Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
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| Relator: | FERNANDO MONTERROSO | ||
| Descritores: | TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTE QUESTÃO DE FACTO IMPUTABILIDADE FUNDAMENTAÇÃO | ||
| Nº do Documento: | RG | ||
| Data do Acordão: | 04/23/2012 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
| Decisão: | CONCEDIDO PROVIMENTO | ||
| Sumário: | I) Há uma «questão de facto» quando se procura reconstituir uma situação concreta ou um evento do mundo real e há uma «questão de direito» quando se submete a tratamento jurídico a situação concreta reconstituída. II) A imputação de que o arguido “decidiu dedicar-se a comprar estupefacientes, nomeadamente heroína e cocaína, com o intuito de os revender a terceiros…” reproduz um «facto». III) Todavia, trata-se de um facto genérico, que impõe especiais rigor, cuidado e minúcia na fundamentação, que afastem o risco da sua prova assentar em meras conjecturas. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães Na 1ª Vara de Competência Mista de Guimarães, em processo comum com intervenção do tribunal colectivo (7/10.0GABCL) foi proferido acórdão que a) absolveu o arguido AVELINO M... da prática de: - um crime de detenção de munições, previsto e punido no art.º 86, n.º 1, alínea d), com referência ao art.º 2, n.º 3, alínea g), da Lei n.º 5/2006, de 26 de Fevereiro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 17/2009, de 6 de Maio. - uma contra-ordenação por detenção de arma proibida (relativamente à arma de alarme), previsto e punido no art.º 97, com referência ao art.º 3, n.º 1, alínea m), da Lei n.º 5/2006, de 26 de Fevereiro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 17/2009, de 6 de Maio; - uma contra-ordenação por detenção de munições de salva, previsto e punido no art.º 97, com referência ao art.º 3, n.º 1, alínea n), da Lei n.º 5/2006, de 26 de Fevereiro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 17/2009, de 6 de Maio. b) condenou o arguido AVELINO M... pela prática de: - um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo art.º 21, do Decreto-lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão; e - um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.º 86, n.º 1, alínea d) do RJAM, este em concurso aparente com o crime de detenção de munições e com as contra-ordenações de detenção de arma proibida e de munições de salva, na pena de 1 (um) ano de prisão; c) em cúmulo, condenou-o na pena única de 6 (seis) anos de prisão. * O arguido AVELINO M... interpôs recurso deste acórdão, suscitando as seguintes questões:- apenas foi feita ao arguido uma imputação genérica, a de que ele vendeu, dentro de determinado período de tempo, produtos estupefacientes, sem que em momento algum, seja na acusação, seja na matéria dada como provada, seja dito ou referido a quem, quando, quanto ou o quê, é que o arguido vendeu produto estupefaciente; - o acórdão recorrido não fundamenta a quem o arguido comprava a droga, com quem contactava, como a embalava, ou como depois a vendia. - o tribunal a quo deveria ter lançado mão do mecanismo previsto no art. 358 nº 1 do CPP, para a alteração não substancial dos factos descritos na acusação, e, após, se assim entendesse, dar comoprovadas as concretas transacções efectuadas; - impugna a decisão sobre a matéria de facto, visando, alterada esta, ser absolvido do crime de tráfico de estupefaciente, ou subsidiariamente, condenado por um crime de tráfico de menor gravidade; - invoca a existência de erro notório na apreciação da prova; e - questiona as penas aplicadas. * Respondendo, a magistrada do MP junto do tribunal recorrido defendeu a rejeição do recurso na parte em que se visa a impugnação da decisão sobre a matéria de facto e a improcedência quanto ao demais.Nesta instância, o sr. procurador-geral adjunto emitiu parecer no mesmo sentido. Cumpriu-se o disposto no art. 417 nº 2 do CPP. Colhidos os vistos cumpre decidir. * I – No acórdão recorrido foram considerados provados os seguintes factos (transcrição):1- Desde data indeterminada mas pelo menos a partir de 08.05.2010, o arguido Avelino, também conhecido por “T... Tendeiro” ou “T... Feirante”, decidiu dedicar-se a comprar estupefacientes, nomeadamente heroína e cocaína, com o intuito de os revender a terceiros, com lucro, de modo a garantir provento económico, do qual passou a retirar dividendos; 2- Para o efeito, com uma periodicidade que, pelo menos a partir de 22.06.2010 era quase diária, contactava pessoas que lhe forneciam quantidades de estupefaciente, nomeadamente de heroína e cocaína, em pacotes com cerca de cinco gramas cada, que o arguido depois dividia na sua habitação, com recurso a uma balança, operando tal divisão em doses de meia grama ou uma grama, ou ainda conforme as circunstâncias o exigissem, noutros volumes de peso; 3- Após divisão, o arguido procedia ao seu acondicionamento, embalando o estupefaciente em pequenos pedaços de plástico; 4- Operada tal divisão, o arguido diligenciava pela sua venda; 5- Para a concretização da distribuição do estupefaciente a quem o quisesse receber, ao longo de cada dia, o arguido Avelino contactava ou era contactado telefonicamente por sujeitos interessados na compra de tais produtos, nomeadamente consumidores, com quem marcava contactos, procedendo à sua entrega e, quase sempre, ao recebimento de quantias em dinheiro estabelecidas como meio de pagamento; 6- Para disfarçar o negócio de compra e venda de estupefacientes, o arguido e os interessados na aquisição com quem contactava ou era contactado, utilizavam discurso codificado, de modo a que os interlocutores pudessem com mais facilidade e esperada impunidade, referir-se aos estupefacientes, ao seu preço, à sua quantidade ou peso e outras características, usando nomeadamente as seguintes expressões: - “material”, referindo-se a estupefacientes; - “copo”, “vinho”, “garrafa” ou “garrafão”, referindo-se a doses e quantidades de estupefacientes; - “chamon”, referindo-se a cannabis; - “branco”, “claro”, “meio copo de branco”, “meia garrafa de branco”, “garrafão de dia” , “garrafas de dia” ou “uma garrafa de vinho branco”, referindo-se a quantidades (gramas ou meias gramas) de cocaína; - “tinto”, “escura”, “preto”, “meio copo de tinto”, “meia garrafa de tinto” ou “uma garrafa e meia de tinto”, referindo-se a quantidades (gramas ou meias gramas) de heroína; 7- Normalmente, cada meia grama de cocaína era vendida a 30,00 euros e cada meia grama de heroína era vendida a 20,00 euros; 8- Com vista a minimizar a publicidade da sua acção, evitar o controlo policial e propiciar a sua fuga ou despiste das autoridades, o arguido normalmente procedia à venda de tais produtos ao final do dia, após o pôr-do-sol, em vários locais; 9- Para o efeito, como meio de transporte para concretização de tais vendas, o arguido utilizava a viatura de marca Volkswagen, modelo Golf, matrícula 28-41-..., sua pertença; 10- No seguimento de buscas efectuadas à residência e viaturas usadas pelo arguido no dia 8 de Julho de 2010, foram encontrados: a) na posse do arguido, na sua carteira a quantia de 1.875,00 euros, em notas de 50, 20, 10 e 5 euros; um relógio e várias peças em ouro; cartões SIM de telemóvel; b) no veículo de marca Volkswagen, modelo Golf, matrícula 28-41-..., no compartimento da porta da frente do lado do condutor, uma bolsa contendo 3 embalagens de cocaína em pó com o peso bruto de 5,8 gramas e o peso líquido conjunto de 4,025 gramas e 6 embalagens de heroína em pó com o peso bruto de 3,5 gramas e o peso líquido de 2,748 gramas, com vestígios de heroína na referida bolsa, bem como um recorte em plástico vulgarmente usado para embalagem de pequenas quantidades de estupefaciente, este junto a folhas 376; três telemóveis; dentro de uma pasta atrás do banco do condutor, 800,00 euros em notas de 50, 20 e 10 euros; c) no hall de entrada da residência, debaixo de um arranjo floral, um revólver de marca “ME 38 Pocket”, modelo PTB 705, com o n.º de série 034469, calibre 8mm, para alarme, municiado com 5 munições de salva, sendo uma delas já percutida; d) na cozinha três munições de salva deflagradas; e) no quarto uma faca, vulgarmente conhecida e legalmente designada por “faca de borboleta”, marca “C.J.Herbertz” e inscrição na lâmina “Rostfrei n.º 257223”, com punho de metal bipartido com perfurações, com comprimento total de 22,5 cm e lâmina de 8,7 cm; um cartucho de calibre 12mm, vulgarmente usado para amas de caça; 22 munições de salva por deflagrar e 4 deflagradas; uma munição de salva própria para uso em armas de calibre 7,62mm (armas G3); e uma munição de calibre 9 mm; 11- O estupefaciente apreendido ao arguido Avelino era destinado, após divisão, à entrega a terceiros, também pelo arguido, nos moldes já descritos. 12- As quantias em dinheiro apreendidas eram resultado da venda de estupefacientes a terceiros, tal qual já descrito. 13- O arguido desenvolveu a sobredita actividade e aquisição de distribuição de estupefacientes pelo menos desde 08.05.2010 até ao dia em que foi detido e preso em 8 de Julho de 2010, vivendo e angariando rendimentos dessa actividade; 14- O arguido não apresentou declarações de rendimentos relativas aos anos de 2008 e 2009; 15- O arguido adquiriu o veículo ligeiro de mercadorias, marca Ford, modelo Transit, matrícula ...-42-87 em Maio de 2008. 16- No dia 6 de Abril de 2010, a GNR de Barcelos apreendeu cinco invólucros deflagrados, examinados a folhas 45 e 46; 17- O arguido foi julgado no âmbito do processo Comum Colectivo com o n.º 245/00.3TCGMR, tendo sido condenado por acórdão de 10-11-2000, para além do mais, como autor de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21º, do Decreto-lei n.º 15/93, na pena parcelar de 5 anos e 10 meses de prisão e numa pena única de 6 anos e 2 meses de prisão, por decisão transitada a 27-11-2000, tendo estado privado de liberdade (considerando o período de prisão preventiva) desde 08-07-1999 até data da liberdade condicional, em 16-10-2003, vindo a beneficiar de liberdade definitiva com efeitos reportados a 08-09-2005; 18- O arguido agiu livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta, para além de censurável, era punida por lei. 19- Quis adquirir, como adquiriu, produtos estupefacientes para posterior entrega a terceiros, como de facto entregou, bem sabendo da sua qualidade e peso aproximado, com intenção de lucrar economicamente, actuando em conformidade com o propósito que perseguiu, detendo e entregando os produtos com o enunciado fim. 20- O arguido quis receber e manter na sua posse o revólver a faca de borboleta, bem como as descritas munições reais e de salva, bem sabendo que a posse de armas e de munições está regulada por lei e que a respectiva posse está interdita a quem não possuir autorização expressa para o efeito. 21- O processo de socialização do arguido decorreu junto da família de origem constituída pelos pais e 4 irmãos, tendo abandonado o ensino quando frequentava o 7º ano de escolaridade para acompanhar os pais na venda ambulante, actividade a que se dedicou até se envolver no crime de tráfico de estupefaciente, tendo cumprido pena de prisão em 1999; Saiu em liberdade condicional em 2003, aos 2/3 da pena, tendo a pena sido declarada extinta em 2005; Quando regressou a meio livre dedicou-se inicialmente à venda ambulante na companhia de familiares e, mais tarde, à exploração de espaços de diversão nocturnos, de alterne, e de restauração, num estilo de vida acentuadamente nocturno, com consumos excessivos de substâncias aditivas (álcool e cocaína); Em Agosto/Setembro de 2008, esteve internado no hospital de Guimarães para tratamento de desintoxicação e por lhe ter sido diagnosticado quadro depressivo; Retomou a explorar bares de alterne, num estilo de vida nocturno; À data dos factos residia em Nespereira, Guimarães, com a companheira, com quem vivia há anos, tendo nascido desta união uma filha, actualmente com a idade de 6 anos, que se encontra a cargo da progenitora; Trabalhava na sucata, estando ainda ligado à actividade nocturna, facto que merecia a reprovação dos familiares e motivou a separação da companheira; Reconciliaram-se e arrendaram a habitação actual, equipada com a ajuda do irmão do arguido; A residência do casal corresponde a um apartamento T2+ 1, localizada no 1º andar de uma moradia, com condições modestas de habitabilidade; A companheira trabalha como operária têxtil, não declarada. Faz remates e embalamento de artigos têxteis, auferindo entre 130€ a 150€ por semana; Despende mensalmente 190 € com a renda de casa, aproximadamente 70€ com a água, electricidade e gás, e 15€ com despesas de educação (jardim de infância). Diz reunir condições para assegurar básicas ao arguido em meio livre, com o apoio do cunhado empenhado em garantir-lhe emprego e exercer supervisão sobre o seu quotidiano; O arguido deu entrada no EP Porto em 08.07.2010, na situação de prisão preventiva, à ordem do actual processo, relativamente ao qual apresenta alguma crítica sobretudo pelos custos pessoais e familiares da sua prisão; Justifica-se com obrigações financeiras que pretendia cumprir, assim como num registo quotidiano compulsivo para manter um padrão de vida elevado, associado a contextos nocturnos em que se movimenta com especial satisfação; A família, sobretudo o irmão, foi surpreendida com a gravidade da acusação, considerando ser a derradeira oportunidade de apoio que lhe concede quando regressar a meio livre, garantindo-lhe trabalho na sua fundição, apesar de acusar desgaste pela trajectória de vida do arguido; Em meio prisional, o arguido apresenta um comportamento muito ajustado com hábitos de trabalho regulares, recebendo visitas da esposa, filha, mãe, irmão e amigos. Beneficia de acompanhamento clínico na especialidade de Psiquiatria e medicamentoso, o que lhe garante maior equilíbrio pessoal; Perspectiva retomar vida em comum com a mulher e filha de 6 anos avaliando a relação afectiva como mais gratificante, e retomar o trabalho na fundição do irmão. 22- O arguido foi já condenado, com trânsito em julgado: - por decisão de 09.01.1999, pela prática de crime de detenção ilegal de arma, na pena de 140 dias de multa à taxa diária de 250$00; - por decisão de 28.06.2000, pela prática de um crime de tirada de presos, na pena de 4 meses de prisão, substituída por igual tempo de multa, à taxa diária de 300$00; - por decisão de 10.11.2000, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes e de resistência e coacção sobre funcionário, na pena única de 6 anos e 2 meses de prisão; - por decisão de 09.02.2001, pela prática de dois crimes de resistência e coacção sobre funcionário, na pena única de 6 meses de prisão, substituída por igual tempo de multa; - por decisão de 29.09.2004, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 90 dias de multa à taxa diária de 3€; - por decisão de 18.10.2006, pela prática de um crime de desobediência, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de 3€. * Considerou-se não provado que: - o arguido se dedicou à compra e venda de estupefacientes entre o início de 2009 e 08.05.2010; - era com os dividendos resultantes da compra e venda de estupefacientes que o arguido, garantia, quase em exclusivo a sua sobrevivência e o pagamento de todas as suas despesas regulares; - o arguido, na sua actividade, se deslocava, preferencialmente a vários locais afastados da sua residência, essencialmente da área da comarca de Guimarães, bem como de comarcas limítrofes, entre as quais a de Vila Nova de Famalicão, evitando assim ser conotado num determinado local com a venda de estupefacientes a pessoas conotadas com o consumo; - o arguido não poderia desenvolver a mesma actividade com os cuidados enunciados se não utilizasse o veículo com a matrícula 28-41-...; - os rendimentos resultantes da actividade do arguido eram o seu único meio relevante de subsistência; - no período do Carnaval de 2010, na freguesia de Galegos Santa Maria, área da comarca de Barcelos, em dia concreto e hora não apurados, o arguido, com o uso do revólver acima identificado, deflagrou pelo menos 5 munições de salva. * Transcreve-se igualmente a fundamentação da decisão sobre a matéria de factoA convicção do tribunal formou-se com base no conjunto da prova produzida em audiência, analisada de acordo com as regras da experiência comum e com critérios de normalidade e razoabilidade. O arguido declarou apenas que destinava ao seu consumo o estupefaciente que tinha na sua posse quando foi detido, já que era, à data, toxicodependente, escusando-se a prestar outras declarações. Já a testemunha Donzília M..., sua companheira do arguido, há cerca de 6 anos, optou por não prestar depoimento. O tribunal baseou-se no depoimento das testemunhas: - NÉLSON L..., que foi consumidor de estupefacientes até há cerca de 2 anos, conhecendo o arguido por se dedicar à mesma prática. Consumia cocaína esporadicamente, jamais tendo adquirido estupefacientes ao arguido. - MARIA V..., que conhece o arguido por ser amigo do seu marido, João P..., que há mais de dois anos vendeu ao arguido, por 250 €, uma carrinha que lhe fora oferecida por uns amigos. Recorda-se de que o seu marido recebeu uma notificação para pagar uma “multa” de 30 €, notificação que deu ao irmão do arguido. - ANTÓNIO C..., que conhece o arguido por ter consumido estupefacientes (heroína e cocaína) até há cerca de meio ano. Comprava estupefacientes em função do dinheiro que tinha disponível, despendendo, habitualmente, 15 € por meio grama de heroína e 25 € por meio grama de cocaína. Desconhece em que veículo se fazia transportar o arguido ou a que actividade se dedicava, não se recordando se alguma vez lhe adquiriu estupefacientes. - LUÍS A..., que consume cocaína há cerca 20 anos, conhecendo o arguido por adquirir estupefacientes “a meias” com ele, tendo chegado a consumir em conjunto com ele cerca de quatro ou cinco vezes, na Penha. Sabe que o arguido se deslocava num veículo de cor preta, desconhecendo no entanto qual a actividade a que se dedicava. Nunca foi a casa do arguido – que contactava via telemóvel ou pessoalmente – para que lhe cedesse cocaína, desconhecendo o local onde adquiria. Designa a cocaína por “branca”, referindo-se ao termo “garrafão” como um código para designar um grama. - JOSÉ O..., que conhece o arguido, de quem é amigo há cerca de 6 a 7 anos. Também consume de estupefacientes (heroína e cocaína), o que faz desde os 18 anos de idade, diariamente. Adquiria estupefacientes em Fafe, Braga ou Famalicão, por 5€ ou 10€ a dose de, respectivamente, heroína e cocaína. Consumia juntamente com o arguido, esporadicamente, quando se cruzavam, fazendo-o no carro ou em casa do arguido. Sabe que o arguido se fazia transportar num “Golf”, tendo chegado a ir comprar droga com ele, para o que juntavam dinheiro. Sabe ainda que o arguido, nessa altura, se dedicava à venda de óleos e de sucata. - GONÇALO F..., que conhece o arguido, de quem é amigo, há cerca de 10 a 12 anos. Consome esporadicamente haxixe e cocaína, tendo-o feita uma ou outra vez na companhia do arguido, designadamente em sua casa, para onde chegou a levar o estupefaciente que iria consumir. Jamais adquiriu esse tipo de substâncias ao arguido. Sucedeu, no entanto, que lhe adiantou dinheiro para adquirir estupefacientes a fim de consumirem em conjunto. Por vezes, se o arguido tivesse droga, cedia-lhe para seu consumo. Ao que sabe, o arguido, na ocasião, trabalhava na recolha de óleos e fazia-se transportar, ou numa Ford Transit, ou num VW Golf de cor escura. Foi confrontado com o teor das escutas telefónicas, reconhecendo que em algumas delas se estava a referir a cocaína. - DOMINGOS C..., que conhece o arguido porque chegou a ser seu vizinho. Nunca consumiu estupefacientes. Refere que conhece uma senhora, de nome Telma, que lhe pediu algumas vezes, cerca de meia-dúzia, para utilizar o seu telemóvel, com o n.º 919738656. Suspeitava que fosse consumidora de estupefacientes, apesar de nunca a ter visto a comprar ou frequentar locais relacionados com essa prática. Lembra-se que, em determinada ocasião, a conduziu a Nespereira, onde a deixou, tendo visto nas imediações um VW preto, que associou ao arguido, ainda que desconheça se residia naquele local. Nunca presenciou qualquer transacção de estupefaciente em que o arguido tivesse estado envolvido, designadamente com a dita Telma, desconhecendo igualmente a que actividade ele se dedicava. - PAULO V..., que conhece o arguido há 2 a 3 anos. Consumidor de estupefacientes, conhecia o arguido por estar associado à mesma prática. Era titular do n.º 919848162, através do qual contactava o arguido para estarem juntos, designadamente para consumirem estupefacientes, que compravam em Guimarães ou no Porto, onde se deslocavam, umas vezes no seu veículo, outras na viatura do arguido, única que lhe conhecia, um VW de cor escura. Habitualmente, compravam os dois em conjunto e consumiam no carro, jamais tendo consumido em casa do arguido. Nunca precisou que o arguido comprasse estupefacientes para lhe ceder, nunca lhe tendo adquirido directamente esse tipo de substâncias. - RICARDO C..., que conhece o arguido porque chegou a trabalhar num café que ele frequentava. Já consumiu estupefacientes, há mais de 15 anos, e conhecia o arguido também como consumidor. Desconhece a que actividade se dedicava o arguido e jamais o viu vender estupefacientes ou a praticar qualquer acto que indiciasse que se dedicava ao tráfico de droga. - ALBERTO L..., que conhece o arguido há cerca de 3 anos. Conhece o arguido como consumidor de estupefaciente, sendo também ele, consumidor esporádico, de heroína e cocaína, que adquiria por 10 a 20 € cada pacote, em Braga, no Porto em Famalicão, onde se deslocava com o arguido, no carro dele, um VW Golf de cor escura. Nunca encomendou estupefacientes ao arguido, designadamente por telefone (sendo certo que por vezes o contactava telefonicamente), adquirindo ambos a terceiros para consumir de imediato, no monte ou na beira da estrada. Não sabe se o arguido vivia sozinho ou acompanhado. Nega que alguma vez tenha entregue objectos em ouro ao arguido, designadamente as medalhas em ouro de fls. 362. Desconhece a actividade a que se dedicava o arguido. Conhecido por “Vandame”, admitindo que possa ter utilizado o telemóvel n.º 9109587..., foi confrontado com o teor das escutas telefónicas do apenso A (43673M) – produtos 876, 884, 916 – não tendo conseguido esclarecer devidamente o seu teor, para mais quando delas resulta evidente a combinação de hora e local para entrega de objectos em ouro (“Tenho uma peça pra ti amarela”, “Fio com duas medalhas”, “(…) debe ter pai sete oito, tem fio”, “Tem que se ber o peso disso”) e a referência, ainda que não explícita, a produtos estupefacientes ( “kero cenas dax 2”, “tens que me dizer onde é que bais buscar isto, de qualidade nunca bi igual”, “Só te liguei mesmo pra isso, de qualidade, bou-te ser sincero, por mais que possa nunca probei igual”, “(…é pra tu beres, que tenho coisa boa (…), “E a outra, tamem é assim boa?”, “Eu amanhã ligo-te pra te entregar mais uma pecinha”). - ANTÓNIO S..., que conhece o arguido, de quem é amigo. Consumiu heroína e cocaína até há cerca de meio ano, juntamente com o arguido, adquirindo o estupefaciente a indivíduos de etnia cigana, em Famalicão, onde se deslocavam no veículo do arguido, um VW Golf de cor escura. Começou por dizer que nunca compraram para ceder a outras pessoas mas apenas para consumir, o que faziam no monte e nunca em casa do arguido. Conheceu o arguido através de outros consumidores, dizendo jamais tendo tido como ele qualquer conversa relacionada com vinhos. Admite como possível que tivesse sido titular dos telemóveis 934919836 e 969639513, que utilizava para contactar o arguido. Admite também que possa ter contactado o arguido, falando com ele sobre uma encomenda de cocaína, mas para consumo de ambos. De resto, não o conhecia como vendedor de estupefacientes. Acabou por reconhecer no entanto, que chegou a adquirir-lhe estupefacientes, “de longe a longe”, comprando meia grama de cocaína por 20 €, sendo a entrega efectuado junto ao hotel Fundador. Conhecido por “Xiria”, foi confrontado com o teor das escutas telefónicas do apenso A (43673M) – produtos 150, 176, 291, 449, 560, 571, e 1177 – de onde resulta evidente a utilização de uma linguagem que denota a existência, com uma frequência diária, de encomendas e entregas de estupefacientes, para mais quando a nenhum dos intervenientes é conhecida qualquer actividade relacionada com a compra e venda de bebidas: “(…) precisava de uma garrafa de vinho branco”, “Olha, é um garrafão. Branco. Dá pra…cinco minutos tava aí”, “Precisava de duas garrafas de dia, num me desenrascas?”, “Desenrascas um garrafão dia não?”, “Desenrascas um garrafão de branco?”, “Vou engarrafar”, “Preciso de dois garrafões de branco.”. Referiu que “garrafa de branco” seria o equivalente a 10€ de heroína e que “garrafão” seria a mesma quantidade, não tendo conseguido explicar o motivo pelo qual utilizaria duas formulações distintas para a mesma realidade. Por outro lado, apesar de afirmar que em algumas das ocasiões não houve efectivamente transacção de estupefacientes – pela circunstância de o arguido não ter aparecido – a verdade é que as escutas não denotam a existência de qualquer conversa sobre esse facto. E o normal é que, se o arguido não tivesse aparecido nos locais combinados, fosse confrontado por esta testemunha sobre isso. - ANA L..., que disse não conhecer o arguido, com quem, ao que se lembra, nunca falou. Consumiu heroína e cocaína durante um ano, não consumindo há cerca de 8 meses. Adquiria estupefacientes na rua, a indivíduos que não conhecia, consumindo diariamente quantidades variáveis de droga em função do dinheiro que tivesse disponível. Nunca se dedicou à compra de vinhos, nunca “encomendou” estupefacientes pelo telefone e nunca se dirigiu a casa do arguido para comprar esse tipo de substâncias. Não obstante, confrontada com a escuta telefónica do apenso A (43673) – produto 1854, reconhece ser a interlocutora do arguido, tendo utilizado expressões que inequivocamente dão conta, uma vez mais, da existência de uma encomenda e da combinação de um encontro, nas imediações de casa do arguido, com vista a transaccionar heroína e cocaína: “(…) queria meia de cada”, “É uma garrafa de cada”, “É uma garrafa e uma almofada de castanha, de vinte”, “Uma garrafa de branca. De vinho branco”, “De trinta, de trinta. E castanha de vinte.” - GONÇALO P..., que conheceu o arguido há cerca de ano e meio através de um grupo de amigos, numa época em que consumiu cocaína. Consumia cerca de duas a três gramas por semana, nesse círculo de amigos, onde se incluía o arguido, também ele consumidor de cocaína. Juntavam dinheiro para adquirir o estupefaciente (designadamente em Braga, a indivíduos de etnia cigana) e consumirem posteriormente. Nega que alguma vez tenha contactado o arguido por telefone, com quem de resto contactou em poucas ocasiões. Não obstante, reconheceu ser titular do telemóvel com o número 96740662 e, confrontado com as transcrições das escutas telefónicas, admitiu ter contactado o arguido através deste número. Sabia que o arguido tinha contactos de vendedores de estupefacientes e, às vezes, emprestava-lhe dinheiro. Reafirmou, no entanto, que jamais lhe adquiriu estupefacientes, limitando-se a consumir em conjunto com ele. Não obstante, confrontado com as escutas telefónicas do apenso B (43674M) – produtos 104, 117, 225 – acabou por reconhecer que evidenciam a aquisição de estupefacientes ao arguido: “(…) precisava de uma vintena. Queria-te dar vinte paus.” e “Tenho aqui trinta paus para lhe dar (…)”. - PEDRO F..., conhecido por “Latapi”, que conheceu o arguido num café, o “O... Bar”, em Polvoreira. Consumia cocaína e heroína e conhecia o arguido também como consumidor de estupefacientes, tendo chegado a consumir com ele, ao pé do café ou mesmo em casa dele. O estupefaciente era adquirido por um ou outro, consoante a disponibilidade financeira no momento, combinando encontrar-se com ele por telefone. Confrontado com as transcrições das escutas telefónicas do apenso A (43673M) - produtos 591, 1486, 1499, 1500, 1501 – admite como possível que se tenha encontrado com o arguido e que lhe tenha dado dinheiro para comprar estupefacientes para consumo de ambos, duas ou três vezes, mais ao fim-de-semana, circunstância que fica também evidenciada nas escutas: “bocê pra já ainda nada?”, “Bou estar com o home lá prás onze menos um quarto, telefone lá prás onze horas”, “Então, já tem alguma coisa?”, “Já daqui a 20 minutos tou em casa”. Desconhece se o mesmo sucedia com outros consumidores. Conhece um indivíduo cuja alcunha é “Toxac”, nunca lhe tendo – ao que se recorda – emprestado o telemóvel. Já admite que possa tê-lo feito a um indivíduo, um tal Natário, conhecido por “Jonas”. Também sucedeu de ter consumido estupefaciente que o arguido detinha sem que para o efeito lhe tivesse dado qualquer contrapartida. - DOMINGOS R..., que conheceu o arguido no “O... Bar”. É consumidor de estupefacientes e conhecia o arguido por se dedicar à mesma prática. Adquiria estupefacientes a indivíduos de etnia cigana e, convivendo com o arguido, acabavam por consumir no automóvel dele, juntamente com a anterior testemunhas. Referiu-se ao custo de aquisição do estupefaciente e afirmou que nunca viu o arguido a “desenrascar” ou a ceder estupefacientes a terceiros. - ADÃO L..., que já foi consumidor de estupefacientes e conhecia o arguido por residir nas proximidades do “O... Bar”. Não conhecia o arguido como consumidor ou vendedor de estupefacientes, nunca lhe tendo comprado droga, directa ou indirectamente. Adquiria o estupefaciente a indivíduos de etnia cigana. - CARLOS S..., militar do NIC da GNR de Barcelos, que conhece o arguido do exercício de funções. Deu início ao processo com base em informações do posto de Famalicão, que lhe referiu a existência de um estabelecimento de alterne e prostituição explorado pelo arguido, que também se dedicaria à compra e venda de estupefacientes. Interveio em algumas diligências, designadamente seguimentos e vigilâncias e recolheu informação do arguido através da fiscalização do estabelecimento. Subscreveu auto de notícia de fls. 3 a 9, cujo teor confirma. Participou na apreensão dos invólucros ocorrida no dia 06.04.2010, objectos que lhe foram confiados por pessoa que não se quis identificar. Alegadamente, os invólucros teriam sido encontrados no quintal da residência onde viviam o arguido e a sua companheira, não tendo a testemunha presenciado a utilização do revólver referido na acusação. Desconhece, de resto, se terá sido efectuada alguma denúncia na sequência dos disparos. Participou na vigilância realizada no dia 23.03.2010. Confirmou o teor do relatório de fls. 67 e ss., afirmando que se tratou de diligência inicial com vista a identificar a viatura utilizada pelo arguido e a sua residência. Referiu-se ainda à linguagem codificada que o arguido e os seus interlocutores utilizavam nos contactos telefónicos, dando conta que “branco” designava cocaína e “tinto” cocaína. Já “meia garrafa”, “garrafa” ou “garrafão” designavam meia grama, uma grama ou cinco grama e “copo”, uma dose individual. O estupefaciente era designado por “material” ou “produto”, e haxixe era referido como “chamon”. Referiu ainda que o arguido chamava a atenção dos seus interlocutores quando se descuidavam e não utilizavam os “códigos” habituais. Percebeu que o arguido era fornecido por um indivíduo de nome Vicente, adquirindo cerca de 5 a 10 gramas de cada vez, diariamente, para poder vender durante a tarde e a noite, sendo que, em algumas intercepções era possível perceber locais de entrega. Participou igualmente na busca efectuada à residência e ao veículo do arguido, documentada no auto de fls. 332 e ss., cujo teor confirmou, designadamente no que se refere ao local onde foram encontrados os objectos apreendidos. Não encontrou quaisquer indícios de que o arguido se dedicasse à compra e venda de vinhos. Referiu ainda que o arguido chegou efectivamente a explorar um bar de alterne, denominado “Jef Bar”, estabelecimento que já se encontrava no entanto encerrado há cerca de um a dois meses na data em que foi efectuada a busca. Referiu-se aos objectos apreendidos, afirmando que a apreensão de alguns deles resultou da circunstância de ter percebido, através das escutas, que alguns compradores de estupefacientes entregavam objectos em troca do estupefaciente (por exemplo, combustível e ouro). Ainda da análise das escutas telefónicas, concluía que as transacções de estupefacientes eram efectivamente concluídas. Das conversas que o arguido mantinha ao telefone, não resultava a existência de “reclamações” baseadas no facto que o arguido não comparecer aos encontros onde ficavam combinadas as transacções. As reclamações, quando havia, incidiam mais sobre a qualidade do estupefaciente, o que evidenciava a circunstância de a transacção ter sido efectuada. - PAULO O..., militar da GNR, que participou nas vigilâncias que lhe foram solicitadas, concretamente em 08.05.2010 e 06.07.2010, confirmando o teor de fls. 99 a 102 e 316 a 318. Tomava conhecimento das movimentações do arguido através das mensagens escritas que lhe eram enviadas por parte da companheira do arguido, baseando as vigilâncias e seguimentos nessas indicações. - SÉRGIO T..., militar da GNR que participou em acções de vigilância e nos seguimentos documentados a fls. 99 e ss. (08.05.2010), 109 e ss. (22.05.2010) e 212 e ss. (14.06.2010), cujo teor confirmou. - JOSÉ B..., militar da GNR, que participou em duas vigilâncias, efectuadas em 22.05.2010 (fls. 109 e ss.) e 14.06.2010 (fls. 212 e ss.), confirmando o teor dos relatórios efectuados; - ANABELA P..., militar da GNR que interveio em 3 vigilâncias, efectuadas em 22.05.2010 (fls. 109 e ss.), Junho de 2010 (fls. 212 e ss.) e 06.07.2010 (fls. 316 e ss.). - TIAGO M..., militar da GNR, que participou numa vigilância, efectuada em 14.06.2010, documentada a fls. 212 e ss.. Referiu não ter presenciado o encontro ali referido, já que permaneceu noutra viatura. - PAULO C..., militar da GNR, que participou na vigilância documentada a fls. 322 e 323, efectuada mediante a intercepção de escutas telefónicas em tempo real. Interveio ainda na busca que efectuada no domicílio do arguido, documentada a fls. 333 a 339. - CARLOS R..., militar da GNR que participou na vigilância efectuada em 07.07.2010, documentada a fls. 322 e 323. Interveio igualmente na busca domiciliária. O tribunal teve ainda em consideração: a) os relatórios de diligência externa de: - fls. 67 e ss. (23.03.2010); - fls. 99 e ss. (08.05.2010); - fls. 109 e ss. (22.05.2010); - fls. 212 e ss. (14.06.2010); - fls. 316 e ss. e 322 e ss. (06 e 07.07.2010), efectuada em simultâneo com a intercepção das comunicações telefónicas efectuadas pelo arguido; b) o registo fotográfico de fls. 181 e ss. e 216 e ss., e 287 e ss. relativos às mensagens escritas referidas nas diligências externas; c) o auto de busca e apreensão de fls. 333 e ss., 340 e ss., 342 e ss.; d) os autos de exame de fls. 352 a 359, complementados com os autos de exame de fls. 874 e ss,, efectuados às armas e munições apreendidos; e) o registo fotográfico dos objectos apreendidos (fls. 360 e ss.); f) a certidão de fls. 506 e ss, contendo o acórdão proferido no processo n.º 245/00.3TCGMR; g) a certidão de fls. 800 e ss. e 809 e ss. contendo a liquidação da pena aplicada ao arguido no processo atrás referido, com informação da data em que lhe foi concedida liberdade definitiva, bem como a decisão de concessão de liberdade condicional; h) o ofício de fls. 774, remetido pelo Departamento de Armas e Explosivos da Unidade Orgânica de Operações e Segurança da DN da PSP, que dá conta de que o arguido não é titular de qualquer registo ou licenciamento de armas de fogo; i) auto de exame de fls. 45 (cinco invólucros deflagrados, apreendidos em 06.04.2010 – cfr. o auto de apreensão de fls. 13) Baseou-se ainda o tribunal no relatório de exame de fls. 663, no que se refere ao peso e natureza das substâncias apreendidas. No que se refere aos antecedentes criminais do arguido, o tribunal baseou-se nos crc’s juntos ao processo e no relatório social de fls. 1121 e ss., no que diz respeito à sua personalidade e condição sócio-económica. * Tendo sido esta a prova produzida, importa fazer a sua análise crítica.De acordo com o disposto no artigo 127.º do CPP, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência comum e a livre convicção da entidade competente. A livre convicção não significa, no entanto, apreciação segundo as impressões, nem inexistência de pressupostos valorativos, ou a desconsideração do valor de critérios, ainda objectivos ou objectiváveis, determinados pela experiência comum das coisas e da vida e pelas inferências lógicas do homem comum suposto pela ordem jurídica. Não se analisando em liberdade não motivada de valoração, a livre convicção constitui antes um modo não estritamente vinculado de valoração da prova e de descoberta da verdade processualmente relevante, isto é, uma conclusão subordinada à lógica e à razão e não limitada por prescrições formais exteriores (Cfr. Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, II, pág. 27). O princípio, tal como está inscrito no artigo 127.º, significa, no rigor das coisas, que o valor dos meios de prova não está legalmente pré-estabelecido, devendo o tribunal apreciá-los de acordo com a experiência comum, com o distanciamento, a ponderação e a capacidade crítica, na «liberdade para a objectividade»(Cfr. Teresa Beleza, Revista do Ministério Público, Ano 19º, pág. 40). Há ainda que ter presente que o princípio da livre apreciação da prova engloba não apenas os factos probandos apresáveis por prova directa mas também os factos indiciários, factos interlocutórios ou habilitantes, no sentido de factos que, por deduções e induções objectiváveis a partir deles e tendo por base as referidas regras, conduzem à prova indirecta daqueles outros factos que constituem o tema da prova. Como ensina o Prof. Figueiredo Dias no processo de formação da convicção há que ter em conta os seguintes aspectos (Lições de Direito Processual Penal, pág. 135 e seguintes): - a recolha dos dados objectivos sobre a existência ou não dos factos com interesse para a decisão, ocorre com a produção de prova em audiência, - é sobre estes dados objectivos que recai a livre apreciação do tribunal, como se referiu, motivada e controlável, balizada pelo princípio da busca da verdade material, - a liberdade da convicção anda próxima da intimidade pois que o conhecimento ou apreensão dos factos e dos conhecimentos não é absoluto, tendo como primeira limitação a capacidade do conhecimento humano, portanto, as regras da experiência humana. Assim, a convicção assenta na verdade prático-jurídica, mas pessoal, porque para a sua formação concorrem a actividade cognitiva e ainda elementos racionalmente não explicáveis como a própria intuição. Esta operação intelectual, não é uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objectivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objectiváveis) e para ela concorrem as regras impostas pela lei, como sejam as da experiência, da percepção da personalidade do depoente - aqui relevando, de forma especialíssima, os princípios da oralidade e da imediação - e da dúvida inultrapassável que conduz ao princípio “in dubio pro reo” (cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional de 24/03/2003, DR., II, n.º 129, de 02/06/2004, pág. 8544 e seguintes). Como refere ainda o Prof. Figueiredo Dias “se a apreciação da prova é, na verdade, discricionária, tem evidentemente esta discricionaridade [como (…) a tem toda a discricionaridade jurídica] os seus limites que não podem ser licitamente ultrapassados: a liberdade de apreciação da prova, é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada «verdade material» -, de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral, susceptível de motivação e de controlo”. Mais refere que “se a verdade que se procura é (…) uma verdade práticojurídica, e se, por outro lado, uma das funções primaciais de toda a sentença é a de convencer os interessados do bom fundamento da decisão, a convicção do juiz há-de ser, é certo, um convicção pessoal (…) mas, em todo o caso, também ela uma convicção objectivável e motivável, portanto capaz de se impor aos outros”, acrescentando que “uma tal convicção existirá quando e só quando (…) o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável”( - Direito Processual Penal, Primeiro Volume, págs. 202-203.). Por outro lado, é sabido que a certeza judicial não se confunde com a certeza absoluta, física ou matemática, sendo antes uma certeza prática, empírica, moral, histórica( - Cfr. Climent Durán, La Prueba Penal, ed. Tirant Blanch, Barcelona, pág. 615.). A livre apreciação exige a convicção, fundamentada, do julgador, para além da dúvida razoável. E o princípio in dubio pro reo limita a livre convicção quando, após a produção da prova e sua análise á luz das regras da experiência comum, persista uma dúvida razoável. Não é assim toda a dúvida, lançada em abstracto, que legitima o funcionamento deste princípio – estando em causa factos pretéritos existe sempre uma dúvida abstractamente possível sobre a sua verificação e/ou autoria, na certeza de que quem os aprecia não os presenciou. Mas apenas a dúvida argumentada que, em concreto - após a produção e análise crítica de todos os meios de prova relevantes e sua valoração de acordo com os critérios legais – deixa o julgador (objectivo e distanciado do objecto do processo) num estado em que permanece como razoavelmente possível mais do que uma versão do mesmo facto. Com efeito, “a própria dúvida está sujeita a controlo, devendo revelar-se conforme à razão ou racionalmente sindicável pelo que, não se mostrando racional, tal dúvida não legitima a aplicação do citado princípio”( - Cfr. Acórdão do STJ de 4/11/1998, in BMJ, n.º 481, pág. 265.). Admite-se então que, perante a não rara impossibilidade de apoiar a convicção que se exige da entidade decidente nos chamados elementos de prova directa, se reconheça que, no complexo de actos que integram a actividade probatória, possam intervir determinados meios que, conduzindo à demonstração positiva de factos diversos do tema da prova, permitam uma ilação favorável quanto aos factos probandos. Quando se trate da chamada prova por presunções – circunscrita, de todo o modo, aos factos que integram o objecto do processo – não pode esquecer-se que a relação entre os indícios provados e o facto determinante da responsabilidade criminal do acusado deverá permitir, de acordo com as regras da experiência e da lógica, chegar à conclusão de que, se são certos os indícios, certo haverá de sê-lo também o facto determinante da responsabilidade de cuja fixação se trate. No caso concreto, existem elementos de facto sobre os quais a prova produzida, sendo directa, é inequívoca. É o que sucede com o resultado das apreensões, o tipo e as características das substâncias apreendidas e com os elementos que os militares da GNR verificaram no decurso das acções de fiscalização e vigilância de que o processo dá conta. É ainda o que sucede com o teor das conversas que o arguido mantinha, ao telefone, com diversos interlocutores. A questão essencial reconduz-se, então, a saber se é possível afirmar, a partir daqui, que o arguido se dedicava à venda ou cedência de estupefacientes a terceiros. As escutas telefónicas reportam-se ao período compreendido entre 22.06.2010 e o momento em que o arguido foi detido, em 08.07.2010. Ao longo desse período, foram interceptadas diversas comunicações através das quais é possível perceber que o arguido se dedicava à venda de estupefacientes. Isto, não obstante a linguagem codificada que o arguido e os seus interlocutores habitualmente utilizavam, de que são exemplo: - “material”, referindo-se a estupefacientes, como por exemplo referido nos produto 44 do alvo 43673M; - “copo”, “vinho”, “garrafa” ou “garrafão”, referindo-se a doses e quantidades de estupefacientes, como por exemplo referido nos produtos 51, 58, 63, 181, 185, 242, 266, 291, 560, 1059, 1177, 1376, 1473, 1509, do alvo 43673M; - “chamon”, referindo-se a cannabis, como por exemplo referido nos produtos 57, 59 do alvo 43673M; - “branco”, “claro”, “meio copo de branco”, “meia garrafa de branco”, “garrafão de dia” , “garrafas de dia” ou “uma garrafa de vinho branco”, referindo-se a quantidades (gramas ou meias gramas) de cocaína, como por exemplo referido nos produtos 14, 126 a 136, 146, 150, 170 a 172, 237, 245, 291, 396 a 412, 449, 514, 517, 518, 519, 521, 523, 525, 527, 528, 529, 530, 531, 532, do alvo 43673M e produtos 60, 176 do alvo 43674IE; - “tinto”, “escura”, “preto”, “meio copo de tinto”, “meia garrafa de tinto” ou “uma garrafa e meia de tinto”, referindo-se a quantidades (gramas ou meias gramas) de heroína, como por exemplo referidos nos produtos 113, 146, 245, 396 a 412, 473 e 474, 476, 525, 527, 528, 529, 530, 531, 532, 917, 1143, do alvo 43673M e produtos 28, 38, 60 do alvo 43674IE. Registe-se, por outro lado, que nos telemóveis apreendidos ao arguido foram encontrados contactos telefónicos correspondentes aos números de telefone utilizados por alguns dos seus interlocutores nas escutas (o “David Chipita”, a “Ana Enfermeira”, o “Michel”, a “Telma”, o “Quim Zé”, “Mingota”, entre outros) – cfr. fls. 398 e ss.. Não se trata, como referiu o ilustre mandatário do arguido em sede de alegações orais, de ser menos exigente na apreciação da prova produzida. Do que se trata é de – permita-se-nos a expressão – não tapar o sol com a peneira, não fazer de conta que as conversas que o arguido manteve ao telefone não existem, não fazer da conta que tais conversas não têm qualquer significado e se referem a qualquer outro assunto que não o tráfico de estupefacientes. Revelam isso mesmo conversas onde são utilizadas, quer pelo arguido (na maior parte das vezes enquanto vendedor ou fornecedor), quer pelos seus interlocutores, alguns deles não identificados (estes enquanto compradores ou interessados na aquisição do estupefaciente) expressões como, entre outras: - queria mais meia de branca”, “uma garrafa de branco, bê lá como aprendes a falar”, “podes passar aqui”, “té já então” – fls. 18 do apenso A; - “olha, já tens material ou quê?”, “Já”, “Eu bou já aí buscar”, “Já não qu’eu bou já prá cama” – fls. 20 e 21 do apenso A; - “este vinho tem um gostinho agradável, i é seco, ta muito bom segura nele por um bom tempo” – fls. 22 do apenso A; - “se for certinho deste vinho por muito tempo, isto vai chover pos teus lados i para os meus também porque assim cativa a clientela” – fls. 23 do apenso A; - “(…) sabes que mais bom for o vinho mais eles gostam, i vêem mais vezes” – fls. 24 do apenso A; - “(…) e uma garrafa e meia de tinto. Há não?”, “Tenho”, “Eu dou-te um toque quando estiver a chegar”, “Tá. Até já” – fls. 26 do apenso A; - “Arranjas meia garrafa de vinho branco”, “Passo ai”, “Ok então” – fls. 27 do apenso A; - “(…) queria meia garrafa de vinho branco”, “Ainda tens aquela meia de, da garrafa de vinho tinto?”, “Tenho.”, “Fico-te com essa então”, “Passas por aqui?”, “Bou”, “Tá bem” – fls. 28 e 29 do apenso A; - “(…) precisava de uma garrafa de vinho branco” – fls. 29 do apenso A; - “(…) i num keres xo passar aqui mais desta vez i trazer meia garrafa de vinho branco(…) – fls. 31 do apenso A; - “(…) Olha, é um garrafão. Branco (…) cinco minutos tava aí.”, “Ok, até já” – fls. 31 do apenso A; - “Queria uma garrafa, mas olha, eu tenho binte e três euros”, “(…) digo-lhe uma coisa, o vinho é cinco estrelas, é daqueles(…)”, “(…) só para você saber que amanhã, se quiser que há boa, boa pomada.” – fls. 32 do apenso A; - “(…) olha amanha ve se vais buskar vinho tinto xenao vou ficar sem beber, i ve se amanha me das uma garrafa melhor que as de hoje, já mereço(…)”, “tenhu feito pela vida e inda te dou umas massas a ganhar” – fls. 32 e 33 do apenso A; - “(…) era meia garrafita de vinho branco”, “Eu daqui a pouco passo aí”, “(…)até já” – fls. 34 do apenso A; - “(…) tou sem vinho nenhum” – fls. 35 do apenso A; - “(…) é tinto, porque o branco ainda vou bebê-lo eu (…). O branco ainda vou ter que o beber eu” – fls. 36 do apenso A; - “(…) o vinho que tá no Quinzinho é igual ao meu?”, “(…) ainda há bocado fui ao Quinzinho buscar uma cena e num tem nada a ver, é uma amarela, sequinha, cristalina”, “Pá num é pra mim que sabe qu’eu num bebo”, “Vou só trazer tinto porque o branco num adianta. O pessoal num quer, o que é que vou fazer?(…) Num o vou beber eu” – fls. 38 e 39 do apenso A; - “Precisava de umas garrafas de dia, num me desenrascas? Sim”, “Põe-te à beira da estrada, até já” – fls. 43 do apenso A; - “Ainda há garrafas de vinho tinto, não?”, “Há”, “Num dá para passares aqui às sete e meia?” “Dá.”, “Prontos, traz duas garrafas de vinho tinto.”, “(…) tenho como levaste ontem, uma e meia”, “(…) traz-me essa uma e meia”, “e então é meia e mais meia de tinto”, “Até já” – fls. 46 do apenso A; - “essa merda é chilicoca”, “porque é que eu num pus na prata” (em que o interlocutor reclama da qualidade do estupefaciente) – fls. 18 do apenso B; - “olha, há vinho bom”, “pois, mas neste momento não tenho que chegue para logo”, “há mesmo daquele bom, do Marcelo, portanto se quiseres diz alguma coisa” (em que o arguido sugere ao interlocutor que tem estupefaciente de boa qualidade), “ele deve querer p’raí uma gramola” – fls. 20 e 22 do apenso B; - “já arranjei 25 euros. Dá pa desenrascares uma garrafica de vinho? De vinte euros e cinco de vinho tinto?”, “Tinto tá fora de questão”, “O branco é uma coisa, o tinto num tenho” (em que fica combinada a entrega de cocaína – fls. 24 e 25 do apenso B; - “(…)há bocado queria vinte paus. Mas já comprei” (fls. 26 do apenso B); - “(…) tu fazes-me binte euros qu’eu arranjei binte euros emprestados?”, “(…) nem que te fique a dever dez euros até amanhã(…)”, “fia-me dez paus, ó menos bendes meia por, por…”, “E se for por binte e cinco”, “É trinta Gonçalo, num adianta”, “Este binho, não há hipótese” (em que o arguido e o interlocutor combinam a entrega de uma quantidade de estupefaciente equivalente a 25 €) – fls. 28 e 29 do apenso B; - “podes trazer (…) meia garrafa de vinho branco?”, “posso mas mais logo que eu agora vou buscar isso”, “E vinho tinto, num tens?”, “Vou agora buscar tudo”, “Traz cinco de vinho tinto (…)”, “Tá bem” – fls. 29 e 20 do apenso B; - “arranja uma cena de, vinte de claro e cinco de escuro”, “ainda vou demorar p’raí mais de meia hora”, “Pronto, mas logo que coiso, vens ter aqui então?”, “Tá bem” – fls. 30 e 31 do apenso B; - “Toni eu não posso adormecer arranjas-me mais meia se quiseres deixo te ficar a minha carteira com os meus docomentos incluindo os da carrinha porque é cem por cento certeza absoluta pagarte d manhã” – fls. 32 do apenso B; - “(…)precisava de uma vintena. Queria te dar vinte paus”, “(…) só tenho aqui quinze euros”, “quinze euros num dá nem (…) pra ajudar a noite”, “então eu quando tiver mais dinheiro amanhã ligo-te” – fls. 32 do apenso B; - “Tens alguma coisa?”, “Porquê?”, “Porque eu queria metade, tá certinho”, “Posso passar aí”, “Já bou praí, até já” – fls. 33 do apenso B; - “(…) posso passar nos seus aposentos?”, “tenho aqui trinta paus para lhe dar”, “É bem bindo”, “Até já” – fls. 33 e 34 do apenso B; - “(…) fazes-me uma cena de vinte e cinco de escuro”, “vinte de branco e cinco de escuro”, “Dá meia hora”, “Tá, chau” – fls. 57 do apenso B; - “É a Telma. Posso passar por aí?”, “Num tenho nada, só mais logo”, “Só lá prás dez horas”, “Pronto, tá bem…té lo…” – fls. 57 do apenso B; - “É um garrafão de branco e um garrafão de tinto”, “(…)cinco minutos”, “(…) até já” – fls. 58 e 59 do apenso B. Estes são alguns exemplos daquilo que foi possível recolher a partir das escutas. Muitos outros há que nos dispensamos de reproduzir por considerarmos desnecessário e fastidioso. Trata-se de conversas e mensagens que dão conta de uma actividade consistente e intensa de venda de estupefacientes a diversas pessoas, não sendo minimamente plausível que o arguido tenha mantido tais conversas durante, pelo menos, esse período de tempo sem que tivessem qualquer correspondência com a sua concreta actuação. Por outro lado, não é razoável que o teor das intercepções revele de forma inequívoca uma actividade de venda de estupefacientes a diversas pessoas sem que haja sinal, nessas intercepções, de que tais transacções, afinal, não se efectuaram. O que delas resulta é que as transacções efectivamente ocorreram, de tal maneira que há registo, nuns casos, que o estupefaciente seria de boa qualidade, acontecendo em outras circunstâncias o inverso (cfr., por exemplo, fls. 18 do apenso B). É assim inteiramente correcta a conclusão a que chegou a testemunha CARLOS S... a partir dos indícios recolhidos. A defesa sustenta que as escutas telefónicas, enquanto meio de obtenção de prova, não podem ser valoradas. Não é exacto. Se é verdade que as escutas telefónicas assumem a natureza de meio de obtenção de prova, já as conversações/gravações naquelas recolhidas revestem o carácter de verdadeiro meio de prova. Di-lo o STJ no Acórdão de 19.10.2005, onde se lê que “Mesmo sendo o único meio de prova, o tribunal não está impedido de apoiar nas escutas telefónicas a sua convicção probatória como até de as subalternizar e reduzir a um mero instrumento metodológico de aquisição de prova, elementos de intervenção de presunções naturais, prova através da qual o tribunal se pode abalançar à aquisição de factos materiais e neste sentido prova indiciária mas ainda meio credenciado de prova, nos termos dos artigos 124º, 125º e 187º e ss do CPP”. No caso concreto, as escutas telefónicas nem sequer são o único meio de prova em que o tribunal se apoia para dar como demonstrados os factos de onde resulta que o arguido se dedicava ao tráfico de estupefacientes. Existem depoimentos que dão conta de que o arguido vendeu estupefacientes a terceiros (cfr. os depoimentos das testemunhas ALBERTO L..., ANTÓNIO S..., GONÇALO P... e PEDRO F...), como existem depoimentos que negam essa actividade, apesar de evidenciada nas escutas, razão pela qual não lhes podemos atribuir, nessa parte, qualquer credibilidade (veja-se, a este propósito, o depoimento da testemunha ANA L...). Aqui chegados, não se suscitam quaisquer dúvidas sobre a existência de uma actuação reiterada por parte do arguido no sentido propugnado na acusação. É evidente que, não tendo sido efectuadas outras apreensões de substâncias estupefacientes, para além daquela que ficou descrita, não é possível ao tribunal individualizar e concretizar com exactidão que quantidades o arguido vendeu em cada momento. Do que não há dúvidas é que o arguido exerceu essa actividade de uma forma intensa, pelo menos durante o período assinalado e que podemos, a partir da prova produzida, sintetizar deste modo: se não antes, pelo menos a partir do dia 08.05.2010 (data em que os militares da GNR presenciaram, pela primeira vez, a prática de actos por parte do arguido compatíveis com uma actividade de tráfico), o arguido adquiria estupefacientes, que depois dividia (“engarrafava”), vendendo-a a terceiros, não só em sua casa como noutros locais, onde se deslocava utilizando para o efeito o veículo de matrícula 28-41-.... Fê-lo diariamente e, em alguns casos várias vezes ao dia. Fica ainda demonstrado que o dinheiro apreendido na posse do arguido era resultante da actividade de tráfico de estupefacientes. Ainda que num determinado momento tenha estado, aparentemente, ligado à exploração de um bar de alterne, o facto é que à data da apreensão, de acordo com o depoimento da testemunha CARLOS S..., já não o fazia há cerca de um a dois meses. De resto, das escutas não há o menor indício de que o arguido continuasse a dedicar-se a essa actividade ou que se encontrasse minimamente condicionado, por exemplo em termos de disponibilidade, pelo exercício de qualquer outra actividade que não o tráfico de estupefacientes, o que autoriza a conclusão de que o montante encontrado na sua posse era proveniente desta sua actuação. Assim não acontece em relação aos demais objectos apreendidos. Ainda que haja indícios de que o arguido poderia receber objectos de valor (por exemplo, objectos em ouro) em troca de estupefacientes, não existe prova segura de que este ou aquele objecto estivesse na sua posse por esse motivo. De resto, a própria acusação também não o refere. No que se refere aos factos não provados, ou são contrários àqueles que o tribunal deu como provados, ou não existiu prova, sequer indiciária, que permita ao tribunal dá-los como demonstrados: é o sucede com os alegados disparos que o arguido teria efectuado no período do Carnaval de 2010. Sobre esta matéria, apenas se pronunciou a testemunha CARLOS S..., militar da GNR que procedeu à apreensão dos invólucros das munições pretensamente utilizadas nos disparos. Não viu o arguido a utilizar a arma e não foi produzida qualquer outra prova nesse sentido. FUNDAMENTAÇÃO A primeira e nuclear questão do recurso está na alegação de que ao arguido apenas foi feita uma imputação genérica: a de que ele vendeu, dentro de determinado período de tempo, produtos estupefacientes. Transcreve-se da motivação: “Em momento algum, seja na acusação, seja na matéria dada como provada, é dito ou referido a quem, quando, quanto ou o quê, é que o arguido vendeu produto estupefaciente”. Vejamos: Na realidade, nos «factos provados», baliza-se o comportamento do arguido entre 8 de Maio e 8 de Julho de 2010, sem se individualizar as concretas transacções de drogas feitas durante esse período. Consta do facto provado nº 1 que “... pelo menos a partir de 08.05.2010, o arguido Avelino, também conhecido por “T... Tendeiro” ou “T... Feirante”, decidiu dedicar-se a comprar estupefacientes, nomeadamente heroína e cocaína, com o intuito de os revender a terceiros…”. O art. 283 nº 3 al. b) do CPP dispõe que a acusação contém, sob pena de nulidade “a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena….”; e o art. 374 nº 2 do mesmo código que da fundamentação da sentença deverá constar “a enumeração dos factos provados e não provados…”. A solução está em saber se a frase referida reproduz um «facto» ou um mero juízo conclusivo. Nem sempre é fácil distinguir as questões de facto das questões de direito. Não sendo este o local para uma dilucidação exaustiva, dir-se-á que há uma «questão de facto» quando se procura reconstituir uma situação concreta ou um evento do mundo real e há uma «questão de direito» quando se submete a tratamento jurídico a situação concreta reconstituída. Isto implica que o «facto» não pode incluir elementos que a priori contenham implicitamente a resolução da questão concreta de direito que há a decidir. Afirmar que o arguido se dedica à compra e venda de estupefacientes é relatar uma situação concreta do mundo real. Para o efeito, significa o mesmo que afirmar que alguém é “merceeiro”, ou se dedica à “venda ambulante de peixe”. Todos os falantes da língua portuguesa percebem a que realidades concretas estas expressões se referem. A questão é outra. O crime de tráfico de drogas pode consumar-se num só comportamento. É o que acontece com o vulgarmente denominado «correio de droga», aliciado para um único transporte. Porém, a maior parte das vezes, o tráfico de drogas é um crime de execução continuada, em que a execução do mesmo desígnio criminoso se prolonga durante um determinado período de tempo. Há nele uma certa ideia de actividade que se prolonga necessariamente no tempo, pelo que a prática repetida dos actos que o integram, cometidos em obediência à mesma resolução criminosa, constitui uma conduta unificada e, como tal, integrante de um único crime - v. a. S.T.J. de 27-6-90 in BMJ 398/315. Nestes casos, cada venda não constitui o agente na prática de um crime autónomo. Voltando aos exemplos acima dados, pode alguém afirmar que outrem é merceeiro ou vendedor ambulante de peixe, sem nunca lhe ter comprado um produto de mercearia ou do mar. Se o vê regularmente atrás do balcão da mercearia a atender clientes, ou a apregoar peixe na rua pode, fundadamente, afirmar o facto. A imputação de que o arguido “decidiu dedicar-se a comprar estupefacientes, nomeadamente heroína e cocaína, com o intuito de os revender a terceiros…” reproduz um «facto». Mas trata-se de um facto genérico, que impõe especiais rigor, cuidado e minúcia na fundamentação, que afastem o risco da sua prova assentar em meras conjecturas. A prova de que um arguido se dedica ao tráfico não pode, por exemplo, decorrer da circunstância de acompanhar consumidores, ou de ter feito uma entrega de droga. Tal como ninguém deve ser considerado vendedor ambulante só porque foi visto uma vez a entregar um peixe. Defende o arguido que para que as vendas tivessem “relevância jurídica, deveria ter havido uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação, nos termos do art. 358 nº 1 do CPP, e após os devidos trâmites, ser dado como provado, se assim entendesse o tribunal, aquelas transacções…”. Como já se disse, estava em causa uma actividade de venda de drogas e não cada uma das concretas transacções efectuadas em que a mesma se desdobra. O simples facto dum arguido, ao telefone, ter combinado uma entrega de droga, não é suficiente para a prova de que a entrega veio a ser concretizada. Porém, a circunstância de num curto espaço de tempo diversas pessoas terem telefonado ao mesmo arguido a encomendar droga, pode bastar para, segundo o normal acontecer das coisas e as regras da experiência, se concluir que ele se dedicava ao tráfico de estupefacientes. Como este, muitos outros exemplos poderiam ser apontados, em que é possível formular um juízo de certeza quanto à actividade de tráfico, sem se indicar as datas e o número de transacções efectuadas, nem as qualidades, pesos e preços de cada uma delas. Pense-se no caso de vários consumidores contarem no julgamento que durante um ano foram abastecidos por determinado arguido, sem que, como é quase inevitável, algum deles consiga indicar datas, número de vezes, quantidades e preços exactos – O art. 283 nº 3 al b) do CPP indica que a narração dos factos deve incluir «se possível» o lugar, o tempo e a motivação da prática do crime… Os Direitos Penal e Processual Penal formam um todo harmonioso. Não é razoável imaginar que o primeiro puna condutas que, depois, o segundo, pelos espartilhos que colocaria, torna humanamente impossíveis de provar. Repete-se, nestes casos, a fundamentação deve ser feita com especiais rigor, cuidado e minúcia. A prova há-de-ser, toda ela, conjugada e relacionada. Essencial é que as certezas a que o tribunal chega não apareçam como sendo fruto de arbítrio, mera conjectura ou “palpite”. Pois bem, em toda a argumentação, com vista a questionar sua actividade de venda de drogas, o recorrente omite uma vertente essencial da fundamentação. Argumenta como se as escutas não tivessem sido muito relevantes para a decisão do colectivo, ou, até, como se não tivessem existido. Ainda assim, refira-se que o conteúdo das escutas não foi o único elemento de prova. Elas podem e devem ser conjugadas com os depoimentos das testemunhas que, reconhecendo serem consumidores de drogas, começaram por afirmar não conhecerem o arguido, ou nunca o terem contactado para comprar drogas, mas que, depois, quando confrontadas com o conteúdo das escutas, deram explicações do âmbito da pura fantasia – no recurso não se alega, nem se tenta demonstrar, que os depoimentos não tiveram o sentido indicado na motivação. No mesmo sentido “falam” a droga e o dinheiro apreendidos, em quantidades significativamente superiores às normalmente disponíveis por meros toxicodependentes. Há também as vigilâncias policiais. Todos estes elementos de prova formam um todo harmonioso, que apontam inelutavelmente para a matéria de facto que o colectivo considerou provada no ponto nº 1. * Há, porém, um facto, igualmente com uma redacção genérica, que não está fundamentado.Naturalmente, o arguido tinha fontes onde se abastecia da droga que posteriormente vendia. A determinação das quantidades que adquiria, se puder ser feita, é muito relevante para a aferição global da ilicitude, pois, no fluxo de droga que passava pelas suas mãos, a droga que adquiria correspondia basicamente à que depois vendia. No juízo sobre a ilicitude pode estar diferença entre a condenação pelo crime de tráfico do art. 21 do Dec.-Lei 15/93 ou pelo crime de tráfico de menor gravidade do art. 25 al. a) do mesmo diploma. Pois bem, no facto nº 2 são balizadas a periodicidade e as quantidades de droga adquiridas pelo arguido, para posterior revenda. Refere-se nele que “com uma periodicidade que, pelo menos a partir de 22.06.2010 era quase diária, contactava pessoas que lhe forneciam quantidades de estupefaciente, nomeadamente de heroína e cocaína, em pacotes com cerca de cinco gramas cada, que o arguido depois dividia na sua habitação, com recurso a uma balança…”. Através da fundamentação há-de ser possível perceber porque razão o tribunal decidiu num sentido e não noutro. No caso, como chegou o colectivo à certeza de que, a partir de 22-6, o arguido, quase diariamente, se abastecia de um pacote de cerca de cinco gramas de heroína e outro de igual peso de cocaína, para depois dosear e revender? Porque se considerou provado que já antes os fornecimentos eram igualmente em pacotes de cinco gramas de heroína e cocaína, embora em espaços de tempo mais alargado? Porque houve a certeza de que o doseamento era feito em casa do arguido, pelo próprio? Na fundamentação não são indicadas as razões que permitiram que o facto em causa fosse considerado provado. A fundamentação dedica o essencial às actividades de «venda», sendo que o facto nº 2 é o que permite formular juízos sobre o volume de drogas transaccionadas. Sendo um facto com uma redacção genérica, em que não se concretiza cada uma das aquisições feitas pelo arguido, impunha-se que, pelas razões acima apontadas, tivesse sido fundamentado com especiais rigor e minúcia. * A omissão em causa importa a nulidade do acórdão, por não terem sido feitas as menções referidas no nº 2 do art. 374 do CPP quanto à fundamentação da decisão sobre a matéria de facto – art. 379 nº 1 al. a) do CPP.A nulidade torna inválido o acto em que se verificou e a sua declaração determina a sua repetição – art. 120 nºs 1 e 2 do CPP. Isto é, deverá o mesmo tribunal colectivo que proferiu o acórdão recorrido, proferir novo em que seja suprida a nulidade, mantendo ou alterando os factos em causa, conforme a fundamentação que for feita. A declaração de nulidade prejudica as demais questões suscitadas no recurso deste arguido, pois sendo inválido o acórdão agora recorrido, é o novo que subsistirá, havendo recurso do que for decidido. * DECISÃOOs juízes do Tribunal da Relação de Guimarães ordenam que, pelo mesmo tribunal que proferiu o acórdão recorrido, seja proferido um novo em que seja suprida a nulidade apontada. * Sem custas. |