o nº10292397816, encontrando-se, por isso, obrigado a, no prazo legal, entregar as declarações de remunerações pagas aos trabalhadores ao seu serviço e proceder ao pagamento das correspondentes contribuições até ao dia 15 do mês seguinte àquele a que diz respeito, de harmonia com os artigos 4º e 5º, do referido diploma legal, e do artigo 10º, nº2, este do Decreto-Lei nº199/99, de 08 de Junho. Embora tenha feito a entrega das respectivas declarações de remunerações, o aludido F… não pagou ao credor reclamante as contribuições respeitantes aos meses de Abril a Maio e Outubro e Dezembro de 2000, de Janeiro a Março e de Julho a Setembro de 2001 e de Outubro de 2005 a Junho de 2007, inclusive, no valor de €18.076,13 (dezoito mil e setenta e seis euros e treze cêntimos). São também devidos juros de mora, nos termos do artigo 3º, do Decreto-Lei nº73/99, de 16 de Março, que contados desde a data do vencimento de cada uma das contribuições até ao dia 31 de Dezembro de 2010, ascendem a €13.018,73 (treze mil e dezoito euros e setenta e três cêntimos). O credor reclamante juntou as certidões, de fls.8, 11 e 13, do p. p., e o cálculo de juros de mora, a fls.9-10 e 12, do p. p. Nos autos principais, procedeu-se à penhora dos seguintes bens: - casa de rés-do-chão, dependência e logradouro, sita no Lugar de…, do concelho de Esposende, a confrontar de Norte, Sul e Nascente com caminho e do Poente com herdeiros, inscrita na matriz predial urbana sob o artigo 3.356º, descrita na Conservatória do Registo Predial de Esposende sob o nº2892 (cfr. referência nº427875, do p. e., e fls.32-34, do p. p.); - prédio composto por terreno de horta, sito no Lugar de…, do concelho de Esposende, com a área de logradouro de 200m2, a confrontar do Norte com Manuel Coutinho de Carneiro, do Nascente com Maria de Fátima Vassalo Ribeiro, do Sul com caminho de servidão e do Poente com Maria Arminda Abreu, inscrito na matriz predial rústico sob o artigo 4.766º, descrito na Conservatória do Registo Predial de Esposende sob o nº2893 (cfr. Referência nº495013, do p. e., e fls.38-39, do p. p.). Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 866º, nºs1 e 2, do Código de Processo Civil, não tendo sido deduzida qualquer impugnação válida. Após foi proferida sentença que julgou o crédito reclamado verificado e procedeu á respectiva graduação nos seguintes termos: 1º) O crédito reclamado pelo “Instituto da Segurança Social, I. P. – Centro Distrital de Braga”; 2º) O crédito exequendo. As custas da execução saem precípuas do produto dos bens penhorados (artigo 455º, do Código de Processo Civil). Inconformada a reclamada/exequente com o assim decidido, recorreu para esta Relação, encerrando o recurso de apelação interposto com as seguintes conclusões (transcrição): 1 - O crédito reclamado pela Segurança Social no valor de 73.599,91 € respeitante a contribuições e juros devidos pelo executado como devedor subsidiário da sociedade “C… Lda.” não beneficia de privilégio imobiliário, pois que os imóveis penhorados não pertencem à entidade patronal do executado, mas antes ao património comum do casal do executado constituído por este e por sua esposa M…, com quem se encontra casado no regime da comunhão geral de bens.2 - Pertencendo os imóveis penhorados ao executado (e esposa), devedor subsidiário da sociedade C…, Lda., não tem a Segurança Social privilégio imobiliário quanto ao crédito por si reclamado ao devedor subsidiário no montante de 73.559,01 €. 3 - Os créditos da Segurança Social não gozam de privilégio imobiliário previsto no art. 2º do DL 512/76 de 3/7 e art. 11 do DL 103/80 de 9/5 sobre bens do responsável subsidiário revertido na execução fiscal, mas só sobre os imóveis existentes no património das entidades patronais à data da instauração do processo executivo – Ac. STA de 6/4/2005, Proc. 011/05, in www.dgsi.pt. 4 - Deve ser revogada a douta sentença recorrida na parte em que reconheceu o privilégio imobiliário da Segurança Social e graduou o seu crédito quanto ao valor de 73.599,61 € em 1º lugar, crédito este que deve ser graduado depois da quantia exequenda. 5 - Também o restante crédito no montante de 31.094,86 € reclamado pela Segurança Social deve ser considerado como não beneficiário de privilégio imobiliário, devendo ser graduado depois da quantia exequenda. 6 - Com efeito, o crédito de 31.094,86 € reclamado pela Segurança Social refere-se a contribuições do executado como trabalhador independente. 7 - O privilégio creditório sobre os bens imóveis existentes no património das entidades patronais de que gozam os créditos da Segurança Social não pode abranger os imóveis que integram o património comum do casal do devedor, contribuinte individual. 8 - Sendo devedor da Segurança Social apenas um dos cônjuges e estando penhorados imóveis comuns do casal, o crédito da Segurança Social incide apenas sobre a meação do executado e não sobre os imóveis que compõem a comunhão conjugal. 9 - Sendo devedor da Segurança Social apenas o executado e não também o seu cônjuge, o privilégio creditório da Segurança Social não abrange os imóveis do património comum do casal, mas apenas os bens próprios do executado devedor e a sua meação. 10 - Não pertencendo os imóveis penhorados exclusivamente ao executado, mas antes ao património comum do seu casal, não deve gozar de privilégio imobiliário o crédito reclamado pela Segurança Social. 11 - Por último, no conceito de entidades patronais a que se refere o art. 11º do DL 103/80 de 9/5 não cabe o conceito de trabalhador independente ou por conta própria. 12 - O disposto no art. 11 do DL 103/80 é uma norma de carácter excepcional e que apenas tem aplicação nos casos em que o devedor é uma entidade patronal, tal como aí expressa e claramente se refere, estando afastados os casos em que o devedor é um contribuinte individual ou trabalhador por conta própria. 13 - Se o legislador quisesse que o privilégio imobiliário referido no art. 11 do DL 103/80 abrangesse outros contribuintes, tê-lo-ia dito e escrito simplesmente, referindo-se a qualquer contribuinte. 14 - Presumindo-se que o legislador escreve e redige em termos correctos, claros e precisos, temos de considerar que o disposto no art. 11 do DL 103/80 quis abranger apenas e exclusivamente as entidades patronais e não quaisquer outros contribuintes. 15 - Respeitando o restante crédito de 31.094,86 € reclamado pela Segurança Social a contribuições do executado enquanto contribuinte individual e como trabalhar por conta própria, não goza tal crédito de privilégio imobiliário. 16 - A douta decisão recorrida viola por errada interpretação e aplicação o disposto no art. 11 do DL 103/80 de 9/5. NESTES TERMOS e com o douto suprimento de V. Exas. deve ser concedido provimento ao recurso interposto, revogando-se a douta decisão recorrida que deve ser substituída por outra que declare que os créditos reclamados pela ISS não beneficiam de privilégio imobiliário, graduando-se, sempre, depois da quantia exequenda, quer quanto ao crédito reclamado de 73.599,61 €, quer quanto ao crédito reclamado de 31.094,86 €. COMO É DE JUSTIÇA! II – ÂMBITO DO RECURSO É sabido que são as conclusões das alegações do recurso que fixam delimitam o objecto do mesmo, sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso ( arts 684 nº3 e 685º B do CPC red actual). Como resulta de tais conclusões a única questão que importa aqui apreciar e decidir consiste em saber se o crédito do ISS devido pelo executado como devedor subsidiário da sociedade e o devido como trabalhador independente goza de privilégio imobiliário sobre bens comuns pertença do casal III – FUNDAMENTAÇÃO OS FACTOS Os factos a considerar para a decisão do recurso são os que constam do relatório supra exarado. O DIREITO O recorrente /credor exequente , com o recurso que interpôs , pretende que seja considerado que o seu crédito goza de preferência sobre o crédito reclamado pelo ISS e consequentemente seja graduado à sua frente. Adiantando-se apenas em parte tem razão, vejamos porquê. O concurso de credores em processo de execução significa a participação, no mesmo processo executivo, duma pluralidade de credores do executado, que se propõem obter, através do processo, a realização forçada dos seus direitos de crédito insatisfeitos. O fundamento jurídico do concurso é o princípio de que o património do devedor é garantia comum de todos os credores. A execução começou por ser singular mas, em consequência do concurso, torna-se colectiva, em consequência da intervenção de outros credores. Havendo, na execução colectiva, duas modalidades (a liquidação parcial e a liquidação total ou universal), no caso em apreço interessa apenas a liquidação parcial, já que a liquidação universal constitui objecto do processo de insolvência. Assim, efectuada a penhora, são convocados para a execução os credores do executado (e, em certos casos, o seu cônjuge), e, através dessa convocação, vai dar-se a possibilidade de intervenção na acção executiva a outras pessoas. Ora nos termos do art. 865º, nº 1 e 2 do CPC só os credores que gozam de garantia real sobre os bens penhorados podem reclamar, pelo produto destes, o pagamento dos respectivos créditos, tendo a reclamação por base um título exequível e é deduzida no prazo de 15 dias, a contar da citação do reclamante. Os pressupostos essenciais da reclamação são assim a titularidade de um crédito com garantia real sobre os bens penhorados-pressuposto material- e a disponibilidade de um titulo executivo-pressuposto formal. Os direitos reais de garantia são o arresto, a penhora, o penhor, a a hipoteca, os privilégios creditórios e o direito de retenção. É essencial à reclamação que o seu autor seja titular de um direito de crédito e que tal crédito goze de garantia real. Quem não dispuser de um crédito que goze de garantia real ou de preferência de pagamento ainda que tenha título executivo, não pode na qualidade de reclamante intervir no concurso de credores. Porém, esta norma destina-se a todos aqueles credores que são titulares de uma garantia real sobre os bens, mas não são eles próprios os exequentes, ou seja, aquele que instaura a própria acção executiva. O exequente ao instaurar acção executiva visa obviamente obter o pagamento do seu crédito, e vai efectivá-lo através da penhora e da posterior venda. A reclamação de créditos visa conceder a terceiros, possuidores de garantia real, a possibilidade de virem a obter o pagamento dos seus créditos, através da venda dos bens a que as suas garantias respondem. Por outro lado, o exequente e o reclamante têm um estatuto jurídico diferente. Assim, o exequente não precisa de vir reclamar o seu crédito nos seus próprios autos, pois já o fez através da interposição da acção executiva. Pelo que, não temos que admitir a “reclamação” do crédito da exequente através da presente reclamação, apenas temos que os graduar em relação e juntamente com os créditos reclamados, para obtermos as preferências do pagamento pelo produto da venda dos bens. Dispõe o art. 604º do CC que não existindo causas legítimas de preferência, os credores têm o direito de ser pagos proporcionalmente pelo preço dos bens do devedor, quando ele não chegue para integral satisfação dos débitos. Contudo, são causas legítimas de preferência, além de outras admitidas na lei, a consignação de rendimentos, o penhor, a hipoteca, o privilégio e o direito de retenção. Desviando, cada vez mais, a nossa direcção para o caminho que aqui nos interessa trilhar, dir-se-á que, como é sabido, o privilégio creditório é a faculdade que, em atenção à causa do crédito, a lei concede a determinados credores de serem pagos, independentemente do registo, com preferência em relação a outros – cfr. art. 733º do CC. Trata-se de uma preferência de pagamento resultante da lei, ou seja, são insusceptíveis de constituição por negócio jurídico. Eles surgem, quer se trate de privilégios mobiliários gerais ou especiais, ou imobiliários, gerais ou especiais, com a constituição do direito de crédito que garantem, mas a sua eficácia depende do acto de penhora sobre os bens que são objecto da respectiva incidência, o que significa que a sua constituição se verifica quando ocorrem os actos ou os factos que a lei faz depender da sua atribuição, concretizando-se nos bens penhorados na acção executiva - neste sentido o Ac. do STJ de 16/2/95, BMJ n.º 444, pág. 586 e Salvador da Costa, O Concurso de Credores, 3.ª Edição, Almedina. Assim, e como já foi referido, são duas as espécies dos privilégios creditórios: os mobiliários – são gerais quando abrangem o valor de todos os bens móveis existentes no património do devedor à data da penhora ou de acto equivalente; são especiais, quando compreendem só o valor de determinados bens móveis – e os imobiliários – os previstos no Código Civil são sempre especiais (art. 735º, nº 1, 2 e 3 do CC). Estreitando ainda mais o caminho que acima aludimos, com vista à resolução da questão objecto deste recurso, no que concerne aos créditos emergentes de contribuições em divida à Segurança Social os mesmos gozam de privilégio mobiliário, nos termos do disposto no artº 10 do D.L. n.º 103/80, de 9/5, e, nos termos do artº 11, de privilégio imobiliário "sobre os bens imóveis existentes no património das entidades patronais à data da instauração do processo executivo" . (sublinhado nosso). No que se refere à questão de saber se o privilégio previsto no citado artº 11 se estende aos bens propriedade do sócio gerente, que é executado na qualidade de devedor subsidiário seguimos a orientação do Supremo Tribunal Administrativo nos termos em que se encontra escrito no Acórdão de 06.04.2005 proferido no processo 011/05 Basta a leitura do artigo para ver que o seu ditame não alcança senão os bens que existam no património das entidades patronais devedoras. De fora ficam, pois, os bens de outros que, não sendo entidades patronais, sejam, também, responsáveis pela dívida, como é o caso dos gerentes daquelas entidades, responsáveis subsidiários pela mesma obrigação. Neste sentido é uniforme e abundante a jurisprudência deste Tribunal: vejam-se os acórdãos de 3 de Março de 1999, 8 de Julho de 1999, 22 de Setembro de 1999, 6 de Outubro de 1999, 13 de Outubro de 1999, 7 de Dezembro de 1999, 16 de Fevereiro de 2000, 31 de Maio de 2000 3 10 de Outubro de 2001, nos recursos nºs. 20739, 24043, 24023, 23936, 24022, 22984, 24078, 24474, e 26139, respectivamente. No sumário do de 7 de Dezembro de 1999 pode ler-se que “os créditos pelas contribuições para a segurança social só gozam de privilégio imobiliário sobre os imóveis existentes no património das entidades patronais à data da instauração do processo de execução”, mas não já sobre um imóvel do fiel depositário penhorado e vendido por ele não ter apresentado os bens de que era depositário. E no aresto de 16 de Fevereiro de 2000 lê-se: “Na verdade, a norma que cria um privilégio creditório é excepcional, pelo que não comporta aplicação analógica (art. 11º do CCivil), não se descortinando razões para estender o sentido textual da lei de modo a abranger no privilégio os bens do património dos responsáveis solidários (art. 13º do DL 103/80), impondo-se, por isso, a interpretação declarativa do preceito. É caso para dizer, como os latinos," ubi lex voluit, dixit; ubi noluit tacuit", e a lei foi clara ao restringir a concessão do privilégio aos créditos da SS por contribuições e respectivos juros de mora ”sobre os bens imóveis existentes no património das entidades patronais à data da instauração do processo executivo"”. Assim, mercê do privilégio creditório que aquele artigo 13º do decreto-lei nº 103/80, de 9 de Maio, lhe concede, a Segurança Social goza da faculdade de se pagar, com preferência relativamente a outros credores, pelo produto da venda de quaisquer imóveis existentes no património da entidade patronal devedora à data da instauração da execução; mas tal faculdade não lha concede a lei relativamente a outros quaisquer imóveis, designadamente, aos de devedores subsidiários que na execução sejam penhorados e vendidos. Em igual sentido Salvador da Costa – O concurso dos Credores pp 309 segundo o qual Penhorados que sejam bens próprios dos administradores ou gerentes das sociedades devedoras, não obstante serem responsáveis pelo pagamento da taxa contributiva relativa ao seu período de exercício por elas devidas às instituições de segurança social, estas não dispõem contra aqueles de privilégio creditório. No mesmo sentido Acórdão da Relação de Lisboa de 08.10.98 na CL 98 Tomo 4 pp 113. Do exposto decorre que a Segurança Social não fruía no referente ao crédito reclamado no valor de 73.599,91 € respeitante a contribuições e juros devidos pelo executado como devedor subsidiário da sociedade “C…, Lda.”, porque penhorados bens pertença do devedor subsidiário e mulher, de qualquer privilégio e, faltando tal privilegio, como crédito comum não podia o credito em causa ser admitido ao concurso de credores, nem graduado para ser pago pelo produto da venda dos imóveis penhorados, nos termos do disposto no artigo 865°, n.° 1 do Código de Processo Civil. É verdade que o n.° 4 do artigo 868° do Código de Processo Civil estabelece que se haverão por reconhecidos os créditos e respectivas garantias que não forem impugnadas, mas ressalva o conhecimento das questões que deviam ter implicado a rejeição liminar da reclamação. E, a falta de garantia real deste crédito reclamado sobre os bens penhorados constitui precisamente um requisito essencial de admissibilidade da reclamação nos termos do arto 865º, nº 1 do CPC, a demandar a rejeição da reclamação deste crédito. Razão por que o crédito reclamado pelo Instituto de Gestão dos Regimes de Segurança Social no valor de 73.599,91 € respeitante a contribuições e juros devidos pelo executado como devedor subsidiário da sociedade “C…, Lda.”, não goza de qualquer garantia real ou privilegio creditório pelo que, não pode ser admitido, não tem direito a ser graduado e não pode ser graduado. Nesta parte o recurso merece provimento . Mais reclama o ISS o crédito de 31.094,86 € refere-se a contribuições do executado como trabalhador independente cuja existência, não está aqui em causa . Desde já se diga que ao contrário do afirmado pelo recorrente entendemos que no conceito de entidades patronais a que se refere o art. 11º do DL 103/80 de 9/5 cabe o conceito de trabalhador independente ou por conta própria. Vejamos pois a razão deste entendimento. São dois os regimes da Segurança Social: o regime geral (contributivo) e o regime não contributivo. No que concerne ao primeiro, o mesmo desdobra-se, por sua vez, nos seguintes regimes: a) Regime Geral de Segurança Social dos Trabalhadores por Conta de Outrem - que encontra a sua regulamentado em diversos diplomas legais, e dos quais aqui se destaca o já acima citado DL nº 103/80, de 9/5 (que aprovou então o Regime Jurídico das Contribuições para a Providência). b) Regime Geral de Segurança Social dos Trabalhadores Independentes – inicialmente criado pelo DL nº 8/92, de 18/1, e que actualmente se encontra regulado pelo Decreto-Lei nº 328/93, de 25/9 (que revogou o 1º diploma), embora vindo a sofrer algumas alterações, nomeadamente através dos DLs 240/96, de 14/12 e nº 397/99, de 13/10. c) Regime do Seguro Social Voluntário (Facultativo) – regulado pelo DL nº 40/89, de 1/2. Reportando-nos àquele 2º regime dos trabalhadores independentes, que é aquele que aqui nos interessa, realçam-se os seguintes normativos do citado DL nº 328/93 (que o regula): Artº 1º: “O regime geral de segurança social dos trabalhadores independentes, adiante designado por regime dos trabalhadores independentes, tem como objectivo assegurar a efectivação do direito à segurança social das pessoas que exerçam actividade profissional por conta própria”. Artº 2º: “O regime dos trabalhadores independentes rege-se pelo disposto neste diploma e, subsidiariamente, pelas normas do regime geral da segurança social dos trabalhadores por conta de outrem”. (sublinhado nosso) Artº 4º: “São obrigatoriamente abrangidos no âmbito do regime dos trabalhadores independentes indivíduos que exerçam a actividade profissional sem sujeição a contrato de trabalho ou contrato legalmente equiparado e não se encontrem, em função da mesma, obrigatoriamente abrangidos pelo regime geral de segurança social dos trabalhadores de outrem”. Artº 29: “Os trabalhadores independentes estão sujeitos ao pagamento de contribuições, nos termos regulados neste capítulo” (nº 1), dispondo, por sua vez, o seu nº 2 que “os trabalhadores independentes são, no ateniente à qualidade de contribuintes, equiparados às entidades empregadoras abrangidas pelo regime de segurança social dos trabalhadores por conta de outrem”. (sublinhado nosso) Resulta, desde logo, do confronto de tais normativos (e bem assim de outros, cfr., por ex., artºs 34 daquele mesmo último diploma, e 1º, 2º e 45º, nº 3, da Lei nº 32/2002 de 20/12, que aprovou as Bases da Segurança Social ) que os trabalhadores independentes têm ou encarnam em si uma dupla qualidade: a de (directa e simultaneamente) contribuintes e beneficiários da segurança social. Por outro lado, resulta, sobretudo do estipulado no citado nº 2 do artº 29 do DL nº 328/93, que, nessa qualidade de contribuintes, os trabalhadores são equiparados às entidades empregadoras, ou seja, e por outras palavras, às entidades patronais do regime de segurança social dos trabalhadores por conta de outrem. E sendo assim, e por força do disposto nos artºs 2º e 29, nº 2, daquele DL, é aplicável aos créditos da segurança social resultantes de dívidas de trabalhadores independentes o regime previsto, nomeadamente, no também acima citado artº 11 do DL nº 103/80. Por fim diremos que na comunhão conjugal existe um património colectivo com dois sujeitos que dele são titulares e que globalmente lhes pertence, sendo que tal património se encontra sujeito à regra da meação (artº 1730º do CCiv) e que, por essa regra, ele responde também pelas dívidas da exclusiva responsabilidade de um dos cônjuges (artº 1696º do CCiv), constituindo garantia patrimonial do casal e de cada um dos seus membros. É esta a visão das coisas que justifica a possibilidade de por dívidas da responsabilidade de um só dos cônjuges serem penhorados bens comuns do casal (artº 825º do CPC). É também verdade que o credor, ainda que só de um dos cônjuges, não tem de ser onerado na realização do seu crédito com o estado matrimonial do devedor, podendo executar de imediato o património comum. Mas porque essa execução não deve ultrapassar a medida da meação atribui-se ao cônjuge não executado a possibilidade de requerer a imediata liquidação do património comum ou um crédito correspondente a levar em conta no momento da partilha (artº 1997º do CCiv). Assim, e em nosso entender, quando a lei confere às contribuições/quotizações para a segurança social privilégio creditório sobre os bens imóveis existentes no património das entidades patronais está a considerar todos os imóveis de que a entidade patronal seja titular, independentemente do seu estado civil e do regime de bens do matrimónio; abrangendo, pois, os imóveis que integram o património comum do casal do devedor. Consideramos, pois, e em contrário da recorrente, que o crédito reclamado pela segurança social no valor de 31.094,86 € referente a contribuições do executado como trabalhador independente goza de garantia real sobre os bens penhorados. A graduação de créditos tem de ser feita em relação a cada um dos bens penhorados. Tem de fazer-se especificamente para os móveis e imóveis e dentro de cada um destes grupos relativamente aos bens vendidos em virtude dos privilégios e garantias reais que sobre eles incidem. De acordo com o nº 2 do artigo 873º do Código de Processo Civil, cada concorrente só poderá ser pago pelos bens a que a sua garantia respeite; em decorrência, somente pelo produto desses bens há-de ser graduado o seu crédito. Pelo que, na sentença de graduação os créditos reclamados deverão ser graduados, juntamente com o crédito exequendo, para cada um ser pago, segundo a preferência que tiver, pelo produto dos bens que lhe servirem de garantia. *** Sumário - Os créditos da Segurança Social não gozam do privilégio imobiliário previsto nos arts 2º do decreto-lei nº 512/76 de 03 de Julho e 103/80 de 09 de Maio sobre bens do responsável subsidiário revertido na execução fiscal mas só sobre os “ imóveis existentes no património das entidades patronais á data da instauração do processo executivo. . Sendo directa e simultaneamente contribuintes e beneficiários da Segurança Social, os trabalhadores independentes são, naquela qualidade, equiparados às entidades patronais do regime da segurança social dos trabalhadores por conta de outrem. . O privilégio creditório sobre os bens imóveis existentes no património das entidades patronais ou trabalhadores independentes a elas equiparados de que gozam os créditos da segurança social abrange os imóveis que entregam o património comum do devedor. IV- DECISÃO Com fundamento no exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente o recurso, ao qual concedem parcial provimento, revogando em consequência a douta sentença recorrida, que se altera na sua dispositiva nos termos supra exarados, reformulando a graduação de créditos nestes termos: Em relação ao imóvel inscrito na matriz sob o artº 3356 1.º - Crédito do Reclamante Instituto de Segurança social – Centro Distrital de Braga no montante global de € 31.094,86 € e respectivos juros peticionados. 2.º - Crédito da Exequente S… Lda Em relação ao imóvel inscrito na matriz sob o artº 4 766 1.º - Crédito do Reclamante Instituto de Segurança social – Centro Distrital de Braga no montante global de € 31.094,86 € e respectivos juros peticionados. 2.º - Crédito da Exequente S… Lda Custas do recurso pela Apelante na proporção do decaimento. Guimarães, 10 de Abril de 2012 |